Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 34
"O Convite"




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A manhã de Segunda-feira amanheceu solarenga como vinha sendo habitual nos últimos dias. Sentados à mesa, Laura e Edgar fazem o desjejum à pressa. Estão em cima da hora para sair rumo às responsabilidades laborais.

Edgar: Você não se importa de ir de coche p´ra escola? A audiência no fórum começa dentro de meia hora, preciso correr – diz bebendo o café de um trago.

Laura: Claro que não meu amor, eu vou de coche. Vou dar uma última olhada nas crianças e saio. Te vejo no jantar? – questiona apressada retocando a boca com o guardanapo de pano.

Edgar: Não devo conseguir voltar antes. Terei um dia agitado e ainda pretendo passar no jornal p´ra resolver um assunto com o Guerra. Vou indo meu amor. Dê um beijo por mim nas crianças e bom trabalho – deseja dando um beijo rápido na esposa.

Laura: Bom trabalho p´ra você também – fala sorrindo ao vê-lo sair ligeiro em direção à porta.

Feito o desjejum, Laura retira-se da mesa e sobe para ver as crianças e dar os últimos retoques na toilette do dia. Melissa e Francisco continuam dormindo cada um em seu quarto. Laura espreita-os através da penumbra provocada pelas frechas das portas entreabertas e sorri aliviada por não ter que se despedir deles acordados. De volta à sala, posiciona o chapéu e apanha a bolsa, livros e pastas que diariamente a acompanhavam para o colégio.

Matilde: D. Laura! – chama adiando a saída da patroa.

Laura: Sim Matilde?

Matilde: Acabou de chegar um telegrama p´ra senhora. Me pareceu importante – indica estendendo a pequena bandeja de prata.

Laura: Logo agora que estou com pressa. Leio pelo caminho – diz guardando o envelope dentro de uma das pastas. – Se precisar de mim mande me procurar no colégio – recomenda já perto da porta. – Até logo Matilde.

Ao fundo das escadas de pedra da residência, o cocheiro aguardava a ordem de Laura para partir. Assim que a jovem tomou o seu lugar no banco de couro preto, o homem atiçou os cavalos e rumou em direção ao colégio religioso. Laura lembrou-se então de abrir o telegrama e vasculha as pastas e livros até encontrá-lo. Uma alegria imensa a invade ao reparar finalmente no remetente: Isabel Nascimento. Haviam passado mais de dois anos desde que a jovem partira para Paris e, desde então, comunicavam-se regularmente por carta. Um telegrama era para Laura sinal de alguma urgência. Ansiosa para ler as palavras de Isabel, que em Paris arrebatara os palcos dançando samba, a jovem abre rapidamente o invólucro e detém-se por breves instantes atenta ao conteúdo.

“Laura, minha amiga, escrevo-te esta breve mensagem para dar-te uma boa notícia. Estou a uma semana de atracar no Rio de Janeiro. Não quis te preocupar com a viagem, por isso só escrevi agora. Dentro de poucos dias você deve receber a última carta que enviei de Paris e vai entender tudo. Não vejo a hora de te abraçar. Com saudade, Isabel.”

Feliz com a novidade, Laura aperta o papel contra o peito e perde-se momentaneamente em lembranças do passado. Pouco tempo depois, o coche para em frente ao portão do colégio e a jovem desce secando rapidamente os olhos marejados. Um pouco mais adiante, Sandra espera por ela sorrindo enquanto lhe acena para que se apresse. Desde que se tornaram professoras, as duas amigas entravam quase sempre juntas para darem início à manhã de aulas.

O dia passou depressa. Ao final da tarde, Edgar chega à redação do jornal, respondendo ao chamado que Guerra lhe fizera dias antes. Em mangas de camisa como era costume dos jornalistas, Guerra supervisiona a ordenação dos tipos para a impressão do jornal quando é surpreendido pela entrada do advogado.

Guerra: Edgar! – exclama cumprimentando-o com uma leve batida no ombro.

Edgar: Guerra, como vai desde ontem? – ri retribuindo o gesto do amigo.

Guerra: Melhor agora que você chegou. Vamos conversar no escritório que o que tenho p´ra te contar é sério e urgente – adverte entrando na pequena e desarrumada sala.

Edgar: É assim tão grave? Se soubesse teríamos conversado ontem – diz intrigado fechando a porta atrás de si.

Guerra: E aborrecer a Célia e a Laura? Obrigada mas prefiro não arriscar. Além disso, não é tão urgente que não pudesse esperar até hoje – fala sentando-se à secretária e indicando a cadeira em frente a Edgar.

Edgar: Me conte logo, estou curioso e preocupado.

Guerra: Edgar, não me pergunte como mas, eu tenho em minha posse uma lista com vários nomes de promotores e juízes corruptos. Gente que recebe dinheiro, quantias exorbitantes, para favorecer uma das partes nos processos que lhes cabem – conta baixando o tom de voz.

Edgar: Como assim Guerra? Que lista é essa? – questiona claramente curioso e inquieto.

Guerra: Aqui – mostra entregando-lhe uma folha de papel que retirara da gaveta. – Veja você mesmo e estou certo que reconhecerá muitos dos nomes aí presentes. A fonte é bastante fidedigna.

Agitado, Edgar percorre com atenção a lista que tem agora em suas mãos. À medida que vai avançando, seu semblante de espanto e até deceção agudiza-se. Tendo terminado, alisa a barba com uma das mãos e devolve a folha ao jornalista.

Edgar: Guerra, se o que me diz é verdade, e eu não tenho motivos p´ra duvidar de você, nós precisamos denunciar esses calhordas que minam com podridão a justiça desse país – afirma enfático.

Guerra: É exatamente essa a razão pela qual te chamei aqui. Edgar, só tem uma pessoa que eu conheço capaz de fazer uma matéria que denuncie verdadeiramente essa sujeira – diz fitando o advogado com firmeza.

Edgar: Espera aí Guerra, você não está pensando no… em… – gagueja impaciente.

Guerra: … em você meu caro, estou pensando em você ou, se preferir, no brilhante jornalista António Ferreira – declara.

Edgar: Eu… eu adoraria mas você sabe o que isso implica e…

Guerra: E o quê Edgar? O que te impede de resgatar o jornalista que há dentro de você? Se o problema é a Laura, conta p´ra ela.

Edgar: Não é tão simples assim. Se eu contar p´ra ela sobre o António Ferreira, eu vou ter que falar também sobre a Catarina – diz consternado pesando o tom no nome da cantora. – A Laura não vai gostar de saber, vamos acabar por brigar e… eu não posso magoá-la de novo com essa história – sentencia indeciso erguendo-se da cadeira.

Guerra: Bom, eu entendo e quanto a isso não posso te aconselhar mas, como jornalista e seu amigo, me sinto obrigado a insistir. Edgar, essa matéria é o sonho de qualquer jornalista. Vai p´ra casa, pensa um pouco e quando tiver uma resposta definitiva manda me avisar ou me procura. Até ao final dessa semana eu tenho que entregar a matéria p´ra alguém e eu vou ficar muito satisfeito se essa pessoa for você – afirma peremptório.

Edgar: Vou pensar. Agora vou indo que a Laura me espera para o jantar. Não se anime em demasia. Assim que tomar uma decisão te procuro – avisa encaminhando-se para a porta. – Ah, e Guerra, – diz antes de sair – obrigada por se lembrar de mim meu amigo.

Guerra: Eu confio em você, por isso faço tanta questão do António Ferreira – conclui.

Com um rápido aceno os dois de despedem e Edgar deixa o “Correio da República” mais aflito do que nunca. Aquela era uma oportunidade que não podia nem queria perder. Contudo, o rosto sofrido de Laura ouvindo o relato do seu encontro com Catarina em Portugal atormentava-lhe o espírito. Levou todo o percurso de automóvel até casa ponderando o que fazer e foi decidido que entrou na sala ao encontro de Laura.


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