Forever Charmed escrita por Bella P


Capítulo 7
Vinte Semanas




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O Ciclo da Raposa



Sakano


– Shindou parece inspirado nesses últimos dias, não acha Sakano-san? - minha resposta para o presidente foi somente um sorriso fraco que o fez franzir as sobrancelhas. - Você está bem Sakano-san? - perguntou e eu assenti com a cabeça, voltando rapidamente a minha atenção para o estúdio onde o Bad Luck gravava o seu novo single. Suor descia pela minha nuca e a gola da minha camisa social parecia me sufocar. Em um gesto desesperado, afrouxei discretamente o nó da minha gravata, mas isso não pareceu adiantar de muita coisa.

Eu me sentia febril, se os arrepios que percorriam o meu corpo fossem alguma indicação, e quando Seguchi-san pousou a mão sobre o meu ombro e me mirou com os seus grandes olhos verdes, um tremor me fez morder o lábio inferior e desviar o olhar para que ele não visse as minhas bochechas rosadas.

– Sakano-san? - permaneci com o rosto virado até que senti o hálito morno do presidente contra a minha bochecha quente. - Jun? - engoli em seco e mordi mais o lábio, sabendo que o feri a ponto de arrancar sangue devido ao gosto metálico que invadiu a minha boca.

Sabia dos boatos que rodavam a NG sobre a minha pessoa. Sabia que todos achavam que eu tinha um amor reprimido por Tohma Seguchi. Mas somente poucas pessoas sabiam a verdade.

E vamos deixar as coisas bem claras aqui: eu nunca fui apaixonado pelo Tohma.

A verdade é que Tohma e eu somos irmãos. Ou meio irmãos. Sabe, o velho Sr. Seguchi não foi muito fiel em seu matrimônio e eu sou o resultado dessa escapadinha.

A história era simples: Terue Seguchi conheceu a minha mãe por um acaso nas ruas de Kyoto e encantou-se por ela. Ambos tiveram um breve e tórrido caso de amor que gerou uma consequência: eu.

O problema é que a minha mãe não era do tipo maternal e o meu pai jamais poderia assumir a minha existência se não quisesse um escândalo nos jornais e que a sua reputação fosse por água abaixo. Além do fato de que, apesar da indiscrição, ele era apaixonado pela Sra. Seguchi e não queria perdê-la.

Portanto, assim que a minha mãe largou o problema no colo dele (esse problema sendo eu) o meu pai me largou no primeiro internato de alto padrão que encontrou.

E a minha vida se resume a isso: um pai que eu talvez tenha visto umas cinco vezes na vida antes dele morrer e uma mãe da qual eu nem lembrava o primeiro nome.

E como Tohma entra nesta história?

Terue deixou este mundo quando eu tinha dezesseis anos e no dia em que eu fui informado sobre isto foi o mesmo dia em que conheci o meu meio irmão mais velho.

A primeira vista Tohma me deu medo. Apesar da carinha de anjo, o olhar que ele me deu quando entrei na sala da diretora do internato foi um olhar nada carismático. Mas então, por alguma razão, minutos depois o olhar dele mudou e a mudança foi acompanhada por um sorriso que fez o meu coração bater acelerado no peito de alívio.

Após esse encontro, Tohma assumiu para si a responsabilidade sobre mim e depois de visitas constantes, posso dizer que ficamos próximos. Ele terminou de pagar os meus estudos e a minha faculdade e foi ele que me deu o meu primeiro emprego.

Tohma poderia não ter estado lá toda a minha vida, mas ele era a pessoa com quem eu mais me importava neste mundo e mais respeitava. Por isso ficava irritado com as fofocas sem nexo dos funcionários da NG. No entanto, não é como se eles pudessem saber a verdade, não é mesmo? Terue fez questão de me registrar com o sobrenome da minha mãe para que ninguém soubesse da nossa ligação e eu não quis mudar o mesmo. Não depois de alguns meses fora do internato para descobrir a força que possuía o nome Seguchi. Não conseguiria viver com a pressão que Tohma vive. Não nasci para isto como ele nasceu.

– Jun? - o chamado baixinho me fez sair dos meus devaneios e voltar o meu olhar para um par de olhos verdes que estavam bem perto do meu rosto. Recuei um pouco a cabeça para assim mirar Tohma melhor e pude ver a preocupação estampada nas feições dele.

Dei à ele um sorriso na intenção de acalmá-lo, mas acho que não fui bem sucedido, pois a expressão de Tohma continuou a mesma.

Outro arrepio percorreu o meu corpo, agora sendo acompanhado pela náusea. Meu estômago fazia uma revolução dentro da minha barriga e parecia disposto a querer expulsar o meu café da manhã.

Com as pernas bambas, me levantei da cadeira, deslocando a mão de Tohma sobre o meu ombro, e com outro sorriso fraco o informei baixinho que iria ao banheiro.

Saí do estúdio cambaleando, precisando me apoiar na parede do corredor para não ir de cara no chão quando a minha visão escureceu por um segundo, e temor começou a se apoderar de mim.

Estava com esses sintomas há alguns dias, mas antes eles eram fracos e despercebidos. Portanto, não dei muita importância a eles. Afinal, era só uma gripe, certo? Ou ao menos era o que eu achava até este momento quando todas as minhas juntas resolveram doer a cada passo que eu dava em direção ao banheiro.

Entrei no mesmo aos tropeços e fui até a pia, me apoiando no mármore frio com as palmas das mãos. Em um gesto desesperado apoiei a minha testa na pedra gelada para ver se assim dissipava o calor, mas só consegui esquentá-la também. Soltei um gemido dolorido quando, ao me endireitar, a minha coluna protestou de dor, e mirei o grande espelho na minha frente.

O reflexo que me olhou de volta não era nada animador. Havia um homem com os óculos tortos sobre o nariz, suor descendo pelo rosto pálido e de bochechas vermelhas e cujo corpo tremia sob o terno parcialmente amarrotado.

Abri a torneira da pia, retirando os óculos e colocando sobre o mármore, e logo em seguida joguei um pouco de água em meu rosto para ver se aliviava o meu tormento. Em vão.

Senti o meu celular vibrar no bolso da minha calça e o retirei de lá, abrindo o aparelho. Era uma mensagem de Tohma que me perguntava se eu estava bem e eu quis responder que sim, mas o meu mundo girou mais uma vez e uma dor subiu do meu estômago até o meu peito, me deixando com falta de ar.

E antes das minhas pernas perderem a força de vez, consegui respondê-lo brevemente para em seguida deixar o celular cair com um baque no chão e depois acompanhá-lo, vendo tudo a minha volta sumir na escuridão.



Tohma


Vi Jun sair do estúdio como se o fogo do inferno estivesse em seus calcanhares e o fazendo tropeçar, o que aumentou ainda mais a minha expressão de desagrado.

Fazia dias que eu percebia que um dos meus melhores produtores não parecia muito saudável, assim como fazia dias que eu insistia que ele procurasse um médico ou tirasse uma folga. Mas tentar convencer Jun era o mesmo que tirar leite de pedra. Jun possuía a lendária teimosia Seguchi escondida sob um olhar tímido e óculos horrorosos. E desde que assumiu o posto como principal produtor do Bad Luck, não o vejo tirar férias há anos.

Suspirei, vendo de rabo de olho que outra pessoa além de mim observou a saída esbaforida do meu irmão do estúdio: K Winchester. Esse, se fosse mais claro em suas intenções, seria praticamente transparente.

Sou um homem de negócios e saber ler nas entrelinhas e decifrar as mínimas expressões nos rostos dos outros era um dos segredos do meu sucesso. Portanto eu sei que a principal razão do divórcio de K e Judy não foi por causa da carreira que estava causando uma interferência na vida pessoal deles, foi porque K se interessou por outra pessoa.

Bem, ao menos ele havia sido sincero com a mulher e terminado tudo antes de investir em outro relacionamento, diferente do meu pai.

Terue viveu na doce ilusão de que por anos foi capaz de enganar a minha mãe e eu. Pobre coitado. Ele me educou e me ensinou tudo o que eu sei. Logo, ele realmente pensou que eu não descobriria sobre o filho fora do casamento que ele teve?

Nunca morri de amores pelo meu pai. Terue não era do tipo paternal. Embora vez ou outra demonstrasse um gesto esporádico de carinho. Mas aí trair e mentir, isso já era demais. Demais e hipócrita. Para um homem que pregava a moral e a família acima de tudo, ele foi bem rápido em quebrar as próprias regras, não?

Eu descobri a existência de Jun Sakano quando tinha quatorze anos e por várias vezes pensei em confrontar o meu pai sobre isto quando vi que, apesar de não ter assumido a criança oficialmente, ele ainda era responsável por ela.

Jun não viveu dentro do conforto e prestígio social dos Seguchi, mas também não viveu na miséria. Ele estudava em um caro internato ao norte do Japão e possuía um fundo pessoal de ações e investimentos, feitos pelo nosso pai em seu nome, que a cada ano lucrava mais, lhe rendendo uma pequena fortuna. Isso tudo era Terue não assumindo o seu erro, mas também se levando pela culpa de ter errado. E vendo que o meu pai não tinha nenhuma intenção de mudar a rotina que era manter a existência de Jun em segredo, depois de um tempo até mesmo eu esqueci que ele existia.

Isto até que Terue nos fez o favor de adoecer, morrer e deixar em seu testamento um pedido para que eu cuidasse do bastardo órfão.

Meu ódio e desprezo voltou naquele instante quando ouvi o advogado ler as últimas linhas do documento e o meu olhar foi para a minha mãe que parecia completamente inabalada com a novidade. Foi naquele dia que eu descobri que ela também sempre soube da existência de Jun e quando a perguntei se ela não se sentia ofendida por ele agora estar sendo inserido em nossa família, ela me surpreendeu dizendo que não.

Falou que nunca foi capaz de culpar uma criança inocente pelos erros dos pais.

Por isso, com essas palavras na mente, eu tomei o primeiro avião para o norte. Eu precisava conhecer esse irmão do qual só ouvi falar e já estava pronto para odiá-lo no segundo que o visse, até o momento em que a diretora da escola abriu a porta de sua sala e deixou passar por ela um adolescente de dezesseis anos.

Ver Jun foi como ver uma versão mais nova do nosso pai. Eram os mesmos cabelos negros, os mesmos olhos chocolates escondidos por óculos horrendos, a mesma pele pálida, corpo esguio, ombros largos, lábios cheios e nariz afilado em um rosto arredondado, quase infantil. E eu o mirei com raiva.

Por anos ouvi os comentários maldosos das pessoas a minha volta dizendo que duvidavam se eu era realmente filho de Terue. Eu com os meus cabelos loiros, olhos verdes e feições suaves. Eu havia puxado a minha mãe ocidental em todos os aspectos, mas nem mesmo Terue podia negar que eu era o seu filho pois os nossos gênios eram os mesmos.

Jun, no entanto, quem o visse nunca duvidaria da ligação dele com o velho Seguchi.

Entretanto havia uma diferença. Uma pequena diferença que fez a raiva prontamente deixar o meu corpo ao notá-la.

O olhar de Terue sempre foi carregado de frieza e impessoalidade. O de Jun só continha inocência e doçura. E foi aquele olhar que me quebrou. Que me conquistou a ponto de compreender porque o meu pai não mediu esforços para manter Jun longe das línguas ferinas da alta sociedade. Ele não estava escondendo o seu erro dos outros, mas sim o protegendo.

Proteção esta que eu também queria dar. No momento em que pus os meus olhos em Jun eu quis protegê-lo de tudo e de todos. E isto incluía um certo americano psicótico que tinha a mania de lançar longos olhares nada puros ao meu irmão quando achava que ninguém estava olhando.

K percebeu que eu o olhava e virou-se com as sobrancelhas erguidas em minha direção, como se perguntasse qual era o meu problema. O meu problema era que ele estava a um passo de perder as bolas se fixasse aqueles olhos azuis outra vez que fosse no traseiro de Jun.

Preocupado, peguei o celular do meu bolso e digitei uma pequena mensagem, a enviando para Jun e voltando a guardar o telefone, retornando a minha atenção para Shuichi e companhia além do vidro do estúdio.

Dois minutos depois o meu celular vibrou em meu bolso e eu o recolhi, o abrindo e vendo que a minha mensagem foi respondida. No entanto, quando apertei o botão de receber e o texto se abriu na tela, arregalei os olhos de pavor.

Tohma. Banheiro. Ajuda.

Era o que dizia o texto e sem oferecer justificativas para aqueles que estavam no estúdio, dei as costas para todos e disparei porta afora.

Jun precisava de mim.



K


A saída esbaforida de Seguchi fez Shuichi calar a boca de pronto e me lançar um olhar confuso. Dei de ombros e me aproximei da mesa de som, apertando o botão que me permitiria ter contato com o Bad Luck dentro do estúdio.

– Dez minutos de intervalo. - disse e ignorei o olhar confuso deles porque a saída de Seguchi não fazia desaparecer a sensação de que a mesma estava relacionada com a saída de Sakano mais cedo.

Dei as costas para eles e sai tão apressado quanto Seguchi do estúdio, parando aparvalhado no meio do corredor, tentando imaginar para onde ele foi.

Vergonha K, cinco anos nas forças especiais e nem mesmo localizar um músico de gostos suspeitos para roupa você consegue?

Ouvi uma porta bater ao fim do corredor, uma porta de metal se o som indicava alguma coisa. Uma porta pesada de metal. As portas do banheiro da NG costumavam ser desse material e, com esta pista, tomei o meu rumo.

Admito que eu esperava encontrar tudo ao chegar ao banheiro, menos Seguchi ajoelhado no chão em sua cara calça de grife, curvado sobre um Sakano aparentemente inconsciente, acariciando o rosto dele enquanto o mirava com uma expressão que eu nunca pensei que veria no rosto dele: preocupação.

– Jun? - ouvi Seguchi dizer e senti algo desagradável revirar em meu estômago.

Lembro da primeira vez que pus os olhos em Sakano. Na época, tinha acabado de retornar ao Japão na companhia de Ryuichi, a pedido de Seguchi que me falou que tinha planos para mim que envolviam os novos contratados da NG: o Bad Luck, e após alguns anos trabalhando com Ryuichi e Seguchi, confesso que criei um esteriótipo dos japoneses baseado neles dois. Deveria saber que dentro do Japão, Seguchi e Ryuichi eram a anomalia e Sakano a normalidade, o que fez aflorar o meu lado mais traquinas.

Passei anos nas forças armadas. Vim de uma família militar e, portanto, quando terminei o colegial a primeira coisa que fiz foi me alistar. Fui das forças especiais dos fuzileiros navais, servi três anos no Afeganistão e fui dispensado com honrarias. E tenho que dizer: quando você mal tem vinte e quatro anos completos e é praticamente arremessado em uma zona de guerra, se você não rir da sua desgraça acaba enlouquecendo.

E rir sempre foi o remédio que eu encontrei para lidar com as mudanças bruscas na minha vida. Foi rindo que aceitei que de uma hora para outra e eu não estava mais lutando com os caras malvados, mas sim vivendo uma vida entediante de civil. Foi rindo que eu conheci Judy que sempre me disse que foi o meu carisma que a encantou. Foi rindo que ru fui introduzido ao mundo do entretenimento e com isto achei minha nova vocação. Portanto, quando conheci Sakano, queria fazê-lo rir também.

Sakano em nada se encaixava dentro da indústria fonográfica. Suas atitudes, personalidade, até mesmo o jeito de se vestir não o fazia em nada parecer com um produtor musical. A primeira vista você podia imaginá-lo mais como um funcionário de uma tradicional empresa de contabilidade do que alguém cuja vida era viajar pelo país em um ônibus junto com uma banda pop.

Portanto, não me culpem se eu fazia do meu passatempo provocá-lo. As reações dele me divertiam. O gaguejar, as bochechas vermelhas, os olhos largos cada vez que eu fazia alguma coisa que o surpreendia. O modo como ele parecia desmaiar toda vez que eu sacava a minha arma como incentivo para Shuichi era cômico. Cômico e me incitava cada vez mais a persegui-lo.

Sei que as minhas atitudes podem ser cruéis aos olhos de alguns, considerada bullying por outros, mas as minhas intenções são boas. Eu me preocupo com Sakano. Acho que para a carreira que ele escolheu, ser tão sério apenas lhe fará mal. Cada um neste ramo tem uma válvula de escapa. A de Shuichi eram os seus dramas, de Ryuichi a sua atitude infantil, Seguchi a sua personalidade manipuladora e eu o meu dedo nervoso em um gatilho e por aí vai. Mas a cada ano que passava nada do que eu fazia ajudava.

Sei que Sakano é perfeccionista, um exemplo de profissional, mas tinha uma hora que ele precisaria relaxar antes que ele tivesse um surto enquanto tentava agradar todas as vontades de Seguchi.

Aliás, a relação Sakano e Seguchi foi algo que me fez maneirar nas minhas implicâncias e passar a observar melhor o meu colega de trabalho.

O boato era de que Sakano possuía uma paixão não correspondida por Seguchi e o mesmo usava desta informação para manipular Sakano ao seu bel prazer. E vendo-os interagir um com o outro não estranhei de onde tenha surgido esse rumor. Mas havia algo mais na relação deles que me intrigava. E foi então que eu percebi que Sakano era um mistério. Trabalhávamos há anos juntos, ele nunca cedia as minhas provocações disfarçadas de preocupação, mas eu não sabia praticamente nada sobre ele.

E sim, eu tentei investigar. Mas foram anos de treinamento que se chocaram com uma parede intransponível em relação a qualquer informação sobre Sakano. E as poucas que consegui obter não foram muito esclarecedoras. E toda vez que eu tentei abordar o assunto de maneira sutil, durante algum cocktail ou festa de comemoração de alguma nova realização do Bad Luck, algo que envolvia bebida e um Sakano levemente embriagado, ele conseguia fugir magistralmente do assunto.

E foi quando eu percebi o porquê de Sakano estar naquela profissão. Ele era bom no que fazia. Não somente em seu apurado gosto musical, seu entendimento no assunto, mas também na negociação. Sakano sabia melhor do que ninguém a arte da manipulação. Só que, no caso dele, era mais sutil. Eu incentivava o Bad Luck a trabalhar com gritos e ameaças de tiros. Sakano conseguia convencê-los a mudar a batida de uma música com meia dúzia de palavras bem empregadas de uma maneira que, no fim, fazia até o teimoso do Suguru aceitar a alteração e ainda achar que a ideia foi dele.

E quando comecei a perceber Sakano, também percebi que estava me metendo em uma encrenca. Eu já tinha um certo respeito por ele porque acreditava que se ele trabalhava para Seguchi, mesmo não tendo um perfil nada adequado a aquela indústria, é porque alguma coisa ele tinha. Seguchi jamais contrataria alguém simplesmente por contratar. Na NG só entravam os melhores. Mas ao notar esses pequenos detalhes a minha admiração por Sakano começou a crescer e, com ela, veio a apreciação.

Logo percebi que apesar das vestes formais, os ternos de Sakano eram todos de corte e caimento perfeitos ao corpo dele. Percebi que poderia não parecer, mas Sakano possuía um físico atlético por debaixo daquelas roupas adquirido pela prática constante de natação (havia descoberto este hobby dele na única vez em que consegui arrancar uma informação que fosse da boca de Sakano). Os olhos dele eram os mais expressivos olhos castanhos que já havia visto e que, apesar dos óculos antiquados e corte de cabelo simplório, ele era um homem bonito.

Um homem bonito pelo qual eu estava me apaixonando.

Aceitar a ideia foi fácil. Difícil foi o que fazer com ela. No fim, resolvi ser sincero comigo mesmo, com Judy e tentar investir nessa nova paixão. Mas investir em Sakano era tão complicado quanto tentar tornar famosa uma pessoa sem nenhum talento musical.

Havia horas em que eu tinha certeza de que o meu flerte estava dando certo, que as bochechas rosadas dele diante das minhas cantadas subliminares eram um sinal positivo as minhas intenções. E outras horas a sensação era de que eu estava perdendo todo o meu tempo, que Sakano não estava interessado, que ele já tinha alguém em mente. Alguém chamado Tohma Seguchi.

– Jun? - Seguchi que parecia familiar o suficiente com Sakano para chamá-lo pelo primeiro nome. Na vez que eu tentei ser mais informal com Sakano, levei um não na cara. Mas Seguchi não levava não, pensei com ciúmes me corroendo, porque ele era o todo poderoso presidente da NG e à ele sempre era reservado tudo do bom e do melhor.

– Chefe? - me aproximei de um Seguchi ajoelhado e um Sakano ainda inconsciente no meio do banheiro masculino. Embora quisesse segurar Seguchi pelos ombros e arremessá-lo para longe, assumindo o seu lugar ao lado de Sakano, sabia que as minhas intenções não seriam bem vindas quando ele acordasse.

– K... - a resposta veio em um murmúrio e eu vi no rosto de Seguchi uma expressão que não consegui identificar direito. Havia preocupação estampada nas feições delicadas e um certo temor.

Dei outro passo na direção deles e me surpreendi quando vi Seguchi mover-se de maneira e ficar na frente de Sakano, como se o estivesse protegendo de algo. Estivesse o protegendo de mim, e isso era ridículo. Eu queria ajudar e pelo pouco que via, ele precisava de socorro imediatamente.

A expressão de Seguchi mudou novamente quando ele me viu aproximar ainda mais e o observei dar um breve relance sobre o ombro para Sakano antes de voltar a me olhar.

– Preciso de um favor. - Seguchi começou antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa e enfiou a mão no bolso da jaqueta que usava, pegando o celular e o arremessando em minha direção. Anos de forças especiais me deram reflexos que impediram o aparelho de espatifar no chão. - A recepção aqui é péssima. Se você puder chamar ajuda eu agradeceria. - o mirei com desconfiança. Algo no tom de Seguchi me dava a impressão de que ele estava tentando se livrar de mim.

– Chefe, não é melhor... - retirar Sakano do chão frio antes de buscar socorro? Afinal, se ele estava doente, ficar largado em um banheiro cheio de germes não iria ajudar. Mas antes que pudesse completar a minha ideia, Seguchi me interrompeu de novo.

– Não! Chame o socorro K. - disse em um tom firme que não deixava brechas para contestação. Em outros tempos eu discutiria, mas sabia que isso não ajudaria em nada. E por mais que eu detestasse receber ordens de um almofadinhas como Seguchi, tinha que engolir. Ele era o meu chefe e eu gostava do meu emprego.

Sai do banheiro, apertando o botão para desbloquear a tela do celular, acessando em seguida o teclado do mesmo. E estava pronto para chamar a emergência quando notei um reflexo de rabo de olho vindo do banheiro. Algo que pareceu uma luz em tom azulado.

Dei meia volta e retornei ao banheiro somente para ver que este estava vazio.

Sem Sakano, sem Seguchi, sem ninguém. Em um minuto os dois sumiram sem deixar vestígios e eu só pude pensar: que merda está acontecendo aqui?



Tatsuha


Eu estava terminando de dobrar algumas roupas do enxoval do bebê, as guardando na cômoda do quase totalmente decorado berçário, me perguntando pela enésima vez desde quando Dolce e Gabbana fazia roupas para crianças, quando Ryuichi bruxuleou com a coisa mais monstruosa que eu já vi na vida.

– O que diabos é isso? - perguntei enquanto fechava a gaveta e apontava para o enorme coelho de pelúcia rosa nos braços de Ryuichi. - E como você pode ter tanta certeza de que é uma menina? - porque o sexo do bebê é o que causou uma briga entre Mika e eu quando ela começou a decorar as paredes do quarto.

Minha irmã insistia que a probabilidade de uma menina nascer era grande, já que essa era a sina da nossa família: a de só gerar mulheres, até que a lembrei que apesar de estar grávido, eu ainda não tinha mudado de sexo, muito obrigado.

– Não vamos estereotipar as coisas. Afinal, essa criança já não teve uma concepção regular, então por que temos que ficar catalogando os pertences dela por sexo? Não há nada de errado um menino ter um enorme coelho de pelúcia rosa como brinquedo. - Ryuichi se explicou enquanto colocava aquele bicho enorme encostado na parede perto da porta.

– Isso se essa coisa não aterrorizar o pobre. Onde você arrumou isso? - me aproximei do brinquedo como se o mesmo fosse um demônio preste a atacar e o cutuquei na ponta do nariz de plástico.

– Eu mandei fazer! - olhei para Ryuichi todo feliz, como se tivesse ganhado mais um Grammy.

– Mandou... - franzi as sobrancelhas, cruzando os braços sobre o peito e me afastando um passo daquela coisa, a mirando com mais atenção. O bicho me parecia familiar de alguma maneira. - Espera um pouco... Esse não é o…

– Yep!

– Você mandou fazer uma versão gigante do Kumagoro para o nosso filho?

– Você gostou? - bem... Segurei a careta de desagrado que eu queria fazer. Kumagoro já não era um brinquedo muito bonito e a cara dele mais lembrava um urso do que um coelho, por isso do nome. Em versão tamanho família ele não havia ficado melhor.

– TATSUHA! - salvo pelo gongo. Ou melhor, Mika.

Com um último olhar para aquele brinquedo estranho e sem dar respostas à Ryuichi, sai do quarto, descendo as escadas, seguindo o som das vozes que vinham do primeiro andar da casa, e fui até a sala onde Mika e Tohma pareciam discutir algo enquanto Sakano estava inconsciente sobre o sofá.

– Por que Sakano-san está aqui? E o que há de errado com ele? - a pergunta de Ryuichi expressou o que eu estava pensando. Sakano não me parecia em seus melhores dias. Não com a pele do rosto pálida como estava, as bochechas rosadas enquanto o cabelo grudava na testa por causa do suor.

– Tohma acha que Sakano está sendo afetado por alguma coisa de origem mágica. - Mika respondeu, rolando os olhos como se considerasse a teoria de Tohma ridícula. Logo ela que deveria saber melhor do que ninguém que, na nossa família, até as pequenas coisas deveriam ser consideradas. Nem sempre uma gripe poderia ser uma gripe. - Entretanto, quando tentei curá-lo, não funcionou. Logo, minha teoria é de que deve ser uma doença humana. Uma gripe que virou pneumonia. Sakano precisa de um hospital, não de um Anjo da Luz. - e ela disse isso mirando Tohma como se estivesse tentando convencê-lo de que ele era estúpido em achar que aquilo era obra da magia.

– E por que você acha que o que ele tem é um male mortal? - Mika me fuzilou diante da minha pergunta mas, se ela estava teorizando eu precisava saber no que ela estava baseando os seus argumentos.

– Porque caso você não se lembre irmãozinho, os meus poderes não curam simples doenças humanas. - verdade. Se curasse teria evitado aqueles dias durante a adolescência em que fiquei confinado na cama com caxumba.

– Verdade? - Tohma praticamente bufou, o que me fez perceber que a coisa era séria.

Tohma só perdia a compostura em um caso: quando alguém mexia com a família dele. E todos aqueles que sabiam da ligação entre Tohma e Sakano também sabiam o quanto o meu adorado cunhado era super protetor em relação ao irmão caçula.

– Então me explica isto. - ele foi até Sakano, inclinando-se sobre ele e fazendo algo que eu não consegui ver de onde estava, mas que fez Mika ofegar de surpresa.

– O quê? O que foi? - me aproximei deles e vi que Tohma tinha aberto uma das pálpebras de Sakano, deixando a mostra não uma íris chocolate, mas sim uma íris que aos poucos ganhava tons prateados.

– Possessão? - Mika disse enquanto me olhava como se eu fosse o Livro das Sombras e tivesse a resposta para tudo. Desculpe Mikarin, irmão errado.

A reação de Tohma para esta sugestão foi a de chiar como um gato ofendido.

– Humanos possuídos geralmente mudam de comportamento, não desmaiam e ficam com febre e tremendo como se estivessem doentes. - respondi. Os sintomas de Sakano em nada se assemelhavam com outros casos de possessão que já enfrentamos.

– Hum... - ouvi alguém dizer atrás de mim e mirei Ryuichi que tinha uma expressão pensativa.

– Hum? Hum o quê? Você não pode dizer “hum” e nos deixar aqui no escuro. - reclamei.

– É que isso me parece familiar. Das lições que recebi da minha Guardiã quando aceitei os meus poderes draconianos.

– E? - Tohma perguntou ansioso.

– O que você sabe sobre a mãe do Sakano, Tohma? - Tohma deu de ombros diante da indagação de Ryuichi.

– Muito pouco. Um caso passageiro que o meu pai teve e que quando ficou grávida, largou o bebê nas costas dele e sumiu.

– E sobre o Sakano? Quando você o conheceu, não notou nada diferente nele? - um minuto de silêncio e eu quase podia ouvir as engrenagens rodando na mente de Tohma.

– Aonde você quer chegar Ryuichi? Jun... em todos os anos que eu o conheço nunca notei nada fora do normal.

– Facilidade para lidar com as pessoas? Como alguém que viveu metade da vida em um colégio interno pode ser tão talentoso assim no ramo do entretenimento? Ainda mais Sakano que parece sempre a um passo de um colapso nervoso. Sei também que ele é o único que consegue driblar o temperamento difícil do Shuichi e Suguru. Ele convenceu Eiri a ir naquele show do Bad Luck, não convenceu?

– Ryuichi. - suspirei, cansado daquela ladainha. - Tenho que concordar com Tohma: aonde você quer chegar com isto?

– Quantos anos Sakano tem? - joguei os braços para o ar em um gesto exasperado enquanto via Tohma mirar Ryuichi com raiva. Troquei um olhar com Mika cuja expressão dizia que não estava entendendo bulhufas, assim como eu.

– Trinta e dois. O aniversário dele foi semana passada, esqueceu?

– Acho que Sakano é um kitsune. - franzi as sobrancelhas enquanto Mika fazia uma expressão pensativa e Tohma arregalava os olhos.

– Um o quê? - Tohma soltou em uma voz esganiçada.

– Você sabe o quê. Kitsunes: espíritos que podem ser tanto bons quanto maus. Mais conhecidos como mensageiros da deusa Inari. Geralmente assumem a forma feminina, seduzem homens ou simplesmente servem como guias e companheiras. Um kitsune macho é raro. Na verdade, acho que eles só nascem quando uma fêmea procria com um humano. - meu namorado: o novo Livro das Sombras ambulante. Eiri que se cuide, estava prestes a perder o posto.

– Se não há machos na espécie, como nascem as fêmeas? - Mika fez uma boa pergunta.

– Não nascem. Elas são escolhidas e abençoadas por Inari. - Ryuichi respondeu e eu o mirei com olhos largos.

– Está querendo me dizer que a deusa Inari realmente existe? - Ryuichi me mirou de volta com uma expressão confusa.

– Fico surpreso em ver que para alguém que teve uma educação religiosa, vive no mundo da magia, você tenha tão pouca fé Tatsuha.

– Espera! - Tohma nos cortou. - Certo, Jun é um ser mágico, ou metade mágico. Mas o que isso tem a ver com isto? - ele apontou para Sakano ainda tremendo e gemendo sobre o sofá.

– Kitsunes podem ser seres mágicos, mas não muda o fato de que a base de existência deles é um pouquinho mais... animal. - Ryuichi explicou, o que fez Tohma encará-lo com confusão estampada no rosto. - Uma raposa sempre será uma raposa e elas possuem, como todo ser vivo, certos ciclos. - Tohma continuou sem entender mas Mika pareceu captar de primeira, porque começou a rir escandalosamente.

Quanto a mim? Eu levei uns dois minutos até a ficha cair.

– Sakano está no cio?! - gritei chocado, o que fez Ryuichi dar um sorriso escarninho e Tohma ficar vermelho como um pimentão. - Certo... e o que nós fazemos em relação a isso? - com demônios eu sabia lidar. Raposas a procura de parceiros para acasalar eram outros quinhentos.

Ryuichi deu de ombros.

– O bom e velho banho frio? - sugeriu e Mika rolou os olhos, mas pareceu concordar com a ideia pois foi até Tohma, pousando uma mão no ombro dele e depois pousando outra no ombro de Sakano, e os orbitou para o que eu supus fosse o banheiro no segundo andar da casa.

– E eu achando que esta família não poderia ficar mais estranha. - murmurei e troquei um olhar divertido com Ryuichi antes de ouvirmos um estrondo vindo do andar de cima seguido por grito e um xingamento.

Me virei para correr escada acima mas Ryuichi foi mais rápido e segurou a minha mão, nos bruxuleando para o segundo andar, em frente a porta aberta do banheiro onde encontramos Tohma caído perto do armário da pia, segurando um paletó nas mãos, e Mika dentro da banheira sendo ensopada pela ducha aberta.

– O que aconteceu aqui? - perguntei ao ver a cena. Mika grunhiu, fechando a ducha e saindo da banheira lentamente, pingando água para todos os lados, enquanto Ryuichi ajudava Tohma a se levantar.

– Bem... Parece que Sakano saiu do estado de torpor em que ele estava no segundo que o trouxemos para cá e simplesmente surtou, nos arremessando para longe e desaparecendo em uma nuvem de fumaça. - Mika explicou enquanto Ryuichi franzia as sobrancelhas.

– Há quanto tempo Sakano está apresentando sinais de não estar bem?

– Há uma semana. - Tohma respondeu Ryuichi.

– Desde o aniversário dele. - Ryuichi continuou.

– O que significa? - o interrompi antes que ele começasse a bolar teorias dentro da mente dele sem compartilhar nada conosco.

– Kitsunes são imortais. São como dragões. Não envelhecem, mas também, como nós, não são invulneráveis. De qualquer maneira, às vezes as kitsunes são escolhidas ainda criança e portanto crescem até um ponto de maturidade e então estacionam naquela idade. Esse ponto de maturidade é atestado quando elas têm o primeiro cio que além de ajudá-las a escolher um parceiro, também causa o despertar dos poderes delas.

– Deixe-me ver se adivinho, – interrompi sarcástico. - essa idade seria trinta e dois anos.

– Sim. E quanto mais, durante o tempo de duração do ciclo, elas demorarem a arrumar um parceiro para cruzarem, mais intenso o ciclo fica. E kitsunes escolhem parceiros para a vida.

– Espera um momento. - a coisa estava ficando confusa demais para a minha cabeça. - Você disse que kitsunes machos são raros e só nascem se uma kitsune cruzar com um humano. Se elas têm parceiros para a vida, acho que teria mais machos na espécie, não? E teria fêmeas não abençoadas por Inari.

– Em teoria. Mas, como eu disse, elas são imortais, logo a energia delas procura por alguém compatível com elas. É mais comum kitsunes cruzarem com outras criaturas mágicas do que com humanos. O caso do pai de Tohma foi uma anomalia e, mesmo assim, acredito que a mãe de Sakano não via no Sr. Seguchi um parceiro, apenas uma diversão passageira que teve uma consequência indesejada. E as fêmeas nascidas de kitsunes herdam os poderes do pai. Neste caso o gene é recessivo porque geralmente elas se unem a criaturas mágicas mais poderosas do que elas.

– Então o quê? Sakano despertou os poderes dele e foi a cata de um parceiro? - Mika resmungou enquanto torcia o cabelo molhado sobre a pia. Tohma, como reação, somente gemeu.

– O que foi cunhado querido? Algo que queira acrescentar a nossa loucura?

– Se um kitsune não tiver um parceiro em vista, o que pode acontecer? - Ryuichi arqueou as sobrancelhas na direção de Tohma.

– Vão a caça. - ri.

– Do tipo cair na noitada e passar o rodo? De alguma forma não consigo imaginar Sakano em um cenário desses. - zombei e ignorei o olhar irritado que Tohma me deu.

– Mais do tipo caçar, como uma caça animal. Mas, nesse caso, a presa será usada para outras razões. - Ryuichi disse com um tom divertido na voz.

– E se... - Tohma hesitou e soltou um grunhido, com uma cara como se tivesse acabado de lembrar de algo bastante desagradável. - ele já tiver alguém em vista?

Ryuichi mirou Tohma longamente e pude ver no rosto dele que ele sabia do que o meu cunhado estava falando. Ele e Mika.

– Hei! Bruxo de fora da fofoca aqui. - eu não ficava enfurnado o dia inteiro na NG para saber todos os babados daquela gravadora. Então, se eu estava prestes a ir atrás de uma raposa com fogo no rabo, queria saber os pormenores.

– K Winchester. - foi tudo o que Ryuichi disse e eu bufei.

Americano psicótico que adorava apontar uma arma para alguém Winchester?

– Não é de hoje que eu noto as longas olhadas de K para Jun ou a tentativa fracassada de flerte dele para cima do meu irmão. No começo eu estava tranquilo, Jun não o correspondia. Mas, recentemente, percebi que as coisas não eram bem assim.

– Nada garante que ele vá atrás de K. Como Ryuichi disse, kitsunes procuram criaturas espiritualmente compatíveis com elas e em sua maioria elas são mágicas. Até onde sei, a única magia que K sabe fazer é aturar Shuichi por longos períodos de tempo. - Mika debochou e eu soltei uma risada. Shuichi não era tão ruim assim... às vezes.

– Sim. Mas Sakano é meio humano, logo... - Ryuichi começou e eu completei com um rolar de olhos.

– Logo ele pode encontrar alguém compatível em um humano. Em K. - suspirei. - E agora? - perguntei, olhando todos a minha volta.

– Vamos escanear por ele. - Ryuichi sugeriu.

– Para quê? Vocês mesmos disseram que ele deve ter ido atrás de K. - rebati.

– Sim. Mas é meio a meio. Ele pode ter ido atrás de K, como também não pode. - continuou e eu grunhi.

– Certo, certo. Vou pegar o mapa e o cristal. - falei a contragosto, saindo do banheiro a caminho do sótão.

– Sério mesmo! - ouvi Tohma reclamar assim que cheguei as escadas. - Primeiro uma esposa bruxa, agora um irmão raposa. O que eu sou? Um imã para o sobrenatural? - ouvi a risada de Ryuichi como resposta enquanto subia os degraus.

– Sempre desconfiei que você descendia de leprechaus por parte de mãe. Afinal, ninguém pode possuir tanta sorte nos negócios e no amor como você.

– Ryuichi?

– Sim Tohma?

– Cala a boca! - e a gargalhada de Ryuichi me acompanhou até o sótão.





K


Eu me sentia um idiota cujos anos de treinamento poderiam ser jogados no lixo. Enfrentei tiroteios, bombardeios, situações de alto risco, missões sigilosas, tudo para simplesmente, no fim, ficar piscando feito um imbecil para um banheiro vazio por uns cinco minutos antes de começar a agitar a minha vida.

Repassei na minha mente toda a conversa com Seguchi antes dele desaparecer com Sakano. E, convenhamos, essa não foi muito longa. Então resolvi recorrer a minha memória fotográfica para lembrar o que quer que tenha passado despercebido durante todo aquele momento desde que os encontrei no banheiro até o segundo em que eles desapareceram sem deixar rastros.

Sakano aparentava estar passando mal. Percebi isto no modo como ele parecia inquieto enquanto acompanhávamos a gravação do novo single do Bad Luck. Os meus olhares preocupados para ele eram imitados por Seguchi e quando ele perguntou a Sakano se estava bem, Sakano respondeu com um fraco sim para dois minutos depois desaparecer do estúdio. Presumo que ele tenha vindo se refugiar neste banheiro.

A minha atenção depois da partida de Sakano ficou dividida entre observar Seguchi e monitorar o Bad Luck. Vi quando o chefe mexeu no celular e, pelos seus movimentos, acredito que ele mandou um SMS para alguém. E foi quando ele recebeu a resposta que reagiu saindo tão apressado do estúdio quanto Sakano.

Isso, obviamente, despertou a minha curiosidade e os meus instintos que apitavam para fazer alguma coisa. Com isto, dei um intervalo de descanso para a banda e fui atrás de Seguchi e Sakano, os encontrando no banheiro. Para minutos depois perdê-los.

Quis dar com a testa na parede. A única pista que eu tinha era o celular de Seguchi nas minhas mãos, mas esta não me levou a lugar algum. O celular de Sakano estava fora de área, Mika não atendia o dela e Seguchi estava sem celular, obviamente. E eu perdido feito uma barata tonta no meio dessa confusão.

– K-san? - virei-me para ver Shuichi parado no meio do corredor e me olhando com uma expressão confusa. - Os dez minutos de intervalo já acabaram. - e ele veio me avisar? Quem era ele e o que fez com Shindou? Bad Luck sempre aproveitava qualquer oportunidade que fosse para ter uma folga de mim.

Obviamente que a minha primeira reação seria a de sacar a minha magnum e apontar entre os olhos dele, o mandando de volta para o estúdio para trabalhar, mas eu tinha outros problemas maiores para resolver.

– Algum problema K-san? - problemas esses que Shuichi parecia perceber em meu rosto.

Desde quando eu fiquei tão relapso ou ele tão atento?

– Eu... - abri a boca para dizer algo, mas o que eu poderia falar? Que Seguchi e Sakano sumiram como mágica do banheiro no minuto em que eu pus os pés para fora deste para pedir socorro?

Era absurdo e Shuichi me consideraria mais louco do que ele achava que eu era.

Fechei a boca rapidamente, mudando de ideia sobre o que dizer e já estava pronto para dispensá-lo da maneira usual quando o vi arregalar os olhos surpreso e ofegar:

– Sakano-san? - virei em um pulo para ver que sim, Sakano estava atrás de mim ainda com o rosto rubro e um olhar brilhante. E havia algo na expressão dele que me vez recuar um passo.

– Claude... - ele disse com uma voz rouca que fez um arrepio de temor e prazer descer pela minha espinha, dando um passo a frente de maneira tão graciosa que me fez lembrar de um predador prestes a capturar a sua presa.

E então, no segundo seguinte, apenas o vi se mover rapidamente em minha direção, segurando com força nas alças do suporte das minhas armas, e antes que eu pudesse dizer algo o mundo pareceu sumir em fumaça para depois reaparecer no que me pareceu ser um quarto.

– Mas o quê... - não consegui terminar de dizer pois fui praticamente arremessando sobre uma cama, quicando por duas vezes no colchão macio, e arregalei os olhos quando Sakano debruçou sobre mim e começou a roçar a ponta do nariz desde a parte do meu ombro exposto pela minha camisa semiaberta até a minha nuca, num ponto sensível bem sob a orelha.

Engoli um gemido e fechei os olhos com força quando lábios úmidos e mornos mordiscaram a minha pele.

– Sakano o que você está...

– Shhh... - um dedo pousou sobre a minha boca, o que me fez reabrir os olhos para ver o rosto de Sakano bem próximo do meu. Os olhos de Sakano bem próximos dos meus, e eu percebi que apesar de ainda serem naquele tom chocolate convidativos, havia um fino círculo prateado entorno deles. - Jun. - ele disse, trocando a ponta do seu dedo pelos lábios, os roçando em uma carícia suave contra os meus.

Racionalmente eu deveria parar toda esta palhaçada e tentar descobrir o que estava acontecendo. Seguchi e Sakano sumiram do banheiro onde Sakano se encontrava inconsciente para minutos depois ele reaparecer no meio do corredor, praticamente me sequestrar e me transportar para um quarto em um passe de mágica. E ainda havia mais.

Eu deveria contestar o fato de que Sakano parecia sob o efeito de alguma droga porque nunca, jamais que ele estaria fazendo um chupão do tamanho da China na minha nuca enquanto retirava o coldre dos meus ombros e abria os botões da minha camisa. Não em um bom dia. Não o mesmo Sakano que ruborizava diante de um simples elogio meu e que gaguejava cada vez que eu tentava investir uma vez que fosse nele, arrumando desculpas em seguida para poder fugir de mim.

– Sakano eu acho... - o que quer que eu achasse não era do interesse de Sakano e ele deixou isto bem claro quando me empurrou com força pelos ombros, logo depois de arremessar as minhas armas com coldre e tudo para longe, me fazendo deitar sobre a cama enquanto engatinhava sobre mim e começava a desabotoar a própria camisa para a completa felicidade do pequeno K.

– Eu vou precisar te amarrar e amordaçar, Claude? Não sabia que tinha desses fetiches... - ele sorriu matreiro para mim. Um sorriso que jamais pensei ver no rosto de Sakano. - mas não me desagrada. - o som de costura arrebentando e botões voando soou no quarto. Indicação de que Sakano tinha acabado de perder a paciência com a própria camisa e resolveu apelar.

– É só que... Esse não é você. - ainda tentei argumentar.

Deveria calar a boca, eu sei. Quantos sonhos eróticos eu tive com Sakano? Perdi as contas. Mas, geralmente, eu era o seme provocador e ele o uke tímido e retraído. Não o inverso.

– Pelo contrário... este sou eu. - agora foi a vez da minha camisa ter os botões arrebentados e o pequeno K despertar por completo em minhas calças e pular feliz em minhas cuecas diante do olhar guloso que Sakano me dava.

Ainda quis protestar mais um pouco, mas quando a mão dele praticamente invadiu a minha calça e apertou o meu membro, me fazendo gemer longamente diante desta deliciosa tortura, resolvi ceder. Que se foda a consciência. Conversaremos sobre o assunto amanhã. Sakano queria dar e eu estava mais do que disposto a receber.

Joguei a cabeça para trás, fechando os olhos pronto para me entregar a tudo o que estava acontecendo, quando ouvi alguém exclamar e não era a voz de Sakano.

– Ai meus olhos virgens! - abri os olhos em um estalo, levando por instinto a mão as minhas armas apenas para lembrar, tarde demais, que elas deveriam estar perdidas em algum lugar do quarto onde Sakano as arremessou.

Vi Sakano se mover sobre mim e as íris que antes tinham somente um círculo prateado as envolvendo, agora estavam completamente prateadas. Ele mudou de posição, como se fosse dar o bote no intruso, e rosnou. Isso mesmo. Rosnou. Um som que não era de um humano imitando um rosnado, mas genuinamente animalesco.

Virei a cabeça para ver que quem havia nos interrompido tinha sido Seguchi, Ryuichi e o caçula dos Uesugi... Tatsuha era o nome dele, acho. Não convivia muito com ele, por isso não considerava de muita importância lembrar dele.

Sakano moveu mais um pouco sobre mim e vi os músculos retesar sob o físico belamente esculpido por anos de natação, indicação de que ele iria dar o bote. E não deu outra, em um segundo Sakano estava em cima de mim, no outro pulando na direção dos nossos convidados indesejados.

Ryuichi reagiu ao ataque puxando Seguchi e Tatsuha para trás de si para protegê-los. Não tenho ideia de como ele faria isto, Ryuichi poderia não ser um homem pequeno fisicamente, mas diante da ameaça de desmembramento que eu sentia emanar de Sakano, não acredito que ele tenha muitas chances. Tatsuha? Esse nem piscou. Somente rolou os olhos, soltou um suspiro sofrido, ergueu as mãos sobre os ombros de Ryuichi e sacudiu os dedos.

E eu arregalei os olhos e ofeguei quando vi Sakano literalmente congelar em pleno ar.

– “Ai meus olhos virgens”? - Tatsuha falou em um tom de deboche para Ryuichi, saindo detrás dele. - Querido, nada nesse corpinho é virgem. - Ryuichi apenas gargalhou como resposta.

– O que fazemos com ele? - Seguchi perguntou, indicando com a cabeça Sakano ainda congelado no ar enquanto eu piscava bestamente diante do que via.

– Eu tenho uma ideia! Por que não deixamos K lidar com ele? - o olhar divertido de Tatsuha caiu sobre a minha pessoa, como se ele esperasse uma resposta minha. E eu queria dar uma, assim que o meu cérebro conectasse novamente. E quando finalmente isto aconteceu, pulei para fora da cama direto para o coldre no chão e puxei a minha magnum de dentro dele, a engatilhando e apontando para eles.

– K! Não! - Seguchi gritou no segundo em que Ryuichi puxou Tatsuha novamente para trás de si e desta vez foi ele a rosnar para mim enquanto os seus olhos adquiriam tons dourados.

– O que está acontecendo aqui? - exigi, com a arma ainda apontada para eles. Pouco me importa que era Ryuichi que agora emanava ameaça pura.

– Eu não acredito! Há poucos minutos você estava se deixando molestar pelo Sakano, pouco se importando do quando, como e por que. Mas agora, só porque nós aparecemos, você resolve surtar e apontar uma arma para nós? - Tatsuha rolou os olhos, não parecendo nem um pouco intimidado comigo.

Aliás, nem eu me sentiria intimidado comigo. Parado no meio de um quarto que eu não sabia de quem era, com o peito nu exposto e uma ereção dentro das calças, não era para ser levado a sério mesmo que fosse o único armado ali.

– Eu não provocaria o sujeito armado. - debochei e Tatsuha apenas riu de volta de uma maneira que eu não apreciei.

– Eu não provocaria o sujeito que pode destruir a sua carreira. - ele apontou para Seguchi. - O que pode te estripar. - apontou para Ryuichi ainda de olhos dourados e rosnando. E aquilo que vi entre os lábios dele foi um canino mais saliente? - E o que pode te transformar em um sapo para o resto da vida. - e ele apontou para si mesmo. - Então, por que não abaixa a arma e vamos conversar?

Certo, como se eu fosse cair nessa.

– Ah pelo amor! - o vi rolar os olhos e sacudir as mãos rapidamente antes que eu pudesse reagir. E então, quando percebi, a magnum não estava mais nas minhas mãos, mas sim nas de Tatsuha. - Ryuichi... Chega do teatro, acho que K não é mais uma ameaça. - ele continuou em um tom apaziguador para um Ryuichi que realmente parecia a um passo de me estripar e confesso que eu não duvidava nada que ele fosse fazer isto.

Havia algo na relação Ryuichi e Tatsuha que me fazia pensar. Poucas foram as vezes que os vi juntos, mas não era difícil notar o quanto eram próximos. O quanto Ryuichi era super protetor em relação ao caçula dos Uesugi.

– Vocês ainda não me responderam. O que está acontecendo aqui? - por que Sakano resolveu se tornar Don Juan e no segundo seguinte era congelado em pleno ataque?

– Bem, resumo da ópera. - e Tatsuha começou a me explicar a situação de maneira condensada até que, no fim, só pude cair sentado na cama feito um idiota enquanto os olhava surpreso.

Magia. Dragões. Bruxas. Demônios e kitsunes? Sakano era criatura que até minutos achei existir somente em folclores japoneses e agora descubro que são reais e uma delas me quer para parceiro?

– Achei que isto o faria feliz. Afinal, faz anos que você está tentando conquistá-lo. - Ryuichi falou.

– Sim, mas... - olhei Sakano ainda congelado no ar. - Não quero que ele me queira só porque os hormônios dele dizem isto.

– Acho que não é bem assim que funciona. - Seguchi pareceu finalmente se manifestar quando durante toda a explicação ele apenas me olhou contrariado. Por uns minutos me senti vingado em saber que os instintos de Sakano tinham escolhido a mim ao invés dele e Seguchi não parecia satisfeito com isto.

E então não pude deixar de pensar que talvez os rumores não fossem assim tão infundados. Que o amor de Sakano pelo presidente não fosse assim tão platônico.

– Sou compatível com ele espiritualmente. Mas sei que não é a mim que ele ama. - era difícil admitir derrota e por mais que eu quisesse, ainda tinha caráter. E agora que o fogo baixou, a consciência que eu tinha expulsado mais cedo voltou.

Do que adiantaria curtir hoje se amanhã as coisas seriam bem diferentes? Quando o desejo de Sakano passasse ele perceberia a burrada que cometeu, se culparia ou me culparia e a nossa relação seria destruída para sempre. Eu poderia não ter conquistado Sakano, mas ao menos podia dizer que era o seu amigo. E perder isto seria a pior coisa do mundo.

Percebi que os olhares de Tatsuha e Ryuichi foram para Seguchi.

– O que foi?

– Por que você não diz a ele Tohma? - vi Tatsuha praticamente fuzilar o meu chefe com o olhar.

– Não estou muito a fim. Se isto for impedir que Jun faça uma burrada, lavo as minhas mãos. - Seguchi deu de ombros enquanto eu ficava sem entender.

– Não me faça obrigá-lo Tohma. - Tatsuha continuou e eu tive que interrompê-los.

– Do que vocês estão falando? - novamente Tatsuha e Ryuichi miraram Seguchi intensamente.

– Tohma... - Ryuichi começou em um tom que parecia prestes a amansar uma fera. - você não quer ver o Jun feliz? - Seguchi cruzou os braços sobre o peito e fez uma expressão que nunca pensei que veria no rosto dele: um bico enorme como o de uma criança mimada sendo contrariada.

Seguchi bufou e descruzou os braços e se olhar pudesse matar, eu já estaria morto e enterrado.

– Os rumores são besteiras, embora eu os tivesse incitado somente para garantir que nenhum engraçadinho se metesse com o Jun. Mas você nunca foi muito bom de seguir as regras, não é Winchester? Jun e eu não somos amantes e ele não está apaixonado por mim. O humano com quem a mãe de Jun teve um caso, como Tatsuha contou, foi o meu pai.

– O quê?

– Jun é meu irmão. Meio irmão. - irmão? Seguchi e Sakano são irmãos?

Mirei Seguchi, depois Sakano e não pude deixar de pensar que não poderia existir dois irmãos mais diferentes do que eles.

– E para os instintos de Sakano terem te escolhido. - Tatsuha continuou. - É porque ele já sentia alguma coisa por você.

– Então... - apontei para Sakano congelado no ar enquanto via Tatsuha se aproximar de Ryuichi e pousar uma mão sobre o seu ombro e Ryuichi segurar com força o pulso de um Seguchi contrariado e prestes a protestar.

– Vai com tudo garanhão. - Tatsuha debochou e sacudiu os dedos da mão direita na direção de Sakano, o descongelando ao mesmo tempo em que Ryuichi desaparecia com eles do quarto deixando o eco da voz de Seguchi gritando:

– Hei! Eu não concordei com isto!

Assim que o eco se desfez, ouvi o tud indicando que Sakano tinha acabado de encontrar o chão ao invés dos nossos visitantes indesejados e, confuso, ele sacudiu a cabeça e olhou tudo ao seu redor até os seus olhos encontrarem os meus.

Sorri para ele.

– Onde nós tínhamos parado mesmo? - o provoquei e vi as íris brilharem antes de ele dar outro pulo, me derrubando sobre a cama e sentando em meus quadris.

Se amanhã ele iria se lembrar do que aconteceu, eu não sei. Mas ao menos eu poderia ficar com a consciência limpa sabendo que agora Sakano era meu.



Sakano


Os raios de sol penetrando as minhas pálpebras e quase me cegando foi o que me acordou. Sonolento, abri os olhos vagarosamente, os piscando por um momento e depois franzindo as sobrancelhas. A paisagem que se apresentava na minha frente era o cenário familiar do meu quarto. A cama que eu sentia sob o meu corpo dolorido era a minha cama e a coberta me cobrindo era a minha.

O problema era que eu não me lembrava de ter voltado para casa. Não lembrava nem se alguém tinha me trazido para casa.

Lembro que eu acordei ontem – presumo que foi ontem porque o relógio na cabeceira da minha cama mostrava ser 7:30 da manhã – não me sentindo muito bem. Considerei, por um momento, pedir dispensa para ir ao médico mas dois fatores me pararam:

O primeiro era que seria naquele dia que Shuichi apresentaria para nós a sua nova composição para o novo single do Bad Luck. O segundo era que eu já imaginava Tohma largando tudo para o alto para vir servir de enfermeira para mim.

Amava o meu irmão, muito, mas ter Tohma te paparicando não era a melhor das experiências. Acho que a única pessoa que gostava dos mimos dele era Mika. Mas ela era a esposa e esperava tal atenção de Tohma. Eu era o irmão que há anos tenta convencer Tohma de que não sou mais aquele garotinho de dezesseis anos desamparado que ele conheceu em um internato.

Mas esses detalhes à parte, lembro que me arrumei e fui trabalhar, ignorando as ondas de calor que percorriam o meu corpo, os tremores e a náusea. Lembro de estar no estúdio tentando prestar atenção no que Shuichi cantava, tudo sob o olhar avaliador de Tohma. A desculpa dele cada vez que o Bad Luck compunha algo novo era de que ele queria saber se seria um sucesso lucrativo para a NG e por isso queria ouvir em primeira mão. Eu sabia que Tohma estava avaliando a concorrência, isso sim.

De qualquer maneira. Eu tentava prestar atenção na canção, mas os agudos que Shuichi estava dando pioravam a minha dor de cabeça. Lembro de Tohma me perguntando se tudo estava bem, de eu mentindo para ele e depois indo às pressas para o banheiro. E, depois disso, só lembro de flashes de imagens e conversas que não faziam sentido algum.

Acho que eu devo ter desmaiado então e Tohma me trouxe para casa. O que era estranho. Porque eu lembro de estar mal, embora, agora, só me sentisse dolorido como se tivesse feito muito exercício, a chamada dor boa. E se eu estava tão mal e desmaiei em pleno trabalho, Tohma teria me mandado direto para o hospital.

Então, o que eu fazia aqui? E... Girei sobre a cama e percebi que a coberta roçando em meu corpo não estava roçando contra o meu pijama, mas sim contra a minha pele. Arregalei os olhos e ergui um pouco o edredom para atestar o óbvio: eu estava nu. Completamente nu.

Por que eu estava nu?

– Ah, você acordou. - abaixei a coberta para ver algo que fez os meus olhos ficarem ainda mais largos.

K na entrada do meu quarto, somente com uma toalha de banho enrolada na cintura, com o peito largo exposto aos meus olhos e sendo enfeitado por minúsculas gotas d'água que desciam pela pele dourada, formando uma trilha que tomava caminhos proibidos. Uma trilha que eu acompanhei com os olhos até a gota desaparecer na barra da toalha.

Engoli em seco, dobrando as pernas para assim a colcha não deixar a mostra a prova da minha evidente apreciação daquela cena.

– K? - ele sorriu para mim como se fosse um modelo saído de uma revista masculina e eu me encolhi mais ainda para disfarçar o que a presença dele no meu quarto estava me causando.

– Jun? - Jun? Desde quando ele me chamava de Jun? Quando foi que eu dei à ele essa intimidade.

E então as lembranças vieram como um tapa na cara para responderem a esta minha pergunta.

Quando eu caí no chão do banheiro eu não desmaiei, mas cheguei bem perto. Mas não perto o suficiente para não ter ouvido a conversa de Mika, Tohma, Ryuichi e Tatsuha. Para não lembrar o meu quase banho frio, o meu reaparecimento na NG e o fato de que sequestrei K e o mantive cativo no meu quarto por dois dias.

Porque agora eu me lembrava. Ficamos dois dias em meu apartamento fazendo de tudo e mais um pouco sobre esta cama.

Tenho certeza de que ruborizei o suficiente para ter ganhado tons púrpuras e, sem saber o que fazer, me cobri até a cabeça com o edredom para esconder a minha vergonha. O meu... Eu molestei K. Eu o sequestrei e o molestei e alguém, por favor, me mate agora mesmo.

– Jun... - ouvi K suspirar e senti as mãos dele tentando puxar a coberta, me tirar do meu esconderijo, mas resisti bravamente. - Você me ouviu protestar nesses dois dias? - bem, se as minhas memórias não me enganavam, não. Não o ouvi protestar. Na verdade ele até se queixou nos primeiros minutos mas depois pareceu mudar de ideia bem rápido. - Jun!

Um puxão mais forte e ele conseguiu tirar o edredom de cima de mim, deixando exposto o meu rosto vermelho de vergonha. K sorria, aquele sorriso sacana que me cativou no primeiro segundo em que o vi e com um movimento rápido estalou um beijo na minha bochecha.

– A sua “febre” parece que diminuiu. E a sua líbido, como está? - com ele assim tão próximo de mim e cheirando ao meu sabonete e ao meu xampu, a minha líbido não estava muito baixa. Havia algo no cheiro dele que me enlouquecia e o fato de que agora estava misturado ao meu despertava um territorialismo dentro de mim que eu nem sabia que possuía. Nunca pensei que poderia ser possessivo.

– K... - ele inclinou-se e mordiscou o lóbulo da minha orelha, fazendo um arrepio gostoso precorrer o meu corpo.

– O que aconteceu com o “Claude”? - sussurrou ao pé do meu ouvido.

– Tem certeza de que você quer isto? Algo me diz que não é passageiro, mas duradouro. Do tipo... Para a vida inteira. - ele se afastou de mim e vi os seus lindos olhos azuis com um singelo tom violeta me olharem com um brilho satisfeito, acompanhados de um sorriso de tirar o fôlego.

– Eu posso lidar com o “a vida inteira”. Na verdade, acho que até gosto da ideia. - sorri para ele, percebendo que apesar do tom de piada, ele queria isto. Via nos olhos dele, nos ombros retesados, nos dedos fechados firmemente sobre a coberta. Na postura dele de medo de levar mais um dos milhares de foras que eu já lhe dei. Foras que foram originados pela minha completa insegurança.

Afinal, por que um homem maravilhoso como K iria querer um sujeito tão simplório como eu? Ao menos era isso o que o antigo Jun pensava. O novo, com um certo sangue místico correndo pelas veias, pensava que era hora de acabar com a conversa e partir mais para a ação.

Resolvi ouvir o novo e ignorar o velho e me arremessei sobre K, envolvendo os ombros dele em um abraço e o pegando desprevenido com um beijo, roçando a minha excitação ainda desperta contra a coxa dele e arrancando uma gargalhada dos lábios inchados quando nos separamos.

– Eu vou gostar muito de conviver com esse seu novo eu. - falou em um tom matreiro enquanto envolvia a minha cintura com os seus braços fortes e me trazia para o seu colo. Sorri de volta para ele. Um sorriso sacana e cheio de promessas.

– Eu também... Eu também.


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