Edgar está abismado com o que acaba de ouvir. Seu corpo imóvel, seus olhos congelados num olhar ainda quente que fulmina Laura.

Edgar: Você não está falando sério. Isso é o calor do momento falando por você Laura. Vamos subir, vamos descansar um pouco meu amor. Amanhã nós continuamos com mais calma.

Laura: Não tem amanhã Edgar. Só tem o agora, aqui. Você ouviu muito bem o que eu disse mas se faz tanta questão eu repito. Se você for sozinho p´ra Portugal o nosso casamento acaba aqui porque eu prefiro pagar o preço do divórcio a viver debaixo do pé de um marido que se julga meu dono e se acha no direito de me exigir que eu aceite normalmente a filha que ele teve fora do casamento. Fui clara agora? Você entendeu Edgar? P´ra você não me acusar de ciumenta eu vou dar um prazo p´ra você pensar. Você tem até amanhã de manhã p´ra decidir o que quer fazer.

Laura dá as costas ao advogado e se dirige à escada. Chocado ele se mantém quieto e mudo com medo de que mais uma palavra impensada azede de vez o momento. Tendo subido três degraus da escada, a jovem para e, ainda de costas acrescenta:

Laura: Não precisa se incomodar em deitar ao meu lado essa noite. Penso que ainda se lembra do caminho para o quarto de hóspedes. Boa noite!

Edgar se joga violentamente no sofá. Não consegue acreditar no que aconteceu. Um dia que começara maravilhoso como todos os que vinha passando com Laura nos últimos meses havia, em poucas horas, se transformado num pesadelo sem fim à vista. Queria pensar, encontrar um jeito de conciliar tudo, Laura, o casamento, Melissa, a viagem. Mas como? “Não posso perder a Laura, minha vida não faz sentido sem ela mas eu também preciso conhecer a Melissa, a minha filha.” As dúvidas e o medo da incerteza não davam trégua. Exausto caminhou para a escada e subiu lenta e pesadamente, degrau a degrau, como se em cada um deles carregasse o peso de 1000 homens nas costas. Só que esse não era o peso do corpo, era o peso da alma culpada, indecisa, sofrendo sem saber que decisão tomar. Ainda parou por momentos à porta do quarto como que esperando avidamente que Laura mudasse de ideia e o deixasse partilhar aquela cama, aquele quarto. Ciente de que a porta se fechara até ao amanhecer do dia seguinte, Edgar arrastou-se até ao quarto de hóspedes e tentou dormir. Sozinha! Laura estava novamente sozinha naquela cama. Sem conseguir controlar as lágrimas e a raiva desistiu. Não deu pelo sono chegar.

Na manhã seguinte a casa não tinha a mesma luz, o mesmo brilho. Matilde preparou a mesa do café como fazia todos os dias mas nem Laura nem Edgar desceram para tomá-lo. Ao abrir a porta do quarto Laura se assusta com o que vê. Edgar está sentado na porta do quarto dormindo com o corpo todo contorcido e desarrumado. Emocionada ela se baixa em silêncio e acaricia o rosto do marido. Com o olhar doce e a voz meiga ela o acorda. Não esqueceu a conversa do dia anterior mas não consegue ficar indiferente àquela cena. Edgar acorda um pouco zonzo e sobressaltado. Nenhum dos dois diz nada. Apenas se olham e enfim se beijam.

Laura: Você dormiu aqui?

Edgar: Eu tentei o quarto mas não consegui. Eu não consigo dormir longe de você e aqui, ainda que com a porta entre nós, eu me senti mais perto de você e acabei adormecendo.

Laura: Eu também não dormi direito. Porque eu também não sei dormir sem você mas isso não significa que a nossa conversa de ontem está esquecida. Eu sei que fui dura com você mas o que eu disse ontem continua de pé. Você pensou bem?

Edgar: É você foi dura mas eu mereci. Essa noite mal dormida me ajudou a clarear as ideias. Você tem razão. Eu não seria eu se insistisse em te fazer aceitar tudo isso assim e nós não seremos mais nós se eu for p´ra Portugal e você ficar aqui. Portanto, eu decidi que você vai comigo. Vamos os dois p´ra Portugal conhecer a Melissa e resolver essa situação.

Feliz por Edgar ter retomado o bom senso Laura o abraça e enche de beijos. Os dois se levantam e vão em direção ao quarto de banho.

Laura: Vem, vou preparar um banho morno p´ra você. Você merece por ter tomado a decisão certa, por ter pensado em nós e não somente em você.

Edgar: É que eu tenho uma mulher maravilhosa do meu lado, guerreira e destemida que me fez ver as coisas do modo certo. Depois precisamos sair para agilizar os detalhes da viagem.