As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 1
Prólogo.




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Os fatos que se sucedem aqui relatam a vida de uma “princesa moderna”. Sem castelos, palácios, cavalos ou empregados à sua inteira disposição. Uma princesa pobre. Pobre não, de classe média (é como as pessoas definem hoje em dia quem tem mais de uma televisão, um computador, uma casa própria e nunca passou fome na vida).

           Sim, estou me referindo a mim mesma. Princesa Diana. Calma, calma. Não a Princesa Diana da Inglaterra. Não aquela que já não está mais entre nós. Só temos o mesmo nome em comum. Pronuncia-se da forma “chique”, como minha mãe costuma falar. Eu mesma não vejo diferença nenhuma. Mas, não vou discutir isso porque tenho coisas mais importantes para pensar em discutir. Eu costumo pensar demais. Sempre fui assim e admito: não me agrada nem um pouco.

           Quando estou pensando muito, costumo escrever e assim aliviar a tensão que me cai nos ombros. Sinto um alívio enorme quando minhas ideias finalmente ficam ali no papel. E eu, ao contrário de muitas pessoas, imploro para que elas não saiam de lá.

            Sou amante da literatura. Meu quarto está repleto de livros e de qualquer outra coisa que possa ser lida e interpretada. Creio ter mais livros do que roupas. Sério, não estou brincando.

            Deve estar pensando que sou uma velha, lá pelos meus cinquenta anos, e que decidiu, de uma hora pra outra, narrar sua vida. Não sou velha, mesmo acreditando volta e meia que não devo ter dezesseis anos.

            O motivo pelo qual estou escrevendo isso, em uma folha do Word no meu computador novo é simples: preciso desesperadamente de ajuda. Estou sozinha, e precisando mais do que nunca de alguém que não me diga que sou “nova demais para entender as coisas”. Não vejo dessa forma. Descobri aos treze anos de onde vêm os bebês e posso garantir a você que aquela história da cegonha e da “sementinha” virou motivo de piada pra mim.

            Mas a questão ainda não é essa. Só coloque-se exatamente no meu lugar: de repente sua família, seu chão, seu tudo, simplesmente acaba. Isso. Seus pais decidem se divorciar da noite para o dia, como se fosse a coisa mais normal a ser feita.

            Entre todos os detalhes de como esse desespero começou, você precisa entender porque estou assim, tão angustiada e zangada. Tem que entender que eles eram um casal quase perfeito (não eram perfeitos porque eu não acredito em perfeição além da divina).

                 Meus pais se conheceram ainda no colegial. Ela dezessete anos e ele dezoito. Estavam prestes a se formar quando minha mãe descobriu que estava grávida. Eu estava a caminho e isso os assustava, afinal eles iriam para a faculdade em poucos meses, mas isso não seria possível se eu existisse.

                   Ambos tinham faculdade garantida. Os dois iriam fazer jornalismo em outra cidade. Iriam morar juntos em um apartamento simples e depois se casariam. Eu simplesmente fiz eles inverterem toda a ordem.

                Jamais passou pela cabeça deles a ideia de um aborto. Mas pela cabeça dos meus avós maternos sim. Eles não queriam que sua única filha perdesse toda a oportunidade da sua vida por causa de uma “irresponsabilidade nojenta dos dois” (palavras grotescas cuspidas da boca da minha avó materna Lívia).

               Quando minha mãe negou o aborto, Foi expulsa de casa. E então foi morar com meu pai na casa dos meus avós paternos. Não importava o problema ou a situação. Eles se amavam demais, e precisavam mais que nunca um do outro agora.

                 Casaram-se antes de eu nascer. Coisa simples. Já vi as fotos do casamento e posso confirmar que a barriga dela ainda não estava grande o suficiente para alguém perceber uma criança ali. Porém, as pessoas falam demais, e perceberam na hora que o motivo daquele casamento relâmpago era uma criança a caminho.

                   Eles não se importaram. Sabiam que aquela decisão era a correta. E a opinião dos outros pouco importava, afinal nenhum daqueles presentes (além do meu pai, mãe, e avós) iria arcar com as despesas deles. Isso já era suficiente para dar de ombros aos seus julgamentos.

                   Minha mãe tinha apenas dezessete anos, mas tomou uma decisão adulta o suficiente: pediu que meu pai fizesse a faculdade e seguisse o seu sonho. Ela acreditava nele e sempre acreditou. Quando eles namoravam, ele lhe contava todos os seus planos como jornalista. Queria ter uma coluna voltada à política. Ele defendia demais os direitos das pessoas. 

                    Ele o fez. Eu nasci.

                    Meu pai foi fazer a faculdade em outra cidade, em São Paulo. Tinha parentes morando lá, o que o ajudava bastante com as despesas. Eu tinha um ano quando ele foi para a faculdade.

                     Meus avós até deram a ideia de cuidar de mim para a minha mãe fazer a faculdade. Porém, dois anos depois minha avó descobriu que tinha câncer. Precisava de tanta atenção e tanto cuidado quanto eu. Minha mãe então permaneceu ali, distante do meu pai por quatro longos anos.

                      Mantínhamos o contato por telefone, e-mail e visitas a cada três meses. E o amor deles parecia coisa de cinema. Continuavam como se não houvesse tanta distância. E eu crescia tendo a certeza de que aquilo duraria para sempre. Até que descobri que as coisas mudam, drasticamente.

                       Quatro anos de faculdade e meu pai retornou. Eu havia acabado de fazer cinco anos. E com o tempo meu pai já havia conseguido emprego e já tínhamos nossa própria casa. Dois anos depois minha avó Carmem, mãe do meu pai, faleceu. O câncer foi mais forte.

                        Essa não foi a pior parte da minha vida, até porque eu entendo a dificuldade que as pessoas têm em lidar com perdas. Mas eu tinha sete anos e não compreendia muito bem os enterros. Ainda mais quando o filho da pessoa falecida não comparece. Como o meu pai.

                               Nove anos se passaram, e o verdadeiro tormento na minha vida começou. Faz três meses que meus pais se divorciaram. Nada oficial aos olhos da justiça, mas eu entendo divórcio a partir do momento em que meus pais não moram mais juntos.

                            Tudo começou em uma noite de sexta-feira. Chovia muito. Eu gosto da chuva, mas nesse dia ela não me agradou nem um pouco. Eu estava dormindo, havia terminado de ler Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Não é que eu não saiba a história (quem não sabe), mas me agrada o fato de ler e conhecer a história mais a fundo do que “dois jovens apaixonados, de famílias rivais, não podiam viver felizes porque ela era uma Capuleto e ele um Montecchio, e os dois morrem no final (e eu creio que morreram por pura ingenuidade)”. Mas não é a história deles que me interessa.

                            Acordei com muitos gritos e xingamentos. Estou falando sério. Nunca ouvi tantos palavrões sendo pronunciados de forma ordenada saindo da boca da minha mãe.

                            - Você foi um verdadeiro cretino por fazer isso comigo Carlos! – Dizia ela aos prantos.

                            Eu saí lentamente do quarto. Não queria que eles parassem a discussão antes de eu saber o motivo dela.

                            - Você não consegue entender Daniela, o quanto eu estou arrependido com tudo isso? Foi um erro, foi uma grande merda feita, mas eu amo você! – Dizia ele enquanto tentava se aproximar dela.

                            - Não toca em mim! Eu sinto nojo de você Carlos, nojo! Como pôde? O que sua filha vai pensar de você?

                            Minha mãe começou a chorar ainda mais. E foi nessa hora que eu percebi que devia interferir.

                            - O que está acontecendo? Porque vocês estão brigando? – Perguntei.

                            Eles me olharam assustados e tentando esconder a situação de qualquer forma. Mas não dava. Eram duas horas da manhã, e eles nunca brigam por nada além da cor da parede do quarto.

                            Houve um breve silencio, e tudo em que eu consegui prestar atenção depois de um trovão foi na saída rápida de minha mãe da sala. Ela havia ido ao quarto buscar uma grande mala. Depois disso, meus olhos não sabiam se o que viam era a realidade ou se eu continuava dormindo. Eu esperava que fosse um sonho, mas outro trovão me deu a certeza de que não era.

                            - Você vai embora dessa casa Carlos. Não quero você mais aqui. – Dizia ela com um tom de voz cansado e choroso.

                            - Daniela, por favor... – Implorava ele.

                           Eu estava desnorteada. Não compreendia aquela cena. Parecia novela mexicana com uma pitada de drama hollywoodiano. Mas era a pura realidade diante dos meus olhos. Meu pai iria embora, e eu ainda não entendia o motivo disso.

                          Minha mãe continuou parada, e o único esforço que fez dali em diante foi entregar-lhe a mala. Ele tentou abraça-la, tentou tocá-la, mas todas as suas tentativas só serviram para ela se afastar ainda mais.

                           Ele se inclinou e pegou a mala. Havia desistido. Isso me magoou porque vi meu pai chorar pela primeira vez. Lembrei-me que ele não chorou quando soube que a vovó havia falecido. Lembrei que ele não chorou no dia do seu casamento. Sei disso porque vi o vídeo de casamento. Agora queria saber por que ele chorava. O que de tão errado e culposo ele havia feito para magoar a si mesmo?

                           - Eu sinto muito filha. – Foram as últimas palavras dele antes de sair de casa naquela madrugada chuvosa.

                           Eu continuei parada onde estava, até que senti a respiração ficar ofegante demais. Vinha choro por aí. E quando a porta se fechou, quando o carro saiu da garagem, minha mãe caiu aos prantos na sala. E eu não sabia o que fazer além de seguir o ritmo e chorar também. E eu sentei no chão, tentando compreender tudo. Ela veio até mim e se ajoelhou. Nos abraçamos. Eu percebi naquela hora que ela não fez aquilo porque não o amava mais. Era apenas o certo a ser feito, mais isso não queria dizer que seria agradável.

                            - Por que você o mandou embora? – Perguntei por entre os soluços.

                            Ela parou de me abraçar e me olhou nos olhos, enquanto suas mãos estavam sobre os meus ombros, e me disse a única coisa que eu precisava saber de verdade naquela noite:

                            - Eu te amo Diana. E eu prometo a você que tudo vai ficar bem.

                            Eu assenti. E enquanto a chuva continuava, lembrei-me de todas as vezes que meu pai e minha mãe disseram que me amavam e que tudo ia ficar bem.

                            Parecia o fim, mas eu mal sabia que era apenas o começo.


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