Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 32
"Descontração Familiar"




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Não eram ainda oito horas da manhã e já Francisco corria escada abaixo pronto para dar início a um novo dia. Prestes a completar três anos, o menino herdara o porte físico do pai e o espírito livre da mãe. Um pouco mais alto do que o normal, tinha a pele clara perfeitamente emoldurada num rosto redondo iluminado por duas magnéticas esferas verdes que eram os seus olhos. Seus fios loiros, ligeiramente mais escuros que os do pai, eram lisos como o cetim assemelhando-o a um pequeno lord inglês.

No entanto, e apesar do tratamento digno de um príncipe que ninguém lhe poupava, Francisco admirava a natureza e a liberdade pelo que, pouco lhe agradavam os minúsculos ternos que lhe tolhiam os movimentos. Laura evitava por isso impor-lhe a moda dos pequenos cavalheiros da sociedade, optando por peças mais informais que acentuavam ao milímetro a leveza do caráter de Francisco.

Naquela manhã ensolarada de Domingo que, prometia ser de praia, Edgar corre atrás do filho com os sapatos castanhos nas mãos que o menino se recusava a calçar.

Edgar: Francisco vem cá – pede paciente perseguindo-o em volta da mesa preparada para a primeira refeição do dia.

Francisco: Sapato não – reclama decidido enquanto corre sem parar.

Edgar: Como você é teimoso, até nisso puxou sua mãe – repara sorrindo.

A gargalhada do pequeno era contagiante e seu fôlego duradouro. Vendo o pai aproximar-se, muda de direção e apressa-se para o sofá, rodando de forma a estafar o advogado. O corrupio só cessa quando Edgar simula uma batida na esquina de uma cadeira e finge-se magoado. Notando o semblante dolorido do pai, Francisco corre até ele e, preocupado, abraça-se à perna esquerda do advogado.

Francisco: Desculpa papai, desculpa – implora bastante triste.

Edgar: Oh meu amor, vem aqui – diz carinhoso pegando-o no colo e dando-lhe um beijo nos cabelos que lhe cobrem parcialmente a testa. – O papai ´tá brincando com você, é um dói-dói de mentirinha só p´ra fazer você parar um pouquinho – assume sentando-se com ele em seu colo na poltrona ao lado do sofá.

Francisco: A mamãe diz que é feio mentir – fala dececionado com os olhos presos nos do pai.

Edgar: Ela está certa, desculpa, não fica chateado comigo, por favor – pede manhoso fazendo o pequeno pular em seu colo.

O sorriso inocente que decorava a sua face era tão sincero que Edgar logo o abraçou em sinal de paz. A troca de carinhos entre pai e filho só foi interrompida pelo ruído dos brandos passos de Laura que descia vagarosamente as escadas com Melissa pela mão.

Ao contrário de Francisco, Melissa apresentava a tez um pouco mais morena, condizente com os longos cabelos pretos encaracolados e os olhos castanhos amendoados. Aparentava certa timidez e recato, muito próprios nas meninas da sua condição social e faixa etária, mas que nela se deviam mais aos problemas de saúde do que à educação rígida que nunca recebera. Era, todavia, bastante risonha e, ao avistar a doce brincadeira de Edgar e Francisco, olhou Laura como que pedindo permissão e, perante o aceno positivo da mãe, apressou-se para a poltrona onde o pai brincava de cavalinho com o irmão ainda descalço.

Os anos passados não haviam provocado somente o crescimento das crianças. Tal como Edgar, a quem a barba meticulosamente aparada ao nível do rosto dava um ar mais maduro e responsável, também Laura se mostrava mais adulta. No auge dos seus quase vinte e dois anos, estava mais bela agora que perdera a ingenuidade das moças do seu estrato social. Seu corpo, continuava esguio embora mais firme e desenvolto, realçado pelo corte mais reto da saia preta que envergava. Vendo-a ali tão altiva e feliz, apoiada três degraus acima do chão, Edgar distraiu-se por um instante da algazarra dos filhos e contemplou-lhe o busto proeminente que a blusa de renda vermelha destacava. As trocas de olhares maliciosas davam a entender que, se não fosse pela presença dos filhos, já estariam experimentando os mais calorosos beijos matinais. O tempo, que para a maioria dos casais de 1908 só tornava o casamento mais insuportável e sofredor, operara neles o efeito inverso. Estavam cada vez mais apaixonados e certos do amor que os unia e os desentendimentos faziam-nos mais fortes e tolerantes perante os desejos um do outro.

A distração momentânea de Edgar libertou Francisco que, escorregando pela longa perna do pai, retornou ao chão puxando consigo a mão da irmã. Desataram a correr novamente pela sala, perseguindo-se mutuamente com cautela sem evitar as gargalhadas.

Desimpedido, o advogado ergue-se da poltrona e encaminha-se em lentos passos até à escada onde estende o braço à esposa em forma de convite. Com um belo sorriso nos lábios e sem dizer uma palavra, Laura encaixa a mão direita no braço de Edgar e dirigem-se à mesa.

Laura: O senhor meu marido está um verdadeiro cavalheiro esta manhã – diz deveras séria sentando-se no seu lugar de sempre.

Edgar: Apenas me sinto obrigado a retribuir os agrados infindáveis com que minha adorada esposa me presenteou a noite passada e que fez questão de repetir esta manhã – responde malicioso no mesmo tom de gozo que a esposa usara.

Laura: E por culpa de quem a essa hora o senhor ainda não está pronto e o seu filho descalço – repara observando por cima da xícara os dois botões da camisa desapertados.

Edgar: Você sabe que por mim passaríamos a manhã no quarto mas a senhora foi inventar de ir à praia… atrapalhou por completo os planos que eu tinha p´ra nós dois – diz insinuando-se à medida que lhe acaricia a mão esquerda pousada sobre a mesa.

Laura: Ah, mas só porque a manhã será passada na praia, não significa que não possamos deixar esses planos para a tarde. Dei o resto do dia de folga à Matilde, se cansarmos bastante as crianças, teremos a casa só p´ra nós – sugere perspicaz.

O contentamento de ambos com os preparos para o resto do dia foi contido pela chegada de Matilde que entra trazendo a cesta de pic-nic pronta.

Matilde: Bom dia! – cumprimenta pousando a pesada cesta no chão em frente ao armário. – Está tudo pronto como a senhora pediu D. Laura. Precisam de mais alguma coisa?

Laura: Não Matilde, obrigada. Assim que terminar pode sair.

Edgar: Aproveite para passear, está um dia tão bonito – aconselha retribuindo a gentileza dos cuidados da empregada.

Matilde: É o que pretendo fazer. Se me dão licença, vou terminar de arrumar a cozinha.

A saída de Matilde alerta Francisco e Melissa que, fatigados da correria, vem por fim sentar-se à mesa. Laura e Edgar observam-nos orgulhosos a afastar com esforço as grandes cadeiras do lado oposto da mesa. Rapidamente trepam até sentiram o estofo e acomodam-se mas a diferença de tamanho deixa-os claramente afastados da mesa. Atento aos gestos destemidos de Francisco que sempre liderava as ações do dia a dia, Edgar toma o filho nos braços e transfere-o para o colo de Laura que o recebe com um beijo no rosto. Melissa ocupa o colo vazio do pai e ali permanecem até estarem os quatro devidamente alimentados.

Algum tempo depois, o automóvel da família afasta-se da residência em direção à praia de Copacabana onde passariam a manhã na companhia de Guerra e Celinha. A viagem decorreu dentro da normalidade. Pelo caminho apanharam os amigos e foi em clima de plena felicidade que chegaram ao destino. Enquanto Laura e Celinha se trocavam nas cabines, os homens esforçavam-se por conter o ímpeto de Francisco e Melissa que não davam trégua. Diversão era o mote do passeio pelo que, não faltaram castelos de areia e várias brincadeiras fora e dentro de água. Sentadas na manta, Laura e a tia seguem com os olhos a farra aquática que Edgar e Guerra desenvolvem com as crianças.

Celinha: Ai Laura como é bom ficar assim! – suspira alegre entre afagos na areia que lhe inunda o lado da manta.

Laura: Concordo! Não há nada melhor do que aproveitar esses momentos em família. A senhora me parece realmente muito feliz. Algo me diz que esse seu jeito tem tudo a ver com o Guerra – dispara enfrentando o sorriso satisfeito da tia.

Celinha: Acertou. Depois de alguns encontros ele finalmente me pediu em namoro – celebra acertando sem intenção o ombro da sobrinha com uma mão suja de areia. – Ai desculpa Laura, que desastrada que eu sou – fala tentando sacudir a areia da pele da jovem mas sujando-a mais.

Laura: Deixa tia, não tem importância – diz rindo. – Fico muito feliz pela senhora. Ninguém merece mais essa felicidade do que você e o Guerra, apesar de machista é um bom homem. Agora minha mãe e a tia Carlota não vão gostar nada desse seu namoro. Elas já sabem? – questiona franzindo o cenho.

Celinha: Sim, contei ontem mesmo depois do pedido. Ah, eu fiquei tão feliz, precisava esfregar isso na cara da Carlota. Claro que me julgou, criticou, falou coisas horríveis mas nada que eu já não esperasse. Quer saber, estou tão feliz que nada nem ninguém vai abalar o que estou sentindo – conta orgulhosa.

Laura: Isso mesmo D. Celinha. Que orgulho que eu sinto ouvindo a senhora falar assim – dispara abraçando a tia.

Celinha: Te falei que eu sou uma mulher ousada! – ri. – Aproveitando que eles estão afastados, posso te perguntar uma coisa? – interroga ajeitando-se de forma a ficar de frente para Laura.

Laura: Claro tia, pergunte o que quiser.

Celinha: Ontem, depois do pedido, o Carlos me beijou – segreda um tanto enrubescida.

Laura: E…

Celinha: E foi tão bom, tão… intenso… me deu um frio na barriga, algo indescritível que nunca senti antes – confessa. Só que depois dos beijos, sim por que foi mais do que um, eu fiquei me perguntando como será ficar a sós com um homem – conclui baixando a voz encabulada.

Laura: Ah tia acontece tanta coisa. Quando estou sozinha com o Edgar faço tudo o que tenho vontade – dispara sincera sem qualquer pudor. – Com ele me sinto uma mulher plena. Um dia a senhora vai saber como é – adianta tranquilizando-a.

Celinha: Espero que esse dia chegue logo minha sobrinha. Estou com urgente curiosidade… – acrescenta voltando-se de novo de frente para o mar.

Carregando com esforço as crianças, Edgar e Guerra deixam o mar para trás e juntam-se às mulheres. Ao final da manhã, estavam todos famintos e exaustos devorando os acepipes com que Matilde fartara a cesta.

O regresso a casa fez-se logo após o almoço improvisado. Apesar de imensamente fatigados, Francisco e Melissa não davam sinais de querer pausar a brincadeira e irromperam pela casa falando sem parar à medida que espalhavam pelo chão os resíduos de areia que lhes marcavam os pés.

Laura: Meu Deus esses dois acordaram ainda mais dispostos do que o costume. Não se cansam nunca – lamenta-se estafada recostando-se no corpo do marido que a abraça por trás.

Edgar: Tenho a impressão que aqueles planos que deixamos para a tarde só serão realizados à noite e se eles tiverem um sono pesado – repara desiludido afastando suavemente o cabelo de Laura para lhe beijar o pescoço e o ombro.

Laura: Que pena, logo hoje que eu estava com umas ideias – incita provocante.

Edgar: Você não quer me contar que ideias são essas? – pergunta animado virando-a de frente para si.

Laura: Ah melhor não. Se eu contar perde a graça – recusa esboçando um sorriso antes de beijá-lo.

Edgar: Você adora me provocar – diz empurrando-a para o sofá.

Laura: Edgar as crianças – adverte vendo pelo canto do olho os filhos que brincam junto à mesa da sala de refeições.

Edgar: Eles estão distraídos e é só um beijinho – responde sentando-se bem próximo dela beijando-lhe veemente os lábios sedentos entre carícias mais ousadas.

Laura tenta sem êxito travar o ímpeto do marido que força cada vez mais o corpo contra o dela fazendo-a deitar-se quase por completo.

Laura: Edgar… – fala ofegante interrompendo o beijo – as crianças… estão olhando.

Edgar: Estão brincando – contesta arfando sem afastar a boca dos lábios da esposa. – Eu quero você Laura… agora – enfatiza penetrando-a com o olhar.

Laura: O escritório – indica completamente rendida desapertando já os botões da camisa do marido.

Edgar: Ótima ideia – diz afastando-se ligeiramente. – Eles estão entretidos, não vão dar por nada – fala esperançoso levantando-se impaciente.

Alheios ao desejo que consome os pais, Melissa e Francisco divertem-se sozinhos, sentados no tapete por baixo da mesa e, riem de tal modo que o som abafa o descompasso da respiração de Laura e Edgar. Porém, estava Laura ainda sentada quando batidas na porta lhes arruínam os planos. Pensaram ignorar mas era certo que tinham visitas.


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