As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 43
Apenas um copo de cerveja.


Notas iniciais do capítulo

Meu sumiço tem nome: viagem.
Eu passei uns três dias longe de casa e foi muito bom! Cheio de experiências o que me serviu muito para ter inspiração pq que não estava conseguindo escrever nada '-' ok, vamos lá!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/43

#Narrado por Daniel#

Na noite do meu aniversário, contei tudo para minha avó e Leandro sobre os presentes que ganhei, principalmente o violão.

- Ele é muito bonito. – comentou minha avó.

- Eu sei. Eu gostei muito. – disse.

- Foi aquela mocinha quem deu pra você? – pergunta Leandro.

-Sim, foi a Diana. – respondo.

- Toque alguma coisa pra gente. – pede a minha avó. – Só se tiver afinado.

Eu seguro o violão e me sento no sofá. Começo a soltar algumas notas da música do Cazuza, pois sei que Leandro gosta dele.

- “Exagerado”... Eu gosto dessa música. – comenta ele enquanto eu continuo tocando. Os dois ficam calados, apenas observando, e então Leandro começa a murmurar a música até tomar coragem de cantar. -... E por você eu largo tudo: carreira, dinheiro, canudo. Até nas coisas mais banais. Pra mim é tudo ou nunca mais.

- Exagerado, jogado aos teus pés. Eu sou mesmo exagerado. – canto.

- Adoro um amor inventado. OH-OH! – continua ele.

Minha avó riu da cena, e depois Leandro a acompanhou em uma gargalhada sincronizada, exibindo as rugas dos dois e os olhos que brilhavam.

- Vocês deveriam formar uma dupla sertaneja. – diz ela levantando-se do sofá e indo para o quarto.

Leandro admira o violão.

- Diana é uma garota especial. – diz ele. – Estou orgulhoso de você, Daniel.

As palavras dele saem de forma natural, como se nada tivesse sido ensaiado ou que a minha avó tivesse pedido para ele dizer a mim.

- Obrigado Leandro. – digo.

- Cuidado com as coisas do mundo. Não magoe essa menina. Seria uma tremenda burrice perdê-la.

- É, seria mesmo. – afirmo.

- Eu sei que você realmente nunca foi um rapaz de ideias corretas. Desde que eu soube da sua tentativa de assalto... Comecei a desconfiar de outras coisas também.

- Isso foi no passado. Enterre ele, esqueça ele! – continuo, encarando-o de forma compreensiva.

- Daniel, queria que você pela primeira vez confiasse em mim. – pede ele. – Ou pelo menos tentasse. Sei lá, se existe algo que está incomodando você, se você precisa de ajuda pra alguma coisa, qualquer coisa, conte comigo.

Aquilo estava se tornando um debate psicológico. Eu não tinha coragem de contar sobre os meus problemas para um cara que já tinha os dele. Para mim, era mais fácil desabafar com Diana ou com a minha avó do que com Leandro, mesmo sendo ele o meu pai, e mesmo que eu não o considerasse isso.

- Não acho necessário descontar anos dos meus problemas em algumas horas de conversa com você. Se você quer saber a verdade, eu já fiz muita merda na vida. Acho que não vale a pena recordar esses erros do passado.

- Não quero saber sobre seus erros do passado. Quero saber sobre suas aflições de agora. Sei que tem alguma porque na sua idade eu também tive as minhas. – replica ele.

- Comparar nossa juventude... Um tanto errado, não acha? – questiono duvidoso.

- Daniel, você agora tem dezoito anos. Sabe a responsabilidade que lhe cai nos ombros agora?

Na verdade, eu não sabia. Nunca fui de levar o termo responsabilidade a sério.

- Leandro, eu não sei o que dizer. Mas, estou tentando ser um cara... Diferente. Não sei se essa é a palavra certa, mas eu estou tentando.

- Tentar é bom. Conseguir é melhor. – diz ele com uma séria expressão no rosto. – Você já sabe que faculdade pretende fazer?

O nervosismo toma conta de mim porque eu ainda não sabia a resposta para essa pergunta. Na verdade, para nenhuma pergunta que envolvesse o meu futuro. Eu sabia que queria alcançar Diana, onde quer que ela esteja, mas não sabia se meu sonho (seja lá qual fosse ele) a incluía ou se os sonhos dela me incluíam.

- Não, ainda não sei. – respondi.

- É hora de começar a pensar sobre isso. Depois que sua nota no vestibular sair, eu espero que você consiga fazer uma faculdade. Não queira o mesmo destino que eu. – disse ele levantando-se do sofá. – sonhe alto! Sonhe com viagens, países fantásticos. Sonhe com o sucesso, com a felicidade. Sonhe. E se não der certo, sonhe de novo.

Eu engoli aquele conselho como quem engole um copo de água gelada quando se tem sede. Fui dormir naquela noite com a certeza do que deveria fazer.

***

No dia seguinte, Diana chegou cansada na escola, como se não tivesse dormido nada. Ela não era a única. Catharina parecia exausta, e as duas tinham seus motivos:

- Ora, a professora Margô nos obrigou a ficar até tarde aqui fazendo a decoração pelo simples fato de que “não podemos passar quatro dias decorando, a festa é sexta, temos que terminar hoje, blá, blá, blá!”. – disse Diana imitando toda Margô com uma voz fanha.

- Então vocês terminaram toda a decoração ontem? – perguntou Flávia.

Diana respondeu apenas balançando a cabeça. Sentou-se na cadeira do lado da minha e deitou-se no meu ombro.

Estávamos sem o professor de química que havia faltado por motivos pessoais e nenhum outro professor se dispôs a substituir a aula dele.

- Quer ouvir música? – pergunto mostrando o fone de ouvido para ela.

- Quero! – responde Diana.

Tiro meu celular da bolsa e entrego a ela para que faça uma escolha descente para a nossa playlist.

- Conversei com o Leandro ontem... Foi legal. – digo.

- Isso é ótimo! Queria muito que vocês se aproximassem.

- Mesmo assim, ainda quero muito conhecer a Eduarda. – continuo.

Diana fica pálida, como se temesse alguma coisa ao ouvir aquilo.

- É... Hum... Você quer mesmo conhecer a sua... Mãe? – pergunta ela hesitando entre as palavras.

- Sim, eu quero. Mas acho melhor esperar as coisas acontecerem no tempo certo.

- É, eu também. – afirma ela.

Diana seleciona algumas músicas para tocar em ordem, a primeira que toca é “In my place”, a primeira música que a ouvi cantar a tradução, naquele dia no meu quarto, quando contamos um ao outro os segredos da nossa infância.

- Ainda lembro a tradução dessa música. – sussurro para ela.

Diana sorri e depois me encara de forma serena, com a mão apoiando o queixo. O cabelo dela cai sobre o ombro e as pontas dobram do final de forma a deixar o rosto dela quase desenhado. Ela tinha a combinação perfeita de tudo no rosto: desde os olhos escuros até o nariz fino. O cabelo preto e a pele parda. A boca pequena e os lábios rosados, tão rosados que nenhum batom se compararia. Ela era tão perfeita e eu a amava.

Eu nunca pensei que iria me entregar a alguém. Nunca pensei que fosse ler um livro na vida ou gostar de um apelido idiota. Nunca pensei que fosse querer segurar a mão de uma garota e nunca mais querer soltar. Nunca pensei que fosse me apaixonar por alguém que mais parece um anjo quando sorri. Pensei que minha vida iria se resumir a um cara que saia por aí com muitas garotas gostosas, aprontando todas e esquecendo de viver de verdade. Eu estava indo pelo caminho errado e então Diana me salvou.

- Eu estava perdido. – sussurrei novamente.

- Se você for e me deixar aqui sozinha, eu ainda esperarei por você. – disse ela. Era um trecho da música que estávamos ouvindo.

 Enquanto o restante das músicas mesclava com rock internacional ao nacional e claro, o tão venerado Indie rock que ela gostava, observei as diversas reações de Catharina. Ela só parou de nos observar quando um dos garotos começou a conversar com ela.

Maurício e Flávia eram outro casal que dividiam o fone e riam de besteiras como as piadas que viam na internet. Eu mal esperava a hora de ver os dois juntos.

- Ei, aquilo tá virando novela mexicana, não acha? – perguntei a Diana me referindo aos dois que estavam sentados a alguns centímetros de nós.

- É, está mesmo. Ele não tem coragem por que acha que ela não vai aceitar. Ela não tem coragem por que acha que ele não vai querer ela. Aí os dois ficam nesse joguinho de olhares, apertos de mãos e abraços apertados demais...

Eu ri.

- E quanto a Lucas? Não está interessado em ninguém? Ele me pareceu feliz domingo, quando eu fui à sua casa e você não estava, ficamos conversando e ele me contou sobre o curso de corte e costura.

- Sim, ele voltou a fazer, mas não creio que tenha a ver com nenhuma paixonite.

- Sua mãe já sabe que ele é... Gay?

- Não... Mas tenho certeza que ela já desconfia por que ela não pergunta mais dele o motivo da coleção de maquiagens que ele esconde no guarda-roupa.

- Seu pai... Sabe? – pergunto.

- Meu pai não sabe nem que eu gastei o dinheiro pra comprar seu violão! – exclama ela aos risos. Eu fico sério. – Brincadeira, eu contei sim.

- Quando ele volta?

- Talvez ele venha em dezembro. – responde ela. Alguns minutos depois o celular dela toca. – Eu não conheço esse número.

- Atende mesmo assim, pode ser algo importante. – sugiro.

- Alô? – diz ela com o celular no ouvido. – Sim, é ela mesma... Sim, conheço... Você pode ligar pra minha casa mais tarde, o número é 5514-3467. Muito obrigada. – Ela encerra a ligação e volta a atenção para mim com um sorriso estampado do rosto que ia de orelha a orelha.

- O que era? – pergunto curioso.

- Eram da editora. Eles querem conversar comigo e com a minha mãe. – responde ela.

- Nossa! Isso é ótimo. – digo tão feliz quanto ela.

O sinal toca e Diana passa o resto da aula ansiosa para voltar pra casa e receber o telefonema da editora novamente.

No intervalo ela conta ao irmão e decidi ligar para dona Daniela que avisa a ela que já telefonaram para lá marcando um dia para que todos pudessem ter uma conversa a respeito do livro de Diana, pois estavam interessados e queriam dar uma proposta a ela.

- DIANA! Eu mal consigo acreditar! – exclama Flávia abraçando a amiga.

- Nem eu! – diz Lucas.

Catharina chegou à mesa para cumprimentar Diana.

- Nossa, ontem foi barra! Pelo menos encerramos as decorações. – disse ela.

Diana apenas concordava com a cabeça, sem pronunciar uma única palavra. Catharina percebeu que era desnecessário a sua presença ali e se retirou.

No fim da aula, Diana foi desesperada para casa, como se esperasse a visita da pessoa mais importante do mundo.

- Se cuida garotinha. – disse. Ela acenou e correu para o ponto de ônibus.

***

Na volta pra casa, Catharina me acompanhou. Começou a conversar comigo a respeito dos presentes que ganhei de Diana.

- Foi um violão. – disse.

Ela fica séria, como se estivesse com ciúmes. E de fato ela estava. Não nego que sei dos sentimentos de Catharina por mim, mas isso tem ficado fora do controle. Antes ela não se incomodava com certas coisas da minha vida. Agora, ela quer controlar o que faço como se fosse a responsável por tudo o que é meu.

- Um bom presente. – disse ela por fim.

Em casa, ajudei a minha avó a pintar o quarto dela. A parede de cor branca foi tingida de rosa claro, e logo parecia um quarto de bebê.

Contei a ela sobre a notícia que diana recebera:

- Ligaram para a Di hoje. Daquela editora. – disse.

- Jura? Ai Deus meu, espero que publiquem o livro dela. Ela é uma moça muito inteligente.

- É sim, muito inteligente. – concordei.

Minutos depois o meu celular tocou. Era Lucas.

- Alô? Daniel desculpa te incomodar, mas tem como você passar aqui em casa? A Diana parece estar surtando com tudo isso que tá acontecendo...

- Claro, vou aí sim.

Desligo o celular e a minha avó me encara.

- O que era? – pergunta ela.

- Lucas, o irmão da Di. Pediu pra eu passar lá, dar uma força pra ela. – respondi limpando as mãos sujas de tinta em um pano mais sujo ainda.

- Ok querido, vá lá.

Fui ao banheiro e tomei um rápido banho, apenas para trocar a roupa. A tinta rosa não saiu completamente e se tornou uma mancha na metade do meu braço e em partes do meu cabelo. Nenhum sabão parecia dar jeito.

Peguei as chaves sobre a mesa e saí.

Lucas me recebeu nervoso e comecei a desconfiar se o surto era dele ou de Diana.

- Ela está no quarto, mal consegue se acalmar. – dizia ele.

- Dona Daniela está aí? – perguntei.

- Sim! A coitada faltou trabalho pra poder conversar com esses caras. – respondeu ele.

Da sala era possível ouvir Diana e a dona Daniela discutindo: “você tem que se acalmar minha filha”, “eu sinto que vou parar de respirar”, “Diana, você tem que pensar positivo, tudo vai dar certo”.

Bati a porta e as duas olharam para mim.

- Dan! – exclamou Diana feliz. Ela veio em minha direção e me abraçou.

- Ei, tá nervosa demais. – disse. Diana me encara.

- Ela não sabe se acalmar. – diz a mãe dela.

A campainha toca e Diana gela. A mãe segue para a sala e nos deixa sozinhos.

- Você precisa ficar bem. Tudo vai dar certo. Eles vão gostar falar boas coisas. Não teriam motivos para ligar pra você se não fosse por isso. – digo. Eu seguro sua mão e a levo para a sala.

Dois homens altos e bem vestidos e uma mulher muito elegante entram. Lucas os cumprimenta de forma educada. Um dos homens é Charles Wilton, o homem que falou com Diana do dia da premiação.

- Boa tarde! – diz ele.

- Boa tarde. – cumprimenta dona Daniela. – Vocês aceitam alguma coisa? Um suco, água...

- Água, por favor. – pede a mulher. Daniela assente.

Enquanto a mãe de Diana segue à cozinha para buscar o copo d’água que fora pedido, a mulher se apresenta:

- Diana! É um prazer conhecê-la! – diz a mulher. – Meu nome é Angelina. Sou editora chefe da Moderna. É a primeira vez que venho à casa de alguém para fazer uma proposta.

Diana fica mais gelada ainda e por um momento consigo escutar com clareza o coração dela batendo acelerado.

- Que... Legal. – diz Diana. As únicas palavras que ela consegue dizer.

 O silêncio domina o momento. Todos se olham na sala. A situação parece constrangedora, até que Daniela chega com uma jarra de água e entrega um copo cheio para Angelina.

- É... Vocês tinham uma proposta pra Diana... Porque não falam logo sobre isso? – diz Lucas.

- Claro! Você está pronta para ouvir? – pergunta Angelina. Diana assente. – Queremos publicar seu livro. Ele é exatamente aquilo que procuramos. Uma história que prende o leitor. Eu mesmo o revisei e dois dias. – ela sorri. – Você tem um talento muito peculiar. A forma como escreve... Nem parece que tem 16 anos.

Todos na sala riem.

- Nossa proposta é assinar um contrato de experiência. Publicaremos alguns exemplares do livro e se for aceito pelo público... Expomos à mídia. – continua Angelina.

- Isso é incrível! – exclama Daniela.

- Agora está em suas mãos Diana Lins. – fala Wilton olhando para Diana, esperando por uma resposta.

Diana pensa, seus olhos movimentam-se para diferentes áreas da sala, como se esperasse uma resposta do nada. Ela aperta a minha mão e então responde:

- Preciso ler o tal contrato primeiro.

Os dois homens e a mulher encararam-se.

- Com certeza. Iremos deixar o contrato com você e amanhã nosso representante vem saber a sua decisão. – diz Wilton entregando a ela uns papéis.

- Estamos dispostos a fazer uma boa publicidade sobre seu livro. – continua Angelina. – espero que aceite nossa proposta.

Daniela entrega a eles o número do telefone e o horário em que estará em casa para que o tal representante possa vir. Angelina entrega seu cartão de contato caso Diana queira pedir alguma informação sobre o contrato. Eles elogiam Diana por mais algum tempo depois vão embora.

- Ok, agora estou calma. – diz Diana sentando-se no sofá, lendo o contrato.

- Você mal falou. – replico.

Diana revira os olhos.

- Eu estava nervosa.

Lucas senta-se do lado dela e os dois começam a ler o contrato.

- Palavras difíceis demais... – comenta ele.

- Deixe-me ler isso. – diz Daniela estendo a mão para pegar o contrato. Diana entrega a ela que começa a ler erguendo os olhos as palavras difíceis. – É nessas horas que sinto falta do seu pai.

Diana continuou em silêncio, pensando sobre o que fazer, que decisão tomar. Ela estava confusa e isso era visível.

- Pense sobre a proposta. Ligue para o seu pai se necessário. – concluiu Daniela.

***

Voltei para casa depois de Diana dizer para mim que precisava pensar naquela proposta sozinha.

Eu esperava que, de certa forma ela aceitasse aquilo. Era o sonho dela em uma simples assinatura. Ela era incrível e sabia disso. Ficou claro quando aquelas três pessoas a elogiaram simultaneamente.

- Como foi por lá? – perguntou a minha avó.

- A proposta que deram a ela foi muito boa. Querem publicar o livro dela, mas... Ela estava confusa. Eu nem sei como explicar. Acho que La tem medo. – respondi.

- Medo? Por quê teria? Diana é uma menina tão inteligente e matura. Tenho certeza que qualquer coisa que ela faça será perfeito. – continuou ela.

- Também acho. – afirmei.

Fui para o quarto onde soltei algumas velhas notas no violão buscando controle para ligar para Diana e perguntar se ela havia decidido algo. Ao invés disso, liguei para Guto.

- E aí cara, como você tá? – perguntou ele.

- Estou bem. E você?

- To ótimo! Surpresa você me ligar...

- Pois é. Lembrei da nossa troca de números e achei que seria legal ligar pra você e trocar uma ideia.

- Ah sei. E como anda a vida? Muitas garotas...

- Na verdade, só uma. – respondi sorrindo.

- Sério? Se amarrou? – perguntou ele rindo.

- Estou namorando “sério”. Tão sério que se um de nós rirmos acaba tudo. – ironizei.

Guto riu.

- Você continua legal cara. Devíamos sair qualquer dia desses.

- Isso é verdade. – afirmei.

- Que tal hoje? Sei lá. Tomar alguma coisa... Mas pichar muro não. Não faço mais isso. – disse ele.

- Eu também não. Nem bebo mais também. – falei.

- Oh, você pode tomar um refrigerante ou sei lá... Contando que a gente converse de boa. – sugeriu ele.

- Tudo bem. Onde?

- Sabe aquela lanchonete em frente ao “Castelo”? – perguntou ele.

Fiquei em silêncio por um tempo. Eu sabia onde era. Infelizmente eu sabia. Não era um lugar muito agradável a se frequentar, tanto é que eu mesmo nunca levaria Diana para lá. Promiscuidade, bebedeira e drogas dominam aquele lugar. Antes que o silêncio tornar-se algo repudiável, respondi.

- Sei sim onde é.

- Ok, a gente se encontra lá. Umas dez horas já to lá.

- Até daqui a pouco então. – despedi-me.

Encerrei a ligação e me arrependi de marcar o encontro minutos depois. Mesmo assim, eu estava tentando ser legal e precisava de um amigo que curtisse as mesmas coisas que eu. Fazia falta. Murilo e Maurício eram mais “colegas” do que qualquer outra coisa, e sempre falavam de futebol e videogames (coisas que eu mesmo não me importava muito). Felipe e Renan eram os únicos que sempre estavam ali, aprontando coisas e falando coisas pelas quais eu gostava fazer e ouvir. Ríamos de nossas idiotices e mesmo sendo errado ninguém se importava.

À noite, peguei uma camisa que estava sob a cama e vesti com a bermuda que já usava. Calcei um chinelo e peguei a carteira.

- Aonde vai querido? – perguntou a minha avó. Leandro estava comendo na sala enquanto assistia jogo.

- Sair com um amigo. – respondi.

- Que amigo? – perguntou leandro.

- É... Guto.

- Não conheço. – disse ele.

- Nem eu. – disse a minha avó.

- Mas ele existe. Vou indo.

Segui para a porta da sala e fui impedido por leandro antes mesmo de tentar abri-la.

- Você sabe que horas são? – perguntou ele retoricamente.

Olhei para o relógio da parede da sala e eram 21:30 da noite. Voltei os olhos para ele novamente.

- É só uma conversa. Não vou demorar. – continuei.

- Em que lugar vocês irão se encontrar? – perguntou minha avó.

Gelei. Minha voz não queria sair. Eu tinha que mentir, pois os dois sabiam que o lugar para onde eu iria não era agradável.

- É... Hum... tipo, é lá na... Naquele lugar lá vó! – gaguejei.

- Aonde Daniel? – questionou ela novamente.

- Perto da casa dele. No rio das pedras. – menti.

Leandro soltou a porta, mas continuou me encarando.

- Você vai, mas quero que esteja em casa antes da meia-noite. – concluiu ele abrindo a porta.

Concordei com sua ordem naquele momento, mas não sabia se de fato iria cumpri-la.

Cheguei ao local e avistei Guto com alguns caras e garotas em uma roda grande de amigos. O som alto impulsionava o local. Funk dominava o lugar.

Guto me viu e acenou para mim. Veio na minha direção e me cumprimentou.

- Cara, você veio! Nem consigo acreditar! Vamos sentar ali com o pessoal! – disse ele me puxando para a mesa onde estava sentado.

A galera conversava alto, tentando não se incomodar com o som. Uma caixa de cerveja estava sobre a mesa e alguns maços de cigarro também.

- Galera! Esse aqui é meu amigo, Daniel! – exclamou ele.

Todos olharam para mim e sorriram.

- E aí! Senta aí cara. Sou o Rodolfo. – cumprimentou-me um rapaz alto e forte que me deu uma cadeira para sentar.

- Como vai, Daniel? – perguntou a moça que estava ao meu lado. Ela era muito atraente. Trajava um short curto com uma camiseta decotada demais. Os lábios estavam pintados com o batom mais vermelho que já vi e os olhos eram traçados, retocando a cor deles de castanho claro.

- Vou bem, e você... – disse, esperando que ela me dissesse seu nome.

- Ruth. E eu estou bem. Muito bem. – ela sorriu e cruzou as pernas. Desviei a atenção para a mesa novamente.

- Quer cerveja Daniel? – perguntou Guto.

- Não cara, valeu. – respondi.

- Ah não! Você tem que beber pelo menos um pouquinho. – insistiu Ruth.

Todos na mesa insistiram também.

- Não seja careta. Não hoje. – continuou Rodolfo.

- Eu tenho aula amanhã cara. Não posso acordar de ressaca. – disse ele.

- Você não vai acordar de ressaca. Não vai. – ele esticou um copo de cerveja na minha direção e nos encaramos. Observei as gotas escorrerem pelo copo, até caírem, em uma imagem de câmera lenta. Meu coração disparava a cada suspiro. Deveria eu aceitar? Eu não conseguia pensar nas consequências de um “só dessa vez”. Foi em um desses pensamentos que perdi um amigo.

- É só um copo de cerveja Daniel. E você é maior de idade. – disse Guto.

Sim, era só um copo de cerveja. E eu era maior de idade. E tinham muitas pessoas ali. não era droga. Eu nunca mais tinha bebido. Que mal me faria? Acho que fiquei paranoico de tanto conviver com Diana e sua perfeição exagerada.

Peguei o copo das mãos de Rodolfo e bebi.

***

Eram duas horas da manhã quando percebi meu celular tocar. Foram risos e histórias contadas naquela noite que me distraíram, me fizeram perder a noção do tempo. O telefonema era de Catharina.

- Eu já volto. – disse a eles me levantando da mesa com dificuldade e um pouco tonto. Parei de contar os copos de cerveja no quinto... Ou sexto. Sei lá.

Retornei a ligação forçando a visão para enxergar os números no celular. Chamava, chamava.

- DANIEL! – gritou Catharina do outro lado da linha.

- O quê que você quer?! – exclamei.

- Ah, você está bêbado? Daniel! sua avó veio aqui em casa pedir pra eu ligar pra você e mandar você voltar pra casa agora! – continuou ela.

- Eu to ocupado! Fala pra ela que eu to OCUPADO! – gritei.

Desliguei o telefone antes mesmo de ela falar qualquer outra coisa. Coloquei o celular no bolso e voltei pra mesa.

- Daniel! nós estamos pensando em ir para o “Castelo”. Quer ir com a gente? – perguntou Ruth.

- Não, acho que já vou pra casa. – disse.

- Eu te levo cara. To com o carro do meu pai. – avisou Rodolfo.

- Ah, que ótimo. – continuei.

- Vem, vamos também Guto. – chamou ele.

Seguimos para o outro lado da rua. Alguns dos caras para quem Rodolfo iria dar carona cambaleavam sobre os outros, tropeçavam sobre seus pés e riam.

- entra aí cara. – disse Rodolfo.

Abri a porta e sentei no banco da frente. Guto e mais dois caras foram atrás.

- Antes, a gente tem que passar lá no Vieirão pra buscar aquela parada. – avisou um dos garotos.

Eu não sabia que parada era aquela, mas tentei não me intimidar e nem mesmo abusar da boa vontade de Rodolfo em me levar pra casa.

Enquanto ele dirigia a uma velocidade normal, chegamos ao local que era no meio da rua. Não uma rua comum. Era escura e sem movimento. Deduzi que talvez fosse pelo horário, mas de repente três caras saíram de um beco e vieram na direção do carro. Rodolfo buzinou como em sinal. Um garoto que aparentavam ser mais novo que qualquer um de nós bateu na janela do carro.

- Fala parça... O que ‘ quer? – perguntou ele.

- Aquela que eu encomendei. – respondeu Rodolfo.

Tentei controlar a respiração e não mover a cabeça ou demonstrar repulsa por aquilo, mas quando voltei à atenção para os caras eles estavam passando um pacotinho pequeno para Rodolfo que entregou o dinheiro a eles e fechou a janela.

Ele dirigiu mais alguns metros e então ofereceu o “bagulho” pra todos nós.

- Não cara, valeu. – disse Guto.

- Quer Daniel? – perguntou ele.

- Não, obrigado.

Obrigado por oferecer algo que matou um amigo meu. Obrigado por oferecer algo que vai te matar um dia. Obrigado por antecipar a morte de mais dois caras que estão aqui.

- Obrigado pela carona. – disse quando chegamos em frente a minha casa.

- Até outro dia Daniel. – despediu-se Guto.

Os outros garotos despediram-se também, mas Rodolfo saiu do carro apenas para esclarecer uma coisa que não deveria esclarecer a ninguém. Ele pôs o braço envolta do meu pescoço e começou a falar calmamente.

- Nós só fazemos isso pra relaxar. Você sabe, às vezes tudo tá uma merda... A gente precisa disso. Espero que não se incomode e que isso não afete nossa amizade que está nascendo agora.

Engoli a seco e decidi não discutir sobre sua tese.

- Tá cara. Tudo bem.

- Até a próxima!

Caminhei até a porta de casa sem olhar nenhum minuto pra trás. Então, quando tirava as chaves do bolso, ouvi o carro deles cantando pneu e acelerando na rua. Aquilo provavelmente acordou a minha avó.

Engano. Ela já estava acordada. Sentada na sua velha cadeira de balanço tomando chá e assistindo televisão em um volume quase nulo.

- Daniel, meu filho! Por quê você fez isso? – perguntou ela.

- Foi só uma noite vó, nada mais. – respondi.

Ela me abraçou e me cheirou mais do que o próprio Salomão.

- Você bebeu. – disse ela decepcionada.

Não discuti. Segui para o meu quarto e desativei o despertador. Eu não ia pra escola de ressaca e cansado. Deitei sem nem tomar banho e dormi.

Só lembro de acordar no dia seguinte por volta de uma hora da tarde com o telefone tocando. Abri os olhos e procurei o celular na cama. Vi na tela o nome de quem me ligava. Era diana. Decidi não atender e o coloquei no silencioso. Levantei-me e fui para o banheiro despertar de verdade com um banho de água gelada.

Fiquei ali por volta de uma hora e meia, esperando toda e qualquer dor de cabeça ir embora. Era em vão. Procurei algum medicamento na caixa do banheiro e encontrei alguns. Tomei dois diretamente e fui pra cozinha.

- Tem café. – avisou a minha avó. – Amargo, pra você despertar. – ela me entregou uma xícara e eu me servi.

Ainda não conseguia abrir os olhos totalmente. Forçava exageradamente a visão. Eu nem consigo acreditar que bebi tanto. Não acho que a cerveja tenha sido a única culpada disso tudo. Provavelmente aquela vodka me causou algum estrago.

- Perdeu aula Daniel... Diana deve estar preocupada. – disse ela.

- Pouco importa, ela deve estar bem... Depois a preocupação some.

- O que há? Você não age assim...

- Estou agindo. – repliquei. – Sempre agi assim. Não posso mudar tudo por causa de uma garota avó.

Levantei da mesa após alguns goles de café e voltei para o quarto. Dormi até o final da tarde. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.