As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 29
Refúgio.




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#Narrado por Diana#

Daniel não esboçou grande interesse em explicar o que havia acontecido. Em silêncio observava os carros que passavam nas outras ruas, e o barulho de um bar próximo de onde estávamos era a única coisa que não tornava aquilo constrangedor.

- Dan, eu entendo. Se você não quiser contar, não conte. Mas não fique assim, desconfortável porque eu não quero encerrar a noite me sentindo culpada por você ter ficado mal. – afirmei a ele em um tom compreensivo.

- Eu quero contar a você, mas... – ele fez uma pausa. Sua voz trêmula estava me deixando nervosa. – Mas eu me sinto envergonhado.

- O que você fez? – perguntei.

- Eu briguei com o Leandro. Novamente. Mas dessa vez as coisas saíram do controle e... Resultou nisso. – respondeu ele apontando para o rosto machucado.

- Eu imaginava que tivesse acontecido algo do tipo, mas não com seu pai.

- Eu realmente não sei mais o que fazer. Eu estava no limite e acabei surtando. Ele também. Mas eu to arrependido demais... De verdade. – ele me olhou nos olhos e sua expressão me deixava mal por pensar em tudo o que ele havia passado.

- Vocês dois têm sérios problemas juntos. E sabe por onde tudo começa? Por essa falta de aceitação, um pelo outro.

- Diana, eu juro que tentei mudar. Na verdade, ainda estou tentando. Veja só: você está aí, bebendo sozinha e eu nem ao menos abri uma garrafa ainda. Eu já tenho tanta certeza de que se eu fizer isso os problemas irão aumentar que já nem faço mais questão de piorar as coisas. – comentou ele nervoso.

- Você tem razão. E eu só estou bebendo porque “prestar” às vezes cansa. – disse a ele enquanto bebia novamente.

Ele sorriu. Um sorriso compreensivo e amigável de quem se surpreende com alguém.

- Você é perfeita desse jeito. “Prestando” ou não, eu ainda gosto de você. – disse ele com o mesmo sorriso do dia em que ficamos presos na chuva.

- E a tal surpresa que tinha para mim? – perguntei tentando mudar de assunto da forma mais drástica possível.

-Eu iria te comprar um presente, mas pedir dinheiro ao Leandro se mostrou algo horrendo demais. Tanto é que... Estou com esse olho roxo agora. – respondeu ele. – Mas eu não ia te deixar na mão e me portar como um péssimo amigo. – ele puxou no bolso da calça uma pequena caixinha. – Já vi aquele seu colar que está escrito “sonhadora”. Ele é muito bonito. Com certeza esse não se compara ao seu, mas foi tudo que encontrei que me lembrou de você.

Era um colar com uma medalha de um... Livro. Isso mesmo. Um livro aberto e pequeno enfeitava aquele colar que brilhava de forma singela e sem exagero. Era perfeito pra mim. Descrevia parte do que eu era, e o significado dela para mim foi maior. Foi maior porque fora Daniel quem o encontrou e me deu. Fora Daniel, o garoto idiota de alguns meses atrás. O garoto que agora colocava um colar no meu pescoço. O garoto que me apresentou meu primeiro gole de vodka.  O que me desafiou a sair de casa escondido. O que me fez fazer coisas tão erradas e tão certas ao mesmo tempo. Aquele mesmo garoto que fez com que eu conseguisse acreditar em mim de uma forma sincera. O casmurro que riu comigo na chuva. Que gostou no meu livro. O mesmo que me cantou uma canção. Daniel estava ali do meu lado agora, novamente. E todas as vezes que eu estava perto dele sentia as coisas fazerem mais sentido, sendo clichê ou não, era verdade.

- Eu adorei o presente. – comentei sorrindo.

- Foi uma péssima surpresa, eu sei. Mas eu prometo fazer algo para recompensar depois. – disse ele tímido, fazendo aquilo soar engraçado.

- Ah, pare com isso. Eu adorei. De verdade. – repliquei enquanto o puxava para um abraço recíproco.

E durou. Foi um abraço que não deixou ninguém desconfortável. Pelo contrário. Levou as coisas a um nível que eu não esperava partir de um garoto como ele.

- Acho que gosto de você. – sussurrou ele hesitando com as palavras.

Eu permaneci em silêncio porque achava estar ouvindo demais.

- Eu acho que estou bêbada! – exclamei rindo.

- Não, não está. Está sóbria o suficiente pra ter entendido o que eu falei. – replicou ele com uma expressão séria no rosto.

- Daniel, eu... Eu não sei o que dizer a você. – continuei.

- É tão difícil assim? Porque, tudo bem, eu entendo. Não é nada fácil. Pra mim não foi, até porque eu não espero, realmente não espero que isso evolua. Você não é pra mim. E eu nunca disse pra uma garota que eu gostava dela. – ele fitou o céu por um momento e depois voltou pra mim. – Mas você... Sei lá. Era a garota que eu devia odiar por ser do jeito que é: a certinha. Rainha da razão. – ele riu enquanto eu continuava séria. – É você Diana. Você é o meu refúgio.

As palavras dele me acertaram de forma assustadora. Eu sentia meu coração disparar a cada frase. Eu esperava estar sonhando, mas não. Era tão real e ao mesmo tempo tão irreal. Eu não deveria amá-lo, mas a quem eu estava enganando? Ninguém sabe quando começa uma coisa assim. É algo súbito, repentino.

- Refúgio? – perguntei meio sem jeito.

- É o lugar pra onde eu fujo quando as coisas se tornam difíceis demais. É onde eu encontro o que falta pra mim. É onde eu tenho a certeza de que estou seguro. O meu lugar no mundo onde não me apontam meus erros nem meus defeitos. Apenas me sinto bem perto de você. – respondeu ele de forma serena e inacreditavelmente sincera.

- Daniel, eu... – antes que eu pudesse continuar, ele me interrompeu.

- Há alguns dias atrás eu percebi que deveria manter as coisas que me fazem bem por perto. Eu estava afastando você e isso era tão... Errado. – continuou ele. – Eu não quero depender de você, sei que você também não. Mas eu preciso. – ele se aproximou de mim e eu queria prolongar aquilo. – Eu não te quero longe.

- Eu também não. – sussurrei a ele.

E aquelas foram as únicas palavras necessárias para o que nós dois precisávamos. Precisávamos um do outro, e não poderíamos mais negar. Eu deixei levar pela primeira vez na vida e o beijei. Eu gostava dele e sentia que ele gostava de mim. Deveria acreditar nisso uma vez na vida. Não é todo dia que alguém aparece e te faz feliz, então, quando uma oportunidade dessas surge, você não deve desperdiçá-la ao vento.

- Não vai se arrepender disso quando acordar? – perguntou ele ainda sorrindo.

- Não, não vou. E você? – perguntei.

- Eu me arrependeria se não fizesse isso nunca. – respondeu ele.

***

Não lembro ao certo que horas cheguei em casa, mas Daniel e eu paramos de rir das nossas palhaçadas por volta de duas horas da manhã. Ele me levou até a esquina de casa, e entrar foi um desafio. O medo de fazer barulho tornava qualquer som ensurdecedor. Eu estava um pouco zonza. Duas garrafas quase me derrubaram, mas eu consegui manter a cabeça no lugar. Passamos a noite naquele muro tentando entender de verdade se o que sentíamos um pelo outro era real. Eu já não duvidava dos meus sentimentos e esperava que ele também não.

Era domingo, e levantar cedo tornou-se tarefa quase impossível. Principalmente quando você chega em casa tarde, quase bêbada e não consegue dormir porque seu pensamento passou a noite inteira voltado a uma única pessoa.

- Nossa, que cara é essa filha? – perguntou minha mãe preocupada. – Tá parecendo que vai ficar doente.

- Só preciso de café. – respondi entre bocejos repetidos.

- Toma. Café amargo. – disse Lucas me entregando uma xícara quente enquanto sorria maliciosamente. Aquele sorriso me fez desconfiar de Lucas. Ele sabia de algo, eu podia sentir.

Entre alguns goles e caretas, terminei o café e fui tomar banho. Saí revigorada e finalmente desperta.

- Aconteceu algo ontem à noite, Di? – perguntou Lucas ao me ver entrar do quarto. Ele dobrava as roupas e sorria maliciosamente.

- Não... – respondi rapidamente.

- Eu vi você chegando. – continuou ele.

Fiquei paralisada e tentei demonstrar desentendimento, mas a expressão no rosto de Lucas fazia com que eu tivesse certeza de que ele realmente havia me visto chegar. Me aproximei dele e falei:

- Não conte a mamãe.

Lucas ergueu os olhos e gritou eufórico:

- Ah! Eu não acredito! Vocês ficaram?

- Fala baixo Lucas!

- Me diga, foi o Daniel? – perguntou ele com um sorriso largo de orelha a orelha.

- Sim! Ele gosta de mim, Lu! E eu também. E ontem nós ficamos. Mas foi só isso. Eu não sei onde isso vai chegar, mas... Não importa. – respondi sorrindo.

- Eu imagino Di. A tua felicidade é perceptível a metros de distância. – afirmou ele. – Mas você sabe que precisa contar à sua mãe. Não vai ser certo esconder. Se ele gosta de você de verdade, eu não vejo problema.

Eu fui em direção ao criado-mudo que ficava ao lado da minha cama e peguei o colar que Daniel havia me dado.

- Veja. Foi ele quem me deu. – entreguei o colar a Lucas que pareceu gostar.

- É a sua cara. – disse ele.

- Eu ainda não posso contar a mamãe enquanto não falar com Daniel. Não estamos namorando ou nada do tipo. Estamos nos conhecendo. Isso é tudo o que eu sei.

- Quer um conselho? – perguntou ele. Eu assenti. – Não pressione ele a nada, mas não se deixe levar demais. Você não faz o tipo de garota que fica com um cara só por ficar. Tudo bem foram apenas beijos, mas você merece muito mais! Merece a “oficialidade”. Acha que Daniel está disposto a isso? A tornar esse relacionamento real de verdade?

A dúvida pairou no ar por um momento, e eu refleti sobre o que Lucas havia falado. Eu não pensei no depois, mas minha relação com Daniel não seria a mesma.

- Vocês precisam conversar sobre o “futuro” também. Não é só do agora que as pessoas vivem. – continuou Lucas.

- Você tem razão, mas ainda é cedo. Cedo demais pra pensar no depois. – respondi enquanto guardava o colar na gaveta.

Passei o domingo esperando por uma ligação ou mensagem de Daniel. Aquele silêncio estava me matando aos poucos.

À tarde, uma visita surpreendente bateu à porta. Era ele.

O sorriso foi imediato. Ele estava ali, bem na minha frente.

- Daniel? – indagou minha mãe surpresa ao vê-lo na porta.

- Oi dona Daniela. – respondeu ele tímido.

- Filha, mande o rapaz entrar. Vamos Daniel, entre. – pediu ela.

Daniel fez o que ela pediu e logo estava sentado no sofá na minha casa. Lucas apenas ria da minha reação. Eu queria me enterrar viva, pois não imaginava o que iria acontecer dali pra frente.

- O que você veio fazer? Algum trabalho da escola? – perguntou ela.

- Não. Eu vim fazer um convite a vocês. – respondeu ele enquanto me olhava.

Eu desviava a atenção dele para que nada pudesse ser perceptível aos olhos da minha mãe.

- Um convite? Que legal! – exclamou Lucas.

- Sim. Hoje vai acontecer um desfile do clube de costura da minha avó. Vai ter outras exposições também. Vão vender roupas lá, produtos de artesanato. Essas coisas. Achei que vocês pudessem gostar.

A reação da minha mãe foi de surpresa. Um convite feito por um “amigo” de sua filha de uma hora pra outra soava estranho.

- Nossa, Daniel. Eu adoraria ir, até mesmo para rever sua avó. Mas hoje eu prometi fazer almoço na casa do avô da Di. E o Lucas vai comigo, não é mesmo Lucas? – perguntou ela.

- Eu vou? – indagou ele.

- Sim, você vai. – respondeu. O olhar dos dois era intrigante, como se eles tramassem alguma coisa. – Mas a Diana não vai fazer nada hoje. Ela pode ser a sua companhia.

Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo.

- É... E-eu a-cho que eu... posso ir sim. – respondi atropelando as palavras.

- Então vá se trocar. O Daniel pode esperar aqui. – concluiu ela.

Eu fui em disparo para o quarto e Lucas me seguiu exclamando repetidamente: “ele gosta de você!”, “ele é lindo!”, “ai meu Deus, vocês vão sair!”, “essa roupa não!”, “penteia o cabelo!”, “passa perfume sua macaca!”. Coisas assim.

Por fim, eu consegui me vestir de forma simples, mas bonita. Foi como eu me senti. Era uma saia preta e uma linda blusa branca com algumas rendas. A sapatilha que comprei no dia anterior foi inaugurada hoje. E claro, uma trança para evitar que meu cabelo saísse armado demais.

Ao sair do quarto, Daniel me viu e controlou o sorriso para que não ficasse constrangedor.

- Você tá linda filha! – comentou minha mãe.

Daniel permaneceu em silêncio.

- Obrigada. Acho melhor irmos logo. – comentei.

E seguimos até a esquina em silêncio, mas eu fiz questão de romper o quanto antes:

- Qual é o plano? – perguntei ansiosa.

- Levar você ao desfile do clube da minha avó. Você vai gostar. – respondeu ele.

- Eu não esperava que você fosse fazer isso.

- Ficar em casa esperando pra te ver até amanhã... Não estava nos meus planos. – Daniel segurou a minha mão e eu quis pela primeira vez que ele nunca mais a soltasse.


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