As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 38
Aquela que me chamou de "filho".


Notas iniciais do capítulo

gente, mais reviravoltas aqui... bjbjbjb



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#Narrado por Daniel#

Poucos dias após a morte de Renan, e um vazio assola a minha vida. Eu não teria discutido com ele naquela noite se soubesse que seria a última vez que iria vê-lo vivo.

Reaproximei-me de Catharina. Ambos ficamos com as forças esgotadas e permanecíamos de luto. Mesmo assim, a vida seguia e o tempo parecia acelerar cada vez mais. Estávamos no final de outubro e tanta coisa tinha ficado pra trás. Pensei que não poderia esquecer aqueles que já fizeram parte da minha história, mesmo que de uma maneira errada.

Felipe prometeu aparecer em nossa formatura. Disse também que iria fazer um esforço para voltar à escola, e aquilo me agradou. Agora ele mora em uma cidade do interior, com os avós. No velório de Renan, ele conheceu Diana e disse que ela parecia uma princesa e eu um bobo da corte.

– Não sei o que ela viu em você. – foram essas as palavras dele.

As gracinhas de Felipe continuavam, mas ele tinha razão. Também não sei o que Diana viu em mim, mas seja lá o que for, está me fazendo bem.

Das coisas ruins e boas que aconteceram recentemente, a aproximação de Catharina e Diana é a que me deixa em dúvida: seria bom ou ruim?

Tudo começou por causa da briga, advertência, suspensão e então o castigo. Elas vêm se falando pelos corredores da escola, no intervalo da aula e até mesmo dentro de sala. Sempre envolvendo “ah, não se esquece de vir sexta”, “não se esquece de me passar àquela música”, “você viu como ficaram lindas as mesas dos convidados?”.

As duas tem levado bem a sério o papel de voluntárias na ornamentação da festa. O que assusta é o fato de, volta e meia, Diana envolver o nome de Catharina nas nossas conversas.

– Ela é uma garota bem legal. Acho que nos desentendemos por falta de conhecimento uma da outra. Não a julgo mais. – disse Diana enquanto mexia no celular durante o intervalo.

– Hum, espero que isso seja bom. – comentou Flávia sem interesse.

Flávia não demonstrava ciúmes, mas ela estava. Era perceptível quando Catharina se aproximava para cumprimentar Diana na mesa. Flávia sempre revirava os olhos em sinal de reprovação aquela amizade. Lucas também não gostava.

– Você tem certeza que vale apena confiar nessa garota? – murmurou ele para a irmã.

– Ei, eu não estou depositando confiança nela. Qual é? Eu só a cumprimentei. – defendeu-se.

Ainda assim, eu não me envolvia.

Na volta para casa, eu sempre esperava Catharina. O motivo disso? Um pedido de Diana.

– Você devia acompanhá-la. Ela sempre volta sozinha, e vocês moram na mesma rua. – disse ela.

Eu fiz o que ela me pedira e sempre que possível, voltava para casa com Catharina. Conversamos sobre a aula e era apenas sobre isso. Quando ela tentava mencionar o nome de Diana, querendo saber mais sobre ela, eu desviava a conversa. Mas um dia, ela conseguiu:

– Diana é uma garota incrível. – disse ela. – Você teve sorte.

Virei a cabeça para o lado e franzi a testa duvidoso daquelas palavras.

– Valeu. – disse.

Ficamos em silêncio até a esquina da rua de nossa casa, e ela me parou.

– Olha, eu sinto muito pela forma como eu me portei com você. Eu deveria ter valorizado a sua amizade, e não ter desviado disso. – Catharina segurava os livros contra o corpo, apertando-o como uma criança que tem medo.

– Isso já passou, a gente pode seguir em frente e fingir que não aconteceu nada.

– Mas aconteceu. Na verdade, ainda acontece. – continuou ela. – Daniel, eu gosto de você, mas irei respeitar sua escolha. E você pode até não acreditar nas minhas palavras, mas pelo menos finja.

– Eu acredito em você, Cathy. – afirmei.

Ela sorriu e voltamos a caminhar.

Naquele mesmo dia, joguei bola com os garotos na rua e Catharina apenas observava, como na primeira vez. Mas agora ela estava diferente. Parecia prestar atenção no jogo e não em mim. Ela também parou com a mania de puxar conversa comigo quando eu não estava interessado em falar com ela, e de insinuar-se para mim. Não admito que ela tenha mudado. Admito que ela criou consciência de certo e errado.

***

Outubro, sexta-feira: A dor de cabeça chamada "passado"

Acordo ofegante e suado, como se tivesse corrido em uma maratona olímpica. Salomão assusta-se com meu pulo da cama e acorda. Passo as mãos pelos cabelos e estão molhados. Minhas mãos tremem. Tive um pesadelo do qual quero esquecer, esquecer. Olho para o relógio, ainda são quatro e meia da manhã.

Levanto-me para beber água e talvez isso me acalme. Fecho os olhos, mas ainda vejo a mesma cena do pesadelo. Estou lutando para esquecer. Não consigo. Bato com a cabeça na porta da geladeira repetidas vezes e ganho mais dor.

– Droga! – murmuro.

Vejo a sombra de alguém vindo pelo corredor, iluminado apenas pela lâmpada da geladeira. Viro-me e vejo Leandro bocejando.

– O que houve? – pergunta ele.

– Nada, só tive um pesadelo. – respondo colocando o copo de água na pia.

– Hum, foi tão ruim assim?

Eu paro e relembro o pesadelo. Decididamente foi ruim.

– Sim. – afirmo passando a mão na cabeça.

– Quer conversar sobre isso? – pergunta ele sonolento.

Não sei se devo contar, pois de certa forma envolve ele. Mas eu estou um pouco desesperado e não quero voltar a dormir.

– Eu ouvia a voz de uma mulher dizendo para eu tomar cuidado. Ela repetia isso várias vezes e eu achava que estava ficando louco. Então, você estava dirigindo e eu era uma criança. Você discutia com outra mulher no carro, e então você não via que outro carro passava no cruzamento e batíamos nele. Depois eu vi sangue. Muito sangue. – eu hesitei nessa parte porque ali era o pior. – e você pedia ajuda de mim, mas eu não podia te ajudar. E então você fechava os olhos e... – eu não consegui continuar, mas pela expressão de Leandro com certeza ele entendera.

– Eu morria. – disse ele sem receio. Eu apenas assenti. – todos nós vamos morrer um dia, Daniel, mais cedo ou mais tarde. Volte a dormir, vai ficar tudo bem. – ele virou e saiu da cozinha.

Aquilo soou inacreditável, mas eu obedeci. Voltei ao meu quarto e deitei a cabeça no travesseiro. Cobri-me com o lençol e fechei os olhos, mas ainda assim o pensamento estava naquela voz que sussurrava “cuidado Daniel!”... Depois, nos olhos de Leandro implorando por ajuda. Não entendo, eu era uma criança no sonho, como poderia ajudá-lo?

Pensar tornou-se um caminho livre à insônia. Quando minhas pálpebras foram vencidas pelo cansaço, já era hora de ir pra escola. Adormecer não podia ser alternativa. Hoje tem prova. E domingo teremos a prova do vestibular.

Levantei da cama e Salomão me seguiu. Ficou sentado no meio do quarto esperando eu escolher a calça que iria usar hoje. puxei a toalha no final do armário e segui para o banheiro.

– Bom dia! – exclamou minha avó em seu macacão rosa e pantufas.

– Bom dia. – disse esfregando os olhos com as mãos. Estava caindo de sono.

– Vou preparar um café bem forte pra você. – ela virou-se em direção à cozinha e eu continuei em direção ao banheiro.

Banho tomado e disposição zero. Estava preocupado com a prova, mas tentei não me desesperar com isso.

Na cozinha, o cheiro forte de café tomava conta do ambiente. Sento-me a mesa e espero a xícara que logo surge. Coloco um pouco de leite e mexo com a colher. Encaro o redemoinho formado pelo movimento que faço com a colher.

– Pensativo demais para um dia de prova. – comenta a minha avó. – algum problema querido?

Eu ergo a cabeça e a olho de lado.

– Não, nenhum. – levo a xícara até os lábios e dou um gole.

– Você não dormiu bem... – continua ela.

Dou algumas mordidas nas torradas que ela preparou, mas nada desce. Acho que fiquei traumatizado com qualquer coisa que envolva morte.

– Eu acho que já vou. – digo levantando-me da mesa sem olhar para a minha avó.

– Você não comeu nada, Daniel! – exclama ela. Eu a ignoro e sigo para a sala onde puxo minha mochila do chão e saio.

Na rua, encontro Catharina mexendo no celular. Eu toco em seu ombro e ela se assusta.

– Ai! – exclama ela. – Daniel, você me assustou.

– Calma aí. – digo. – nervosa com a prova?

– Um pouco. Não sei nada sobre literatura. – responde.

– Ah, é bem fácil.

– Ah, claro. Disse o namorado da “aspirante” a literatura. – replica ela, arrependendo-se de suas palavras logo depois.

Um pensamento retorna e eu a encaro.

– Pensei que estivesse “tentando” ser compreensiva com Diana. – digo.

Ela fica em silêncio até chegarmos à escola onde ela vê Diana e a cumprimenta com um abraço. Eu estou ficando duvidoso sobre essas atitudes recorrentes de Catharina, mas vou ignorar.

Ouço Flávia murmurando sozinha ao meu lado, pergunto se ela falou comigo, mas ela se faz de desentendida. Aquilo se repete outras duas vezes e eu a questiono novamente:

– Está com ciúmes da Di com a Catharina?

Flávia espanta-se com a pergunta e começar a corar.

– Eu? Não... Hãm? Não, Daniel! O que... – diz ela tropeçando nas palavras.

– Está sim. Ela é sua amiga há anos. Você não vai ser trocada.

– Não é isso. Estou preocupada. Não confio nessa sua amiga. – ela bate o pé no chão em sinal de raiva.

Eu apenas sorrio para aquela situação. Catharina vai em direção à secretaria e Diana vem em nossa direção. Eu pergunto por Lucas e ela diz que ele já está em sala.

Entramos em sala de aula e a professora ordena que todos nos sentemos em ordem alfabética de acordo com a lista de chamada. Por sorte, sento perto de diana.

Às sete e meia da manhã a prova começa. São quase 50 questões sobre todos os assuntos que vimos desde o início do ano até agora. Parecia uma espécie de “aquecimento” para o vestibular de domingo.

Língua portuguesa/literatura é a primeira matéria. A professora dá instrução de que devemos usar “apenas caneta azul e preta”.

– Não olhem para o lado, apenas para a prova de vocês. Se vocês forem pegos colando, ficam sem chance de fazer a recuperação. A nota é de 0 a 10. Se tirar menos de 6 pontos, recuperação. Boa prova. – encerra ela ficando para bem na frente da turma.

A primeira questão era um texto sobre a semana da arte moderna no Brasil. Um texto enorme que tive que ler quatro vezes entre pausas para esfregar os olhos. O sono estava por perto. Perguntava sobre o precursor do modernismo no Brasil. Marco a opção b, Oswald de Andrade. Tenho certeza que é essa.

Próxima prova é de história. Primeira e segunda guerra mundial. Cronologia, datas e nomes... Minha cabeça lateja agora. Guerra dos canudos. Nossa! É muito texto pra ler. Faço um esforço e lembro. Consigo lembrar...

Geografia parte para análises de mapas, gráficos e comportamento demográfico. Foi a matéria mais fácil até agora.

Sociologia... Mais textos. Eu sinto como se estivesse batendo a cabeça contra a parede. Como dói! Eu fecho os olhos por um momento e coloco a cabeça sobre o braço da carteira.

– Daniel? Você está bem? – pergunta a professora colocando as mãos sobre meus ombros.

Eu demoro a responder, e balanço a cabeça indicando que está tudo bem. Ela fica o resto da prova me observando.

Filosofia e suas teses. Textos curtos, isso é um alívio. Leio devagar e respondo as que tenho certeza. Chuto o resto.

Inglês. Eu aprendi muito em inglês graças à Diana. São frases curtas onde se pede a tradução e o verbo principal. Tem a letra da música que cantamos aqui. Dou um curto sorriso e marco a alternativa que tenho certeza estar certa.

Matemática. Sinto a dor de cabeça passar e começo a pensar com mais calma. Respiro fundo e uso a folha de rascunho para fazer os cálculos. Estão bons... Estão fáceis. Sim, eu gosto de matemática. Tivemos uma “história” juntos que só acabou graças a Leandro.

“Eu nunca foi um cara revoltado, problemático e cheio de desaforos na ponta da língua. As pessoas conheciam esse Daniel a alguns meses, mas a minha vida já foi significativa no inicio.

Na segunda série. Eu era fera em matemática. Sempre tirava notas altas. O melhor da classe. Mas o que isso significava para o cara que deveria ser meu pai? Porra nenhuma! Ele nunca me deu um único “parabéns” por nada. A minha avó, ela sempre me parabenizava da forma dela, com um beijo na testa e biscoitos de chocolate.

Mas eu era uma criança. Eu queria que Leandro dissesse que estava orgulhoso. Eu queria um motivo para chamá-lo de pai, mas ele não me dava alternativa.

Um dia, tirei meu primeiro zero na prova. Admito, foi proposital. A professora não acreditou. Ela também duvidou que fosse de propósito, mas eu tinha tomado uma iniciativa: se sou visto como um nada para ele, aqui vai a minha retribuição. Foi o primeiro zero de muitos outros. Depois, parti para o mau comportamento. Quebrava os brinquedos, aprendi palavrões grosseiros e então machuquei um garoto durante um jogo.

Esse foi um dos vários motivos que me levaram ao ápice da adolescência perdida.”

Física e química foram as matérias mais difíceis em minha opinião. Respondi o que lembrava e o resto foi por palpite. Biologia era a penúltima, e a essa altura meu cérebro pedia pausa. Parte da turma já havia terminado a prova e estavam escrevendo a redação, cuja nota era 50% da prova.

– Isso parece o ENEM. – murmurou um garoto sentado atrás de mim.

Virei a prova para a última folha e vi o tema da redação: “Drogas”. Apenas uma palavra e um milhão de ideias, lembranças e desconforto. Acho que Catharina sente o mesmo.

Há um breve texto no qual incita os perigos da droga, dados da secretaria municipal sobre tráfico de drogas, o que elas causam nos adolescentes, na família e nos amigos. Li com a certeza da minha delimitação. Então, comecei o primeiro parágrafo.

***

– Como acha que foi na prova? – pergunta Diana enquanto seguro sua mão. Esperávamos Lucas do lado de fora da escola, no mesmo lugar em que ficamos presos na chuva.

– Acho que fui bem. – respondo. – E você?

– Com certeza fui bem. – diz ela com um largo sorriso no rosto.

Observamos o resto dos alunos que saem da escola e vimos de longe Catharina.

– Olha, deveríamos chamá-la. – sugere Diana.

– Não acho isso uma boa ideia. – digo.

Diana me encara e revira seus pequenos olhos em direção à Catharina. Ela acena e logo Cathy atravessa a rua para um cumprimento amigável.

As duas começam a conversar, e sinto enjoo.

– Ah Di, vê se aparece lá em casa quando você for visitar o Daniel. – sugere ela.

Diana olha para mim e depois sorri para Catharina.

– Claro, dá próxima vez eu passo lá sim.

Lucas aproxima-se com uma expressão desolada demais para ele. Quando percebe a presença de Catharina, ele dá meia volta. Diana e eu nos despedimos dela e seguimos ao encontro de Lucas que está sentado na escada da entrada de nossa escola.

– algum problema maninho? – pergunta Diana.

– Todos. Porque diabos está tão próxima da Catharina? Eu não gosto dela, Flávia também não, e eu realmente não acredito que você goste dela. Ela solta falsidade sempre que abre aquela boca imunda dela e... – eu o interrompo.

– ei! Calma aí... Você tá exagerando. Olha, eu entendo o que Catharina te fez passar, mas você não precisa guardar rancor sobre isso. – digo.

– Lucas, eu só estou tentando ser legal com ela para que nenhuma de nós dê motivo de raiva e ódio uma da outra. – afirma Diana.

Lucas volta-se em minha direção e diz:

– a sua amiguinha deu motivo suficiente para que outras pessoas se achassem no direito de tirar sarro com a minha cara! Graças aquele espetáculo dela de me chamar de bicha encubada, eu continuo recebendo o mesmo tipo de ofensa. Algumas até piores.

Ficamos em silêncio sem acreditar nas palavras de Lucas. Ele passa por nós e Diana vai atrás dele. Ela o abraça e pergunta o que aconteceu, mas ele hesita em falar, e mesmo com os olhos implorando para que ele chore, Lucas permanece forte.

– O que falaram pra você, me diz! – exclama Diana segurando o rosto pequeno de Lucas na mão.

– Eu não quero falar sobre isso.

– Tem que confiar em mim, por favor.

Lucas respira fundo e desabafa.

– No dia em que eu saí mais cedo da escola por causa da ausência do professor, alguns alunos me viram no ponto de ônibus e começaram a jogar pedras em mim. Por sorte o ônibus passou logo e eu pude vir pra casa, mas eu me senti um trapo naquele momento. – diz ele. – Depois disso, bilhetinhos sacanas começaram a rodar dentro da sala de aula. Postavam frases homofóbicas no meu facebook e me diziam que eu deveria morrer! – ele chorou no colo de Diana, como uma criança que é machucada e corre pra mãe. Ela o abraçou forte e disse que tudo ia ficar bem.

Diana me encarou enquanto passava as mãos sobre a cabeça de Lucas. Ela pediu que ele não chorasse, mas era em vão.

– Porque não me contou sobre isso? – perguntou ela.

– Não queria te envolver nos meus problemas. Ano que vem você não estará aqui. Vou ter que me virar sozinho e preciso começar a me adaptar com isso. – respondeu ele enxugando as lágrimas com um lenço.

– Eles são uns idiotas Lucas, você não precisa ligar. Apenas ignore. – disse.

– É fácil falar quando se é hetero, Daniel.

As palavras dele me arrepiaram.

– Sinto muito. Eu não devia ter... Nossa! Eu, eu... – travei. – Desculpa.

– Tudo bem. – ignorou ele. – pensei que você tivesse contado a ele que sou gay. – disse ele olhando para Diana.

Eu e ela nos encaramos novamente.

– Lucas, você não contou isso nem mesmo a mamãe. – defende-se. – E acho que isso é pessoal demais pra sair contando à todos.

– Olha, eu suspeitava. Até comentava que achava você “engraçadinho” demais para um garoto. Mesmo assim, eu jamais iria chegar em você e perguntar se você era gay.

– Você tem razão. – concordou ele. – Agradeço por isso.

– Agora, se quer um conselho, conte a dona Daniela. Ela deve ter suas “suspeitas” também, e ela não tem tanta liberdade assim com você. Ela é tímida demais... – sugeriu Diana.

Eles se levantaram do banco e seguimos cada um para casa. prometi que passaria lá a tarde, mas isso não era certeza, pois eu queria muito dormir.

Antes de ir pra casa, passei em uma drogaria e comprei alguns remédios para a dor de cabeça. Tenho certeza que a farmacêutica deduziu o que eu queria pela minha cara.

– Não teve uma noite muito boa, certo? – diz ela colocando a cartela de remédios em um pequeno saco de papel.

– É. – afirmei sem muito ânimo pra conversa.

Saí da drogaria tomando dois comprimidos direto. Parei perto de uma padaria e esperei que milagrosamente o remédio fizesse efeito. Encostei a cabeça na parede e respirei fundo.

Segui caminho dez minutos depois da pausa. Decidi passar no supermercado onde Leandro trabalha para comprar alguma coisa pra comer e beber.

Abri a geladeira e tirei um energético. Eu espero que não me faça mal. Depois, um saco de batatas congeladas, cortadas prontas para serem fritas. Fui ao caixa e perguntei por Leandro.

– Eu o vi conversando com uma mulher agora a pouco. Os dois saíram, foram para aquela cafeteria do outro lado da rua. – respondeu ela enquanto colocava as minhas compras na sacola.

– Uma mulher? Ela era idosa? – perguntei acreditando que se tratava da minha avó.

– Não, era uma mulher nova. – respondeu ela me entregando o troco. – Próximo!

Sai do supermercado e fiquei em frente ao quarteirão da rua, esperando que Leandro aparecesse com a tal mulher. Nem sinal. Decidi ir atrás dele na cafeteria que fica bem próxima dali. Atravesso a rua e vejo a grande placa na calçada indicando que está aberta.

Abro a porta de vidro empurrando-a para dentro e procuro Leandro entre as pessoas nas mesas. Nenhum sinal dele aqui embaixo. Subo as escadas indo para o segundo andar e o encontro em uma mesa quase ao fundo da cafeteria. Ele está sentado com uma mulher muito bonita. Cabelos pretos e lisos, olhos castanhos bem claros. Me aproximo e vejo que os dois estão sérios, conversando de frente um para o outro. Ele gesticula com a mão em sinal de reprovação a algo que ela acabara de dizer.

De onde estou eles não podem me ver, mas eu posso vê-los. Porém, quero ouvi-los. Saber quem é aquela estranha e porque estão tão tensos enquanto conversam.

Tomo coragem e vou à direção deles. Leandro assusta-se rapidamente, e a mulher fica surpresa ao me ver. A reação dela é imediata, e um sorriso largo surge em seu rosto ao Leandro pronunciar meu nome:

– Daniel?! O que você está fazendo aqui? – pergunta ele.

– Eu vim saber se está tudo bem. Eu fui no seu trabalho e eles disseram que você estaria aqui. – respondo tentando não encarar a mulher que continua sorrindo.

– Daniel! – exclama ela enquanto se levanta. Ela parece me admirar. Olha para mim percebendo cada detalhe no meu rosto, no meu cabelo. Ela tenta se aproximar, mas eu me afasto.

– Já sei que você está bem. Eu vou indo. – digo.

– Não, espere! – grita ela ao me ver virando as costas. Leandro levanta-se também e manda ela ficar calada. – Eu preciso falar com ele, Leandro! Eu preciso, me deixe!

– Não! Vamos embora Daniel. – ele me puxa pelo braço e saímos quase que correndo dali.

Eu viro minha cabeça para trás e a mulher está pegando sua bolsa. Pergunto a Leandro o que está acontecendo, mas ele parece não me ouvir.

Descemos as escadas com pressa e ao virar novamente para trás, vejo a mulher me chamando. Ela parece desesperada para que eu a ouça.

– Vá para casa, agora! – grita Leandro.

– Porque? O que tá acontecendo? – pergunto confuso.

A mulher se aproxima e Leandro a impede de chegar mais perto de mim.

– Vá embora! Ele não vai falar com você! – exclama ele furioso, segurando-a com as duas mãos. Ela resiste, empurrando-o e chorando incontrolavelmente.

– Me deixe! Por favor! Ele é meu filho também!

Filho? Aquela palavra amarga meus pensamentos. Meus olhos não se movem e eu sinto meu coração bater mais forte. Os sons ficam abafados, como se eu tivesse perdendo a consciência. Eu encaro o chão. Eu sinto meu rosto ferver.

– Ele não é seu filho! Nunca vai ser nada seu! – gritava Leandro no meio da calçada.

Muita gente vendo aquela confusão. Eu estava paralisado, nenhum músculo agia até que consegui retomar a consciência de como se falava.

– Mãe? – interroguei, hesitando ao pronunciar. Minha voz saiu como um sopro.

Leandro a empurra, fazendo com que ela tropece. Por sorte, ela não cai. Consegue se apoiar no muro. Novamente, Leandro me puxa pelo braço e grita comigo. Ele me mandar ir pra casa e não sair de lá, mas eu quero que ele me solte. Eu quero entender aquela situação. Eu estou eufórico, agitado, e Leandro expressa nervosismo pelo ar gelado que solta de sua boca. Seus olhos gritam fúria.

– Me solta, Leandro! – eu peço.

Nós paramos de andar na esquina de nossa casa. Ele joga o corpo pra frente, cansado. Coloca as mãos nos joelhos e respira ofegante. Ele quer gritar, eu sinto isso, eu sei disso. Eu quero fazer o mesmo.

– Ah! – grito passando as mãos na cabeça. Minha dor de cabeça está de volta. – que merda foi essa velho?

***

Minha avó está preparando um chá na cozinha. Leandro está com as mãos no rosto, ainda em estado de choque. Eu sinto apenas a bolsa térmica gelada sobre a minha cabeça, e tento não pensar em nada. Isso é quase um desafio porque ouço a voz daquela mulher me chamando de filho repetidas vezes aqui dentro.

– Tomem isso, pra acalmar os nervos de vocês. – diz a minha avó entregando o chá para mim e para Leandro.

Ainda quero explicações, e só estou esperando Leandro voltar ao normal para questiona-lo.

– Quem era aquela mulher? Porque ela me chamou de filho?

Ele me olha desamparado e perdido, como se estivesse procurando as palavras que iria usar para me explicar aquela situação.

– Isso não importa agora. – responde.

– Importa sim! – replico em voz alta. – era a Eduarda, não era?

Leandro não responde, mas seu silêncio, sua expressão, e a circunstância a que estamos sujeitos agora me dá uma resposta.

– Daniel, você precisa ficar calmo. – diz a minha avó.

– Calmo? Que droga de calmo o quê vó! Era a minha mãe ali, na minha frente! – eu quero bater em alguma coisa, meu sangue ferve. Estou eufórico.

– Acho que você deve explicações a esse garoto, meu filho. - continua ela se dirigindo a Leandro agora.

Ficamos em silêncio por um grande tempo. Eu ouço apenas o ponteiro do relógio. É meio-dia ainda. Leandro me encara com uma expressão que eu nunca vira em seu rosto antes. Uma mistura de angústia com aflição.

– Era a Eduarda. Sua mãe. – diz ele. – Não sei como ela encontrou aonde eu trabalhava. Hoje eu saí mais cedo, pois o estoque estava com problemas. Quando cheguei lá, eu a vi. Ela estava dentro de um carro, no lado do passageiro. Eu nem acreditei quando ela se aproximou e pediu para conversarmos. Eu não queria falar com ela, mas ela implorava. Fomos até a cafeteria e ela me pediu que... – ele fez uma pausa, lembrando-se das palavras dela. – Pediu que pudesse falar com você, nem que fosse uma única vez.

Meus olhos pesavam. Eu estava apático. Leandro continuou.

– Eu disse a ela que não. Que não iria deixá-la ver você, pois ela não era sua mãe, ela não era nada porque ela te abandonou! Ela nos abandonou! – ele desabafou, e logo lágrimas foram rolando em seu rosto.

– Eu tinha o direito de falar com ela. – disse magoado.

– Depois de todos esses anos, sem nunca ter visto ela, sem nunca ter nem sequer mencionado o nome dela, você guarda afeto por essa mulher? – indagou ele frustrado.

– Eu queria saber por que ela foi embora! Eu era uma criança, Leandro. Eu queria uma mãe. Eu precisava de uma!

– Você quer saber por que sua mãe foi embora? Pra fugir com um homem rico. Por isso. Ela era linda, jovem. Não ia querer passar o resto da vida aqui.

– Você dava motivos para isso também Leandro. Você bebia, ainda bebe na verdade. Que futuro você iria dar a ela? A de um cara em coma alcoólico? – eu gritava, expondo toda a raiva presa na garganta. – Me diz Leandro, que futuro de merda você daria a ela?

Ele levanta-se, e em um ato de fúria vira a mesa de centro da sala, quebrando as decorações que existiam ali. Minha avó fica paralisada, com medo.

– Eu amava a sua mãe, Daniel. Mas agora, eu espero que ela vá para o inferno! E que você um dia entenda pelo que eu estou passando quando o seu filho se voltar contra você! – ele sai de casa batendo a porta com força.

Eu me jogo no sofá e olho para o nada por um bom tempo. Ajudo a minha avó com a limpeza daqueles cacos de vidro no tapete da sala e ela me manda descansar.

– Ligue para a Diana ou vá pra casa dela. Faça qualquer coisa, mas não fique aflito e rancoroso desse jeito. – diz ela com sua voz doce.

***

Pego um casaco sobre a cama e o visto. Arrumo algumas coisas dentro da mochila e sigo pra casa da Diana.

Lucas me atende e ele parece bem. Já comigo está perceptível no meu olho vermelho e lacrimejante de que nada está bem.

– Daniel? – Diana se aproxima e segura meu rosto com delicadeza. Sua mão está gelada e aquilo causa arrepio. – Você tá bem?

– Não. – respondo.

Ficamos na sala onde conto a ela tudo o que aconteceu. Os dois irmãos ficam surpresos com a história, e ao mesmo tempo indignados com a aparição tão repentina de Eduarda.

– Mesmo assim, ela é a minha mãe. Eu queria conhecê-la. – afirmo.

– Mas seu pai sempre esteve do teu lado, de um jeito meio errado, mas sempre esteve. Quantas vezes você se esforçou para conhecê-lo além de um homem que bebe, grita com você e está sempre de mau humor? Eu vejo no seu pai algo muito além disso. – diz Diana.

– O que você vê?

– Um homem que te ama. Que poderia muito bem ter te dado pra adoção ou feito qualquer outra coisa com você. Mas não. Ele ficou com você, mesmo sabendo que você seria a lembrança viva de uma mulher que o trocou por outro.

Nesse momento, lembro-me das palavras de Leandro há algumas horas: “Eu amava a sua mãe, Daniel.”.

– Acho que você lhe deve um pedido de desculpas, Daniel. – diz Lucas.

– Eu também acho meu amor. E se você não conseguir, eu posso ajudá-lo, tá bom? – diz Diana acariciando meu rosto.

– Tudo bem então.

***

Voltei para casa com Diana, horas depois de Leandro ter chegado. Entrei e olhei para mesa de centro rachada e os poucos cacos de vidro que sobraram no chão.

– Eles devem estar jantando. – disse a Diana. Ela puxou minha mão e juntos seguimos para a cozina.

Leandro devorava um pedaço de carne com muito arroz e feijão em seu prato. Ele me vê com Diana e ignora.

– Boa noite dona Amélia, Leandro. – cumprimenta ela.

– Querida! Que bom ver você aqui. Não quer jantar conosco? – pergunta a minha avó.

– Não, obrigada. Fico agradecida.

Leandro continua olhando para seu prato de comida, sem levantar o rosto um único momento. Diana me cutuca em sinal de aviso para o meu pedido de desculpas. Eu olho para ela repetidas vezes querendo desistir, mas é em vão.

Limpo a garganta e todos me olham.

– Eu... É... Droga. – murmuro.

– Mais alto, Daniel. – sussurra Diana.

– Ok... Eu... Eu quero pedir descul...pa. Não! – hesito novamente. – Droga, não era isso. – Leandro me encara curioso enquanto mastiga sua comida. – Tá, agora vai. Eu quero pedir descul... – travo de novo.

A cena estava ficando cômica, pois a minha avó e Diana riem.

– Tem que ser do coração, Daniel. – diz a minha avó.

Eu encaro Leandro e penso sobre o que dizer a ele. Nunca lhe pedi desculpas antes, nem mesmo fingi estar arrependido.

– Eu quero pedir desculpas, Leandro, por ter falado aquelas coisas a você hoje mais cedo. Eu sinto muito. Acho que exagerei. Eu nunca percebi o quanto... O quanto você se importa comigo. E agora respeito sua decisão de não me deixar ver a Eduarda.

Ele e minha avó ficam boquiabertos com a minha declaração. Os dois se olham e Leandro se levanta vindo em minha direção. Nós ficamos cara a cara e depois ele desvia o olhar para Diana e sorri como se estivesse agradecendo, e acredite, ele estava. Ele estende a mão para me cumprimentar, e aquele aperto de mãos é o mais próximo de um abraço que eu irei chegar.

– A raiva às vezes se torna exagerada. Tudo bem Daniel, está tudo bem agora. – diz ele.

Após uma série de torturas no dia, peço que Diana fique mais um pouco. Gosto de tê-la por perto quando me sinto inseguro.

– Você enfrentou seu medo. – sussurrou ela nos meus braços enquanto estávamos deitados no chão do quarto. – É bom pedir desculpas às vezes. No fim, é melhor dizer demais do que nunca dizer o que se precisa dizer.

Eu sorrio, mas ela não vê, pois seu rosto está deitado no meu peito. Ela tinha razão sobre muitas coisas.

– Ainda quero conhecer minha mãe. – digo.

– Você vai conhecer, tenho certeza. Na hora certa. – continua ela.

– Como é ter uma mãe? Tipo, ter alguém que te olha do jeito que sua mãe te olha...

– Você sempre teve uma mãe. A dona Amélia. – replica ela.

– Mas a minha avó começou a cuidar de mim quando eu tinha oito anos. Ela nunca foi muito presente, mas ela preencheu grande parte da minha infância. Mesmo assim, eu queria uma mãe. Que nem os moleques da minha escola. Na hora da saída, quando as mães ou os pais iam buscá-los, eles corriam para um abraço que eu nunca dei.

– Você é muito depressivo às vezes...

Eu ri.

– Olha quem fala... Só estou sendo sincero. Minha avó diz que faz parte do “plano de Deus” a minha vida ser desse jeito. Sinceramente, eu nunca entendi isso.

– A vontade dEle não é pra ser entendida, Daniel. Talvez um dia, lá na frente, você olhe pra trás e perceba que valeu apena ter sofrido um pouco.

Não sei muito sobre Deus. Não sei por que estou destinado a viver sem mãe. Contanto que Ele não me tire Diana, o resto do mundo inteiro pode desaparecer.


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Notas finais do capítulo

Gostaram da ~EDUARDA~ e sua volta quase triunfal? shsuhsushusushsusu



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