A fala de Lia foi um choque para Dinho. O garoto podia jurar que seus momentos com a roqueira haviam sido especiais e cogitava, inclusive, tornar algo sério, por mais que nunca tenha gostado da idéia de namorar. Com Lia tudo era diferente, inclusive a rejeição. Perdeu o chão, de repente se sentindo em uma montanha-russa que despencava perigosamente do mais alto looping . Não sabia o que fazer, apenas encarava Lia enquanto percebia a aproximação de Orelha, já pronto para filmar o pegador sendo dispensado. Não podia deixar por isso mesmo, ia devolver na mesma moeda.

–Ah, que bom, então. Falou, Lia. E aí, Maná, seus pais foram muito duros com você?

Lia confirmou que havia agido certo ao ver Dinho já se atirando para cima de Maná, a próxima presa. Ignorou a dor que sentia e seguiu para a sala de aula, acompanhada de Ju.

A trégua entre a marrentinha e o aventureiro se encerrou naquele dia. Os dois brigaram e se implicaram pelo resto do ano, o que não era novidade no colégio, mas, dessa vez, com mais agressividade que no passado. Nenhum teve coragem para admitir o que verdadeiramente sentia, acreditando que o outro não corresponderia e ambos tentaram seguir em frente. Dinho passou as férias de verão viajando. Com Orelha, Fera e Pilha, ficou um tempo na casa de praia da família de Fera; no segundo terço de viagem, visitou os avós no interior, com a família e, por fim, acampou em uma cachoeira próxima à serra. De volta ao Rio, temia o retorno às aulas por não saber como reagiria ao rever sua marrentinha, que estava no sul com a família.

De seu telhado, via Ju sentada na praça, cabisbaixa, provavelmente com saudade de sua melhor amiga. Dinho reparou que, às vezes, ela também o observava. Se cruzavam frequentemente pela rua e o garoto não pôde deixar de reparar na maneira sem graça com que Ju o cumprimentava. Concluiu que Juliana estava gostando dele e uma nova luz pareceu se acender. Iria focar na it-girl para esquecer a marrentinha e ainda aproveitaria a proximidade das duas para testar se afetava a roqueira.

Lia também temia o retorno às aulas e o reencontro com Dinho. O garoto a atormentara em seus sonhos e pensamentos por boa parte das férias e a roqueira aderiu sua ID falsa como nova identidade, tentando esquecê-lo na noite de Porto Alegre, com porres memoráveis. Ia à balada com sua prima, o que facilitava o retorno para casa naquele estado. Lorenzo botava a filha de castigo constantemente para que não se repetisse o ritual noturno, mas pouco adiantava.

Lia nunca gostou de acordar cedo e não facilitava quando Ju tentava acordar a amiga. No primeiro dia de aula do segundo ano, no entanto, a roqueira estava ainda mais difícil. Tinha motivos extras para não querer enfrentar o mundo, o colégio e, principalmente, um certo alguém. Dinho passou o último dia de férias com Orelha, vendo filmes e jogando vídeo-game a noite inteira. Ou pelo menos até os pais de Orelha ameaçarem o filho se não fosse dormir naquele momento. Foram de bicicleta e de skate para o colégio, o que animou o preocupado Dinho, principalmente quando cruzou por Lia na rua.

–Opa! - Lia exclamou, rindo. Por mais que insistisse em ser indiferente a Dinho, não conseguia, rendendo-se a ele mesmo que apenas por alguns segundos em que se cruzaram. Seu sorriso continuava tão brilhante quanto ele lembrava e ela, linda, como sempre. Sorriu de volta, com a sensação de que voava sobre rodas, quase atropelando os alunos que chegavam. Estacionou a bicicleta com cuidado e se juntou a Fera, que fazia a batida pro funk de Pilha.

–Bom dia pros alunos e também pro professor, o semestre só começa quando chega o diretor! Oi, Fera!

Dinho, Fera e Pilha interromperam sua dancinha ao ouvir o apito de Robson e seguiram para a quadra.

–...dois carros batidos, daí chegou o policial, veio falar com o Orelha e daí eu saí- Dinho explicava o atraso do melhor amigo para os outros garotos, quando viu Lia entrando, seguida por Ju. – Senhores, um momentinho da atenção de vocês: comissão de frente nota... Tambores, tambores, tambores... DEZ!!!

–Vai sonhando, garoto.

Linda e marrenta, como sempre. Dinho foi rápido em responder ao fora da roqueira com a primeira tentativa de seu novo rumo.

–Ih, tava falando com você, não... – Notou a decepção no rosto de Lia e se virou, com um sorriso vencedor - Oi, Ju.

Olhava para Juliana com expressão de interesse, sabendo que Lia estava quase colada em seu ombro. Aproveitou para admirar a it-girl, que, realmente, era linda. Estava encantado e feliz por ter decidido investir em Ju, quando foi lembrado do motivo pelo qual jamais gostaria de Juliana como queria gostar.

–Ei, campeã-ão, seu zíper tá aberto.

Lia sorriu, vitoriosa, enquanto Fera e Pilha zoavam. Dinho e a roqueira se olharam por um breve momento antes da garota chamar a melhor amiga para longe dali. Era oficial: meses tentando esquecê-la e uma semana voltando todo seu interesse para Ju não haviam causado efeito. O que sentia por Lia ainda estava vivo e ela o desconsertava como ninguém. Apesar de as duas amigas estarem se dirigindo às arquibancadas, não tirou os olhos da roqueira até ouvir a voz de Fera.

–Aí tem coisa... Você e a Lia ainda, cara? Hum? – Fera sorria como quem sabia exatamente do que estava falando e era verdade. Infelizmente, o amigo não tinha esquecido das confissões de Dinho, como era pretendido pelo aventureiro. Tentou disfarçar.

–Ainda o que, Fera? Já foi, to de olho na amiga, agora!

–Ah, na melhor amiga? Você ta querendo arranjar confusão, é isso?

O surfista não era tão avoado quanto parecia. Dinho sorriu.

–Fera, meu querido – percebeu Lia olhando em sua direção – eu me amarro numa confusão!

Ju percebeu o olhar de Dinho e logo questionou a amiga, inocentemente.

–Ele tem fila, né?

Lia riu.

–Quem, o Dinho? – a garota debochava da amiga, quando percebeu o que a it-girl havia falado- Você está de brincadeira, né? – perguntou séria.

–Você viu que ele olhou pra mim?

–É... – e Lia não tinha gostado nada – Ele olha para todo mundo, amiga.

Voltou a amiga de costas para Dinho e as duas voltaram a falar com seus amigos na arquibancada.