O Mal que o Homem faz - Fic. Interativa escrita por Sateily


Capítulo 37
Capítulo 37 - Craniotomia (pt. 2)


Notas iniciais do capítulo

"Eu me perdi, eu estou tão sozinho e tudo que eu quero fazer é voltar para casa..."



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/349667/chapter/37

Daniel seguia inquieto, bem diferente da pequena Annabelle que parecia já se acostumar a seus braços, permanecia quieta e dormindo profundamente, aparentava já estar se acostumando a esse mundo, onde o silêncio é algo de suma importância.

Nada externo parecia atrapalhar aquele momento, o único som que se ouvia naquela manhã eram os gritos dentro da cabeça de Daniel, ele sentia-se perturbado, olhava para todos os lados, nunca havia sentido medo de ficar só, e apesar da aparente proteção que a Unidade o passava, ele nunca esteve tão exposto. Sentia remorso, angústia, medo, uma imensa responsabilidade por ter de assegurar o conforto e bem-estar a um ser que ainda estava aprendendo sobre a vida.

Não parava de pensar em seus amigos, lhe vinha na cabeça à memória de todos que já havia perdido, não podia deixar que isso acontecesse, não sabia como ajudar, não sabia nada. Levantou com cuidado e seguiu até o ladrilho do local onde estava, tentou observar o lado de fora ao subir na pia, mas nada conseguiu ver.

O que podia notar era a luz do dia, dia que já se mostrava presente. Nada de Rubão, nada de Alex e Victoria, e nada de Andressa. Como ele estaria? Como estaria ocorrendo a operação? Estar em meio a tanto e nada poder realizar era frustrante, trazia diversos pesos passados e agora portava mais um. Onde estaria Rubão?

Olhou para a criança e a ajeitou em seus braços, pegou sua mochila e saiu andando. Por trazer o bebê, seu martelo ficou na mochila em um bolso aberto, pronto para ser puxado por sua mão direita, a mão dos dedos completos.

O caminhar era lento, não sabia o que estava fazendo, não sabia o que fazer. Pensou em ir ao centro cirúrgico, ou talvez fosse melhor ir atrás de Rubão. Queria obter uma resposta, saber se todos estavam bem, se todos estavam vivos. Dobrou o primeiro corredor que avistou, tomava o caminho para a saída.

O silêncio deu lugar a alguns sons que vinham ao longe, ele não podia identificar. Seguiu seu caminho e os sons aumentaram a intensidade, não sabia se era sua mente lhe pregando peças, ou se aquilo era real. A cada metro que andava, discernia mais o que parecia vir.

Eram sons de passos, Daniel espantou-se, ao perceber do que se tratava já estava perto de mais. Ao dobrar o corredor não havia mais volta. Quatro zumbis grunhindo e famintos o encontraram de frente, o choque foi inevitável.

_____________________ X________________________

-- Vic! – Alex já se desesperava, não entendia o porquê da médica continuar imóvel.

-- Assume aqui! – Disse ela entregando a pinça com o esparadrapo para que Alex continuasse a limpeza no crânio recém-aberto de And. – Você prestou atenção nos meus movimentos? – Alex respondeu que sim – Continua fazendo então!

Alex continuou a realizar a limpeza, o bip aterrador seguia ecoando pela sala de cirurgia, Vic se deslocou até um equipamento e o trouxe, agora seus movimentos eram rápidos. Após alguns ajustes no aparelho, duas pequenas pranchas guiadas por fios foram colocadas sobre o peito da paciente. Era um desfibrilador que a doutora usaria para tentar a reanimação.

-- Afasta! – Exclamou ela. Nesse mesmo instante Alex a obedeceu, e uma forte descarga elétrica fora disparada na tentativa de fazer o coração voltar a bater. O tórax de Andressa deu um salto acompanhado de seu corpo por conta do choque.

-- Afasta! – Exclamou mais uma vez. O movimento foi repetido e novamente não houve resposta.

Houveram mais três tentativas, mas mesmo assim o coração de Andressa não voltava, alguma complicação havia acontecido para que a parada cardíaca ocorresse. Victoria verificou os níveis de oxigênio, ampliando-os após isso. Seguiu com mais duas tentativas de reanimação se utilizando do desfibrilador, mais uma vez sem resposta.

Alex não tinha mais esperanças, observava inerte as tentativas frustradas de Victoria, ele sabia que And infelizmente não voltaria. Uma lágrima escorreu de seu rosto, pensou em todos os momentos em que compartilharam. Andressa era uma pessoa forte, que lutava pelo que achava correto, não se importava em falar o que pensava, em manter sua personalidade forte. Apesar de tudo o que aparentava ser, era amável e fiel, discutia com quem quer que fosse pelo bem de todos, não media esforços para sobreviver. Pensar em tudo isso entristecia demais Alex, seus amigos estavam morrendo, e ele que sempre fora otimista, começava a pensar se realmente havia esperança, se ainda havia um lugar reservado a eles, um destino promissor. A cada perda ele ia perdendo pouco a pouco sua humanidade.

Victoria já estava esgotada, tentava de todas as formas realizar a reanimação. Alex a observava e balançava a cabeça em sua direção negativamente. Ela não ligava, além de ser médica, era uma questão de honra salvá-la, queria provar a si mesma e a todos que a esperança é algo presente, e que nós mesmos podemos traçar nosso futuro. Em vão, já não há mais nada que possa ser feito.

Em uma última tentativa frustrada de realizar o salvamento, Victoria disparou a descarga elétrica mais uma vez, porém ao utilizar tal carga, a eletricidade da Unidade que era alimentada por geradores estourou. Tudo ficou escuro de repente, Vic caiu de joelhos em meio as sombras e a ineficácia de seu trabalho e pôs-se a chorar.

_____________________ X________________________

Daniel tomou um tremendo susto, girou o corpo protegendo a criança e não pensou duas vezes, acelerou o passo e começou a correr em direção à cozinha que havia abandonado. Não podia errar, um tropeço, um escorregão seria fatal. Sentia que os monstros que se deparara ainda o perseguiam, podia sentir o cheiro de suas carnes apodrecidas.

Deslocou-se por mais um corredor, não pensava em nada, apenas em chegar vivo a um local que pudesse se refugiar junto com Annabelle. Enquanto corria desesperadamente pela Unidade, um grande estrondo fora ouvido, e seguido a esse som, as luzes foram se apagando.

Tudo estava escuro, tudo estava aterrorizantemente escuro. A penumbra era sua companheira agora e para não fazer dela inimiga, precisava continuar correndo. No apagar de luzes o silêncio pareceu se tornar maior. A ausência de sons era cortada pelos grunhidos sedentos dos zumbis que se tornavam mais perigos a cada passo em meio às sombras.

Daniel tateou pelas paredes até sentir uma porta, ele não sabia mais onde estava, não podia mais identificar que caminho havia pegado. Forçou a entrada e não conseguiu abrir a porta. Desesperou-se, forçou mais algumas vezes a maçaneta, e ao empurrar a porta junto a um chute, conseguiu abri-la.

Foi de súbito que ele entrou e no mesmo movimento fechou a entrada da sala. Jogou-se ao chão, se sentando encostado em algo, provavelmente uma mesa. Respirava fundo e sem interrupções, estava com muito medo. Não sabia o que fazer, apenas torcia para que a luz retornasse e que os zumbis não o encontrassem. Daniel segurou Annabelle firmemente nos braços, trazendo-a para junto de seu corpo. Um desespero bateu em seu ser, teve vontade de chorar, estava em um estado que ele mesmo não saberia explicar, um misto de sentimentos agonizantes dos quais ele nunca havia tido contado anteriormente.

Daniel encolheu-se com a criança nos braços, seguia tentando controlar sua respiração, que estava ofegante. Voltou a ouvir passos, esses vinham do lado de fora de onde estava, provavelmente seriam os zumbis perseguidores. Encolheu-se mais ainda e rezou para não ser encontrado, reuniu todas as suas forças para fazer um silêncio perpétuo, não podia fazer nenhum barulho.

Os passos se seguiam mais fortes e próximos à sala onde adentrara. Os grunhidos infernais também eram identificáveis a essa altura. Daniel sentiu a pequena criança mexer-se em seus braços, estava acordando. Annabelle começou a ser levemente balançada para que não emitisse nenhum som, em vão, a criança já mostrava-se agitada quando começou a chorar.

Daniel gelou, o choro da criança que já se mostrava alto chamou a atenção dos zumbis, que identificaram no ato onde os dois estavam e passaram a bater com os corpos e braços na porta, forçando a entrada para devorarem suas presas. Daniel desesperou-se mais ainda, tentou acalmar a criança, mas a essa altura não havia mais nada a ser feito.

_____________________ X________________________

-- Vic... Vic... Temos que sair daqui! – Disse Alex esbarrando-se em algo não identificado ao tentar chegar até a doutora que seguia aos prantos.

-- Eu ia conseguir! Eu... Juro... Eu ia conseguir! – Exclamava ela em meio às lágrimas, Victoria chegava a soluçar.

-- Você fez o que pode... Mas aqui pode ser perigoso... Temos que encontrar o Daniel e o Rubão!

Victoria nada dizia, seguia chorando. Ela se sentia muito mal por ter falhado, queria muito ter salvado a vida de Andressa, isso para ela era algo fundamental para seguir lutando pela sobrevivência. Todos ali precisavam de uma vitória, uma conquista que os animasse e empolgassem para seguir seu caminho, continuar com suas utopias.

Perder And não significava somente perder uma vida, significava perder muito de todos. Uma parte deles estava partindo junto a Andressa. As camadas envoltas na personalidade e caráter eram retiradas de todos a cada derrota, e essa acabou sendo uma das maiores.

Alex compartilhava os mesmos sentimentos, porém tentava ser um pouco mais frio, para ser mais sensato naquele momento. Ele sabia tudo que aquela perda traria, mas era necessário continuar, prosseguir da maneira que fosse.

Foi apalpando a mesa e derrubando alguns equipamentos que Alex conseguiu chegar até Vic, acabou tendo que forçar sua perna fraturada ao abaixar-se até ela, sentiu dor, mas segurou sem reclamar.

-- Vic! – Disse tocando seu rosto – Você não tem que se sentir culpada... Você fez o possível e o impossível para salvá-la... Pensa bem... Em uma situação dessas, com o problema que ela mostrava... A tentativa da cirurgia era correta, não deu certo mas... Você poderia ter ficado de braços cruzados, mas lutou até o fim... Lutou por And... Lutou por nós! Não carregue um peso desnecessário com você... Você não merece!

Alex seguia tocando seu rosto, consolando-a, sentiu suas lágrimas escorrendo e mesmo sem vê-la, podia senti-la. Suas respirações se aproximaram e seus lábios se tocaram em um romântico e caloroso beijo. Ao finalizarem, Alex ainda completou:

-- Temos que ir agora...

_____________________ X________________________

Daniel apalpou sua mochila e conseguiu puxar o martelo que guardava. Tentou segurar Annabelle com o braço esquerdo, mas encontrou dificuldades, os dois dedos restantes não lhe davam segurança para a realização de tal movimento.

Não sabia o que fazer, não havia como se defender. Arrastou seu corpo em meio à escuridão e usou os dois pés para ajudar a bloquear a porta. Os zumbis forçavam-na, sentia a pressão nos pés, e percebia que a porta ia para frente e para trás, cederia a qualquer momento.

A porta seguia sendo forçada, Daniel passou a imaginar como seria a morte. Sempre quis morrer da forma mais indolor possível, mas naquele momento, o que lhe reservava era um falecimento repleto de sofrimento e dor. Imaginava como seria se ver sendo devorado, ter os membros arrancados, a barriga dilacerada, servir de combustível para que aquelas criaturas seguissem vagando pelo mundo.

Pensou em Annabelle, a pequena não merecia um fim tão drástico, chorou ao imaginar o sofrimento de algo tão inocente quanto aquele bebê, que nenhum mal intencional fazia a ninguém. Ouviu o ranger da porta cedendo, estava sendo quebrada pelos empurrões das terríveis criaturas. Fechou os olhos, pensou em todos que havia perdido, pensou nos pais, pensou no bebê e apenas esperou o momento de partir.

Ouviu um barulho distinto, seis tiros vindos do lado de fora. Arregalou os olhos, sentiu a criança viva em seus braços, sua hora ainda não havia chegado. A porta parou de ser forçada e os grunhidos cessaram. Alguém acabara de salvar duas vidas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Aqui foi mais um capítulo...

Aliás, os capítulos "Craniotomia" foram bem legais de serem escritos, apesar dos acontecimentos...

Espero que também tenham gostado. Comentem e opinem!









Säteily



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Mal que o Homem faz - Fic. Interativa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.