–Isa...-Lágrimas de pura angústia tomaram o rosto dela.-Eu te amo...Nunca se esqueça disso...Eu nunca quis te colocar nisso...-E sangue...Era só o que sobrava...Lembranças que toda vez revividas ,esmagavam meu coração partido...Cheio de perdas e que ia perdendo gradativamente a vontade de ser feliz...E as possibilidades.

–Isa...Ele cuidará de você...-Quem? Quem iria me proteger ? Eu o conhecia! Mas não me lembrava de quem! – Volte...Só volte...

Acordei num chão de taboas frio...Mais frio do que qualquer coisa que eu podia me lembrar. Sentia minha cabeça doer e o cheiro de sangue era mais forte do que qualquer coisa...Me levantei com dificuldade me apoiando na parede .Tudo girava ,mas me obriguei a voltar ao presente .Depois de alguns tombos finalmente consegui –com as pernas bambas -me manter em pé.

Depois que minha vista voltou ao normal ,comecei a analisar o local que me encontrava .Era uma casa...Feita de madeira frias o que me fez apertar minha blusa de frio em uma tentativa falha de me aquecer .Pelo o que eu pude ver ,estava na sala de estar ,onde no canto direito continha um haquer antigo com uma tv de 20’ polegadas e um sofá de dois lugares a sua frente .A cor laranja do mesmo fez meu estomago se revirar. A minha esquerda possuía uma escada com taboas prestes a cair e seguindo o corredor a minha frente ,pude ver ladrilhos –azuis talvez?-onde deduzi ser a cozinha. A porta de entrada se encontrava ao meu lado e quando girei a maçaneta e nada aconteceu ,meus pensamentos foram concretizados É claro que ela está trancada.

–Tudo bem...-Disse para mim mesma em um sussurro ,pois o quer que tivesse me trazido ali ,ainda me rondava. –Lembre -se do que aconteceu antes de desmaiar. -Comecei a forçar minha mente a se lembrar dos ocorridos das últimas horas e imagens de minha mãe correndo por uma casa com um bebê no colo ,me deixou confusa .Abrangi a busca e me lembrei da mexa loira metálica de Michelle balançando com o vento de inverno na floresta ,e de quando ela me olhou com pesar nos olhos .Tudo bem .A Mi estava contando as histórias de terror ,e eu estava com o Vitor até que...De repente as imagens de uma garota assustada correndo pela floresta preencheram cada espaço vazio de minha mente .Pude ver a hora que alguém a alcançou e puxou seu pé ,fazendo-a cair no chão onde havia um corpo...Que Ele havia matado não muito tempo atrás.

–Você não escapará desta vez...E ele não estará aqui para te proteger...–A voz ecoou em minha mente e a escuridão junto de um rastro de sangue fizeram o encerramento das lembranças que a muito tempo ,eu havia bloqueado.

–Não...Não pode estar acontecendo de novo. -Chorei sozinha escorregando pela parede de madeira da casa ,depositando meu corpo morto no chão frio. -Tinha acabado...O Dr .Ridley me garantiu que tinha acabado...-Arregalei os olhos me lembrando do que realmente ele havia me garantido que acabaria...

–Os sonhos Isa...-Ele disse sentando em sua mesa de madeira pura.- Acabaram quando você não buscar mais em sua mente se eles são reais....-Ele olhou em sua prancheta respirando fundo .-Eles são apenas sonhos...A perda da sua avó foi muito marcando para sua mente infantil se estabilizar .Você tem que parar de se culpar e seguir em frente...Ela está num lugar melhor que você.

Realmente ...Ela estava...Ela não passava por meus pesadelos diários quando criança...Ela não teve que colocar flores no túmulo de quem ela amava...Ela não teve que convencer a si mesma que estava louca...Para poder “seguir em frente”...

Quando criança ,minha avó havia me ensinado sobre o mundo dos espíritos e até me ajudou a ver eles...Mas ela era a minha ligação...Quando ela morreu todas os meus “talentos” foram com ela...Eu não podia mais vê-los ...Ainda mais depois daquela noite...A noite que atormentava meus sonhos infantis...Que fura convencida de que não eram reais...Era a noite que ela foi brutalmente assassinada...E essas lembranças agora estavam voltando a tona na minha mente fraca...Me fazendo sentir uma dor nesta que eu não conseguia aguentar...Cada imagem esquecida ,cada movimento decisivo...Agora eram reais...E estavam acontecendo novamente ,porque o passado ,sempre volta para nos assombrar.

~~ ♥ ~~

Respirei fundo .Uma. Duas. Três vezes ,mas meu coração ainda parecia que ia sair com cada ânsia de vomito que aparecia .Esfreguei inúmeras vezes minhas têmporas para que a dor de cabeça passasse ,mas assim como ela ,as imagens também não passavam. Me serntei em posição fetal me lembrando que por ironia ,naquela noite ...Eu havia feito a mesma coisa pois me sentia protegida.

–Bem ,se vou ter que passar por tudo aquilo de novo...-Disse a mim mesma .-É melhor começar logo.-Me levantei com dificuldade e olhei novamente o corredor escuro a minha frente .Encarei o haquer onde estava a tv e vi que lá tinha fotos. Me aproximei e vi que eram de uma família .Pai ,mãe e filho...Nada de mais ,só mais uma família comum da América do Sul.

Voltei a porta e encarei o corredor .Estreitando meus olhos ,pude ver que na cozinha tinha uma porta. Fechei meus olhos e corri até ela girando a maçaneta em desespero e mais uma vez ,nada aconteceu. Comecei a forçar a fechadura me jogando na porta ,mas nenhum milímetro foi movido. Apoiei minhas costas na mesma e soquei ela. Fechei os olhos pedindo pra que quando os abrisse não encontrasse nada a minha frente ,só um corredor vazio.

Abri meus olhos devagar e soltei o ar preso a tempos quando vi que estava sozinha ,mas o corredor estava diferente: estava com algum tipo de névoa .Tremendo de frio o atravessei e quando cheguei a sala ela estava toda revirada.Com sangue em todos os lados .O sofá laranja estava todo rasgado e banhado de líquidos que eu nem sabia o que eram. O haquer estava tombado junto da tv .Os porta retratos estavam quebrados ,fazendo cacos terem se espalhado por todo o lado e as fotos ,haviam sumido.

Escutei um grito no andar de cima e encarei a escada a minha frente pensando se subi ou não ,logo meus pés pisaram o primeiro degrau fazendo um rangido agudo espalhar-se pela casa .Subi respirando fundo pedindo pra que aquilo fosse só mais um sonho. Quando cheguei ao andar de cima um outro corredor se estendeu a minha frente com mais névoa .Nas paredes mais quadros estavam lá .A luz piscou por dois segundos o que foi suficiente para me desesperar novamente. Quando ela voltou o corredor estava cheio de sangue e os quadros ,tombados e destruídos no chão .Escutei o vento bater com força na lateral externa da casa parecendo um uivo e quando este se sessou caminhei até o primeiro quadro ,vendo que a foto ,como as outras ,também desaparecera ,mas dessa vez ,alguém havia deixado no lugar desta ,um papel amarelo e velho .Aproximei ele dos meus olhos vendo que havia algo escreito.Com muito esforço ,consegui decifrar a letra arrastada que denunciava presa.

“A noite ,ele caça.”

Talvez uma figura estivesse desenhada na borda do papel ,mas foi arrancada deixando somente um braço sobrando.Com a tal carta na mão caminhei mais alguns passos pelo corredor sentindo o chão tremer e alcancei o próximo quadro .Levantei-o e a mesma coisa com o primeiro havia acontecido .Retirei do papel do meio dos vidros e prevendo que eu ficaria cega se continuasse a tentar aquela letra ,decifrei mais uma frase.

“Sua história ,ninguém conhece...”

O papel fora rasgado no meio ,e sem pensar duas vezes fui até o próximo quadro que estava nem a meio metro de mim .Recolhi o papel e nele ,como o imaginado ,completava perfeitamente o anterior.

“Mas todos contam.”

Uma porta ou janela em algum lugar bateu me fazendo dar um pulo e sentir um frio passar por minha coluna .Não há ninguém aqui .Garanti a mim mesma sem me acalmar. Você está só ,e não pode senti-los ou vê-los .Olhei mais adiante e parecia que o corredor não tinha mais fim ,porém dois papeis se encontravam a minha frente ,cada um em um lado do corredor.

“Ninguém foge dele.” Disse o primeiro.

“Não olhe para trás...”

Uma frase .Apenas uma frase é capaz de tirar toda uma consciência de nossas mentes e nos perseguir por uma vida inteira .Aquela frase marcou o inicio do fim da minha vida ,não naquela noite em que perdi quem amis eu amava ,mas numa noite qualquer...Onde três crianças inocentes brincavam de pique-esconde enquanto uma delas contava uma história de terror.

Eu tinha cinco para seis anos .Renato tinha sete e Michelle iria dormir em casa. Nós dois estávamos tão empolgados pois seria a primeira vez que alguém iria dormir na nossa casa. Eu sabia que minha mãe havia concordado pois fazia poucas semanas que ela e meu pai haviam brigado feio ,e quase pedido a separação .Aquilo havia nos assustado muito .Flávio nos levou para dentro do armário e disse para tamparmos os ouvidos e pensasse em coisas boas .Eu cheguei a perguntar a ele se o papai e mamãe não se amavam mais ,e ele vendo meu rosto gordinho cheio de lágrimas ,segurou as suas para fazer o papel de irmão mais velho.

–Não ,eles vão ficar bem!

Passamos cerca de uma hora escondidos ,cheguei até a dormir. Só me lembro do rosto do meu pai cansado aparecendo pela fresta da porta do guara -roupas que Flávio abriu para ver se estava tudo bem. Ele sorriu pra mim e me carregou no colo até a minha cama. Me lembro de nunca me sentir tão bem protegida na vida ,mesmo que os braços protetores pudesse a pouco tempo ,terem sido os dos monstros pelos quais eu me apavorei.

Michelle começou a contar até dez para que nos escondêssemos e eu sai correndo para o bendito do guarda –roupas .Quando ela gritou dez coloquei a mão na boca para não rir .Michelle começou a cansar de procurar e para se distrair enquanto procurava ,disse que ia contar uma história de terror.

–Era uma vez um homem muito mal...Que vivia na Floresta do Grito. -Ela disse caminhando mais devagar .-Ele não tinha rosto ,não tinha lar ,nem identidade...Mas todos sabiam que quando a brisa leve soprava ,era ele mandando o recado de que estava a caminho e a Morte...Também. -Vi pela fresta da porta Michelle procurando embaixo da cama e dar um espiro de nervoso por não ter achado nada. -Ele caçava a noite...Procurando suas vítimas mais desprotegidas...Para levar para o porão da Velha Casa e tortura-las junto de seus mais profundos medos. Ele levava sua alma para poder ter mais um dia de vida. -Ela deu um sorrisinho estranho e eu fui para o lado mais oculto do guarda- roupas.- Se contar a história dele ,ele irá ressurgir das cinzar e vir atrás de quem tem o mais desesperado dos corações .-Ela olhou pela fresta do guarda-roupa me procurando.- Cuidado ,Isa.-Ouvir meu nome naquela frase de repente me deixou zonza. -Crianças é o que ele mais busca...Não olhe para trás ,se não ele te pega!-Ela abriu a porta do meu esconderijo gritando. Só me lembro de ter gritado junto e ver um breu me alcançar ,junto com um ser de rosto branco ,e um sorriso cruel.

–Eu fui para o hospital...-Me lembrei.- O que eu tinha?-Perguntei confusa .Como uma criança podia ter tantos problemas como eu ?

Como podia ser a mesma história ?Claro que tinha pontos diferentes ,mas a história que Michelle contou naquela noite ,era a mesma que ela contou na fogueira...Pareciam totalmente diferentes ,mas eu sentia que eram as mesmas .E a mesma que aquela casa ,de alguma forma contava. Andei até o próximo quadro sem fazer barulhos ,pois algo em mim dizia que os barulhos ,o trariam .Retirei as presas o papel do quadro e senti minhas mãos tremerem com aquele nome ,que fugi minha infância inteira .Larguei todas as cartas no chão e corri para a primeira porta que vi. Estava trancada. Fui até a outra que pela graça estava aberta. Entrei no quarto e me virando nos calcanhares tranquei a porta atrás de mim ,recuperando o folego .Quando prestei atenção no quarto a minha frente ,uma cama com lençóis brancos estavam tingidos de sangue...E neles...Se encontrava o corpo de Michelle .Congelei no lugar onde estava. Não podia ser...Depois de segundos que pareceram horas a fio ,consegui mandar minhas pernas andarem até a cama .Peguei sua mão que estava mais fria do que o próprio gelo. Olhei seu rosto ,a poucos minutos tão perfeito com seus olhos castanhos brilhantes e um sorriso dançando dos lábios .Agora seus olhos arregalados denunciavam o medo e a dor de sua morte e sem o brilho e nem o sorriso costumeiro. Desabei no chão chorando e beijando sua mão desesperada ,sem saber o que fazer para salvá-la...Mas era tarde...Ele havia levado -a.

–Por que...-Perguntei a ninguém em particular. -Por que tudo está acontecendo de novo ?Por que não posso salvar quem eu amo novamente?!Por que?!-Gritei para os céus esperando que algum castigo divino vinhe- se desses para acabar com a minha dor ,que pelo visto era mais pecadora do que amorosa.

Comecei a escutar sussurros em meus ouvidos ,que eu não sabia decifrar o que estavam falando .Me levantei com a vista encoberta pelas lágrimas e deixando o corpo da minha melhor amiga ali ,estirado na cama de seu assassino ,sem antes de fechar seus olhos e lhe prometer que tudo acabaria...E que eu a vingaria. As vozes me conduziram até o banheiro do quarto ,onde a banheira transbordava água que mais parecia sangue .O espelho estava tingido de vermelho rubro ,onde alguém o limpou para deixar uma frase. Assassina. Senti vultos me cercarem novamente e a vontade de viver foi embora. Eu sabia o que viria a seguir ,e não queria passar novamente por aquilo.

Como que por uma regra ,olhos negros apareceram diante de mim ,me fazendo recuar e ser bloqueada pelo corrimão da escada ,que se estendia a dois passos a direita de mim .Um sorriso cor mais escuro que os olhos surgiram no vácuo com um sorriso que faz você desejar nunca ter vivido .Como em uma mutação ,um corpo esguio apareceu completando a imagem assustadora dele .Sua pele branca como o algodão ,o terno irônico como que para um velório e seus membros como que quebrados ,por quebrar os de suas vitimas pareciam mais longos que o normal. Segurei a respiração enquanto ele caminhava até o meu lado .Sua boca costurada se aproximou do meu ouvido me causando um suor frio na região e eu fechei os olhos sabendo o que ele pronunciaria ,e querendo desesperadamente que ele o fizesse rapidamente...Assim como em minha avó.

–Isabella...–Ele pronunciou meu nome com nojo. -Está pronta para morrer?

Deixei minhas lágrimas caírem e me lembrei de Michelle ali ao lado morta e de minha avó e pedi para que o mundo se lembrassem delas como realmente morreram e não com mais mentiras para encobrir um Serial Killer que se recusavam a acreditar que saia das lendas infantis...Queria que elas alertassem a todos ,e encontrassem o que eu nunca encontrei nos meus 11 anos de vida morta.

–Sim ,Slen...-Ele não deixou pronunciar seu nome. Mesmo eu sabendo que o deixaria mais forte eu queria ter dito o nome do meu assassino .Não aquele que acabara de me jogar escada a baixo e deixaria minha cabeça sangrar até a morte. O que eu vejo no topo da escada com o mesmo sorriso maléfico vendo a morte cercar sua mais nova vítima...E também antiga...Eu. Queria ter dito seu maldito nome ,ter visto seu sorriso em sua cara pálida me estrangular até que meus olhos não tivesse mais vida .Queria ver ele se deliciando com a sua vitória enquanto eu relembrava tantas outras suas que eu presenciei e de todas as pessoas que eu amava e que ele iria atrás...

Assim que senti a vida sair de meu corpo ,vi Ele se virar e ir embora junto de seus corvos ,pronto para mais um ataque. Quem seria o próximo ? Vitor ?Mariana? Meu pai? Alguém que eu não conhecia ,mas que também restaria uma criança embaixo da cama chorando de dor ao ver quem amava morrer ?Sempre haveria alguém para se lembrar....A dor nunca iria embora ,e agora ,ninguém mais poderia detê-lo.