As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 22
Peso na consciência.




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#Narrado por Diana#

Abri a porta da sala e me deparei com o professor de sociologia já dando aula. Cheguei muito atrasada hoje devido ao despertador ridículo que fez o favor de não tocar.

– Bom dia Senhorita Diana! – cumprimentou o professor gentilmente, mesmo tendo sua aula interrompida por mim.

– Bom dia. Me perdoe o atraso. – digo a ele.

– Que isso não se repita. Sente-se, por favor.

Eu sigo para o fundo da sala onde Flávia e Daniel me olham negativamente.

O professor continua a aula normalmente. Eu tento acompanhar o ritmo que se segue, mas estou desconcertada pelo atraso.

– O que houve? – pergunta Flávia.

– Eu apenas acordei tarde. – respondo a ela, sussurrando.

Continuo o resto da aula em silêncio para não ser chamada a atenção novamente. Olho para trás discretamente e encontro Daniel. Ele está com uma das mãos cobrindo a boca de forma estranha. Ele me olha e depois desvia a atenção para o professor. Há algo errado, sei disso.

Noite passada ele me enviou uma mensagem, mas eu não respondi. Eu estava magoada. Pensava ter feito um amigo, mas ele não considerou isso. Se não sirvo para ser sua amiga, pra que diabos me mandou mensagem então? Eu me arrependi depois. Pensei que talvez tivesse sido hipocrisia da minha parte. Ele podia estar precisando de mim, e o que eu fiz? Lhe virei as costas. Não provei que podia sim ser sua amiga. Meu orgulho gritou mais alto.

– Alguém poderia ler o texto abaixo, na página trinta e quatro de livro? – pergunta o professor.

Uma das garotas sentada na cadeira da primeira fila levanta os braços para fazer a leitura.

Mais alguns minutos de explicação sobre a importância de conviver em comunidade, “respeitando, amando e cuidando do próximo porque nada nem ninguém está acima”. Eu discordaria... Você se torna crítica quando convive com um pai jornalista. Desde os oito anos eu faço os recortes das matérias dos jornais onde meu pai trabalhou. Fiz um pequeno álbum com todas elas. Daí o interesse incessante por leitura.

A próxima aula é de matemática. O mau-humor da professora pode ser visto de longe. Pra começar uma lista de exercício para a revisão da nossa primeira prova.

Olho novamente para trás e vejo que Daniel tirou as mãos da boca. Percebo um curativo e só então os olhos inchados e machucados. Agora eu tenho certeza de que aconteceu algo com ele.

– Terminem essa lista hoje! Nossa prova é semana que vem. Tirem suas dúvidas comigo. – diz ela. – Se preferirem, façam isso em grupo. Talvez facilite.

Flávia olha para mim.

– Deveríamos chamar Daniel para fazer conosco. – diz ela.

– Eu não sei se isso é uma boa ideia. – suponho a Flávia que me olha de forma interrogativa.

– O que houve? Ele está fazendo sozinho. Olhe. – diz ela enquanto aponta discretamente para trás.

Ele está de cabeça baixa, esforçando-se para resolver as questões e isso me parece estranho até então.

– Tudo bem, chame ele. Faça o que achar melhor. – continuo.

Ela levanta-se e vai em direção a Daniel. Em alguns minutos ele coloca a cadeira perto de nós. Murilo junta-se ao grupo.

– Preciso de ajuda para essa questão. Que droga é isso! Eu não me lembro de nada sobre coseno e seno. – diz Murilo.

– Aprendemos isso em alguma série... – continua Flávia.

– Gente, nós vimos isso esse ano também. – digo a eles.

– Me dê isso. – Daniel puxa o caderno de Murilo e em alguns minutos desenvolve a questão. – Sempre que você tiver que encontrar seno, coseno e tangente, você usa esse macete. – continua ele enquanto escreve uma pequena tabela em uma folha.

A professora observa o desempenho de longe e apenas encara a situação sem comover-se com a mudança do aluno que a desafiara há algumas aulas.

– Nossa Daniel, valeu. – agradece Murilo.

– E essa questão, é sobre números complexos. Isso é confuso. – diz Flávia.

Daniel sorri.

– É um pouco confuso, mas não é grande coisa. – e então ele resolve outra questão.

Eu não consigo esboçar reação sobre nada. Ainda estou pensando na mensagem da noite anterior.

– E você Diana, não vai responder nada? – pergunta Daniel sem olhar para mim.

– Estou tentando. – respondo sem muito ânimo.

– E minha mensagem ontem? – ele olha para mim de forma desapontada.

– Eu não a vi. – minto para ele.

Daniel novamente desvia o olhar e concentra-se na questão. Não conversamos desde então. Nem mesmo no intervalo ou na hora da saída. E até os olhares ficaram apenas sendo da minha parte. E eu estou arrependida de não ter respondido a ele.

***

– Olhe Diana, minha transferência! Começo amanhã na sua escola! – disse Lucas segurando um papel em mãos e um sorriso deslumbrante no rosto.

– Não acredito! Jura? – perguntei ainda surpresa enquanto olhava o papel.

– Sim. A guarda foi passada oficialmente para o Carlos há dois dias. E eu estou sobre cuidados jurídicos da sua mãe como minha madrasta. Eles não são divorciados no papel nem nada. Ainda são casados então... Não há nenhuma queixa sobre isso. – continuou ele.

– Consegui fazer a matrícula dele no mesmo turno que o seu. – disse minha mãe.

– Então você só precisa arranjar o material escolar. – falei a ele enquanto ambos sorriamos.

– É, vou comprar as coisas dele hoje. Você quer ir conosco Diana?

– Adoraria, mas preciso terminar alguns trabalhos. – digo.

– Tudo bem. Nós voltamos logo. Cuide-se querida. – diz ela enquanto sai do quarto.

Passo o resto do dia terminando listas quase intermináveis de exercícios e concluindo mais alguns capítulos do livro. Ainda consigo me perder pensando em Daniel, e isso está ficando fora de controle. O nome disso é: peso na consciência.

Leio algumas páginas do livro “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e então deixo-o de lado para dormir um pouco. Só assim conseguirei por a cabeça no lugar.

Acordo com um barulho na porta. Alguém está batendo. Levanto ainda tonta de sono e saio do quarto em direção a sala. Olho pela janela e vejo Daniel esperando. Isso parece inacreditável.

Respiro fundo e abro a porta.

Ele me olha e ri.

– Nossa! Santa mãe de Deus! – exclama ele irônico.

– O que há? – pergunto.

– Já se olhou no espelho? Seu cabelo...

– Te ferra vai...

Ele continua sorrindo.

– Posso entrar? – pergunta ele.

– Não tem ninguém em casa, não sei se isso pode ser uma boa ideia. – respondo.

Ele fica sério e encara o chão. Põe as mãos nos bolsos na bermuda e depois volta a atenção para mim.

– Me desculpe por ontem. Não foi legal... – digo a ele. – Eu realmente estava chateada com você.

– Eu é quem deveria pedir desculpas, Diana. Eu acabei fazendo tudo dar errado e... – ele hesita em continuar. – Não devia ter negado a tua amizade. De verdade.

– eu sei, você foi um idiota por isso. – digo a ele e depois sorrio para que aquilo não pareça tão sério.

– Olha, é a segunda vez que peço desculpas pra você. E é a segunda vez que me chama de idiota. – diz ele.

– Cala a boca, você sabe que é! – continuo, tentando provocá-lo a me desafiar.

Ele fica calado com uma expressão um pouco desapontada.

– Não se preocupe Daniel. Não estou magoada com você. Não mais. – continuo.

– Espero que isso seja um bom sinal.

– Eu não queria te fazer ficar em pé aí, mas é o jeito. – digo a ele enquanto rimos. Eu segurando a porta e ele a alguns centímetros de mim.

– Então irei sentar nesse degrau aqui ou seja lá o que for isso. – diz ele que agora está sentado próximo aos meus pés.

Eu o acompanho e com o cabelo ainda bagunçado, sento ao lado dele.

– Vai me dizer o que aconteceu pra você arranjar esse machucado no rosto? – pergunto enquanto olho para ele.

Alguns minutos de silêncio se passam. Ele está observando meus vizinhos que brincam de bicicleta na rua.

– Eu caí. – responde.

– Não caiu não...

Ele então me encara de forma séria.

– Me meti em confusão. Barra pesada sabe. Três caras gigantescos me encurralaram lá no beco onde você sempre costuma passar... Me bateram. Foi muito tenso. – a forma como ele conta a história soa sarcástica.

– Está me fazendo de idiota mocinho...

– Estou?

– Está. – afirmo. Nós rimos e então ele decide me contar o que houve.

– Um “amigo” meu fez isso... Ele estava drogado.

– Nossa! Você tem umas amizades estranhas demais. Não deveria andar com gente assim.

– Não serve como bom exemplo, não é? – pergunta ele.

– Na verdade, essa coisa de “bom exemplo” e “mau exemplo” é papo furado. Todo mundo faz o que quer. – respondo.

– Você até que tem razão.

Ficamos mais alguns minutos em silêncio e então eu pude ver minha mãe e meu irmão se aproximando.

– Daniel! – exclamou minha mãe confusa. – Tudo bom?

Daniel levanta-se e cumprimenta minha mãe.

– Sim, estou bem dona Daniela. E a senhora?

– Estou ótima. – ela então me encara. – Porque não disse que Daniel viria aqui?

– Na verdade eu vim de surpresa. – responde ele.

– Ah, tudo bem. Este é o Lucas, irmão da Diana.

Lucas olha para Daniel e então estica a mão para cumprimentá-lo.

– Oi. – diz ele.

Daniel sorri.

– Eu já vou indo. Vejo você amanhã Diana. E foi bom rever a senhora e muito legal de conhecer Lucas. – diz ele.

Ele segue em frente e então eu, Lucas e minha mãe entramos em nossa casa e eu espero pelo pior dos sermões.

– O que ele veio fazer aqui? – pergunta ela.

Eu olho para Lucas e então para ela.

– Veio conversar sobre um trabalho da escola. – eu minto.

– Ele entrou aqui?

– Não mãe, não entrou.

– Olha filha, ele me parece ser um bom rapaz. Mesmo assim não quero você se envolvendo com ninguém. Não agora. É sua reta final! Você irá para a faculdade ano que vem e eu não quero que nada atrapalhe você. – diz ela enquanto tira as compras das sacolas.

– Tudo bem mãe. Prometo não engravidar. Prometo não lhe dar outro fardo! – digo desapontada. Eu sigo para o quarto, apenas ouvindo-a chamar meu nome.

***

– Di, eu posso entrar? – pergunta Lucas na porta do quarto.

Eu levanto as mãos indicando que sim. Estou deitada na cama com o lençol cobrindo todo o meu corpo.

– Pare com isso. Ela só se preocupa com você. – diz ele.

– Eu sei mano...

– Não, não sabe. – diz a minha mãe que agora entra no quarto e tira o lençol do meu rosto. – O que há Diana, qual o problema agora?

– Eu apenas não concordo com essa proteção exagerada. – respondo. – Mãe, eu já vou fazer dezessete anos e nunca desapontei você. Porque a essa altura do campeonato eu faria isso?

– Diana, você não sabe pelo o que eu passei.

– Eu imagino.

– Imaginar não chega nem aos pés do que eu vivi! Eu abri mão dos meus sonhos por você meu amor! E se você me perguntar hoje se eu me arrependo disso, eu lhe direi que não! Você é a minha realização querida. Você é o meu sonho. E eu te protejo assim porque não quero que você perca esse brilho no olhar. Essa coisa toda que você tem de sonhar sempre alto! – ela põe as mãos no meu rosto. – Eu amo você. E não quero vê-la sofrer porque, mesmo em meio a tanta felicidade que eu sinto hoje, eu sofri muito Di. Muito mesmo.

– Me desculpe. – digo com a voz falha.

– Eu sempre vou perdoar você. – ela minha abraça e então eu vejo que Lucas está se desfazendo em lágrimas.

– Ah, vem aqui garotinho! – ela puxa a mão de Lucas para completar um abraço em trio.

Eu estava tentando ser compreensível, e mesmo que recebesse dolorosos puxões de orelha, aquilo tudo iria valer apena. Quase ninguém sabe, mas ouvir o que nossos pais muitas vezes cansam de nos repetir soa como o melhor dos conselhos quando lá na frente nos deparamos com algum desafio ou com alguma decepção da vida.


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Notas finais do capítulo

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