O intervalo chegou e Lia já temia o que teria de enfrentar da opinião alheia quando saísse da sala. O que Ju pensaria da amiga? Com certeza riria muito, considerando que foi quem mais escutou a roqueira reclamar do pegador e agora ficaria sabendo que Lia não só ficou com Dinho, mas também de todo o show quase erótico dos dois em plena social. Ju era uma romântica, custaria a entender e Lia teria que admitir tudo, incluindo que fragilizara diante dele na festa, o que afetaria e muito seu orgulho. Entretanto, não precisou se preocupar com os outros por muito tempo. Dinho fez questão de tirá-la do corredor direto para a escada fechada do ginásio. A sós, voltaram a se beijar no conforto do anonimato.

Orelha ouvira por cima o que alguns colegas falavam de Dinho. Ficou possesso por não ter ficado sabendo por seu amigo. Desde quando o pegador pegava alguém sem se gabar para o melhor amigo que adicionara mais um nome à sua lista? E pior: pegação pesada e nada de comentar com o amigo? Notou que Dinho esperava alguém na entrada e logo viu o garoto cumprimentando todo sem jeito a marrenta que ele dizia odiar. Pela primeira vez em anos, o nerd via o melhor amigo agindo daquele jeito, sem graça. Estaria o pegador se rendendo a sentimentos? Orelha não podia deixar o amigo cair numa cilada dessas, nem poderia deixar o aventureiro perder sua fama no colégio Quadrante. Sem a imagem de Dinho, o nerd voltaria a ser um ninguém e precisava impedir o que acontecia. Pelo seu bem e pelo bem de seu melhor amigo. Assim que foi anunciado o intervalo, Orelha seguiu Dinho de perto e o viu sair com Lia. De longe, testemunhou os dois entrando por uma porta perto das arquibancadas, onde havia uma escada que levava para os equipamentos de esporte. Esperou por um momento e logo entrou também, silencioso, com sua câmera. Como era esperado, flagrou o casal se beijando na escada. Sem entender bem o porquê, sentiu um pouco de inveja do modo como o amigo beijava sua marrentinha. Ela era chata, esquisita, irritante, mas estava mais bonita a cada ano que passava, mesmo tentando esconder. Quase deixou cair seu celular, distraído com o beijo apaixonado e quente na escada. Começou normal, como qualquer outro, mas logo entendeu por quê comentavam tanto a noite de sábado. Aqueles dois sabiam dar um show. Guardaria apenas as primeiras fotos, que a TV Orelha ainda mantinha classificação etária livre.

Lia e Dinho se separaram, sem fôlego, e sorriram um para o outro. Estranhavam como poderiam se entender tão bem e terem se implicado por tantos anos. Dinho estava apaixonado, tinha quase certeza. Já havia ficado com pelo menos metade das garotas do Quadrante e podia afirmar, sem erro, que Lia era única, especial. Pela primeira vez, sentia vontade de preencher o álbum inteiro com a mesma figurinha. Não podia se separar da roqueira, seria como perder o ar permanentemente. Sua marrentinha tampouco queria se separar de Dinho, mas não se sentia segura o bastante para confiar no garoto. Já havia sofrido muito nos últimos anos e o aventureiro não tinha a melhor fama do colégio(apesar de achar que sim). Lia não poderia cometer a burrada de ser enganada pelo pegador, de ter sido apenas um desafio que o garoto buscara para depois partir para a próxima. No entanto, ainda que lutasse contra, já estava envolvida e não conseguia mais se render a Adriano. O sinal bateu outra vez, mas nenhum voltou para a sala de aula. Ficaram os dois, o resto da manhã, na escada, em seu mundinho sem interrupções, apenas o casal entre beijos até que o sinal de final da aula soasse e eles tivessem que voltar à realidade.

Na sala de aula, todos notaram a ausência dos dois e os que já sabiam do casal não perderam a oportunidade de tirar conclusões. Onde eles estariam se pegando? Seria a cena melhor que a da noite anterior? Lia e Dinho saíram da escada correndo, para que Robson não os visse. Conseguiram fingir estar saindo da sala a tempo de enganar o inspetor, mas não de fugir dos comentários alheios. Ju, confusa e desconfiada, interrogava a amiga com mil perguntas sem resposta e Orelha, com sua câmera em mãos, cobrava de seu amigo um depoimento sobre o sumiço. Mal sabia Dinho que a situação pioraria.