Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 16
"Bem-vindo"




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Isabel e D. Maria se assustam com o grito vindo do andar de cima. Desesperadas, correm escada acima e entram abruptamente no quarto de Laura. Não a vêem. Chamando o nome da jovem incessantemente, percorrem o cómodo e o banheiro quando ouvem um choro dolorido que vem da varanda. Isabel encaminha-se rapidamente e encontra a amiga. Aninhada na pedra fria do chão, Laura segura o ventre com ambas as mãos. Tremendo e chorando de dor, não consegue falar. Isabel chama D. Maria e se ajoelha ao lado da amiga.

Isabel: Laura, o que houve? Fala alguma coisa, pelo amor de Deus.

D. Maria: Ai meu Deus! Menina Laura…. É melhor levá-la p´ra dentro.

Com algum esforço, as duas rodeiam Laura e, segurando-a pelos braços, arrastam-na até à cama. Isabel coloca a mão na testa da amiga e nota que ela está febril.

Isabel: Você está ardendo em febre Laura. Me diz o que está sentindo p´ra gente te ajudar.

Laura: Dói, … minhas costas Isabel, …. Eu acho que chegou a hora.

Isabel: Você está sentindo as dores do parto? Mas seu pai disse que ainda faltam algumas semanas! Tenta se acalmar um pouco, quem sabe a dor passa. D. Maria, prepare um chá p´ra Laura, por favor.

D. Maria: Preparo sim, e a menina descanse que sua criança não há-de nascer por hora.

Laura: Tomara… porque eu não posso ter o bebê sem o Edgar aqui.

Com a ajuda da amiga, Laura se recosta nos travesseiros apoiados na cabeceira da cama e tenta controlar a respiração. Seu rosto vai perdendo o tom rosado e algumas gotas de suor descem da testa até ao queixo. Isabel retira-lhe os sapatos e as meias e tenta reconfortá-la.

Isabel: Vocês já pensaram no nome?

Laura: Mais ou menos. Discutimos algumas ideias mas concordamos em decidir apenas quando nascer – conta esforçando-se por esboçar um sorriso – Isabel? Estou com sede. Você pode pegar um pouco de água p´ra mim?

Isabel: Claro, a D. Maria deixou a jarrinha ali na cómoda. Vou pegar p´ra você.

Laura fecha os olhos. Sua boca está notoriamente seca e sua blusa já deixa transparecer a humidade provocada pelo suor febril. Tenta se mexer um pouco mas uma nova contração a impede. Gemendo de dor, aperta a coberta da cama com a mão esquerda e leva a direita ao fundo da barriga. Isabel se aproxima dificilmente disfarçando sua preocupação e a ajuda a beber um pouco de água.

Isabel: Você não me parece nada bem. Vou pedir para enviarem um bilhete ao seu pai. Já volto.

Laura: Não me deixe aqui sozinha, por favor. Estou morrendo de medo Isabel – implora emocionada.

Isabel: Eu vou só pedir p´ra D. Maria enviar o bilhete e volto logo, prometo. Não fique assim minha amiga. Vai correr tudo bem.

Isabel sai do quarto num passo firme deixando a amiga entregue ao desespero. Laura pensa no bebê, no receio do parto, em Edgar que não chega e no estado lastimável em que está. A roupa colada no corpo começa a incomodá-la cada vez mais. Sente dificuldade em respirar. Levando as mãos ao rosto, sente o frio das gotas de suor acumuladas e tenta despir a blusa. Sem força para desapertar os botões, deixa cair o braço esquerdo e acaba derrubando o copo de água que Isabel pousara na mesinha ao lado da cama. Alertada pelo barulho dos vidros estilhaçados, Isabel volta ao quarto mas não sabe mais o que fazer. Laura se contorce na cama e solta um grito pavoroso que a faz dobrar o corpo.

Isabel: Laura!

Laura: Me ajuda Isabel, por favor. Minhas pernas…

Isabel: Sua saia, … a cama, … está tudo molhado…

Laura: Minhas águas… rebentaram… não… meu filho não pode nascer agora… – fala aflita.

Isabel vai até à porta do quarto e chama D. Maria. A senhora não tarda a aparecer e, junto com Isabel, despem as roupas de Laura. Uma menina bastante jovem ainda, entra no cómodo segurando alguns panos lavados e uma bandeja com água quente. Era a filha mais nova de D. Maria. Cumprindo as ordens da mãe, pousa tudo numa mesinha junto à cama e se retira. Laura está apenas de camisola. Isabel a acomoda na cama, de modo a que possam ajudá-la no parto mas Laura refuta.

Laura: Não, não, não vou ter o meu filho sem o Edgar.

Isabel: Laura, eu lamento muito mas a gente não pode esperar mais. Seu bebê precisa nascer. Você é forte, vai correr tudo bem e o Edgar chegará logo.

D. Maria: Vamos menina, abra as pernas que nós vamos ajudá-la a trazer essa criança ao mundo.

Chorando e gemendo, Laura aperta as mãos nos ferros da cabeceira da cama e encosta as pernas meio dobradas uma contra a outra tentando atrasar o parto. Isabel e D. Maria fazem o possível para persuadi-la mas Laura não cede.

No exterior da casa, alguns homens arrumam as ferramentas depois de mais um dia de trabalho no campo. A noite estava quase caindo quando o barulho do motor de um automóvel se faz ouvir vindo do longínquo portão da fazenda. Com um semblante cansado e esforçando-se por não adormecer, Edgar conduz lentamente o automóvel até junto da imponente escadaria que decorava a fachada da casa. O jovem sai e retira Melissa que dorme tranquilamente quando a voz de uma menina o chama do alto da escada.

Menina: Dr., Dr., venha depressa. Seu filho está nascendo.

Edgar fica petrificado com o que ouve. Faz menção de se mover, quer correr para junto de Laura, ver o rosto de seu filho mas os nervos gelam seu corpo. Vendo o estado do advogado, a filha de D. Maria desce e pega Melissa no colo.

Menina: Vamos, suba. Eu levo a pequena p´ra sala.

Como que despertando de um sono profundo, Edgar desata a correr pela escada pulando alguns degraus. Um largo sorriso se desenha em seus lábios e seus olhos brilham intensamente. Num instante ele se acha em frente à porta fechada do quarto. Ouvindo os gritos dilacerantes da esposa, ele roda o punho e entra. A imagem de Laura sentada na cama completamente ensopada em suor e lágrimas tentando desesperadamente impedir que seu filho nasça, provoca o pânico em Edgar. Um arrepio lhe percorre a espinha mas ele luta contra o medo e avança em direção à cama. Laura não consegue acreditar no que vê. A presença do marido era tudo o que ela mais desejava. Isabel e D. Maria respiram aliviadas. Em silêncio, Edgar despe rapidamente o paletó e a gravata e descalça os sapatos. Com cuidado, toma as mãos de Laura e a afasta um pouco da cabeceira da cama abrindo algum espaço. Decidido ele se senta por trás da esposa e a encaixa em suas pernas. Dando-lhe um beijo doce nos cabelos molhados, segura as mãos dela com suave firmeza e, olhando para Isabel que, de frente para eles se prepara, Edgar corta o silêncio.

Edgar: Meu amor, eu estou aqui, deixe o nosso filho nascer.

Automaticamente, Laura afasta as pernas, encosta a cabeça no peito de Edgar e faz força. Apertando desesperadamente as mãos do marido que seguram as suas, a jovem solta um grito. Edgar a segura firme contra o seu corpo e grita também dando-lhe ânimo.

Edgar: Isso Laura, força meu amor, força.

Isabel: Mais um pouco Laura, vamos, eu já vejo a cabecinha.

D. Maria: Quando a dor chegar, respire e puxe com força – aconselha enquanto limpa o suor que escorre do rosto de Laura.

As contrações se sucedem até que Laura não distingue mais a dor que lhe toma conta do corpo. Depois de alguns minutos que lhe pareceram horas e já sem forças, seu rosto pálido e exausto se alegra ao ouvir o tão esperado choro. Seu filho nascia um pouco antes do tempo mas aparentemente forte. Emocionada, Isabel pega o bebê, corta o cordão umbilical com uma tesoura e o ergue nos braços anunciando:

Isabel: É um menino! Um menino lindo e perfeitinho.

Ninguém segura as lágrimas. Abraçando a esposa por trás, Edgar chora de alegria. Seu sonho se cumpria. Era pai de um menino com a mulher que amava. Laura estende os braços trémulos de cansaço e felicidade e recebe seu filho das mãos de Isabel. Carinhosamente o envolve nos braços e o leva até ao peito. A jovem olha para Edgar que ri e chora ao mesmo tempo.

Laura: Como ele é lindo. Tem os seus olhos meu amor. Eu nem sei o que dizer, nunca pensei que pudesse ser tão feliz.

Edgar: Ele é lindo mesmo, o bebê mais lindo que eu já vi. Puxou a você, com certeza. Estou tão feliz que sinto que vou explodir. Obrigado Laura, obrigado por me fazer o homem mais feliz do Universo.

Edgar coloca seus braços à volta de Laura que segura o bebê e, com um pano limpo e húmido que D. Maria lhe dera, limpa cuidadosamente o rostinho do filho que choraminga.

D. Maria: Ele precisa se alimentar menina. Dê seu peito a ele.

A sábia senhora sai com Isabel levando as roupas e os panos sujos de sangue. Sozinhos, Laura e Edgar não tiram os olhos do pequeno até que a jovem se decide a alimentar o filho. Edgar pousa o pano com que limpava o menino e, delicadamente, decai a alça direita da camisola de Laura. Movendo o braço devagar, ela se solta do tecido deixando o seio à mostra. Com esmero mas um pouco receosa, Laura leva a cabecinha do bebê de encontro a si e o ajuda a segurar o peito. Sôfrego, o menino mama avidamente sob o olhar feliz e comovido da mãe e do pai. À medida que vai se habituando ao sabor do leite quente que emana da mãe, o pequeno coloca a mãozinha no seio de Laura. Aquele gesto inocente do filho os comove ainda mais. Laura controla o desconforto inicial que aquilo lhe provoca no corpo e se deixa cair lentamente sobre o corpo de Edgar. Vencidos pelo cansaço, os dois repousam encostados um no outro contra os travesseiros enquanto observam o filho mamar.

Edgar: A gente precisa decidir o nome dele.

Laura: Se você concordar, eu acho que já sei qual é.

Edgar: Ah é? Então me conta.

Laura: Francisco! Francisco Assunção Vieira.


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