Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 18
"Choque de Realidade"




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Laura e Edgar acordaram cedo naquela manhã. Quando os primeiros raios de sol romperam pelo quarto através da janela, o advogado levantou-se, beijou a esposa e o filho e saiu para passear com Melissa pela fazenda. O ar do campo parecia acalmar os fracos pulmões da menina. Laura deixou-se ficar mais um pouco na cama e, aproveitando o silêncio do sono de Francisco, decidiu ler um pouco. Não tinha ainda virado a segunda página do livro quando D. Maria bate levemente na porta do quarto.

D. Maria: Bom dia menina – cumprimenta em voz baixa.

Laura: Bom dia D. Maria – diz com um sorriso.

D. Maria: Me desculpe a hora mas chegou um bilhete p´ro Dr. Edgar – diz estendendo um pequeno papel.

Laura: Pode deixar comigo. O Edgar foi dar uma volta com a Melissa mas não deve demorar.

D. Maria: A menina quer que eu traga o seu café?

Laura: Não, obrigada. Vou esperar por ele.

Dito isto, D. Maria sai e Laura fita o bilhete. Matilde era o remetente. Estranha ser dirigido a Edgar mas, julgando não ser nada importante, abre inocentemente o papel e lê para si:

“Dr. Edgar, me perdoe incomodá-lo mas aconteceu o que o senhor temia. A D. Catarina apareceu aqui em casa logo depois que o senhor saiu e… bom eu… me perdoe… acabei contando que o senhor e D. Laura estão na fazenda. Ela exigiu ver a menina, eu tentei dar uma desculpa mas ela não acreditou. Fez um escândalo e eu não sei o que fazer. Me desculpe mais uma vez. Aguardo suas instruções. Matilde “

Laura empalidece. Um misto de raiva e desespero a invade. Olhando o filho que ainda dorme no berço, a jovem faz um esforço para controlar as lágrimas. A imagem daquela mulher na sua casa volta a assombrar-lhe a memória e a omissão de Edgar a magoa uma vez mais. Ainda incrédula, segura o papel em ambas as mãos e relê quando o som da maçaneta da porta rodando a desconcentra. Edgar entra no cómodo com um sorriso aberto nos lábios, que logo se desfaz ao ver o semblante dececionado e zangado de Laura. Ao notar a presença do marido, a jovem se levanta da cama e se posiciona junto à porta que dá para a varanda, de forma a manter alguma distância entre eles. Sem entender a atitude da esposa, Edgar a questiona:

Edgar: Laura, meu amor, o que foi? Que cara é essa? Você parece chateada, aconteceu alguma coisa? Foi a sua mãe, o que ela aprontou dessa vez?

Laura: A minha mãe não tem nada a ver com o que está acontecendo. Já de você, não poderei dizer o mesmo – diz irritada.

Edgar: Como assim Laura?

Laura: Como assim? Você mentiu p´ra mim esse tempo todo Edgar.

Edgar: Ahm? Do que você está falando? – pergunta intrigado.

Laura: Disso aqui – dispara estendendo-lhe o bilhete.

Edgar toma o papel e rapidamente lê o recado da empregada. Resignado, ele olha para Laura e tenta se explicar.

Edgar: Laura eu… eu ia te contar.

Laura: Quando? Você mentiu esses meses todos. Essa mulher… ela continua no Rio e pior, entrando e saindo da nossa casa como se fosse dela – grita.

Edgar: Laura fale baixo, por favor, você vai acabar acordando o nosso filho. Vem aqui, se acalma – diz andando em direção à jovem.

Laura: Me acalmar? Eu descubro pela empregada que o meu marido vem mantendo uma mentira dessas e você quer que eu me acalme? O que você pensa Edgar? Chega, eu não vou tolerar mais isso, eu não vou tolerar a presença dessa mulher na minha vida, na minha casa. Até agora eu não fiz nada por causa do meu filho, só por ele, mas agora não dá mais. Eu não vou viver assim.

Edgar: A Catarina é abusada, eu fiz de tudo p´ra ela voltar p´ra Portugal mas com você nesse estado, ela foi ficando pela Melissa e eu…

Laura: … e você achou que o melhor era mentir, esconder isso de mim.

Edgar: Mas eu não menti Laura. Eu nunca disse que a Catarina tinha ido embora.

Laura: Não, claro que não. Você só disse p´ra eu não me preocupar que você ia resolver tudo e agora eu descubro que enquanto eu fiquei aqui fazendo de tudo p´ra ter o nosso filho, o meu marido andou desfilando com a filha e a ex-amante na minha casa.

Edgar: Você está distorcendo tudo. Não foi nada disso. Eu apenas levei a Melissa p´ra ver a mãe na casa que ela alugou na cidade. E também, você não deveria ter lido esse bilhete antes de mim.

Laura: Mas isso só melhora – grita cada vez mais exaltada. – Que mais você escondeu de mim? As noites que passou com ela porque a Melissa passou mal? Ou os passeios em família no Jardim Botânico? E você ainda se acha no direito de me criticar porque eu li antes de você um bilhete enviado pela nossa empregada?

O descontrole de Laura acorda Francisco que inicia um choro ténue. Edgar olha para o berço sem saber o que fazer e se aproxima um pouco mais de Laura.

Edgar: Meu amor, vamos conversar com calma. O Francisco está assustado e você nervosa.

Laura: Não toca em mim. Eu não quero ouvir mais nada. Sai daqui Edgar, me deixa sozinha – ordena com raiva encaminhando-se para junto do berço.

Edgar: Não faz assim Laura, por favor. Me ouve, vamos conversar.

Laura: Eu já ouvi demais. Sai, eu não estou nem conseguindo olhar p´ra você.

Edgar: Tudo bem. Não vou insistir p´ra não deixar o Francisco mais agitado. Vou descer e volto quando você estiver mais calma.

De costas para a porta, Laura não vê Edgar sair. Abalada, inclina-se sobre o berço e toma o pequeno nos braços. De seus olhos emanam as lágrimas de angústia e raiva que tentara sufocar e, enquanto tenta desesperadamente amamentar, chora compulsivamente. Como que sentindo o estado da mãe, Francisco não consegue pegar o peito e seu choro se agudiza. Laura perde o controle e aperta o filho contra o corpo. Do lado de fora, no corredor, Edgar está parado junto à porta esforçando-se por respeitar o pedido de Laura. Ouvindo o pranto dos dois, decide entrar mas é interrompido pela chegada de Constância.

Constância: Edgar! O que está acontecendo?

Edgar: D. Constância! Nada, não está acontecendo nada. O que a senhora faz aqui?

Constância: Não minta p´ra mim. Eu ouvi muito bem você e a Laura discutindo e agora vejo você parado aí enquanto meu neto acorda a casa inteira. Vamos, me conte logo o que houve.

Edgar: Nada disso lhe diz respeito, não se meta, por favor.

Constância: Pois muito bem. Se você não quer me dizer, eu mesma descubro.

Sem demoras, a baronesa abre a porta e entra no quarto mas se assusta com o que vê. Com os cabelos desgrenhados e o seio esquerdo à mostra, Laura anda de um lado para o outro tentando dar o peito ao filho que não dá trégua. As lágrimas percorrem-lhe a face e o pescoço e o leite escorre de seus seios. Chocada com o estado da filha, Constância anda calmamente na sua direção e estende os braços para receber o neto.

Constância: Laura, me dê o Francisco. Vamos filha, me dê o menino e recomponha-se – fala serena.

Laura: Mãe! Porquê ele não mama? Porquê ele não para de chorar? – questiona aflita entregando o pequeno à avó.

Constância: Porque você está nervosa e ele sente isso. Se acalme querida e você vai ver que ele pegará seu peito. Passe uma água no rosto, respire fundo e controle-se Laura.

Laura entra no quarto de banho e Constância vira-se para Edgar que permanece congelado junto à porta.

Constância: O que foi que você fez p´ra deixar a minha menina nesse estado deplorável?

Edgar: Esse assunto diz respeito somente a mim e à Laura. Agradeço a sua ajuda mas a nossa conversa não envolve a senhora, D. Constância – diz olhando-a nos olhos.

Constância: Catarina Ribeiro! Claro, que outro motivo poderia ser? Sei bem que essa mulherzinha desclassificada continua no Rio. Eu o avisei Edgar mas você não me deu ouvidos. Deixou essa mulher à vontade sabendo o quanto isso prejudica nossa família, a Laura. Tudo isto já foi longe demais e eu não vou…

Edgar: … realmente a senhora vai mas é sair daqui agora mesmo, antes que eu perca a paciência e o respeito que ainda lhe tenho.

O retorno de Laura põe fim à discussão dos dois. Mais calma e alinhada, a jovem pega Francisco no colo e senta-se na cama preparando o peito. O menino mama avidamente e Laura respira aliviada.

Laura: Mãe, a senhora pode ir agora. Obrigada.

Constância: Eu fico com você mais um pouco, até ele…

Laura: Não mãe. Vá, por favor, eu já estou bem. Não foi nada, apenas me descontrolei com medo dele não querer mais meu leite.

Constância: Se você prefere assim, eu vou. Aproveito e peço p´ra trazerem seu café da manhã.

Constância se aproxima da cama, dá um beijo na testa da filha, afaga o neto e sai contrariada fulminando Edgar.

Laura: Você – diz magoada olhando para o marido – fica.

Edgar tranca a porta atrás de si e, passando as mãos pelos cabelos, vai sentar-se na cama junto da esposa. Visivelmente triste e ciente de sua culpa ele tenta se desculpar.

Edgar: Me perdoa Laura. Você tem razão, eu fiz tudo errado. Eu deveria ter dito a verdade, devia ter sido mais firme com a mãe da Melissa. Me perdoa, por favor. Eu prometo que dessa vez ela vai embora. Assim que você estiver em condições de viajar, nós voltamos p´ro Rio e eu coloco ela no primeiro navio que saia do porto.

Laura: É bom mesmo que ela vá porque se ela ficar Edgar, quem vai embora sou eu.


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