Regen Blau escrita por maga


Capítulo 1
Single


Notas iniciais do capítulo

Como é horrível a sensação de matar seu personagem favorito.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/349914/chapter/1

· A COR DO CÉU ·

Azul, sim, o simples azul.

Entretanto não era só isso, havia nuvens brancas e o sol brilhante, as pessoas que andavam pela rua tentavam acreditar na previsão de que a chuva retornaria e levaria todos os seus problemas para longe, eu sabia que isso não aconteceria. Não se engane, ia chover, os problemas é que continuariam nos mesmos lugares.

Gostaria mesmo de dizer-lhe que havia uma nuvem que mais parecia uma corda, que poderíamos nos equilibrar sobre ela e caminhar até o sol, mas não posso mentir, aquele parecia ser um dia como qualquer um outro já foi.

Mas em uma casa confortável, em Sidney, onde já lhe narrei uma pequena história, o fim de uma história, algo de errado estava para acontecer.

· FALSCH ·

adj (part de errar) 1 Em que há erro; errôneo, falso. 2 Que está em erro. 3 Que perdeu o caminho, o rumo; desgarrado. Antôn: certo.

Não, esse é um termo que não se encaixa. Entenda, a morte não é um erro, nada mais é do que uma consequência, o ponto final da sentença. Julgar a morte como algo errado e temeroso é o erro mais bárbaro, é como mentir a si mesmo, iludir sua própria alma, levando-a a crer que o que você vive aqui tem o intuito de ser eterno, pois bem. Não tem.

Como de praxe devo contar-lhe.

· NADA É ETERNO ·

Liesel Meminger sabia disso até melhor do que eu

O fato é que o dia se iniciou de uma forma tão natural e simples que já era de se esperar que algo saísse do lugar em um momento ou outro.

Tudo começou bem cedo, ela acordava e se dirigia ao banheiro, se observava no espelho, seu rosto com linhas de expressão bem mais acentuadas, não era mais uma jovem, seu cabelo estava branco, talvez só um pouco, de qualquer forma, os olhos castanhos perigosos mantinham o mesmo brilho.

Assim que fez o que tinha de fazer no banheiro voltou ao quarto, ele ainda dormia, a respiração fazia um barulho engraçado e seu físico sempre magro se escondia entre os cobertores, as plumas de seu cabelo eram impecavelmente brancas, vamos perdoa-lo, Max Vandenburg já tinha oitenta anos.

Liesel se enfiou sob os cobertores novamente e se arrastou para o mais próximo dele que se permitia ir sem acorda-lo, falhou, mas ele não disse nada, abriu os olhos e encarou, Max dirigia a ela um daqueles olhares pensativos e pesados dos quais vocês humanos tanto tem medo.

Continuaram em silêncio, por um tempo ela se permitiu imaginar no que ele estaria pensando, desistiu. Viajou para um mundo distante, quando ainda era jovem, ambos eram.

Algo que uma pequena senhora me contou quando estávamos ambas sentadas observando o movimento dos carros no dia em que ela morreu, logo após um comentário de minha parte que a fez sorrir, nada mais era do que o que você conhece.

Os seres humanos me assombram” disse-lhe.

“A mim também” senti-me tão próxima dela quanto a morte pode se sentir próxima do que quer que seja.

“Só não pude viver sem eles todos esses anos”, naquele momento eu queria que ela me contasse a história que se passava em sua mente, diante de seus olhos.

Não precisei pedir, ou fazer algum tipo de indireta boba como vocês costumam fazer, uma pessoa como ela soube ler nos olhos da morte o que ela desejava.

Começou a história que introduz aquilo que já lhe disse, de forma simples, o mundo ao qual ela voltou enquanto seu marido olhava-a em uma manha simples e monótona.

Acabara de se encontrar com aqueles cabelos de plumas, chorara com ele e após as lágrimas tendem a vir as palavras, tendem a vir as lembranças compartilhadas e os sentimentos precisam ser revelados, sejam eles quais forem.

“Sinto medo”, Liesel olhou profundamente para os olhos dele, sentados na calçada ele parecia tão mais alto que ela, como realmente era, parecia tão protetor, tão amigo, tão precioso.

“Mas o que é capaz de lhe causar medo? A morte, ou algo como isso?” ele sabia que não era isso. Mas era uma opção, certo?

“Não, já somos praticamente amigas” sorriu de lado, não era um motivo de orgulho.

“Então o que foi capaz de se assustar você?” passou um dos braços pelos ombros dela, não sabia quando havia se tornado tão destemido, mas ela se sentiu infinitamente bem.

“Tenho medo das perdas, a vida me tirou mais coisas do que sou capaz de suportar” não permitiria a si mesma chorar, não permitiria que a vida a vencesse dessa vez.

“Mas você continua aqui, eu continuo aqui e estamos juntos, há pessoas das quais vamos aprender a gostar e há lembranças boas com as quais a vida se torna, ao menos, um pouco mais suportável”, as palavras eram sinceras, o braço dele a trazia para mais perto e o sol esquentava seus rostos.

Se pudesse, Liesel Meminger teria congelado sua vida naquele momento, queria poder vive-lo de novo milhões de vezes em milhares de momentos em sua vida.

Ficaram em silêncio. Liesel pensou em dizer algo que parecia entalado em sua garganta, uma frase tão simples, mas tão pesada, tão difícil. Ainda pensando em dizê-la se lembrou de cabelos amarelo limão, e uma palavra pronunciada com um tom amoroso de provocação. Saumensch.

O que fora Rudy Steiner além de seu melhor amigo e primeiro amor?

Seu coração e sua mente permitiram que Max fosse o segundo.

Permitiu a si mesma olhar para ele e imaginar seus filhos com cabelos de plumas, loiros, belas plumas claras, viu os garotinhos loiros com narizes ligeiramente grandes correndo pela grama, viu também a risada harmoniosa de uma pequena garotinha, esta morena, com os mesmos cabelos de plumas, sua imaginação não permitiu que nenhum deles ficasse sem eles.

Seu coração bateu rápido e descompassado.

Permitiu a si mesma fantasiar todo um futuro, permitiu a si mesma que Max fosse o segundo, e o ultimo. Porque era simples, e tinha de ser assim.

“Ich liebe dich”, Vandenburg ficou parado durante um tempo, pareciam séculos, ela podia sentir o mundo girando a volta deles, quando voltou a se mexer, sorriu, queria abraça-la, queria gritar, queria beija-la, mas como sabemos que Max é no mínimo tímido, uma resposta já foi capaz de acalmar seu espírito.

“Ich liebe dich auch”, e foi isto que veio a memória de uma pequena senhora deitada ao lado de seu marino em uma manhã de aparência comum.

Deviam ter ficado ali naquela cama nada mais do que minutos quando lagrimas solitárias desceram pelos olhos dele, ela as secou antes que atingissem o travesseiro.

Silêncio, só mais um pouco de silêncio, para amenizar.

“Desculpe”, sussurrou em sua voz masculina rouca e sonolenta.

“Não se desculpe, não é sua culpa”, sua mão se perdeu entre as plumas brancas.

· COMPREENDA ·

Ambos entendiam que eu andava lentamente em direção a eles, ambos entendiam que pouco a pouco Max Vandenburg pertencia a mim.

“É a perda, estou te fazendo ter mais uma perda”, chegou ainda mais perto dele, as lágrimas voltavam a cair, odiava vê-lo triste, odiava ter que aguentar as lágrimas, odiava saber que estava prestes a vê-lo inerte e sem cor.

Odiava ter que me aceitar, odiava ter que conviver comigo, porque, não importa o que aconteça ou o que você aprenda, vai me odiar em algum momento novamente. E esse era o momento dela.

Ele pediria que ela saísse, pediria que fosse dar uma volta, que lesse um livro, mas não sabia como fazê-lo, gostaria tanto de poder olhar para aqueles olhos castanhos instigantes antes de morrer, queria poder encara-los uma ultima vez, queria vê-los como da primeira vez, uma garotinha o encarando com curiosidade, temor, queria poder estar com ela até o ultimo momento.

Gostaria de não fazê-la sofrer, mas era egoísta, a queria para ele até o ultimo segundo, ultimo suspiro. Era errado?

Talvez, mas isto não vem ao caso. O fato relevante em relação a isso é que ele não foi capaz de dizer-lhe que fosse. Então, ela ficou.

Sinto que estou tornando essa história mais longa do que deveria ser. Entretanto, não sei de que forma lhe dizer como foi quando cheguei, enfim.

Não se passou muito tempo, uma hora? Não, menos. O céu ainda era azul, as nuvens se escureciam gradativamente, sem pularem um único tom de cinza.

Havia sido uma noite cansativa, não em lembro o motivo, mas me sentia cansada. Entrei sem bater, mas eles sabiam que eu estava ali.

Ele olhou aqueles olhos, tão castanhos, tão brilhantes, pensou sem seus filhos, sortudos o bastante para terem aqueles olhos, vislumbrou seus netos, derrubando pequenas lágrimas por uma tristeza que tão pouco conheciam.

Ela sorriu e juntou seus lábios aos dele uma ultima vez, fechou os olhos, juro a você que, se os olhos tivessem se mantido abertos eu a teria reconhecido, com toda certeza.

Não precisei levanta-lo ou puxa-lo para mim, ele se sentou e não temia, me aceitava com prazer, lembro-me de pensar ligeiramente em seus cabelos de plumas, pensar em familiaridade, mas estava cansada, não consegui me lembrar dele, naquela cama quando doente, na história de uma ladra.

Fui embora, Max Vandenburg vinha em meu encalço, deixando para trás o melhor vigiador que ele tivera o prazer de conhecer, o melhor entre todos os sacudidores de palavras, a garotinha que viu nele o que ele não via.

Deixou para trás Liesel Meminger, lutando contra as lágrimas, perdendo sua batalha para algumas delas, abraçando um cadáver precioso. Ficando para trás.

Porque, ora, o que nós todas sabemos sobre Liesel pode ser definido em algo tão simples quanto isso.

· ELA É DEIXADA PARA TRÁS ·

Na comedia da morte, esta é a personagem que ela ocupa.

As vezes triste e solitária.

Meminger estava mais uma vez, sendo deixada para trás.

A chuva caiu, silenciosa, vou deixa-lo se iludir, os problemas foram com ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Só pesso comentários, quem sabe favoritamentos. Se você desejar deixar uma recomendação, sinta-se abraçado.