Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 53
"À Procura de Um Sinal"


Notas iniciais do capítulo

Hoje deixo aqui um obrigada especial às sete meninas que recomendaram esta história. Ela não é somente minha, é também de todas vocês que lêem, que acompanham, que comentam. Muito obrigada a todas e a cada uma de vocês, espero não decepcionar.



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Os minutos parecem horas. A sensação de que se passou uma eternidade rodeia Edgar. De banho tomado e roupas limpas e secas, despido do paletó e envergando no semblante um imensurável peso, o advogado aproveita a distração de Francisco e Melissa com o trem que percorre lentamente os trilhos do quarto do menino e dirige-se à sala. De costas para a escadaria, Matilde continua compenetrada no telefone mudo que ornamenta o móvel à sua frente sendo somente despertada pela voz inquieta de Edgar que se aproxima.

Edgar: Matilde! Alguma notícia da Laura?

Matilde: Dr. Edgar! – exclama tomada pelo sobressalto. – Desculpe, estava distraída, não o vi chegar mas não, até agora nada.

Edgar: Mas não é possível que a Laura não tenha chegado nem enviado um recado – fala claramente preocupado levando uma das mãos aos fios loiros que lhe caem sobre a testa. – Vou telefonar à Isabel, Laura tem que estar com ela.

Dito isto, Edgar lança-se sobre o móvel e toma nas mãos o aparelho solicitando de imediato à telefonista ligação para a residência de Isabel Nascimento. A demora na resposta do outro lado da linha aumenta cada vez mais os nervos eletrizantes de angústia que se apoderam sem piedade do rapaz pelo que, ao som da saudação de Isabel, o corpo de Edgar responde emitindo um leve espasmo e a boca pronuncia a mingua o cumprimento da praxe. Sem demoras ou rodeios desnecessários, o jovem inicia as questões do telefonema, inquirindo a moça sobre o paradeiro de Laura. A par do silêncio aterrador que os uivos do vento gritam à janela, o rosto de Edgar vai perdendo os tons naturais, os fios de cabelo que arrumara ainda há pouco voltam a cobrir-lhe parcialmente a testa, os olhos fixam-se no vazio da parede e as mãos procuram nos dedos a firmeza de que necessitam para continuar a segurar as duas peças do telefone. As palavras de Isabel não só não trazem novidade alguma como desvendam por detrás do porte forte e másculo do advogado um terror pavoroso apoderar-se de si. Repentinamente assolado pela inércia, Edgar sente-se preso como se as raízes de uma árvore lentamente o tomassem para si e, num gesto previsível pelo pânico que traz estampado na face, o telefone escapa-lhe pelos dedos indo bater violentamente no duro chão aos seus pés. Nem o clamor de Matilde, que assustada e em vão tenta chamar o patrão à razão, o libertam de imediato deste devaneio.

Matilde: Dr. Edgar, Dr. … – chama num agito ensurdecedor esforçando-se por manter a curta distância que a separa dele. – O que houve com a D. Laura? Dr. Edgar, está me ouvindo? – interroga continuamente.

Edgar: A Laura… ela não… a Isabel disse… ela não sabe… – murmura com a voz entrecortada e aflita. – … A Isabel não viu a Laura hoje… ela desa… – prossegue tentando constatar o fato que tanto o atormenta – a Laura desapareceu!

Em choque com a revelação e o estado aturdido do jovem, Matilde ampara-lhe a letargia dos movimentos acalentando-lhe o desespero com o calor das palavras que o tremor domina quase por completo.

Matilde: Tenha calma Dr. Edgar. Talvez a D. Laura esteja ainda na casa dos pais. Porque não telefona para lá? – sugere agachando-se enquanto recolhe o telefone do chão e o devolve ao posto inicial.

Edgar: Não, eu vou até lá. Se Laura está bem e não avisou sobre a delonga é porque algo errado se passou. O telefone dos Assunção pode ter avariado, não sei… eu só sei que a minha mulher sumiu e eu não passo nem mais um minuto aqui sem ter notícias dela – afirma enchendo-se de coragem e determinação à medida que recupera um pouco o prumo e enxuga os olhos marejados. – Matilde fique com as crianças, por favor. Se perguntarem por mim diga-lhes que surgiu um imprevisto mas que não me demoro.

Tal como está, em mangas de camisa e sem perder tempo buscando a formalidade do paletó, Edgar apressa-se para a saída e, debaixo de um intenso temporal que insiste em não dar trégua, conduz no auge da velocidade o lento automóvel em direção à residência dos sogros. Não será preciso dizer que a demanda se mostra infrutífera. À hora que Edgar rompe pela sala dos Assunção atendido por Albertinho que tão pouco conhece o paradeiro de sua mãe e irmã, D. Constância e o seu fiel capacho seguem ainda no abrigo do automóvel que as trará a casa breves instantes após a partida desnorteada do advogado.

A esmo, assim Edgar se afasta da derradeira esperança em encontrar sua esposa, cujo pouso segue incerto e desconhecido. Todo o percurso de volta a casa lhe parece mais longo do que o normal e aromatizado com um intragável azedume que lhe percorre os sentidos. Não se permite, contudo, chorar! O nó na garganta seca-lhe a boca e sufoca-lhe as palavras e os pensamentos mas o olhar, inundado de uma manifesta aflição e vazio de discernimento, é quem melhor espelha o estado de alma do advogado.

Entra em casa a passo lento, contrário ao modo como saíra e, é ainda na sala, que avista Matilde em inglórias tentativas para convencer os pequenos a recolherem-se. Tanto Francisco como Melissa persistem na birra e, de pijama e semblantes sisudos e impacientes, cruzam os mirrados bracinhos ao fundo da escada, repetindo sonoramente a causa da refuta.

Francisco: Só vamos dormir quando o papai e a mamãe voltarem.

Melissa: E depois de contarem um história!

Porém, ao notarem a entrada do progenitor, correm para ele como haviam feito horas antes, indo encontrá-lo igualmente humedecido pela chuva e visivelmente lívido. Desta vez Edgar toma-os nos braços sem reservas, deixando-se prostrar de joelhos no chão para receber os filhos como quem tenta neles esconder todas as penas do dia. A face ganha tons e contornos distintos, alastrando o paradoxo sentimental que a força da farsa sobre as crianças teima em perpetuar mas, num relance certeiro e digno da mais pura eloquência, Edgar fita Matilde comunicando-lhe o resultado do inútil périplo. Depois, sentindo-se já recuperado da prisão em que a voz se tornara, anuncia a desculpa que maquinara durante o trajeto.

Edgar: Hoje seremos só eu e vocês dois contando e ouvindo histórias e dormindo em seguida. A mamãe vai ficar na casa da tia Isabel por causa do temporal que cai lá fora mas amanhã, eu prometo – reforça esboçando um sorriso partido camuflando a mentira – Laura estará de volta.

A força da promessa serve-lhe de consolo pela noite não dormida que o aguarda. Interiormente implora pelo silêncio das crianças, pela inexistência de questões para as quais não tem resposta nem vontade de recorrer a invenções. Dispensa alimento e cuidados de maior, focando todas as atenções externas naqueles dois pequenos seres a quem a tenra sabedoria da infância poupa da dolorosa realidade e, de mãos entrelaçadas num e outro, Edgar sobe lentamente os degraus conduzindo Francisco e Melissa aos respetivos quartos. Não chega a concluir o conto, tamanha é a rapidez com que adormecem e após velar por breves segundos o sono dos dois, procura na placidez do cómodo principal, a presença imaterial de Laura. Detêm-se à entrada, empedernido na moldura da madeira da porta enquanto percorre com os olhos cada canto daquele refúgio como quem espera na firmeza da visão achar o bem perdido.

De olhos bem abertos, refletindo neles a amargura incrédula pelo que lhe sucedera, Laura encara a brancura do teto, tão efetiva e demarcada que finge encher de luz o desconfortável e aterrorizante cubículo onde a jovem se acha embalsamada pelas correntes que a prendem à cama. O choro soluçado cessou sem saber nem quando nem como mas as lágrimas, essas continuam a abrir caminho por entre as laterais da face, desenhando ligeiras curvas junto à orelha antes de se precipitarem num caudaloso rio que o travesseiro vai absorvendo aos poucos. Naquele teto não há espelhos, nem nas paredes, nem no chão nem em canto ou lugar algum deste insalubre espaço porque espelhos não são permitidos já que deles se poderia valer um dos tantos pacientes que ali internado ainda conserva uma réstia de sanidade. Mas, espelhos houvesse, nem neles seria impressa com tanto pormenor e determinação a imagem de Edgar que Laura mira no teto numa extensão tão ampla quanto o alcance máximo que a vista lhe permite. É uma imagem feliz, em que os lábios carnudos e avermelhados pelo sangue que neles pulsa sorriem e os olhos brilham ofuscando as próprias estrelas. A quimera proporciona a Laura o alento que necessita mas a noite mal começara e o cansaço dá sinais de abatimento, manchando pouco a pouco a ilustração.

Uma vela acesa em chama alta mistura as fragrâncias que povoam a atmosfera do quarto, tolhendo o aroma do alecrim que jaz num jarro em cima de uma das mesinhas de cabeceira e confundindo o perfume de Laura que Edgar sente proveniente do tecido da camisola de cetim estendida sobre o leito. Em pé, de frente para o objeto do seu delírio, o advogado abotoa a camisa do pijama parando a mão esquerda no peito onde o coração bate descompassado à medida que a chuva acirra o céu e a razão vai dando espaço ao pior dos presságios. As horas passam, o temporal abranda mas as emoções exacerbadas apoderam-se de Edgar em toda a plenitude e, numa das incontáveis voltas que dá pelo cómodo, concentra a raiva na poltrona que faz companhia ao toucador e, de uma só vez, arremessa-a contra o armário despejando assim o turbilhão de sensações e sentimentos que o vem corroendo de dentro para fora. O impacto dos móveis tem o mesmo efeito de uma rolha que liberta a pressão de uma garrafa e finalmente os olhos do jovem enchem-se de água e Edgar chora sem vergonha nem controlo porque a bravura perdeu-se faz tempo e o medo é muito maior do que qualquer regra ou imposição social sobre os sentimentos de um homem.

Quando desperta, vê-se deitado no tapete do chão ao lado da cama, aninhado em si mesmo. Não sabe quanto tempo terá decorrido, o pouco ou muito que terá dormido mas a certeza de um novo dia, de céu claro e azul e brisa amena, rompe através dos vidros da janela arrepiando-lhe o corpo dorido e fatigado. Levanta-se, penteia com os dedos os cabelos desgrenhados e confirma as horas no relógio de bolso que abandonara no paletó do dia anterior. É cedo, tão cedo que não terá sucedido uma hora completa desde o nascer do sol mas, mesmo assim, o tempo escasseia e a busca por Laura faz-se premente. Todos os preparos para o início do dia são feitos rapidamente, sem dispensar atenção a pormenores que hoje se mostram desnecessários, Edgar beija as frontes ainda adormecidas dos filhos e escapa à mesa do dejejum que Matilde preparara como habitualmente zarpando porta fora com destino certo.

À porta da delegacia de polícia paralela à Rua do Ouvidor, dois guardas supostamente de plantão resguardam a entrada mas a intempestiva abordagem de Edgar depressa o catapulta para o interior do edifício, precipitando-se subitamente sobre a secretária à qual o delegado Praxedes ainda se acomodava.

Edgar: Delegado, bom dia, perdoe-me entrar assim na sua sala mas o que tenho para comunicar é urgente – dispara beirando o atropelo do discurso.

Praxedes: Bom dia Dr. Vieira! – devolve erguendo-se da cadeira. – Espero que o que o traz por cá a uma hora dessas seja realmente grave, por pouco nem me dá tempo de chegar à delegacia – reclama endireitando o casaco do uniforme.

Edgar: A minha esposa, Laura, está desaparecida desde ontem. Procurei-a em casa de uma amiga a quem tinha ficado de visitar e na residência de meus sogros onde esteve após o horário de almoço mas ninguém sabe dela. O senhor precisa fazer alguma coisa delegado, envie seus homens para vasculhar a cidade, aqui está uma relação das pessoas que nos são próximas – diz estendendo-lhe nervosamente um pequeno pedaço de papel.

Praxedes: Dr. Vieira, eu entendo a sua ansiedade e preocupação mas o senhor é advogado, sabe que não posso iniciar uma investigação sem provas mais concretas de que sua esposa desapareceu de fato. Pelo que me diz ainda não se passaram sequer vinte e quatro horas sobre a última vez que D. Laura foi vista… Acomode-se, conte-me o que aconteceu com calma, os senhores discutiram recentemente? Há alguma razão para uma possível fuga? – interroga naturalmente despertando a ira de Edgar que do lado oposto bate violentamente as mãos no tampo da mesa.

Edgar: Laura jamais fugiria! O nosso casamento é verdadeiro e feliz, não vivemos de aparências e o senhor como pai de Sandra deveria saber disso portanto, deixe-se de insinuações e oficialize a queixa que vim prestar ou eu faço-me valer dos meus conhecimentos como advogado e processo-o por inércia e obstrução à justiça – ameaça berrando desgovernado.

Praxedes: Dr. Vieira acalme-se ou eu serei forçado a detê-lo por desacato à autoridade – responde impondo-se um tanto inseguro. – Em nome da amizade de longa data que minha filha Sandra tem com sua esposa, e porque me sinto solidário perante a sua consternação, vou abrir uma exceção a esse caso e destacar uma patrulha de poucos homens para que verifiquem os endereços que me facultou – informa recolhendo-se no assento da cadeira enfrentando o papel sobre a secretária.

Edgar: Desculpe delegado Praxedes –, fala num suspiro que exige tranquilidade – sei que me excedi e por isso peço que me perdoe. Laura está grávida… – revela deixando escapar um ténue sorriso – só de cogitar a hipótese de que algo nefasto poderá ter-se passado com ela ou com nosso filho eu perco o bom senso.

Praxedes: Compreendo mas agora preciso que me diga se há alguém nesta lista que representa algum tipo de ameaça à sua família, um desafeto recente ou de longa data…

Edgar: Sim, o terceiro nome dessa lista é alguém que há muito assombra a nossa paz e é por onde deve começar… – relata puxando a cadeira vazia ao seu lado – não tenho provas nem indícios de que poderá estar associada ao sumiço de Laura mas, se há no Rio de Janeiro alguém desejoso de causar algum mal em minha esposa, essa pessoa é Catarina Ribeiro.

Praxedes: Pois muito bem, como sabe, uma vez que a diligência será feita fora do abrigo da lei, não poderei mandar meus homens interrogar esta senhora ou tão pouco entrar em sua residência mas garanto-lhe que os porei alerta a qualquer movimentação suspeita. Farei os possíveis por devolver sua esposa à segurança do lar o quanto antes. Assim que tiver notícias mando avisá-lo.

Perante a promessa árdua de Praxedes, Edgar desocupa a cadeira e despede-se cordialmente do delegado a quem, num instante apocalíptico, tivera vontade de agredir pelas insinuações descabidas que teceu a respeito de Laura. Já na rua, move-se taciturno e desnorteado, esforçando-se por camuflar o ar entristecido que o acompanha quando uma voz familiar o chama esbaforido nas suas costas. Ao virar-se, reconhece Guerra que lhe acena efusivamente fazendo-lhe sinal para que o aguarde.

Edgar: Guerra, que bom ver-te meu amigo! Estava indo à tua procura no jornal – conta cumprimentando-o com um aperto de mão.

Guerra: Não contava encontrar-te por cá tão cedo, vi-te sair da delegacia e fiquei preocupado. Aconteceu alguma coisa ou são assuntos de trabalho?

Edgar: Antes fossem… venha, vamos andando que a sensação de impotência que me assola quando estou parado não me permitirá sequer contar-te o que se passa.

O relato dos acontecimentos revela-se difícil pelo peso que a realidade representa na consciência atormentada de Edgar e desta forma vão andando sem direção, pelo tempo suficiente até ao término da prosa. Juntos delineiam possibilidades, traçam hipóteses e cogitam potenciais suspeitos. Guerra, a quem a maior imparcialidade admite ponderar qualquer opção, faz de tudo para tranquilizar o amigo vincando a veia forte e destemida de Laura e a ignorância de Francisco e Melissa que, certamente, esperam impacientes pelo retorno a casa de ambos os progenitores. O que eles no entanto desconhecem, é que por vezes o golpe mais duro vem de onde menos se espera porque, nem sempre o lado mais sombrio da vida é aquele que cobre de trevas a nossa existência.

Quase à mesma hora, quando o sol finalmente vai alto no sopro de tão amotinada manhã e as gotas da chuva desabam das folhas nas copas das árvores, Constância regressa ao sanatório, desta feita sem Luzia, com o intuito de prestar a Laura a visita do dia. Impávida, serena e altiva, vagueia pelos corredores que decorara na véspera sendo de súbito abordada pela enfermeira que de pronto reconhece.

Enfermeira: Senhora, queira por favor acompanhar-me – pede abrindo passagem adiante do corredor.

Constância: Ora, porque eu haveria de ir com você onde quer que seja? – refila recolhendo as mãos do toque da moça. – Vim ver minha filha e é isso que vou fazer.

Enfermeira: Senhora, insisto, o Dr. solicitou a sua presença no gabinete.

Constância: Ah, sendo assim… vamos então, estou morrendo de saudades de Laura e ela há de estar desejosa por minha visita. Quanto mais rápido resolver as pendências com o Dr. Marques melhor.

Parcos passos afastam a baronesa do alvo e, num ápice, está já entrando no local, ladeada pela jovem enfermeira que a segue batendo a porta atrás de si. À secretária que enfrenta a entrada do gabinete, um médico de estatura média, idade avançada e ar sisudo ergue-se formalmente cumprimentando Constância que o fita beirando a incompreensão.

Constância: Onde está o Dr. Marques? – pergunta autoritária posicionando-se elegantemente no meio da sala.

Médico: Senhora… – começa clareando a garganta.

Constância: D. Constância Assunção, esposa do senador Alberto Assunção – corrige impaciente enquanto reposiciona o botão de rosa em tecido azul que ao peito lhe adorna a blusa branca do vestido.

Médico: Como eu estava dizendo, Senhora, o Dr. Marques foi acometido por um problema súbito de saúde esta madrugada estando por isso afastado de funções. Na sua ausência, este sanatório está sob minha alçada e, como tal, fui informado da situação de sua filha. Solicitei esta nossa prosa particular para informá-la que não vou tolerar uma gestante insana em minha instituição. Estamos tomando providências para a transferência da paciente para outro sanatório ou eu terei que recorrer ao único meio que me resta – dispara frio sem demonstrar qualquer laivo de benevolência.

Constância: O quê? Acaso o senhor está querendo sujeitar a minha menina a um aborto? – inquere cética e enfurecida encarando-o sem desviar o olhar. – O senhor não faz ideia de quem eu sou não é mesmo? Laura não sofre de qualquer distúrbio mental, apenas de cansaço e este internamento foi tratado com o Dr. Marques portanto, a si cabe-lhe cuidar que minha filha permaneça em segurança e que o acordo seja cumprido – contesta exasperada num claro esforço por não desmanchar a pose imperial.

Médico: D. Constância, creio que não compreendeu mas eu repito, esta instituição não alberga pacientes gestantes pelo simples fato de que estas não podem ser devidamente medicadas, representando deste modo um perigo para todo o nosso corpo médico e para elas próprias já que a doença de que padecem continuará não sendo tratada. A minha palavra é conclusiva.

Constância: Pois se é assim, pode providenciar a saída de minha filha de imediato. Laura não passa mais uma noite nesta espelunca doentia – afirma encolerizada oferecendo as costas ao médico sem gentilezas.

Médico: Lamento muito senhora mas a lei não lhe reconhece qualquer poder legal sobre D. Laura Vieira. A responsabilidade de dispor sobre decisões como esta cabe ao marido da paciente cujo nome não consta no formulário de internamento, suponho por via do seu acordo com o meu colega – desvenda verificando uma vez mais os papeis sobre a mesa.

Ouvindo as duras e reais palavras do médico, Constância perde enfim a postura que a caracteriza e, num momento de fraqueza, roda o corpo até seus olhos encontrarem os do desconhecido, revelando o marejar que no auge da raiva e do temor volta a apoderar-se de si e, com a voz embargada mas decidida, solta a sua última exigência antes de sair.

Constância: Não faça nada com a minha menina até meu genro chegar para levá-la daqui. O nome dele é Edgar… Edgar Vieira.


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