As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 16
No meu lugar.




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#Narrado por Diana#

Concluí quatro capítulos do livro no domingo. Semana passada foi a mais conturbada para mim. Descobri sobre um meio-irmão, fiz um novo amigo, bebi pela primeira vez, escalei um muro pela primeira vez, e passei a semana pensando em um garoto, pela primeira vez.

                     Daniel tomou conta de parte do meu dia. Penso nas conversas que tivemos. Foram poucas, mas foram significativas e muito engraçadas. Depois da semana passada, essa semana foi uma das melhores. Me encontrei novamente com Daniel no beco. Não pense que foi proposital. Pelo menos não da minha parte. Eu precisava levar as compras do meu avô. Meus primos e meus tios ainda estão viajando, mas dessa vez eu não bebi com ele. Pra falar a verdade, ele não tinha bebidas. Pode ser que tenha seguido o meu conselho ou simplesmente já tivesse acabado as bebidas antes.

                     Acredita que ele está mesmo lendo o livro “Dom Casmurro”? E ele está gostando. Disse que o personagem Bento tem muita coisa parecida com ele. Eu disse que estava lendo “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e que era incrível. Conversamos horas sobre os livros. Depois começamos a falar sobre filmes. O favorito dele é “Sem limites”. Eu fiz questão de baixar o filme pra saber qual é a história e a graça dele porque Daniel não quis me contar. Eu assisti e achei muito interessante. É sobre um cara que toma uma droga, e essa droga tem o poder de fazer com que ele consiga usar cem por cento da capacidade cerebral dele. E ele acaba adquirindo habilidades incríveis. É muito bom.

                     Quando ele perguntou qual era o meu filme favorito, eu gargalhei bastante antes de responder por que sei que ele jamais deve ter ouvido falar. E quando eu respondi, ele soltou um grande e belo “Ual!”. Tudo bem, não posso exigir demais dele. A propósito, meu filme favorito é “Cantando na chuva”. Ele pediu que eu emprestasse o DVD a ele para que ele pudesse assistir e tirar as próprias conclusões. Ainda estou pensando se isso é uma boa ideia porque o DVD era da minha avó. Tenho medo dele não ter cuidado e estragá-lo. Mas decidi confiar e vou emprestar a ele.

                     Conversamos também sobre os nossos pais. E eu falei a ele que o meu irmão iria chegar em casa na sexta ou no sábado e eu finalmente poderia conhecê-lo melhor. Eu não acreditei quando ele disse que queria conhecer o meu irmão. Falei a ele que, dependendo de como o meu relacionamento com o Lucas evoluísse, eu apresentaria os dois.

                     Eu descobri que a avó de Daniel se chama “Amélia”. É um nome muito bonito. E eu falei sobre a minha avó “Helena” e de como eu a amava incondicionalmente. Ele me perguntou sobre meus avós maternos e eu falei que eu não os conhecia. Ele não acreditou, então tive que contar toda a minha história. E ele ainda ficou sem acreditar quando eu disse que meus avós maternos eram a favor do meu aborto. E sabe o que ele disse pra mim?

                     - Babacas! Perderam a oportunidade de conhecer uma neta incrível, de verdade.

                     Eu apenas agradeci, porque é isso que as pessoas fazem quando recebem um elogio. Acredito que isso deva ter sido um elogio. Pelo menos eu considerei como um.

                     E então, ele me contou a história dele. De como o Leandro batia demais nele quando ele era mais novo. Das três tentativas de fugir de casa e voltar logo depois porque a coitada da avó adoecia só de imaginá-lo na rua, sozinho. Me contou das experiências bizarras que já teve. Dentre elas, a de quase morrer de tanto apanhar por não ter conseguido roubar um carro. Isso mesmo, ele tentou roubar um carro uma vez. Também sobre a primeira vez que bebeu. Ele tinha quatorze anos. Bebeu tanto que não conseguia voltar pra casa. Dormiu na rua. E quando chegou em casa no dia seguinte, apanhou do Leandro. Ele chama o pai pelo nome porque “- Pai é um nome dado àqueles que amam e respeitam os que consideram seus filhos. Leandro não deve fazer nada disso por mim. Me amar ou me respeitar. Então, dane-se.”

                     Eu perguntei dele então a mesma coisa do primeiro dia de aula dele na minha sala, na semana passada. E então ele disse que era “- chato, patético e absolutamente entediante, bem diferente de mim”. Então nós sorrimos.

                    Aproveitei pra saber o que de tão errado ele havia feito para ser transferido de turno. Ele disse que combinou com uns amigos para serem expulsos da escola. Nenhum deles queria mais estudar. Então eles quebraram os computadores da escola, furaram o pneu do carro da diretora e picharam os muros da escola. Eu então me lembrei da última semana na escola, antes das férias, quando a diretora informou que ficaríamos alguns meses sem podermos ir à sala de informática por problemas técnicos...

                    Os dois amigos, que a propósito são aqueles que eu encontrei no beco com Daniel pela primeira vez, foram expulsos. Mas o caso deles chegou a ser mais sério que o de Daniel: além de fazer tudo isso, encontraram na bolsa dos dois drogas. Daniel disse que não iria participar disso porque era grave demais. Ele foi então apenas transferido de turno.

                    Ficamos olhando para o céu por um bom tempo. Ele perguntou sobre o meu colar. E eu disse que era um presente da minha avó Helena.

                    - Mas porque “sonhadora”? – perguntou ele.

                    - Ela me definiu assim. E eu sou assim. Uma sonhadora. Meus pés só estão presos ao chão devido a gravidade, mas os meus sonhos estão vagando por aí, junto da minha vontade de ser feliz de verdade. – respondi.

                    Nós sorrimos, e ele disse que eu levava jeito com as palavras. Eu adorei isso.

                    Foi então que aconteceu uma coisa muito estranha: ele me convidou para ir a casa dele conhecer a avó. Eu fiquei pasma. Aquilo era inacreditável. Eu respondi que iria se a minha mãe deixasse. E ele novamente me chamou de certinha, mas eu não me importava porque isso era o certo a ser feito. Antes de me despedir, ele pediu meu número de telefone. Então eu fui pra casa.

                    No dia seguinte, depois da escola, perguntei da minha mãe se podia ir à casa de um amigo. Ela fez um verdadeiro interrogatório.

                      - Quem é esse amigo? – perguntou ela.

                      - ele é lá da escola, da minha sala. O nome dele é Daniel. – respondi.

                      - Você nunca me falou dele... – disse ela desconfiada.

                      - estou falando agora.

                      - Diana, eu não sei. Preciso pensar.

                      - Poxa, a senhora não confia em mim? – Indaguei.

                      - em você eu confio, não confio nesse tal de Daniel.

                      - Ah, a senhora nem conhece ele...

                      - Por isso mesmo.

                      Exatas duas horas de convencimento. Contei a ela tudo o que sabia sobre Daniel, tirando as partes em que ele bebe e picha muros. Ela me deixou ir, com a condição de me levar lá na casa dele. Eu aceitei. Enviei uma mensagem a ele dizendo que minha mãe iria me levar. E ele respondeu.

                      “Eu já imaginava que a sua mãe não iria deixar a princesinha vir à casa de um estranho sozinha...”

                      “Não sou princesinha.”

                      “É sim. A princesa Diana da classe C!”

                      E eu ri demais depois dessa mensagem. No mesmo dia fui a casa dele. Minha mãe é claro me acompanhou. Quando chegamos lá, dona Amélia abriu a porta. Eu ouvi um latido e estranhei. Daniel não havia me falado sobre ter um animal de estimação.

                      - Presumo que você seja a Diana. – disse ela. Presumo soou engraçado.

                      - Sim, e a senhora deve ser a dona Amélia. – disse a ela. Minha mãe ainda estava inteiramente desconfiada.

                      - Eu mesma. – disse.

                      - Essa é a minha mãe, Daniela. – apresentei as duas.

                      - Eu vim trazê-la porque eu não conheço o seu neto, e fiquei um pouco intrigada com essa amizade relâmpago.

                      - É claro, sem problema. Entrem.

                      A casa dele é bem simples. Tinha um sofá grande, uma poltrona, uma cadeira de balanço, e uma televisão na sala. Tinha também uma mesinha de centro, e no armário percebi alguns livros e uns DVDs.

                      - Vocês querem beber alguma coisa? – perguntou dona Amélia.

                      - Não, obrigado. – respondi. – Onde Daniel está? – perguntei.

                      - Ele foi ao supermercado. – respondeu ela.

                      - Ele vai demorar muito? – perguntou a minha mãe, apressada para conhecer o rapaz.

                      - Não, aí está ele. – disse dona Amélia enquanto Daniel entrava em casa. O cachorro começou a latir mais ainda. Daniel pareceu não acreditar quando me viu.

                      - Diana. Olá! – disse ele.

                      Eu sorri e então apresentei minha mãe a ele.

                      - Tudo bem então, comporte-se. Venho buscá-la as sete, tudo bem?

                      - Não precisa dona Daniela, eu posso levá-la em casa. – disse Daniel.

                     Cada vez mais esse garoto surpreendia. E eu mal podia acreditar no que estava por vir.

                     Quando minha mãe saiu, dona Amélia começou um interrogatório.

                      - Você tem quantos anos querida? – perguntou ela.

                      - dezesseis. – respondi.

                      - Seu cabelo é lindo, olha Daniel, é lindo não é? – Perguntava ela a Daniel. Ele olhou e sorriu.

                      - É muito bonito. – disse ele.

                      - Obrigada. – respondi.

                      Eu estava absolutamente sem jeito e Daniel também. Porém a avó dele fez questão de não nos deixar constrangidos, até que ela teve a ideia de mostrar as fotos de Daniel quando ele era um bebê.

                      - Oh, Daniel! – disse admirada. – você era uma gracinha!

                      - Não sou mais, não é? – perguntou.

                      Eu fiquei em silêncio. E então respondi.

                      - Você é... Engraçadinho.

                     Depois ela me mostrou mais fotos dele. E de todas as fotos, a favorita dela era a de Daniel vestido de Cowboy.

                     Eu soltei belas gargalhadas quando vi aquela foto. Ele estava vermelho de vergonha por estar passando por isso.

                     - Já chega dona Amélia. Guarde as fotos. – disse ele.

                     - Tudo bem. – disse ela.

                     Ficamos em silêncio enquanto ela saia da sala e se dirigia ao quarto para guardar as fotografias.

                        - Sabe, a ideia de te convidar pra vir aqui em casa foi dela.

                        Eu me encolhi com a revelação.

                        - Por quê? – perguntei.

                        - Ela queria conhecer a única garota que teve coragem de me chamar de idiota. – respondeu ele.

                      Ficamos em silêncio encarando um ao outro. Lembrei então do cachorro.

                     - Você não me disse que tinha um cachorro. – disse a ele.

                     - era surpresa. Não espera que eu conte tudo sobre mim em um só dia, não é? – ele me olhou e levantou-se do sofá. Foi em direção à porta de outro quarto e então um cachorro muito grande e fofo saiu de lá.

                     - Que lindo! – disse. – qual é o nome dele?

                     - Salomão. E é melhor você calçar os sapatos se não quiser voltar descalça para casa. – disse ele. Eu achei melhor obedecer.

                      Ele me contou então a história do cachorro e dos “imundos”. E eu achei aquilo incrível. Ele era incrível, mas talvez não acreditasse nisso.

                     - então quer dizer que Daniel tem coração... – falei ironicamente.

                     - Infelizmente, eu tenho.

                    A avó dele retornou e disse que iria fazer alguma coisa para comermos. Daniel então me convidou para conhecer o quarto dele.

                    - Arrumado demais para um garoto. – disse.

                    - eu faço o possível. – replicou ele.

                    Fiquei um pouco sem jeito de sentar na cama dele então eu simplesmente sentei no chão. Ele me acompanhou e Salomão também.

                    - Seu cachorro é muito lindo! – falava a ele enquanto acariciava o cachorro.

                    - Gostou da minha avó? – perguntou.

                    - sim, uma graça! E você de cowboy... – começamos a rir.

                    - aquilo é a minha morte! Foi em uma festa a fantasia. – disse ele. – vai me dizer que você não tem uma foto constrangedora...

                    Eu pensei, pensei. Revirei o baú e lembrei de uma.

                    - Sim, eu tenho. Uma vez, na festa de aniversário do meu primo, minha mãe me fantasiou de... – eu fiz uma pausa e comecei a rir. – mulher gato.

                    - Não! – gritava ele sem acreditar.

                    - SIM! – dizia eu em meio a gargalhadas.

                   Caímos no chão. Estava ficando difícil respirar.

                   - você tinha quantos anos? – perguntou ele.

                   - uns sete anos... E a roupa era bem coladinha. Estilo “femme fatale”. – respondi.

                   E então rimos novamente.

                   - E você tinha o rabinho da mulher gato também? – perguntou ele.

                   - Tinha! – respondi.

                   E agora nossas risadas estavam sincronizadas. Salomão se deitou perto dele. Estávamos ali, rindo e zombando um do outro.

                   - Eu preciso ver essa foto! – disse ele quando finalmente conseguiu respirar.

                   - Não precisa não...

                   Ele puxou o celular do bolso e colocou entre a gente.

                   - Gosta de “Coldplay”? – perguntou ele.

                   - Sim, gosto sim. – respondi.

                   - Qual a sua música favorita deles então?

                   - “In my place”.

                   Ele procurou no celular. Ainda estávamos deitados no chão a uma distancia muito curta. Ele virou-se e se deitou de bruços. Eu ainda estava pensando na foto dele de cowboy.

                   - Aqui está. – disse ele.

                   A música começou a tocar. Eu olhava para o teto do quarto dele e pensava em todas as coisas que aconteceram em menos de duas semanas. Meu irmão iria chegar amanhã. Eu estava tão animada. Mas eu pensava em Daniel também, e em como ele era incrível. E tudo aquilo que estava acontecendo era incrível.

                   - Você sabe a tradução da música? – Perguntou ele.

                   - Sim. – respondi.

                    Ele ficou em silêncio esperando que eu lhe dissesse a tradução.

                   - No meu lugar, haviam limites que eu não poderia mudar. Eu estava perdido.     Ultrapassei barreiras que não devia ultrapassar Eu estava perdido...Por quanto tempo você vai esperar?Por quanto tempo você vai pagar por isso?Por quanto tempo você vai esperar? Eu estava assustado, cansado e despreparado. Mas vou esperar. E se você partir e me deixar aqui sozinho, ainda esperarei por você. Por quanto tempo você vai esperar?Por quanto tempo você vai pagar por isso?Por quanto tempo você vai esperar?- Ele continuava apenas observando. -Cante, por favor. Volte e cante para mim, pra mim, volte e cante... No meu lugar haviam limites que eu não poderia mudar. Eu estava perdido...             

                    - Você sabe a tradução de outras músicas? – perguntou.

                    - Sei de todas as que eu gosto. – respondi.

                     - Incrível. 


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