Estavam quase se beijando, aproximando-se inconscientemente, quando o gemido de dor de Lia desviou seus olhares. Dinho a deitou novamente, apoiando-a em seu braço firme.

–Você está bem? O que você tá sentindo?

–Dor tá bom pra você?

–Tava bom demais pra ser verdade...

–Que??

–Nada! É... Você calada por tanto tempo, tava bom demais pra ser verdade.

–Idiota!

–Marrenta!

Riram brevemente, sorrindo um para o outro. Dinho a ajeitou entre suas pernas, tomando cuidado para que não a curvasse demais, e deitou o corpo de Lia contra seu peito.

–Você tá confortável?

–Deitada em você? Impossível!

–Ouch! Te garanto que eu sou melhor que o chão frio dessa sala.

–Dinho, é sério, você sabe que eu te odeio, que eu te acho um idiota, mas não é só isso.

–Cheia de elogios, você... Valeu, Lia! Eu faço tudo pra te ajudar e você só me dá patada...

–Talvez assim você fique menos metido! – Lia riu – Mas como eu ia dizendo... A gente vai ter que ficar aqui até amanhã, já pensou nisso? E se a Ju nos encontrar assim?

Dinho analisou a pose em que se encontravam, Lia deitada contra ele, envolta em seus braços, a cabeça encostada sobre o ombro de Adriano.

–A gente não pode fazer nada, Lia. Ela é sua melhor amiga. Se eu te deixasse dormindo no chão com esses cortes na sua barriga, daí sim que ela não me perdoaria.

–Não sei, cara, acho melhor você me deixar dormir no chão de uma vez e...

–Lia, não! Olha, eu conheço vocês há anos, eu sei que ela só quer o seu bem, não vai se importar de você ter dormido comigo nessas condições.

–A Ju muda muito por sua causa, Dinho... Ela gosta mesmo de você e ela sabe que a gente já ficou e-

–E que não significou nada pra você. – diante do silêncio de Lia, Dinho por um momento sentiu seu coração parar. – Significou?

Lia disfarçou o nervosismo. Será que Dinho podia sentir como sua respiração alterara com a pergunta?

–Nada. E você?

–Nada, também...

Ficaram em silêncio por algum tempo, até que Lia voltou a falar.

–Mas eu sei que você gosta do que não tem...

–Ah é? E o que mais você sabe sobre mim?

–Mais do que você sabe sobre mim!

–Te desafio!

Lia riu, mas concordou que deveriam passar o tempo se distraindo com alguma coisa, nem que fosse algo bobo como o “desafio” de Dinho... E principalmente por ser algo bobo. Melhor que tocar no assunto do que quase aconteceu alguns minutos antes.

–Eu sei que a sua matéria favorita é geografia, e sei que você passa hooooras naquele telhado da sua casa pensando no que que você vai querer fazer da vida. – riu.

–A Ju que te contou do telhado? – sorriu. Lia o conhecia mais do que ele esperava.

–Não, dá pra ver da pracinha... – sorriu sem jeito, levemente corada ao notar o olhar de Adriano. – E você?

–Eu o que?

–Você, o que que cê sabe de mim? Não foi você que propôs o desafio? Sua vez! –piscou. – Minha banda favorita, o filme que eu mais gosto... Já sei! Vou te fazer uma pergunta fácil! Pra que time eu torço?

–Ah! Já sei! Meu mengão! – Lia riu

–Não, cruz credo, deus me livre, eu sou tricolor, cara, Fluminense! Tá vendo como você não me conhece?

–É... Mas uma coisa eu sei de você.

–Uma coisa só?

–É, mas uma coisa bem importante!

–Ah é? Tipo o que? – Lia estava curiosa, não esperava que Dinho soubesse qualquer coisa sobre ela.

–Que você pula de cabeça nas coisas. Você taca, sem para-quedas, sem rede. Pula de cabeça, de peito aberto, que nem eu.

–É... verdade.

–Viu? Pelo menos nisso a gente é bem parecido.

Os dois se encararam, perdendo-se no olhar um do outro. Dinho poderia beijá-la ali mesmo, mas lembrou-se de Ju e do fora que levara de Lia no ano anterior.

–E pensando melhor, eu não sei se é a sua banda favorita, mas eu sei que Don’t Cry, do Guns, te tocou mais que o normal naquela festa... Deve significar alguma coisa pra você.

Lia gelou. Não queria tocar no assunto, não queria demonstrar fragilidade em frente a ele, tampouco lembrar-se de quando baixou a guarda para o garoto pela primeira vez.

–Eu tava certo.

–Q-que?

–Só de tocar no assunto você já se altera. Eu não sei o que aconteceu aquele dia, mas desconfio de algo. Você não precisa falar nisso se te deixa tão desconfortável, eu só quero que você saiba que... Que mesmo tendo te visto chorar e ainda que eu esteja tomando conta de você essa noite – Lia o encarou na defensiva. “Como assim cuidando de mim? Uma ova!”. Dinho percebeu a agitação e riu. – Mesmo tendo te visto chorar e sangrar, se você prefere assim, eu ainda acho que você é a pessoa mais forte que eu já conheci.

Lia baixou a guarda por um momento. As palavras de Dinho pareciam sinceras e jamais pensou que ele, o idiota, o metido arrogante que ela tanto criticava, diria algo assim.

–Para com isso, Dinho, sério, você não precisa-

–É a verdade, Lia. Aquela noite foi tudo real, entende? Eu realmente queria te apoiar e estar lá por você. Pode não parecer, mas eu me importo. Ou eu já teria te deixado dormir no chão, marrentinha ingrata!

–Você tá é fazendo isso pra que o colégio inteiro nos encontre dormindo abraçados amanhã!

–É essa a visão que você tem de mim? – Dinho perguntou, triste. – Eu sei que pra você não significou nada, mas eu realmente queria estar com você naquele momento.

–Qual é, Dinho...

–Olha, Lia, acredita no que quiser, eu só quero que você saiba que eu vou estar no prédio da frente sempre que você precisar de uma força.

Voltaram a trocar olhares significativos. Lia desviou o rosto, lembrando-se da melhor amiga.

–A Ju ia adorar isso...

–A Ju ia gostar de ver que a melhor amiga e o namorado dela não se odeiam.

–Seria uma mentira.

Os dois riram, até Lia gemer de novo.

–Acho melhor a gente dormir... Fica bem, tá? Aguenta aí, marrentinha. – Dinho beijou a testa de Lia e a observou cair no sono, dormindo logo em seguida.