Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 25
"A Hora da Verdade"




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Sendo hora de almoço e com Francisco dormindo tranquilo, Dr. Assunção despediu-se da filha e do genro e tomou o caminho de sua casa. Matilde preparara um belo manjar e, depois de servir os patrões, subiu para o quarto do casal para vigiar as crianças. Acomodados à mesa, os dois permaneceram calados durante a refeição. Laura continuava aborrecida com a incompreensão de Edgar para com seus anseios laborais e Edgar, por muito que se esforçasse, não via na vontade da esposa uma necessidade.

Após o almoço, Laura juntou-se a Matilde no piso superior e ajudou-a a carregar Melissa e Francisco até à sala. Edgar vestia o paletó bege quando as duas chegaram junto do sofá. Melissa exultava no colo da empregada e estendia os finos braços ao encontro de Edgar que a olhava com um sorriso afectuoso ao mesmo tempo que endireitava a gravata.

Edgar: Oi meu amorzinho – diz pegando-a no colo. – Olha só, papai vai ter que sair um pouquinho e você vai ficar com a Matilde, a Laura e o seu irmão, ´tá bom? Comporte-se mocinha. Olhe que eu sei de tudo o que se passa nessa casa – fala descontraído franzindo o sobrolho.

Laura: Você vai sair? – questiona direta sem disfarçar a curiosidade e alguma preocupação.

Edgar: Vou. Você sabe que tenho um assunto importante p´ra resolver. Não vou dormir outra noite com essa dúvida.

Laura: Então eu vou com você – fala ajeitando o casaco azul que lhe marcava a cintura.

Sentindo-se a mais, Matilde deita Francisco no carrinho e retira-se silenciosamente da sala.

Edgar: Tem certeza? Eu vou na casa da… você sabe – confirma desviando o olhar para o sofá onde senta Melissa.

Laura: Sei bem onde você vai e eu vou junto. Não vou deixar você sozinho numa hora dessas. Além disso, não confio naquela mulher. O que quer que seja que ela tenha a dizer, eu quero estar presente para ouvir.

Edgar: Que bom – respira aliviado. – Eu pensei que você não ia querer me acompanhar depois do que aconteceu esta manhã.

Laura: Edgar, nós somos casados, é normal termos conflitos mas isso não quer dizer que eu vou deixar de participar nos assuntos que dizem respeito a nós dois – diz compreensiva. – Espere um pouco, vou buscar a minha bolsa e o meu chapéu e podemos ir.

Laura vai até ao quarto e deixa Edgar pensativo. Notoriamente inquieto, o advogado senta-se ao lado da filha e acaricia-lhe o rosto esforçando-se por aplacar o turbilhão de sentimentos que afloram na sua mente. Laura não tarda a aparecer. Pronta, apressasse nas escadas e vai chamando por Matilde.

Matilde: Pois não D. Laura.

Laura: Matilde, fique de olho nas crianças. Nós vamos sair mas voltamos a tempo de eu amamentar o Francisco. Se ele chorar humedeça um pano em água morna e coloque na barriguinha dele. Ah, e deite-o no colo de barriga para baixo. Meu pai diz que isso acalma as cólicas – aconselha olhando pela última vez o menino que dorme calmo no carrinho.

Matilde: Podem deixar, eu fico de olho nos dois.

Edgar: Vamos então? – fala dando o braço à esposa. – Até logo Matilde.

De braço dado, saem e entram no coche que os espera à porta da residência. Nervoso, Edgar estende um pequeno papel ao cocheiro e ordena-lhe que siga para o endereço nele escrito. Tentando conter a ansiedade que se apodera dela, Laura acomoda-se ao lado do marido e aperta-lhe delicadamente a mão esquerda que ele deixara cair sobre o estofo preto do coche. Amoroso, ele aproxima seu rosto do dela e beija-lhe docemente a testa ouvindo Laura sussurrar-lhe ao ouvido.

Laura: Vai dar tudo certo.

Edgar: Com você do meu lado eu não tenho dúvidas.

A casa que Catarina alugara com o dinheiro que Edgar lhe dera em Portugal, não ficava muito longe dali. Não sendo nenhum palácio, era suficiente para as necessidades habitacionais da cantora ainda que ela se julgasse merecedora de muito mais. O relógio da sala batia as 14h30 em ponto quando o coche dos Vieira parou à porta da residência. No interior, Catarina festejava sozinha, com uma taça de vinho do Porto, as últimas descobertas. Descalça à vontade no sofá, estava descontraída quando sente as batidas firmes na porta.

Catarina: Ah, mas que aborrecimento. Preciso arranjar uma empregada o quanto antes. Quem será a uma hora dessas? – lamentasse emproada enquanto calça os botins.

Do lado de fora, Laura e Edgar entreolham-se impacientes com a demora da cantora e insistem nas batidas.

Catarina: Já vai, já vai. Quanta pressa, é bom que seja algo ou alguém muito importante, caso contrário… – vai gritando em direção à porta mas logo emudece ao abri-la e dar de cara com as visitas que a aguardam.

Edgar: Boa tarde Catarina – cumprimenta sisudo. – Precisamos ter uma conversa.

Catarina: Mas o que vem a ser isto? Depois do modo grosseiro com que me tratou ontem acha que ainda tem o direito de aparecer de surpresa em minha casa? – refila fazendo-se de vítima.

Edgar: Ora, deixe-se disso e já que você não esperou ser convidada para entrar em nossa casa, creio que podemos retribuir a gentileza – afirma entrando com Laura.

Catarina: Vieram me insultar mais uma vez? Se é para isso, vou já avisando que perderam a viagem. Não estou com disposição para ser enxovalhada em minha casa.

Laura: Isso é p´ra rir! Você se dá ao trabalho de me ameaçar debaixo do meu teto usando meu filho e agora se ofende com uma visita tão cortês que lhe prestamos? Realmente, cada dia você me surpreende mais – afirma apelando à ironia.

Catarina: Uma vez que você me proibiu de dirigir a palavra à sua esposa Edgar, eu não vou responder a essa provocação mas saiba que…

Edgar: Cale-se Catarina. Não viemos aqui p´ra assistir a mais uma encenação sua. O assunto é sério e tem nome, Melissa.

Catarina: Melissa? O que houve com ela? O que vocês fizeram com a minha filha? – questiona incessantemente fingindo preocupação.

Laura: Mas como é dissimulada! Você não perde uma oportunidade para dramatizar, mesmo sabendo que não nos convence – observa perdendo a paciência.

Edgar: Laura, não viemos aqui p´ra isso meu amor. Vamos diretos ao que interessa – diz esforçando-se por conter o tremor na voz e trocando um olhar de cumplicidade com a esposa.

Laura: Você está certo. Não devemos perder tempo. Pergunta você? – interroga-o a medo e pronta para lançar a questão se ele não se sentir capaz.

Catarina: Perguntar o quê? Falem de uma vez o que querem de mim – fala curiosa.

Edgar: A questão é simples, portanto, espero que a sua resposta também seja simples.

Um breve silêncio se instala na sala bastante iluminada pela luz do dia. Catarina prossegue encarando os dois sem entender muito bem o que se passa. Laura fita de novo Edgar transmitindo-lhe coragem e ele finalmente fala.

Edgar: Eu vim te perguntar porquê você esqueceu do aniversário da Melissa. Nós comemoramos na fazenda e eu esperava que, ao menos por essa ocasião, você se lembrasse da sua filha – mente tentando apanhar a cantora desprevenida.

Catarina: Que aniversário Edgar? Está doido? Melissa nasceu em Setembro, estamos em Agosto… – diz rapidamente quando enfim se apercebe que caíra no golpe do advogado. – Quer dizer, eu…

Laura: Eu sabia! Mentirosa, falsa, cobra… ontem eu tive que me conter por causa do meu filho mas agora, agora nada me impede de lavar essa sua boca suja – grita alterada desferindo uma pesada bofetada na face da cantora que se desequilibra.

Aturdido com a revelação que tanto temia, Edgar congela. Sua pele empalidece e, por momentos, tem a sensação de ver o chão escapulir-se por baixo de seus pés. Laura não se dá por satisfeita. Alheia ao estado deplorável do marido e ardendo de ódio, a jovem dá alguns passos em frente e aproxima-se mais um pouco de Catarina que, ainda inclinada, tenta acalmar com a mão o ardor que lhe toma conta o rosto. Sem lhe dar tempo de se recompor, Laura perde a compostura e agride repetidamente a cantora esbofeteando-a sem dó nem piedade. Catarina tenta se defender, grita desesperadamente e profere insultos mas nada contém a fúria acumulada de Laura. Por fim, e com a cantora já no chão, a jovem para e respira aliviada.

Laura: Isso foi por ontem, foi por hoje e por todos os dias em que eu vou viver paredes meias com os frutos da sua mentira.

Catarina: Está se referindo à minha filha? Não seja por isso Laura. Já que todos sabemos a verdade, podem devolver a encomenda. Melissa foi apenas um objeto que eu usei para rever Edgar e agora que estou aqui, vocês vão ter que me engolir – confessa deixando cair a máscara. – Pode devolver a menina. De certo não faltará lugar p´ra ela na roda dos desvalidos.

Aquelas palavras amargas de Catarina dilaceram Edgar. Sem esconder as lágrimas que começam a brotar de seus olhos, o advogado levanta o rosto do chão e enfrenta a cantora.

Edgar: Isso nunca! Você não passa de uma vagabunda nojenta e mentirosa. A Melissa não tem culpa de ter nascido de você, é apenas uma vítima e, de sangue ou não, ela será sempre a minha filha. A partir de hoje, considere-se morta para a minha família. Nunca mais chegue perto de nenhum de nós, esqueça que algum dia nos conhecemos e, principalmente, esqueça a Melissa – enfatiza num tom áspero olhando-a com repulsa.

Catarina: Fora daqui vocês dois. Fora! – grita a plenos pulmões. – Não pensem que me venceram. Eu sou Catarina Ribeiro, essa criança era um estorvo na minha vida e pelo menos dela eu me livrei. Vocês ainda vão ouvir muito sobre mim já que agora nada atrapalhará o meu retorno triunfal aos palcos do Rio de Janeiro – berra de braços abertos saracoteando pela sala como que enlouquecida.

Laura: Edgar, vamos embora daqui. Não suporto respirar mais o mesmo ar que essa mulher imunda – fala estendendo a mão ao advogado que passa as mãos suadas pelos cabeços desgrenhados.

Ainda atordoados com tudo aquilo e com os corações descompassados, Laura e Edgar saem da casa e entram mudos no coche. Antes que o cocheiro atiçasse os cavalos, Catarina surge na porta da residência e grita:

Catarina: Vinte! Vinte de Setembro de 1904, é a data de nascimento da sua filha Edgar.

Sem olharem para trás, ordenam ao cocheiro que inicie a marcha em direção a casa.


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