Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 27
"O Batizado"


Notas iniciais do capítulo

Como não tenho outra forma de agradecer, aproveito esse capítulo para expressar o meu muito obrigada a todas que acompanham a história e principalmente àquelas que me motivam todos os dias com comentários tão maravilhosos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/346165/chapter/27

O dia seguinte correu normalmente. Edgar retomou o trabalho e Laura permaneceu em casa cuidando das crianças e ultimando os detalhes das primeiras aulas que pretendia voltar a ministrar na biblioteca. Ao final da tarde, Isabel e Guerra chegaram para o jantar, aceitando o convite que Laura e Edgar haviam enviado durante a manhã. Dada a estreia recente da nova peça da companhia, fazia alguns dias que Laura e Isabel não se viam. Mataram a saudade enquanto aguardavam que o jantar fosse servido e a camareira ainda bajulou Francisco e Melissa. Aproveitando que Edgar e Guerra estavam no escritório, as amigas conversaram bastante e Isabel acabou por partilhar suas mais recentes novidades.

Isabel: Ai Laura, como ele está lindo. Você já percebe com quem ele se parece? – pergunta afagando Francisco em seus braços que se esforça por manter os olhos abertos.

Laura: Acho que não mas eu queria que ele se parecesse com o Edgar – diz abrindo um sorriso iluminado. – E você? Estou achando você um pouco abatida, aconteceu alguma coisa? – questiona mostrando certa preocupação.

Isabel: Eu não consigo mesmo esconder nada de você. Eu terminei com o Zé há poucos dias – conta fechando o semblante e acomodando Francisco no carrinho.

Laura: Isabel, porque não me contou antes? Eu podia ter-te ajudado, te apoiado. O que aconteceu? Você contou p´ra ele que não é mais moça?

Isabel: Contei Laura. Eu não conseguia mais mentir p´ra ele. Todos os dias ele me falava em remarcar a data do casamento e em todos esses dias eu me lembrava que o estava enganando. Não aguentei mais e contei tudo.

Laura: Ele reagiu mal, suponho.

Isabel: Se você visse a forma como ele me olhou…

Dos olhos de Isabel brotam algumas lágrimas. Tocada com o sofrimento da amiga, Laura a abraça e tenta reconfortá-la.

Laura: Talvez tenha sido melhor assim. Quem sabe com o tempo ele te perdoa e vocês se entendem? – fala pegando a mão gelada da camareira.

Isabel: Não tenho mais esperança. E é por isso que eu tomei uma decisão.

Laura: Decisão? Que decisão?

Isabel: Você leu a reportagem que saiu no “Correio da República” esses dias sobre uma dançarina francesa que está de visita à capital?

Laura: Vi, uma tal de Dorleac, não é?

Isabel: Ela mesma. Eu a conheci por acaso na confeitaria Colonial quando acompanhava a Diva. Ontem a levei ao morro e ela me viu dançar. Hoje de manhã nos encontramos, ela disse que quer aprender a dançar samba e eu pedi p´ra ela me levar p´ra Paris.

Laura: Como? Espera Isabel, eu ouvi bem? Você está me dizendo que vai p´ra Paris?

Isabel: Bom, eu quero muito ir mas a Dorleac ficou de pensar na minha proposta.

Laura: Então se ela aceitar você vai? E eu? Como eu vou ficar sem a minha melhor amiga?

Isabel: Oh Laura, eu nunca vou te deixar. A gente vai escrever uma p´ra outra e eu ainda nem sei se vou mesmo.

Laura: Não sei o que pensar disso tudo. Você sabe que eu te desejo o melhor, ainda que isso signifique você morando do outro lado do oceano.

As duas se abraçam novamente. Preocupada com a possibilidade de ver Isabel partir, Laura a aperta firme e, por um momento, trocam um olhar de cumplicidade quando são interrompidas pelos risos de Guerra e Edgar. A conversa dos dois tinha sido bem mais animada. Falaram de política, do estado caótico das finanças do jornal e da vida boémia do jornalista. Voltaram à sala entre gargalhadas e brincadeiras mas logo emudeceram ao ver o estado melancólico das duas jovens. Recompostas, seguiram os cavalheiros até à mesa onde Matilde serviu o jantar. O batizado de Francisco assumiu-se como o tema principal durante a refeição e todos concordaram marcar a data para o Domingo seguinte.

O curto prazo permitiu a Laura e Edgar evitar os preparativos requintados e sumptuosos de D. Constância mas não os livrou de constantes visitas surpresa e bastante intromissão. A baronesa partilhava com Bonifácio o desprezo pelos padrinhos e ambos fizeram questão de mostrá-lo ao longo da semana que antecedeu a celebração. Contudo, Laura e Edgar mantiveram-se firmes e conseguiram fazer a lista dos convidados, privilegiando apenas familiares e amigos próximos. Depois de muita insistência, acabaram por ceder a organização da recepção a Constância que depressa elaborou um banquete para ser servido na residência dos Vieira.

Era uma manhã de Domingo ensolarada. Mal os primeiros raios romperam, o movimento fez-se sentir por toda a casa. Por entre o choro das crianças, alguns empregados espalhavam com esmerado pormenor os grandes vasos de flores coloridas pelos vários cantos do piso inferior. D. Constância madrugara e já ditava as ordens quando Laura, apercebendo-se da presença da mãe, desce as escadas para fazer o desjejum na companhia do marido.

Laura: Mãe! O que a senhora faz aqui tão cedo? – questiona aborrecida e um pouco ensonada.

Constância: Ora minha filha, é o dia do batizado do meu neto. Tudo tem que estar perfeito e eu vim certificar-me que não haverão falhas – diz disposta e alegre.

Edgar: Não é para tanto D. Constância. A cerimónia é depois do almoço.

Laura: E com toda essa azáfama as crianças acordaram e dificilmente vão dormir de novo.

Constância: Me desculpem, não era minha intenção incomodar o sono do meu neto e da bastardinha.

Edgar: A senhora está em minha casa, respeite minha filha – exige descontente.

Laura: Mãe, a Matilde pode organizar tudo, não há necessidade da senhora ficar aqui.

Constância: Por acaso estão me expulsando? – pergunta sentindo-se ofendida.

Laura: Não dramatize D. Constância. Está tudo bem encaminhado, a senhora pode ir p´ra casa descansada – diz sem cerimónias encaminhando a mãe até à porta.

Embora contrariada, Constância acaba por se retirar. Laura e Edgar respiram de alívio e orientam Matilde para que ultime os preparativos. Após o café da manhã, ambos voltam ao quarto e preparam o banho de Francisco. Laura vai até ao quarto de banho e enche um pouco de água tépida na banheira. Edgar não tarda a aparecer trazendo o menino embrulhado numa manta branca e já despido de suas roupas. Seu crescimento era notório e estava cada dia mais desenvolto. Edgar abre a manta deixando o corpo do pequeno a descoberto e Laura estende os braços para receber o filho mas o advogado a impede.

Edgar: Não senhora. Hoje quem dá banho nele sou eu – fala decidido ajeitando o menino nos braços de forma a retirar a manta.

Laura: Tem certeza? Você sempre diz que tem medo de machucá-lo – constata intrigada.

Edgar: Mas com a sua ajuda estou certo de que vou me sair muito bem nessa tarefa.

Laura: Quem sou eu p´ra duvidar! Ao trabalho senhor advogado – ri terminando de retirar a manta e dando um beijo no pequeno pé de Francisco.

Um pouco inseguro, Edgar se ajoelha junto à banheira e se inclina até sentir a água morna em seu braço direito que segura firmemente o menino. Francisco não chora. Com a mão esquerda, Edgar leva um pouco de água e molha o tenro corpo do filho. Laura assiste serena e se comove com o talento do marido. O jovem se revelara um pai extremoso desde o primeiro dia de vida e agora mostrava ser perfeitamente capaz de cuidar do filho praticamente sozinho. Aquele banho foi especial e por isso demorou mais do que o normal. Isabel chegou entretanto e ajudou Laura a vestir Francisco ao mesmo tempo que Edgar terminava de arranjar Melissa. No meio da correria que fora a manhã, mal deram pelo tempo passar.

Às 15 horas, uma fila de coches preenchia a rua em frente à Igreja onde Padre Olegário aguardava para dar início à celebração. À medida que os convidados iam entrando, Constância e Carlota detalhavam com injurias a ausência da ilustre sociedade carioca e não poupavam críticas à simplicidade dos trajes. Por fim, com os bancos ocupados e pais e padrinhos no altar, o padre iniciou o batismo de Francisco. Não foi uma cerimónia prolongada. Menos de uma hora depois, estava terminada e todos os coches saíram a caminho da casa de Laura e Edgar. Uma abundante mesa de quentes e frios aguardava os convidados. Tal como Constância exigira, tudo estava elegantemente decorado e organizado. Era essencial ostentar ainda que, na mente da baronesa, os presentes não estivessem à altura. Num canto da casa, Isabel arrasta Laura para o escritório.

Isabel: Eu não quis te dizer antes p´ra não te preocupar mas a Dorleac aceitou me levar com ela p´ra Paris.

Laura: Verdade? Nossa Isabel, que bom. Vou morrer de saudade mas fico tão feliz por você. Quando será a partida?

Isabel: Pois é, será em dois dias. Desculpa Laura, eu sei que devia ter-te avisado antes.

Laura: É, devia mesmo porque eu não sei como vou fazer p´ra me despedir de você em tão pouco tempo – diz já com os olhos humedecidos e a voz trémula.

Isabel: A gente nunca vai se despedir. Não importa o quão longe eu esteja, meu coração vai estar sempre com você – fala emocionada apertando as mãos de Laura nas suas.

Laura e Isabel ainda se demoraram algum tempo no escritório tentando apaziguar a saudade que já sentiam. A festa decorreu animada e pacificamente e ao final da noite a confusão de louças e arranjos já havia deixado a residência juntamente com os convidados.

Dois dias se passaram. No porto, as amigas se despedem por entre lágrimas e promessas de várias cartas. Com a bênção de Tia Jurema, Isabel deixa o Rio de Janeiro rumo a uma nova vida em Paris. Laura ainda enxugava as lágrimas da despedida quando de dentro do coche onde seguia avista um vistoso cartaz onde se pode ler:

“Catarina Ribeiro – O grandioso regresso aos palcos da majestosa cantora lírica”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!