Fale O Que Quiser Mas Sou Uma Garota escrita por Risadinha


Capítulo 127
Venha


Notas iniciais do capítulo

OláááááhhhhhhH! Tudo bão? Espero que sim! Finalmente começamos o último arco Aheeeeeee! Fogos de artíficio ! Blau BLau! Tá, parei! Então, o cap de hoje será bem depressivo, não terá ação, MASS no final tem uma cena bem legal... Tanto que é o motivo do título :3
Capa: Não sei que mangá é (Feita pelo Paarthurnax :3)
Boa Leitura!



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O bater da chuva na janela criava um ruído pela sala quando não havia vozes para abafar o som. Ninguém ousava dizer algo, olhares se trocavam e a impaciência de Lothos e Grandiel aumentava com o tempo. Sem respostas até o momento.

— Expliquem de uma vez o que está acontecendo. – Pede o diretor. – Vocês somem e quando aparecem, estão brigando no pátio do colégio.

Espera alguma explicação vim de Lass, sentado perto da janela, ou de Elesis, quase deitada no sofá. A distância que havia entre os dois é uma surpresa para Grandiel, que nota ao ver a frieza que um tinha com outro. A briga que tiveram também não havia sido explicada.

Elesis se encosta no apoio do sofá, esse pequeno movimento causando mais frio na mesma. Puxa a toalha sobre seus ombros para se aquecer, esquecendo de seus cabelos molhados. Ao menos, por isso não conseguia sentir as dores de seus machucados.

— Fomos jogados no passado. – Lass fala. – Não conseguimos voltar antes, somente agora.

— Jogados no passado? – Lothos questiona. – Como assim? Isso não é possível.

— Existe um cara que consegue pular no tempo, voltar para o passado e assim em diante. – Explicava sem muita vontade de continuar. Olhava suas mãos trêmulas, não pelo frio, mas por outro motivo. – Essa era a missão de Cazeaje, pegar esse cara. Mas no meio disso, fomos jogados no passado e demorou para ter um jeito de voltar.

Elesis não complementa ou afirma a história, a espadachim com o olhar vazio estava bem distante daquela sala. O que tivesse acontecido, ela não pretendia contar tão cedo.

— Isso explica muita coisa. – Menciona Grandiel. – Por quanto tempo ficaram lá?

Leva a mão trêmula para o rosto e passa por ele, parando quando as dores dos hematomas são atingidas. Conta os dias em que esteve no passado, demorando mais que o necessário.

— Menos de uma semana. – Falou com a voz arrastada. Sente uma dor nas costelas que o interrompe.

Grandiel e Lothos reagem juntos. O ninja não entende os entreolhares, como se houvesse um comunicado que ele e Elesis não poderiam ouvir.

— Menos de uma semana? – Grandiel repete. Lass assente. – Lass, vocês estiveram fora por mais de um mês. Quase dois.

A chuva continuava intensa, ou o silêncio que volta cria esse efeito. Como no circo, o tempo se tornou irreal para ele. Foi como um pesadelo, percebe. Para Elesis, que não demonstrou nenhuma reação com a notícia, foi o oposto.

Tenta não pensar muito, sacode a cabeça para tirar o pensamento que persistia. Enlouqueceria se pensasse nos dias que perdeu ficando naquela época, que para a ruiva não tinham importância.

— O que aconteceu durante isso? – Lass pergunta. Precisava se distrair. – Alguma coisa importante?

Novamente, eles se entreolham. Não falam à espera de ouvirem algo vindo da ruiva. Não se sente bem, mas é forçado a olhar para Elesis.

— Está ouvindo? – Pergunta Lothos. - Elesis?

Seus cabelos molhados se movem quando assente. Infelizmente, ouvia. Queria afundar o rosto na almofada ou sair da sala, se não fosse por suas pernas cansadas. A exaustão tomava conta de seu corpo, o tempo provavelmente fazendo isso com ela.

— Vocês precisam descansar. – Sugere Grandiel. – Estão cansados, depois conversamos.

— Não, conte logo o que aconteceu. – Fala Lass, levantando. Sabe quando Grandiel escondia algo, desviando do assunto para evita-lo. – É sobre Cazeaje? Já estou acostumado, pode falar.

— Seria melhor vocês explicarem o porquê de estarem brigando antes. – Lothos se intromete. Cruzou os braços com seu olhar de autoridade. – Melhor, por que quase usou as chamas na Elesis?

As palavras prendem na garganta. Olha como uma vítima, até as memórias se arrumarem na sua cabeça. Tinha esquecido por um instante o calor que sentiu tomar conta de seu corpo e domina-lo; então a risada das chamas. Não foi ele quem fez aquilo, nunca seria capaz de fazer algo assim.

— Eu... – Tenta se explicar. Nada saía. – Foram as chamas.

— E por que as chamas fariam isso? Não era para você controla-las? – A comandante questiona.

Todas explicações que tinham não seriam o bastante, ele mesmo se impedia de falar. Volta a se sentar, passando as mãos no cabelo. Não queria falar, a pressão sobre si aumentava.

— Foi minha culpa.

Olha Elesis. Ela tinha levantado, a toalha que usava repousava no sofá. Parecia tão frágil com o corpo trêmulo e os hematomas aparecendo sob a roupa molhada. Porém, sua a seriedade direcionada a ele mudava sua aparência.

— É uma longa história, mas resumindo, não queria sair do passado e Lass me forçou. Esse foi o motivo da nossa briga. – Explicava Elesis. Sua voz não expressava nenhum remorso ou arrependimento pelo que fez. – Eu comecei e provoquei, por isso o Lass quase perdeu o controle das chamas.

— Espera, não foi bem isso. – Diz o ninja. Fica de pé, trazendo a atenção para ele. – Não foi culpa da Elesis, as chamas são minha responsabilidade, eu que deveria...

— Não preciso de defesa. – A espadachim o corta.

Ficam surpresos com a frieza da ruiva, tão repentina que até mesmo Lass se assustou. Elesis não muda a postura com os olhares sobre ela, era como se houvesse apenas ela e Lass na sala.

— Alguma coisa aconteceu entre vocês. – Fala Lothos. – O que foi?

— Nada. – Responde Elesis.

Lass a encarava pela resposta. Nada? Ele quis rir com essa mentira, que foi a única forma que a espadachim achou para evitar uma explicação. Precisavam conversar, mas como Lothos e Grandiel, ele também era evitado pelas palavras frias.

— Deixe-os descansar, Lothos. – Grandiel é o único com um tom gentil. – É o melhor a se fazer agora.

Remexe os lábios, demorando para assentir. A própria comandante precisava de um descanso, faziam dias que não dormia devidamente.

— Antes, eu preciso falar com o Astaroth. – Pede Lass. – Onde ele está?

Grandiel continuou a seguir para sua mesa, parando na frente dela. Apoia as mãos e implora para que Lothos tome seu lugar. Espera e não ouve a voz da comandante, uma inspiração profunda sendo precisa antes de se virar para o ninja. Lass estava agitado para achar o professor.

— Astaroth não está aqui. – A voz sai abafada.

— É, estou vendo. – Aponta ao redor, entendendo como uma brincadeira. – Sério, preciso falar com ele.

Grandiel vira o rosto para Lothos. A comandante muda de lugar, ficando próxima de Elesis para ter certeza que ela estava bem. O loiro suspira, os olhos de Lass pressionando a situação.

O ninja balança a mão, impaciente.

Lass começa a sentir algo de diferente ao perceber o afastamento de Lothos do assunto. Grandiel demorava para responder, o que nunca aconteceu de sua parte. Inclusive Elesis, que estava fora do assunto, percebe uma mudança de clima dentro da sala.

Fica surpreso por Grandiel. Um sorriso quebrado se formou no rosto cansado do mesmo, seus olhos mostrando o oposto. Com a voz engasgada, ele persistia.

— Astaroth não está aqui.

— Isso é alguma piada dele? – Pergunta Lass. Olha para Lothos e espera que ela responda. – Cadê ele?

Nenhum dos dois respondem. O ninja tira a toalha de seus ombros e joga para o lado, andando pela sala. Cada canto é olhado à procura de Astaroth. Abre os armários e olha atrás da mesa, perdendo a paciência quando não encontra.

— Já deu! Grandiel, cadê o Astaroth? – Pergunta de forma direta. O loiro esquiva da pergunta.

— Aconteceu alguma coisa? – É a vez da Elesis questionar a dupla.

— Astaroth está de sacanagem. – Responde Lass. – Astaroth, sai daí! Chega de brincadeira. Vamos, não tenho o dia todo!

O ninja se dirige à porta, queria sair da sala e procurar pelo professor que deveria estar dormindo após beber muito. Quando pequeno, ele sempre fazia isso com ele, fingia brincar de pique esconde e dormia no meio da brincadeira. Acostumado com esse tratamento, pretendia sair correndo pelos corredores para acha-lo, então socar o rosto adormecido do mesmo.

Antes, é segurado pelo ombro. Para na porta, confuso pelo impedimento de Grandiel.

— Algumas semanas atrás, Jin tinha sido pego pelo Conselho. – Mais calmo, porém sem emoção, explicava o rapaz.

Elesis, que demonstrava desinteresse, olha surpresa pela notícia. Os dois não se espantam por terem visto Jin antes, o que mostrava um final bom da história. No entanto, nada de alívio até ouvirem o resto da notícia.

— Quem o tirou de lá foi Astaroth. Ele não só fez isso, mas atacou o Conselho.

É previsível a reação de ambos. Continua antes de haver perguntas que não conseguiria responder.

— Ele enfrentou Cazeaje, tentou matá-la, mas...

Não há necessidade para completar quando nota o entendimento nas faces de cada. Elesis parece tomar um susto, olhando Lothos para saber se era real. Já Lass... Ele não muda. Pisca, abre a boca para falar e fecha diversas vezes e nega com a cabeça. Grandiel tenta segurar seus ombros, algum contato para acalmar o mesmo. O ninja se recusa, recuando.

— É uma brincadeira. – Fala Lass. Sorri para surpresa deles. – Astaroth não seria capaz de me deixar... quer dizer, ele é forte! Nem Cazeaje conseguiria matar ele.

— Ele se matou, Lass. – Disse Lothos.

— Claro que não. Ele está vivo, provavelmente escondido para me assustar.

Ele sai da sala ao começar a chamar pelo mesmo. Seguem o ninja pelo corredor, que gritava e batia nas portas para abri-las.

— Lass, pare! – Pedia Grandiel. – É verdade.

Elesis deixa de seguir. Suas pernas tremiam enquanto olhava o ninja agir em negação à notícia. A ruiva já tinha passado por isso, a dor que tinha sentido nesse dia demorou para vim. Alguns anos depois, descobriu que esse comportamento era um padrão.

Primeiro vinha a negação.

— Astaroth, apareça! A brincadeira acabou, seu idiota! – Gritava Lass.

Para o caminho quando Lothos se coloca à sua frente. Grandiel o pega pelo braço, puxando com força.

— Não estamos mentindo. – Era difícil para o rapaz repetir essa notícia. – Astaroth está mesmo morto.

A dor bate contra seu peito e o empurra. Grandiel quase tropeça quando Lass o afasta, os punhos se fechando. Lothos tenta convencer, parando imediatamente.

— Mentira! – As chamas rodeiam seu corpo.

Depois a fúria.

Lass encara cada um para que ouvisse a verdade. Não tinha como isso acontecer. Astaroth sempre foi o guerreiro mais forte que considerava, depois de Gerard. Não conseguia compreender a situação, o motivo de ele ter feito algo do tipo. Invadir o Conselho? Lass ria enquanto as chamas queimavam seus braços.

— Astaroth se matar? – Questiona a Grandiel, quase segurando-o pela camisa. O calor voltava como antes. – Inventa outra! Conte logo onde ele está.

— Essa é a verdade, Lass. – Insisti Lothos.

A mão do ninja se move automaticamente. Uma rajada de energia causada pelas chamas arremessa a comandante para a parede mais próxima. Grandiel não se move, a sanidade do rapaz estava para desaparecer e por isso precisava de sua ajuda.

— Acalme-se, Lass. Você está perdendo o controle novamente. – Lembra Grandiel.

— Astaroth não pode estar morto. – Falava consigo. As mãos param na sua cabeça, tentando entender tudo que acontecia. – Ma-Mas se ele estiver?

Elesis sente uma enorme urgência de ajudar o ninja. Embora sentisse raiva do mesmo pelo que fez, queria acabar com seu sofrimento. Cruza os braços para conter o ódio que a impedia de andar. Como Lass dizia, orgulhosa e egoísta demais.

Tudo que faz é olha-lo passar para o próximo estágio.

A barganha.

— E-Eu posso trazer o Astaroth de volta então? – Dizia Lass. Olha para Grandiel em seguida. – Com as chamas eu posso, certo? Elas devem reviver.

— Não é assim que funciona. – Falava com um certo medo de encostar nas chamas. – Elas não funcionam para isso.

Suas chamas não eram para isso, são sujas demais para fazer uma coisa tão boa quanto essa. Elas diminuem, quase sumindo de seu corpo. Entendia que não existia jeito de trazer Astaroth de volta.

Elesis consegue ficar mais calma quando as chamas abaixam. Lass finalmente entendia, até que sua atenção se vira para ela. O ninja fica parado, então andando com o rosto determinado. A ruiva recua quando próximo, pegando seus braços com força.

— As chamas brancas. – Dizia Lass. – Você pode trazê-lo de volta com elas. Fez isso com o Jin, o mesmo para ele.

— Eu não trouxe o Jin de volta. – Movia os braços para ser solta, o aperto machucando onde já havia hematomas. – Apenas o curei.

— Então cure o Astaroth.

— Não dá.

— Por quê? – Começa a se alterar, não conseguindo distinguir o certo do errado.

— Astaroth está morto! – Grita de vez. – Ele morreu, Lass. Não posso trazê-lo de volta, sinto muito.

E a parte mais difícil, o estágio que definia o que realmente sentia, vem aos poucos. É solta, mas não consegue se mover. Os olhos continuavam fixos na espadachim, esperando alguma piedade vim dela. Mas no fundo, sabia a verdade e tinha a negado desde o início.

Elesis o segura antes de cair ajoelhado. Ela cai ao seu lado, segurando seu corpo quando cai contra o dela. Um pouco receosa, é abraçado pela ruiva. Recebe leves batidas nas costas e o calor da mesma é transmitido através deste simples gesto. Lass quis esconder seu rosto quando a sensação arde em seu peito. Era doloroso, segurando Elesis pela camisa para que não fosse solto.

— Eu sei. – É tudo que ela fala.

Por tudo que Elesis quis evitar no passado, Lass entende. A amargura da solidão é agoniante, o que aumentava a dor quando rejeitava. Foi isso que ela sentiu anos atrás e lutou contra ele para evitar. Quando foi contra não sabia como era, a sensação que o faz se sentir inútil diante à situação. Esticava as mãos para se segurar em algo, no final, não tendo o apoio que queria.

Abraça Elesis e espera que suas lágrimas não sejam vistas pela ruiva. Era bobo esconder algo da pessoa que amava, porém temia pela rejeição. Evita ser tomado pelos sentimentos, pela agonia e a sensação de afogamento. Os gritos de dor são evitados, menos os soluços que saem baixos.

Elesis não consegue evitar de sentir o mesmo que Lass. Não demonstra, consegue se conter, porém a dor sentida, não. Passa a mão pelos cabelos molhados do ninja e espera. Sabia que com o tempo isso passaria, mesmo que deixasse cicatrizes.

Quando chegava no estágio da depressão, logo estaria no último. Levaria um bom tempo até sua chegada.

***

— Coma. – Grandiel volta a repetir.

A chuva tinha diminuído, porém continuava frio desde que chegou. Não importava quantos agasalhos usasse, nada era capaz de esquenta-lo. Sentir-se confortável parecia distante após tudo que ocorreu nas últimas horas. Os hematomas e cortes começaram a doer, logo sua cabeça e na região do peito. Tomou uma poção e não sentiu tanto as negativas sensações, apesar de uma permanecer não importasse o quê.

— Lass, você precisa comer.

Olha para a tigela de sopa sobre a bandeja. A fumaça da comida subia como uma dança, distraindo-o novamente.

Jin coça a bochecha, nervoso pelo comportamento do amigo. Espera por outro chamado vindo de Grandiel, o que não acontece. Ele estava cansado, saiu do quarto do rapaz sem vontade de força-lo a comer.

— Eu vou comer. – Fala Lass. Previu o que o ruivo diria. – Só estou pensando.

— Agora não é um bom momento para pensar. – O ninja o olha, finalmente o notando. – Só se sentirá pior.

— Foi o que você fez? Ignorou a morte do Astaroth? – A pergunta sai de forma agressiva.

Nega com a cabeça.

— Eu não consegui pensar, toda vez que tentava sentia uma forte dor de cabeça. – Coloca a mão na testa. – E se eu pensasse no Astaroth só me sentiria pior. É como se tudo que aconteceu foi minha culpa.

— Não foi. – Diz rapidamente. – Nunca seria. A culpa só é de uma pessoa, sabe disso.

Jin assente. Não poderia jogar a culpa para si e esperar por uma consequência, quando nada aconteceu por causa dele. Foi aquela mulher, a mesma que faz seus pensamentos serem dolorosos. Esfrega a mão no ombro, sentindo dor naquela parte.

Lass arregaça as mangas do agasalho e pega a tigela de sopa. Não adiantaria ficar sem comer enquanto pensava no professor. Astaroth riria da sua cara pela atitude que fazia por ele, não poderia continuar se lamentando por algo que nem presenciou.

— O que Cazeaje fez com você? – Pergunta para se distrair. Tinham contado sobre tudo que aconteceu enquanto esteve fora, menos o que seu amigo passou.

— Não vale a pena saber. – Fala, desconfortável com a pergunta. – O mesmo com você no passado?

Também tinha contado ao ruivo, somente a ele, sobre o que aconteceu. Foi bem vago, sentia que estaria dizendo um assunto pessoal da espadachim.

— Foi bem estranho, não quero falar sobre isso.

— E quanto a Elesis? Por que começaram a lutar de repente?

— Eu já te contei, não me faça repetir outra vez.

Ele tinha explicado o motivo da ruiva ter o atacado, mas não sobre ele ter revidado. Jin não conseguia imaginar uma explicação decente do ninja para ter feito isso, principalmente com Elesis. Nunca seria capaz de machucar a ruiva, mas quando se encontrou com eles, estava fazendo exatamente o oposto.

— Você iria usar as chamas, Lass. – Demonstra mais preocupação que um aviso.

— As chamas iriam me usar. – Fala nervoso.

— É sério! Se eu e o Grandiel não tivéssemos chegado, o que aconteceria? – Uma pergunta tola para uma resposta óbvia. – É isso que eu quero entender.

Ignorado pelo rapaz que tomava a sopa sem vontade alguma. Suspira, não entendendo a surpresa de não receber uma resposta do rapaz. Não persisti, saberia em breve quando Lass estivesse com a mente mais organizada. No momento, tudo que ele fazia era com muito esforço, quase desistindo nas tarefas simples.

— Sabe o motivo do Astaroth ter se matado? – Lass pergunta de repente.

— Nem mesmo o Grandiel e a Lothos sabem, muito menos eu. – Lamenta. – Mas ele já deveria ter planejado isso. Os rapazes disseram que ele se despediu de todos antes de ir.

— Despediu? Por quê?

— Eu não sei. – Fica diminuído sob o olhar do ninja. – A mente do Astaroth é bem complexa. Ninguém sabe até agora o porquê de ter atacado o Conselho.

— Tem um motivo. – Sussurra, pensativo. – Astaroth sempre tem um motivo.

— E qual seria?

Apenas sabia que existia um motivo, porém nunca descobriria. Grandiel e Lothos que eram amigos de Astaroth não conseguiram descobrir, muito menos ele. A única certeza que tinha era pela forma de pensar ser parecida com a dele, ambos não temiam provocar Cazeaje e esse deveria ser um dos motivos pelo ataque ao Conselho.

Leva a colher à boca e o gosto do talher o lembra da sopa acabada. Encara a tigela vazia, seus lábios contorcendo enquanto sua mão se fechava em volta da colher. Astaroth não estava mais ali, nunca mais conseguiria vê-lo ou ouvir suas piadas. Não gostava dos seus deboches, porém tinha se acostumado com o tempo. O que faria agora? Acordaria e chegaria no salão de treino, que estaria tão vazio quanto à tigela de sopa.

Jin estremece com o barulho da porcelana se quebrando na parede. Lass bufava, os punhos fechados para serem usados. O ruivo pede para que se acalme, não surgindo efeito quando é ignorado.

— Ele se despede de todo mundo e nem se importa de deixar um recado para mim. – Reclamava Lass. – Aquele desgraçado!

— Não tinha como também, você estava sumido.

— E daí?! – Encara o ruivo, que levanta as mãos em defesa. – Eu fiz parte da vida dele e o que recebo? Nada!

Compreendendo a situação, as mãos de Jin caem. Lass continuava a reclamar sozinho, batendo no travesseiro como se fosse o professor. Sua raiva não vinha pela morte de Astaroth, mas pela falta que ele já causava no ninja. Existia tristeza no peito do mesmo, sim, mas isso não o impedia de agir de outra forma por isso.

Lass aceitou a morte de Astaroth e começava a superar. Sempre previu que esse momento chegaria, as lágrimas que foram derramadas ocorreram pela surpresa da notícia. Não achou que aconteceria dessa forma, mas com sua presença ao seu lado.

Jin afasta a cadeira com o ninja levantando de repente.

— O que você vai fazer? – Pergunta o ruivo.

— Preciso me preparar. Astaroth tinha um motivo para ter tirado sua vida, e não deixarei que perda o valor. – Dizia determinado.

— Então você vai atacar o Conselho também?

— Sim, eu...

Anda em direção ao armário, caindo no caminho. As dores voltam com seu esforço desnecessário, as forças se perdendo até para mover seu rosto para o lado.

— Desculpe em te informar, mas você não está em condições. – Jin fala ao fundo. – Volta para cama, esfria a cabeça e descanse.

— Estou perdendo tempo. – Dizia com a voz estranha, os lábios grudados no piso gelado. – Cazeaje vai saber da minha volta e planejará algo.

— Não, ela não vai fazer. – Debruça sobre o apoio da cadeira, observando o amigo no chão. – Primeiro, que após essa confusão no Conselho, os demais estão de olho nela. Se Cazeaje tentar algo com você, todos saberão.

— Como pode ter tanta certeza? – Tenta vira o rosto, desistindo ao não encontrar forças.

— Adel está na cidade. Todos os passos de Cazeaje estão sendo observados por ele. O que Astaroth queria provocar, deve estar funcionando.

Não discorda do pensamento do ruivo. Mesmo sabendo da presença de outro líder, o único quem podia confiar, não conseguia se sentir seguro. Nas condições que estavam não conseguiria revidar um ataque de Cazeaje, mas como Jin mencionou, também não poderia atacar.

O som do suspiro sai alto ao bater contra o chão. Um sorriso é aberto no rosto do ruivo.

— Enquanto isso, pense num jeito de resolver seu problema com a Elesis. – Sugere, levantando-se para ajudar o ninja. – Não consegui conversar com ela, mas sei que está tão mal quanto você.

Seu rosto descola do piso. Usa Jin como apoio para voltar à cama, o conforto do colchão sendo um grande agrado.

— Eu não queria machuca-la. – Menciona Lass. Abaixa o rosto com o olhar do ruivo sobre ele. – Não deveria ter feito aquilo.

— Então por que fez?

— Se eu não fizesse, o arrependimento seria maior. – Não gosta de admitir.

Lass se encolhe, as mãos feridas se fechando sobre a nuca enquanto tentava se esconder de alguma coisa. Consegue esquecer Astaroth, porém lembrar de Elesis não torna seu estado melhor. A dor de ter a machucado era maior que as próprias que tinham. Os diversos cortes não curados ardiam, sua costela partida era insuportável, mas tudo isso eram apenas detalhes.

— Astaroth tinha razão. – Diz Lass. – Eu que sairia machucado, não ela.

— Lass... – Entende o sofrimento do rapaz.

— Não deveria ter achado que tudo ficaria bem, foi um pensamento idiota. – O jeito que seus lábios ficam não é considerado um sorriso. Era mais tristeza que felicidade em sua face. – As coisas seriam melhores se eu não tivesse feito aquilo.

O punho do ruivo arde quando se encontra com a face de Lass. Agiu tão rápido que nem o próprio ninja consegue prever o movimento. Cai de lado na cama, confuso pelo que ocorreu.

Jin o pega pela gola da camisa e puxa até que seus olhos se encontram. Por um momento, Lass confunde o lutador com Elesis pelos olhos furiosos e cabelos vermelhos, a diferença de altura fazendo mudar esse pensamento.

— Se vai se lamentar por algo que fez, é melhor me avisar antes, porque não estou com vontade de ouvir isso pela décima vez. – O gentil Jin desaparece com a voz rouca de raiva do ruivo. – Por que acha tão errado amar a Elesis? Pelas chamas? Isso não é motivo, e sim uma desculpa por ser um covarde, Lass!

— O que aconteceu com você? – Pergunta, mais surpreso que assustado.

— Eu que pergunto para você! O que aconteceu com o Lass que faria de tudo para trazer sua amada de volta? Eu não vejo. – Olha em volta do quarto como deboche. – Lamentar a morte do Astaroth, tudo bem, mas isso?! Por favor!

O ninja é empurrado ao ser solto. A postura séria de Jin permanece, esperando por uma resposta dele.

— Elesis não vai querer me ver. – Diz Lass.

— Isso nunca te impediu de chegar perto dela. – Aponta no meio da face do mesmo. – Pelo contrário, sempre foi um motivo para você continuar persistindo. Agora que tudo está dando certo, você quer desistir?

— Você não entende o que eu fiz. Elesis está mesmo...

— Blá blá blá! – Balança o corpo, as mãos formando fantoches infantis. Volta a encarar o amigo. – Lass, não importa o que você tenha feito, irá até a Elesis e conversará com ela. E se voltarem a brigar, eu mesmo serei o responsável pelos hematomas que ganharam. Entendido?!

A ameaça é real. O antigo Jin nunca seria capaz de agir e falar dessa maneira, mas o de agora demonstrava determinação nas palavras. O que Cazeaje tivesse feito com ele, mudou completamente suas atitudes.

Havia gentileza, mas não da mesma forma.

— Acho que sim. – Concorda Lass. – Antes de tudo, preciso resolver meu problema com a Elesis, isso é, descobrir de vez sobre o passado dela.

— O quê?

— Acho que sei como resolver esse problema com Gerard. – Dizia com empolgação. – E se eu descobrir, tudo isso acaba.

— Está querendo dizer que...

Pela primeira vez no dia, Lass sorri, embora fosse de um jeito misterioso. Bate com a ponta dos dedos no lábio, seus pensamentos se formando em um plano perfeito. Após voltar do passado, diversos mistérios foram parcialmente descobertos. Seu principal alvo era a guilda de Elesis, o lugar onde descobriria tudo que procurava.

Se descobrisse que Gerard era inocente, poderia provar a espadachim e, finalmente, se focarem em um só alvo: Cazeaje. Com a morte de Astaroth, Lass acha uma razão maior para enfrentar a líder, usar as chamas como deveriam ser usadas. Ela tirou algo de importante da sua vida, era a vez de ele tirar a dela por completo.

— Certo, mas antes você precisa descansar. – Jin volta a repetir.

***

O clima começava a ficar agradável, o frio diminuía com a brisa leve que batia contra sua face. Seus cabelos voavam, voltando a bater contra seus ombros no fim. A sensação não durava tanto quanto esperava, era obrigada a despertar e se encontrar no tormento novamente.

As pernas da espadachim não aguentam, tremem e seu corpo despenca em seguida. Para evitar a queda, segura a beirada da janela e a solta lentamente. Caída no chão do quarto, olha em volta para achar algum apoio para se locomover.

— Sozinha como sempre. – Comenta para si. – Justo.

Toma um rápido fôlego antes de se levantar. Suas pernas estavam fracas, a dor dos machucados tornando a situação pior. Volta a se agarrar na janela, sua única companhia no momento. Lentamente, soltava a beirada e usava as paredes para se movimentar até a cama, caindo sentada sem que conseguisse evitar.

Olha para suas pernas enfaixadas, a parte do corpo que mais possuía curativos. Seus braços não tinham tantos, com exceção de suas mãos que precisaram ser cobertas por fitas para esconder os ferimentos nos nós dos dedos. Fez isso não por precaução, mas para não lembrar de Lass toda vez que olhava. Não se sentia bem e gostaria de ignorar essa sensação enquanto isso.

Persistente, volta a se levantar, saindo do quarto. Não aguentava a solidão e o silêncio do local, precisava de vozes para serem ouvidas, assim teria certeza que estava sã. Após voltar, sua mente não agia como antes, era confusa e cheia de memórias do passado. Lembrar de seu pai era mais doloroso que pensava.

Outra dor era saber que suas amigas estavam ocupadas demais para saberem se ela estava bem. Quando chegou todas se preocuparam, perguntaram como estava. Elesis mentiu, sabendo que elas compreenderiam seu pedido para ficar sozinha por um tempo. Elas deixaram; até demais. Queria companhia, conforto e um pouco de apoio.

— Arme? – Fala a garota que Elesis pergunta. Queria encontrar a maga. – Está no jardim.

— Valeu.

Suspira. Se quisesse encontrar sua amiga teria que descer escadas, sua principal inimiga ultimamente. Quando chega no começo do degrau, segura firme o corrimão e desce com todo cuidado. Se caísse seria pior para suas pernas, dores aumentariam. Não aguentava mais todo esse sofrimento.

Consegue chegar no primeiro andar, as paredes próximas sendo um alívio. Anda para o lado de fora, seus passos diminuindo quando não encontra apoio no jardim. É mais cuidadosa quando percebe que a queda será mais dolorosa sem algo para se segurar. Por isso, anda pelo gramado para que se caísse, seria na terra macia.

Olha para o lado quando nota uma cor forte diante o jardim. Vermelho. Para de andar, seus cabelos ruivos voando sobre sua face. Não pensa duas vezes antes de se dirigir naquela direção, atrás da grande árvore do jardim. Ao chegar perto, coloca a mão sobre o tronco e move seu rosto lentamente para a cor vermelha.

Elesis fica surpresa. Não esperava encontrar Jin, muito menos com a presença de Amy. Pareciam íntimos pela aproximação de seus rostos, os lábios quase colados. Não notam a ruiva ali, seus olhos fechados eram um dos motivos. Elesis tenta sair sem causar barulho, mas até o amassar da grama desperta Jin.

— Elesis? – Fica surpreso, enquanto a espadachim começava a se desculpar, envergonhada.

Amy olha para a amiga, sorrindo sem se afastar do rapaz.

— Está melhor, Elesis. – Dizia a jovem. – Já consegue sair do quarto sozinha.

— E-Eu não queria atrapalhar. – Fala a espadachim, nervosa. – Desculpa.

— Tudo bem, não se preocupe. – Jin não parece envergonhado, como esperava. Ele agia naturalmente, como se estivesse acostumado. – Fico feliz em te ver. Já estava indo no seu quarto.

A ruiva observa a cena, sem saber o que dizer. Lembra de todos momentos que se encontrou com o ruivo e viu seu rosto ficar da cor de seu cabelo, mesmo com uma rápida menção de sua amada. Nesse instante, tão próximos, nenhum demonstrava a reação de antes.

— Vocês... – Aponta. – Estão juntos?

— Mais ou menos. – Responde Amy.

— Desde quando?

— Faz um certo tempo. – Explica Jin, passando a mão no cabelo. – Você e o Lass estavam fora.

Bastante tempo, percebe. Quando voltou e ouviu as notícias por Lothos, não se espantou tanto. Agora que via os momentos que perdeu se sentia mal. Jin esteve sozinho, sofreu por eles e conseguiu demonstrar seus sentimentos para Amy. Tudo isso aconteceu enquanto esteve fora, feliz com a presença de seu pai.

— Que bom para vocês. – Diz sorrindo. – Por que não contaram antes?

— Você não parecia bem, achamos que não era a hora certa. – Fala Jin. – Queríamos te dar um pouco de espaço antes.

— Sei. – Seu pedido de solidão foi aceito, criando um arrependimento quando percebe tudo que perdeu. – Espero que sejam felizes.

Jin se levanta antes que tentasse sair do jardim. Segura seu braço e passa por cima de seu ombro. Não aguentava ver a ruiva sofrer, daria todo apoio necessário para ela.

— Eu vou ficar com a Elesis, depois a gente se fala. – Avisa o ruivo ao se afastar.

Amy não protesta, uma piscadela rápida mostra seu apoio com a ajuda do lutador. Ele sorri, voltando a atenção na espadachim que quase tropeça. Elesis tentava ao máximo não parecer fraca, porém as dores nas pernas a enfraqueciam.

— Não precisa fingir para mim. – Menciona Jin. – Sabe que nunca te acharei fraca, Elesis.

— Não é para você que estou fingindo. – Para de andar, logo o ruivo.

Jin segue seu olhar, entendendo o que queria dizer. Ronan também estava no colégio, mas diferente do lutador, ele vinha para visitar Arme. Pareciam treinar sobre a grama do jardim.

— Ele também se preocupa com você, e muito. – Fala Jin.

— Eu também me preocuparia no lugar dele. – Abaixa o rosto, tomando uma longa pausa. – Como ele está?

— Hum, difícil. Fisicamente ou emocionalmente? – É uma pergunta séria, mesmo que não parecesse.

Elesis olha o rapaz, pedindo para que não dificultasse a situação. Não queria ter feito a pergunta, agora sabia o porquê.

— Apenas responda, Jin.

— Sabe como ele é, os machucados já estão se curando. – Para perto de um banco, descansando Elesis. A ruiva quase se deita. – Mas esse não é o real problema, sabe?

A virada de rosto da espadachim é proposital. Jin permanece de pé à sua frente, encarando à espera da resposta. Elesis esfrega suas pernas doloridas, que eram como um lembrete para a mesma.

— Eu não queria ter feito aquilo. – Diz com a voz baixa. – É difícil explicar.

— Por que eu nunca perdi uma pessoa importante como você? – Elesis o olha pela frieza das palavras. – Eu já perdi, Elesis. Eu considerava essa pessoa como um pai e a perdi. Azin foi o responsável por isso, mas eu aprendi a perdoa-lo.

Esquece sobre o passado de Jin ao pensar que seu sofrimento era único. O ruivo passou por uma situação parecida com a dela, mas nunca demonstrou remorso, apenas uma única vez. Diferente de si, Jin não se prendeu ao passado como ela.

— Você me ensinou a perdoar. – Continua o ruivo. – O que é engraçado, porque você mesma não consegue.

— É complicado.

— É mesmo ou você que torna complicado? – O novo Jin espantava Elesis, as respostas diretas e rápidas. – E como você fez comigo, Lass tenta fazer com você. Ele quer te ajudar.

Vira o rosto novamente.

— Gerard é como o Azin, apenas são mal-entendidos.

Elesis torna o rosto para ele, os lábios entre abertos. Fecha os punhos sobre o colo, controlando a respiração. Tenta evitar, mas suas sobrancelhas se juntam.

— Não compare Azin com esse cara. Não conhece Gerard para dizer isso.

— Mas eu falei com ele. – Pretendia não contar, mas a situação pediu. – Consegui compreende-lo.

— Quando você conversou com ele? – Inclina o corpo, segurando o banco com força. – E por quê?

— Ele veio até mim para me avisar sobre Cazeaje. Se fosse o cara que você tanto fala, teria me matado.

— Por que você e o Lass vivem falando isso? – Pergunta indignada. – Não conviveram com ele, não sabem o homem que ele foi.

— Mas sabemos o homem que ele é agora. – Jin rebate.

Elesis se recosta no banco. A firmeza que teve nas palavras do ruivo é intensa, criando um certo efeito na espadachim. Fica sem o que dizer, guardando a raiva para si.

— Eu te ouvi quando você falou do Azin uma vez comigo. – Continua Jin. – Eu achei que era impossível ele ser inocente, até dar uma chance. Posso não ser o melhor amigo dele hoje, mas também não o considero mais como um inimigo.

— Você acha que eu devo fazer o mesmo com o Gerard? O homem mais procurado de Ernas?

— Não. – A ruiva olha confusa. – Primeiro você fala com o Lass, depois ouvirá o que ele tem a dizer sobre o Gerard. Só existi uma pessoa nesse mundo que deve sofrer, e o seu inimigo atual não é essa pessoa.

Nunca pensou na hipótese de se encontrar com Gerard e falar, nada além disso. Toda vez que o via era um ataque de fúria que despertava em seu corpo. Não conseguia controlar seus impulsos, eram naturais.

Olhava para o ruivo e vinha a lembrança de seu pai morto. Por isso não conseguiu se controlar ao vê-lo no passado. A chance de tirar sua vida naquele instante foi feroz, dizendo mais alto que tudo. Resultando na briga com Lass e todo o resto.

— Tentarei falar com ele. – Diz sem ânimo.

— E não seja egoísta. Lass está mal com a morte do Astaroth, ele precisa de um apoio no momento. – Finalmente, seu sorriso largo se abre. – O seu, especificamente.

Egoísta. Essa palavra continuava a incomodar.

***

Mesmo após a chuva que tomou dias atrás, restos de sangue seco permaneciam sob as unhas e na sua bota, que apenas foi vista antes de entrar no banheiro. A água cobria seu corpo e com a fumaça que soltava embaçava sua visão. Sua pele queimava com o calor que causava, mas era preciso para tirar todo tipo de sujeira que se encontrava em seu corpo. Todas.

Olha para as próprias mãos, vendo algumas feridas que ainda se curavam. O vermelho dos arranhões lembrava o cabelo da espadachim. Fecha o punho como seus olhos.

Não fique assim. ­— Dizia as chamas – Ela mereceu.

— O problema não é esse. – Pressiona as palmas em seus olhos. – Eu quase perdi o controle.

É, quase. Que pena.

— Era isso que queria? Achei que existisse um trato entre nós. – Abaixa as mãos, levando-as até seus cabelos. Joga para trás, sentindo que estavam maiores.

Ah, mas existe! Eu cumpri minha parte, até você começar a perder o controle por si próprio. — Mesmo não o vendo, sentia as chamas jogarem os braços para o lado. – Tecnicamente, você que me colocou no controle. É claro que eu adorei isso, não mentirei.

Quem usou as chamas não foram as próprias, mas o ninja pela raiva tomada. Era para se proteger, poder ficar no mesmo nível de combate que Elesis. Porém, quando percebeu, sua mão estava erguida e Jin o abraçava por trás. Como o ruivo disse, o que teria acontecido se não tivessem chegado?

Sai do banheiro quando se sente menos sujo. O frio do quarto o estremece, cruzando seus braços para tentar se esquentar.

Ouve um miado.

Seu querido felino branco estava sobre a cama, o rabo se mexendo como uma onda suave. As pupilas dos olhos azuis do animal estavam grande, feliz em ver seu dono sai do banheiro. Lass ri sem jeito, tendo esquecido de dar comida para o mesmo.

— Desculpe, estava muito ocupado hoje. – Dizia, aproximando-se da cama. – Precisei arrumar algumas coisas para a viagem.

Tinha se decidido. Não preferiu pensar muito sobre o assunto, se quisesse resolver tudo precisava ser o mais rápido o possível. Até o momento, Jin era o único que sabia sobre sua viagem, que ocorreria nessa noite. Não levaria uma mochila, sua katana era a única ferramenta que precisava.

Fazendo um cafuné nas orelhas do gato, Lass percebe um detalhe importante.

— Ah, você vai ficar sozinho. – Abaixa o olhar. – De novo.

Soube que foi Zero quem cuidou do felino durante todo esse tempo. Pelo visto, ele tinha saído do quarto por fome e se encontrou com o rapaz. Precisava agradecer a ele por isso.

— Não sei se voltarei cedo dessa vez. Preciso te deixar com alguém.

Confuso pelo seu dono, gira a cabeça para o lado. Lass sorri. Esse jeito de expressar era parecido com alguém.

— Acho que sei quem pode ficar com você.

***

— Tem certeza que pode ficar sozinha, Elesis? – Pergunta Arme.

Apesar de pequena, era um bom apoio para a ruiva. Seguia pelo corredor com a ajuda da maga, já que quando estava sozinha não conseguia ficar sem se desequilibrar. Tinha sido recomendado usar muletas para se locomover, mas o orgulho falou mais alto.

— Você precisa estudar para as provas. – Explica Elesis. – E as magias não se aprenderão sozinha, não é mesmo?

— Mas você vai ficar sozinha. Lire saiu com o Ryan, então não terá ninguém para te ajudar. – Dizia preocupada.

— Eu sei cuidar de mim mesma, Arme. – Param de frente ao quarto. Solta a maga e segura a  maçaneta, logo se apoiando na parede. – Se eu tiver algum problema, eu te chamo. Pode ser?

Ela fica pensativa para a surpresa da ruiva. Felizmente, a resposta é rápida.

— Certo. – Aponta para Elesis. – Qualquer problema e me chama! Uma dor ou uma coceira, me chame.

— Tá bom.

Arme fica no lugar, partindo com um suspiro. Sua amiga era teimosa e temia que ela se machucasse ao ficar sozinha. Porém, precisava ter confiança, mesmo que fosse um pouco.

Elesis entra no quarto quando a maga se vai. O sorriso que forçava some sem dificuldade. A porta se fecha, sua animação também. A cada dia, seu estado piorava e toda positividade que tinha sumia pelas quedas. A luta que teve exigiu muito das suas pernas, e seu corpo em si. Enquanto isso, algo mais intenso crescia em seu peito.

De repente, o frio que sentia some quando um calor passa por entre suas pernas. Olha assustada, recuando com dificuldade. Quis rir ao ver de quem pertencia o calor que se deitava em seus pés.

— O que você faz aqui? – Pergunta Elesis.

Pega o gato, abraçando a criatura perto do rosto. O calor que emanava causa um sorriso sincero na ruiva. Fazia tempo desde que viu o felino e sentiu sua pelagem fofinha. No momento, essa era a única presença que a fazia se sentir bem.

Ao contrário de outra que sente. Seu sorriso desaparece ao encarar Lass à frente. Ouviu o mesmo entrar pela janela aberta, já tinha se acostumado com esses pequenos ruídos que suas botas causavam.

— Achei que ele gostaria de te ver. – Menciona o ninja. – E também, faria bem a você.

Elesis assente, esquivando seu olhar. Como de costume, o gato notava a mudança de clima no local entre os dois. Olhando confuso, seu rabo se mexia lentamente.

— Queria que ficasse com ele durante esses dias. – Fala Lass, não aguentando o silêncio. – Alguém precisa cuidar dele.

— E onde você estará? – Elesis percebe algo de diferente no rapaz. – Não irá fazer o mesmo que Astaroth, ou vai?

— Não sou idiota como ele. – Responde sem demonstrar incomodo pela citação do professor. – Estarei saindo, não sei quando voltarei. Por isso, quero que cuide dele.

— Sem problema. – Continua o desconfio. – Pode contar para onde estará indo?

Lass enfia as mãos nos bolsos, fugindo da pergunta. Seu silêncio é a resposta que não gostaria de ter. No entanto, não persisti, fingi não se importar para amenizar a tensão.

Suas pernas começam a cansar, deixando a mesma nervosa. Solta o gato no chão, seu peso ajudando a continuar firme diante Lass.

— Precisamos conversar. – O ninja não consegue evitar. – Por favor.

— Não estou no humor para isso.

— Nem eu, mas é preciso. Só quero esclarecer algumas coisas.

Dá um passo à frente, diminuindo a distância que tanto incomodava o rapaz. Para, notando o pé da ruiva desliza para trás. Recua com um pesar no peito.

— Me desculpe. – Fala com total clareza. – Não deveria ter usado as chamas, a princípio. Achei que tivesse o controle, mas me enganei.

— Veio se desculpar apenas por ter usado as chamas? – Levanta uma sobrancelha.

— Eu não me arrependo pelo resto. Eu não poderia deixar você fazer aquilo.

— Se estivesse no meu lugar faria o mesmo.

— Não, eu não faria. – Rebate no mesmo instante. – Eu me importo com os meus amigos e não conseguiria fazer isso com eles.

Um estalo com a língua sai da boca da ruiva. Sabia que ela se incomodava quando lembrava esse detalhe tão importante e delicado.

— Matando Gerard, ainda teria Cazeaje. – Lembra Lass. – Que é bem mais complicada de se lidar.

Poderia concordar com isso. Era difícil distinguir qual era o pior: Gerard ou Cazeaje? No final, sempre escolhia Gerard pelo que fez, porém a líder não ficava atrás com seus planos manipuladores. Se pudesse, viveria em um mundo onde nenhum dos dois existissem.

— Quer minhas desculpas também? – Fala Elesis, encarando-o. – Certo, desculpa. Mas não mudo de ideia, se acontecesse de novo, faria a mesma coisa. É uma forma de trazer meu pai de volta, nunca negaria.

— Mesmo vinda do Gerard?

Não consegue responder. Remexe os lábios, os punhos se fechando.

— Se veio só por isso, já pode ir. – Disse, áspera. Lass não se move. – Cuidarei do seu gato, não se preocupe. Agora vai! Adeus, Lass!

Ele se move em sua direção. Estica a mão, recuando.

— Pare, eu... !

Suas pernas perdem a força e a dor é gerada por todo seu corpo. Morde os lábios enquanto caía, as mãos preparadas para se encontrarem no chão.

Os braços de Lass contornam sua cintura antes, evitando a queda. A ajuda se torna em um abraço, o rosto do rapaz encostando seu ombro e as mãos passando por suas costas. Como uma ação automática, usa o pescoço do ninja para se segurar.

— Pode me soltar. – Fala Elesis, sem jeito com a situação.

— Suas pernas ainda estão fracas. – Sobre seu ombro, via seus membros sem a força necessária. – Não está descansando direito.

— Não fale como se fosse fácil ficar sentado o dia inteiro. – Resmunga. – Se eu ficar parada, as dores são maiores.

— E ficar caindo não dói também?

— Um pouco.

Não era esse tipo de dor que Lass menciona. Suas quedas demonstram mais que uma fraqueza nas pernas, o que faz Elesis mentir. Não gostava da situação que estava, muito menos contando o quão difícil era lidar com suas caídas.

— Quando eu voltar, prometa que me ouvirá. – Fala Lass.

— Ouvir o quê?

— Apenas prometa.

Afasta seu corpo para olha-lo. O rapaz parecia determinado de uma certa forma, sério com um tom triste. Elesis não entende, o nervosismo a impedindo de responder.

— Para onde está indo, Lass?

— Contarei quando voltar. – Abre um frágil sorriso para acalma-la. – Apenas confie em mim.

Por que não se sentia bem com essa despedida? Não considerava como uma, mas não tinha um bom pressentimento. Era estranho, já que não vinha preocupação por Lass, e sim por si própria. Para o lugar que o ninja estivesse indo seria melhor que ao seu lado, sentia.

Suas mãos deslizam para o rosto de Lass, sentindo sua pele já curada de hematomas ou feridas causadas por ela.

— É melhor que esteja de volta. – Diz a espadachim. – Inteiro, de preferência.

— Estarei para saber a sua resposta. – Seu sorriso aumenta.

Aproxima seu rosto, sentindo a respiração próxima da ruiva. Ela ainda segurava seu rosto enquanto o olhava. Sentia o nervosismo da mesma em qual decisão tomar, continuar a olha-lo ou...

Elesis o beija. As mãos no ninja deslizam por suas costas e puxam contra o corpo dele. Tenta usar suas pernas em apoio, a dor a impedindo que se movimentasse. Lass nota sua dificuldade e a ergue sem dificuldade. É guiada pelo ninja que a leva até a cama para se sentar. Suas pernas descansam, ignorando enquanto puxava o rapaz.

— Espere... – Pede Lass contra os lábios.

Elesis o olha, confusa.

— Não agora. – Explica. – Nesse estado, acabarei te machucando mais.

Diferente do ninja, Elesis continuava com o corpo ferido da luta. Qualquer contato com alguma parte machucada do seu corpo e a incomodaria. Queria evitar esse desconforto na mesma.

— Já passei por coisas piores. – Fala Elesis, ofendida.

Lass segura seu rosto ao se aproximar.

— É, mas não passou por mim ainda. – Disse antes de beija-la.

Como falou, não queria machuca-la. O beijo é gentil e rápido, afastando-se da ruiva.

— Preciso ir agora. – Diz Lass. – Quanto mais cedo, melhor.

Elesis permanece em silêncio, observando o ninja se despedir de seu gato. O felino parecia saber que ele iria viajar, miando para o mesmo. Sorri enquanto acaricia sua pelagem branca. Como ele, a ruiva não se sentia bem com sua ida.

Encara suas pernas enfaixadas, sabendo que todo seu corpo estava na mesma situação. Toda a força que construiu foi desperdiçada pelo seu orgulho, sua maior fraqueza. Tudo que restou foi um corpo frágil que nem aguentaria o contato de Lass. Possuía as quatro chamas e nenhuma fazia mais diferença. Estava destruída.

O que restava?

Olha Lass. Ainda restava mais uma opção.

A principal.

— Lass.

— Hum?

Acena com a mão para que se aproxime. O rapaz faz um último contato com seu gato e se dirige a ruiva. Antes de chegar perto, Elesis levanta em um impulso contra ele. Contorna seus braços no pescoço do ninja e o puxa para um último beijo. Sente sua surpresa, que é esquecida ao retribuir.

Com o rosto próximo, Elesis se aproxima de sua orelha e sussurra em um tom sedutor:

Venha.

Permanece de olhos fechados após falar. As mãos de Lass em sua cintura continuam delicadas, porém se tornam pesadas quando sente aquela estranha sensação familiar. É puxada contra o corpo do rapaz, afastando seu rosto rapidamente.

— Chamou, querida? – Seu tom é rouco como seu sorriso largo com dentes pontudos.

Antes, teria ficado intimidada sob o olhar de sangue das chamas. Mas tudo mudou com o tempo e a ruiva não temia mais a insanidade que tomava conta do corpo de Lass.

— Não achei que fosse tão prático assim. – Comenta Elesis. – Pensei que teria que matar o Lass para isso.

— Ah, não! Eu disse que viria quando me chamasse. – Apoia a mão no peito. – Aqui estou eu.

— Então poupando tempo, já sabe por que te chamei aqui.

— Está mesmo disposta a isso? – Aproxima o rosto, encarando de perto a espadachim. – Aceita todos os termos de uso?

— Eu já tomei minha decisão há muito tempo. – Dizia determinada, com isso, bate com a testa contra as chamas, fitando seus olhos vermelhos. – Estou disposta a isso.

Elas riem, uma gargalhada desafinada. Lambe os lábios pela atitude da ruiva.

— Lass não vai gostar nada quando souber disso.

— E ele não saberá.

— Então tá. Antes, preciso deixar alguns avisos.

Toma um grande susto ao ser empurrada na cama. Ao se sentar, as chamas param à sua frente, o corpo inclinado sobre o dela.

— Não terá tudo de mim, te darei o suficiente para continuar viva e poder usar mais tarde.

— Eu quero mais.

— Hã?

— Pode me dar mais que o suficiente. Quero me curar rápido, então preciso de mais. – Dizia naturalmente, sem temer às consequências.

As chamas sorriem em aprovação.

— Continuando. Quando me tiver, não me use muito, isso poderá fazer seu corpo chegar no limite mais rápido. E sim, não importa se é minha dona, continua valendo.

— Acabou?

As mãos quentes cobrem suas bochechas. Elesis sente o calor aumentar, o poder entrar por seus poros.

— No começo, você desejará morrer. – É seu último aviso antes de beijar Elesis.

Apesar disso, ela retribui.


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Notas finais do capítulo

Review?
* Acho que ficou bem óbvio o que aconteceu no final, né? Se não, leiam de novo o arco do circo que tará explicando isso lá!
* Eu disse que teria Jin e Amy. VLAU! Jin e Amy assim, direto e na cara! hahah
* Muitos acharam que o Lass saria a louca pela morte do Astaroth, mas eu preferi não escolher isso porque não combina com o personagem. Lass é muito racional, diferente da Elesis que atacaria o Conselho sem pensar duas vezes. Mas relaxem, ainda terá o Lass radical por aí!
* No final, iria rolar alguma coisa a mais entre o Lass e a Elesis? SIM. Ai vocês devem tá querendo me matar, ou o Lass mesmo! A culpa é dele!
* Quantos capítulos faltam até o final da fic? Olha, esse arco não será grande, então prevejo no máximo uns 5 capítulos. Mas terá um que será BEM grande, que pode valer como dois capítulos!