Novembro, 2033.

Era mais de onze horas da noite, estava escuro e eu me sentava na poltrona no meio da sala apagada. A casa estava silenciosa.

Um barulho de passos quebrou o silencio da noite, a luz no corredor fora do apartamento se acendeu criando um fio de luz por de baixo da porta. A chave se encaixou na fechadura e abriu a porta. Junto com ela entrou a luz do corredor iluminado a sala.

Distraída, Jane, acendeu a luz e se assustou ao me encontrar na sala encarando-a.

— O que está fazendo acordada há essa hora? - perguntou.

— O que você está essa hora fora de casa? - perguntei de volta.

— Eu tinha coisas a fazer depois do trabalho... - respondeu trancando a porta.

Levantei-me e cruzei os braços.

— O Pet shop fecha as sete, por que você chegou só agora em casa? - insisti.

— Ah, Marie... - coçou a cabeça indo em direção ao quarto.

— Você estava com ela, não estava?

— Ela?! Só pode estar cansada. Não estava com ninguém - disse.

— Eu ouvi vocês duas no telefone mais cedo.

— Ouviu? - Jane gelou e se virou para mim - O que ouviu?

— O suficiente para ouvir que estava marcando com outra pessoa - respondi me aproximando.

— Olha... Você ouviu errado, Marie. Não se zangue... Eu queria ter contado, mas...

— Mas, nada! - interrompi. Jane abaixou os ombros e suspirou.

— Eu estou cansada, podemos falar disso amanha? - perguntou.

— Não. Quem é ela? - perguntei novamente.

— Não tem nenhuma "ela", eu não queria ter te escondido isso, achei que você ficaria realmente... - Jane parou para pensar com a mão no queixo - Alterada.

Fechei minhas mãos em punho.

— Não acredito que você faria isso comigo! Achei que nos amávamos.

— Marie, eu te amo. Não torne isso algo grande, deixe eu te explicar... Eu só estou muito cansada... - queixou-se novamente.

— Eu não quero saber mais nada. Eu sei que isso tem acontecido há mais tempo, seus telefonemas, chegando tarde em casa, me escondendo coisas... Não esperava isso de você.

— É porque eu não faria - retrucou.

— Sinto muito, mas eu não posso continuar com isso.

— Do que você está falando? Vamos, Marie. Venha dormir, amanha conversamos mais calmamente - pediu.

— Não há o que conversar! - eu continuava a gritar sem ouvi-la. Eu a forçava a discutir, ela pedia para descansar e conversarmos melhor depois que ela explicaria tudo, mas eu não tinha ouvidos, só sabia atacá-la.

— ÓTIMO! - gritou Jane, por fim - Eu vou embora! - disse pegando sua mala - Você não é a mesma! Mal me ouve...

Foi a ultima vez que a vi, depois disso Julie passou em casa para pegar as coisas dela, ela me olhava com pena, decepcionada com minhas ações, eu não dei chances de conversar.

Para mim Julie estava ajudando a Jane se safar de tudo aquilo. Eu estava cega.

Era quase Junho, minha vida tinha voltado ao normal, ou quase, apesar de ter decidido dar espaço à Jane eu ainda precisava saber o que tinha acontecido com ela para estar no hospital.

Eu lutava comigo mesma para não ir atrás disso, para deixar passar, as coisas iriam se ajeitar com o tempo. Mas eu não conseguia parar de pensar no que podia ter acontecido, no final decidi ligar para o Dr. Gomez que havia me dado seu cartão quando fui ao hospital ver Jane.

Marcamos um horário e fui vê-lo. Jane já tinha contado a ele sobre mim, ele me conhecia, eu só não sabia o quanto.

— Boa tarde - me cumprimentou ao chegar a seu escritório.

— Boa tarde - o cumprimentei de volta.

— Então... No que posso te ajudar? - perguntou Dr. Gomez sentando em sua cadeira.

— Gostaria que me respondesse algumas perguntas - pedi.

— Eu adoraria, mas... Seria contra o meu código, Jane me pediu para caso você me procurasse, não a ajudasse.

— Ela disso isso?! - exclamei - Ela está virando o mundo contra mim. Ninguém mais me ajuda!

— Eu a trato tempo suficiente para saber que você não foi uma das melhores pessoas para ela... - disse erguendo uma das sobrancelhas.

— Você... - me interrompi - Tempo suficiente quanto? - perguntei.

— Dois anos.

— D-Dois... Dois anos? - gaguejei.

Dr. Gomez concordou com a cabeça e passou a mão em seu bigode cinza descendo por seu queixo.

— Mas... Mas nós... - eu estava tão confusa que mal conseguia formular uma frase direito - Nós terminamos há uns oito meses... - olhei para baixo tentando pensar.

— Sim. E ela me pediu para guardar segredo, e assim vou continuar - disse.

— E você me deu seu cartão para...? Não vim aqui atoa. E não vou te subornar - acrescentei.

— Não... Nem pensei nisso - negou com a cabeça. Gomez se ajeitou em sua cadeira e voltou a falar - Conte-me o que veio fazer aqui.

— Eu não quero que me ajude ver Jane, eu sei que ela me quer longe. Só tente entender... Eu errei. Eu vejo que errei. Eu só queria ajudá-la, queria entender o que está acontecendo. Ela não tem culpa alguma pelo termino do namoro, mas... Eu temo que o que ela tenha... Seja sério, eu não quero perdê-la com esse peso - confessei.

— E é sério - concordou Dr. Gomez.

Por tanto tempo tentando descobrir o que estava acontecendo, e descobrir tudo tão de repente era como se eu não estivesse vivendo nos últimos anos e de uma única vez tudo fosse jogado sobre mim, eu sabia de tanto que queria descobrir no inicio do diário que mesmo com essas informações, eu não sabia o que fazer com elas.

Eu tinha medo de qualquer coisa que o médico de Jane tinha a dizer.

— Eu quero ajudar minha paciente e é por isso que dei meu telefone a você, acredito que você pode ajudar a nós três. Mas isso você terá que se decidir e resolver sozinha - lamentou - Eu não posso fazer nada.

— Ajudar os três? Como assim? - perguntei.

Dr. Gomez negou com a cabeça e ignorou totalmente minha pergunta.

— O que Jane tem? - receosa encostei-me à cadeira e respirei fundo. Ele me olhou atenciosamente acariciando sua barba.

— Jane luta há um tempo com um problema que ela desenvolveu no rim, foi crescendo e virando algo grande. É um tumor.

— E é muito ruim?

— Está crescendo mais e mais, o rim direito mal funciona, assim que ele parar de funcionar atacará o rim esquerdo, falecendo os dois. Temo que se espalhe para os outros órgãos depois - contou Dr. Gomez.

— Depois? - perguntei controlando minha voz - Mas depois que os dois pararem de funcionar não tem como continuar vivendo, tem?

— Apenas com máquinas, mas Jane sabe que não tem condições de viver assim... Prefere... - Dr. Gomez hesitou procurando uma palavra melhor - Ela prefere encarar seu próprio destino a viver dependendo de uma máquina.

— Quanto tempo ela tem? - perguntei.

— Não sei dizer... Menos de um ano, sem duvidas - Dr. Gomez abaixou o olhar, podia ver que perdê-la também o afetava.

— E não temos escolha? - perguntei já sabendo a resposta.

— Talvez uma doação de rim possa resolver, nos livrarmos do tumor enquanto ele ainda não se espalhou, não podemos simplesmente tirar um rim dela, nenhum dos dois funcionam cem por cento. E não podemos colocá-la na lista de espera para a doação, não temos certeza de que funcionaria e nem se ela sobreviveria tempo o suficiente - lamentou.

— Espera... E se alguém doasse diretamente para Jane? Você poderia fazer a cirurgia, não é? - perguntei.

— Talvez... Se fosse compatível e se eu provasse que a pessoa sobreviveria bem apenas com um rim... - pensou.

Nós tínhamos muito a conversar, marcamos outro horário para podermos conversar melhor e resolver os detalhes. Como o esperado tudo se encaixou no final e eu poderia me redimir novamente com Jane.

Era minha chance de provar meu amor e pedir perdão.

E isso vai dar certo? Perguntou uma voz em minha mente.

Tem que dar certo, eu vou salvar sua vida...

Connor disse para não gabar-se e pensando por outro lado, Jane não aceitaria nada vindo de você, muito menos parte do seu corpo. Continuou a voz. Apoio a ideia de ajudá-la, mas não faça disso um torneio, salve sua vida, sinta-se bem com sigo mesma, pague sua divida em segredo e deixe-a ir.

Deixá-la ir?! Nunca! Eu vou lutar por ela.

Se você realmente a ama... Deixe-a ir.

Deixá-la... Ir...?