Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 15
"Embates, Mentiras e Espera"




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Enquanto Constância abandonava o hotel depois de humilhar Catarina, Laura recebia em seu quarto a visita de Isabel. A pedido da esposa, Edgar mandara chamá-la. Estarrecida com o aspeto fragilizado da amiga, Isabel se senta ao seu lado na cama e tenta animá-la.

Isabel: Oh Laura, fiquei tão preocupada quando recebi o bilhete do Edgar. Você ´tá bem, ainda sente alguma dor?

Laura: Desculpa, não queria te assustar, apenas te ver. Conversar com a minha melhor amiga me acalma muito. O susto já passou, já não sinto dores. E agora que você está aqui, que tal falarmos de coisas boas? Me conta, como vai sua situação com o Zé?

Isabel: Ah Laura, o Zé ´tá todo feliz que a gente voltou mas me corta o coração toda a vez que ele me olha daquele jeito dele e eu lembro que não estou sendo verdadeira. Eu queria tanto ter coragem de contar que fui de outro, mas eu sei que ele não vai aguentar e eu… eu o amo tanto – conta chorosa.

Laura: Eu entendo suas dúvidas e seu sofrimento. Também prezo muito a verdade, você sabe, mas, nesse caso, eu acho que o melhor p´ra todos é você não contar nada. P´ra quê estragar uma relação tão bonita com algo que não teve significado nenhum e só te faz sofrer? – diz tentando consolar a amiga e segurando-lhe a mão.

Isabel: É e eu também não vim aqui p´ra falar de tristezas e sim p´ra te animar. O Edgar me disse que você tem uma coisa p´ra me dizer. Estou curiosa.

Laura: Depois do que aconteceu eu decidi que vou afastar-me do Rio pelo menos até ao bebê nascer – fala um pouco triste.

Isabel: Como assim? P´ra onde você vai?

Laura: P´ra fazenda que os meus pais ainda possuem perto de Petrópolis. É um lugar calmo que é tudo o que eu preciso agora. Eu queria muito ter meu filho aqui mas, … não posso arriscar. Se aquela mulher aparecer aqui de novo eu não sei…

Isabel: Ei, ei, esquece aquela mulher. Pensa em você, no seu filho, no Edgar. Se é o melhor p´ra vocês... Não sei como vou passar tanto tempo aqui sem você mas é por uma boa causa.

Laura: Isso é outro assunto que queria te dizer. Eu pensei e, se você puder e quiser, claro, eu gostaria muito que você viesse comigo – pede esboçando um sorriso e olhando a amiga como que implorando por uma resposta positiva.

Isabel: Ir com você? P´ra fazenda dos seus pais? Laura, eu não sei se é boa ideia. Nossa, eu ia adorar passar uns tempos longe de tudo isso, acompanhando a sua gravidez de perto, ver meu afilhado ou afilhada nascer mas, a sua mãe nunca ia aceitar e tem o meu trabalho no Teatro.

Laura: Não se preocupe com a minha mãe. D. Constância não tem o direito de escolher com quem eu me relaciono. Quanto ao seu trabalho eu realmente não tinha me lembrado.

Isabel: Vou falar com o Sr. Mário. Eles ainda estão escolhendo a próxima peça e com os ensaios não deve estrear tão cedo. Você já sabe quando partem?

Laura: Talvez na próxima semana. O meu pai diz que eu preciso me recuperar primeiro porque a viagem é longa e difícil e não podemos correr riscos. Fale com a Companhia, se precisar o Edgar vai lá e confirma que você vai comigo. Só de pensar que poderei ter você lá comigo já me sinto muito melhor.

Felizes com a possibilidade de passarem os próximos meses juntas, Laura e Isabel conversam mais um pouco até que a camareira se despede e vai embora. Laura está radiante com a ideia e partilha com Edgar. Na manhã do dia seguinte, o advogado acorda cedo e sai. Instruída por ele, Matilde diz a Laura que o marido saiu para ver alguns clientes e estará de volta até à hora do almoço. Contudo, a jovem fica na dúvida. Sozinha no quarto, se recorda de Catarina, da sua presença naquela casa e da promessa que Edgar lhe fizera. “Ele deve ter ido procurá-la.”, pensa. Tentando abster-se da lembrança, pega um livro da mesinha de cabeceira e dá início à leitura.

Edgar caminha pensativo pela cidade. O cartão com o endereço do hotel havia sumido. Faz um esforço por se lembrar o que poderá ter acontecido. “Talvez a Matilde tenha encontrado e guardou em alguma gaveta… Não, ela não faria isso. Preciso descobrir esse endereço. Não posso deixar que Catarina volte lá em casa. Se isso acontecer a Laura, … o meu filho…, não.” Por entre um turbilhão de hipóteses, uma sobressai de súbito. “D. Constância! Claro, só pode ter sido ela.” Certo de que a sogra era a responsável pelo desaparecimento do cartão, Edgar apressa o passo em direção à casa dos Assunção.

Constância instrui Luzia para o almoço quando o genro irrompe pela porta de sua casa. Irritado e sem meias palavras, o advogado é direto.

Edgar: D. Constância onde está o endereço do hotel em que Catarina se hospedou?

Constância: Edgar! Enlouqueceu de vez? O que lhe deu para entrar assim de rompante em minha casa?

Edgar: Não fuja do assunto. Só pode ter sido a senhora. Vamos, me devolva o cartão.

Constância: Não precisa se preocupar mais com essa desclassificada. Eu mesma já dei um basta nessa situação – diz serena.

Edgar: O que foi que a senhora fez? Esse assunto não lhe diz respeito, a senhora não pode entrar na casa das pessoas e ir pegando o que não lhe pertence, muito menos tem o direito de se intrometer assim na vida dos outros.

Constância: Fiz o que deveria ser feito. Já que você não soube cuidar para que essa mulher ficasse bem longe da minha filha, eu mesma tomei providências. Portanto Edgar veja como fala comigo. Está em minha casa e me deve respeito.

Edgar: Respeito? O que a senhora sabe exatamente sobre essa palavra? Nada, nada D. Constância. Mas eu não tenho tempo p´ra discutir com a senhora. Vamos, me devolva o endereço, por favor.

Constância: Veja bem o que vai fazer Edgar. Se eu souber que essa mulher continua no Rio, saiba que não medirei esforços para acabar com ela. Não vou permitir que um erro que você cometeu ainda noivo de Laura prejudique ainda mais essa família. Minha filha já faz muito aceitando a bastarda debaixo do mesmo teto e todos nós estamos sendo bastante tolerantes com o estrago que isso causou na imagem dos Vieira e dos Assunção.

Edgar: É só isso que a preocupa… as aparências, o que a sociedade vai dizer. A minha mulher e os meus filhos são as minhas únicas preocupações. Não precisa mais se preocupar connosco.

Constância devolve o cartão e Edgar sai apressado derrubando um vaso de lírios coloridos que enfeitava um pequeno armário perto da porta. Pouco tempo depois, o advogado chega ao hotel. Para evitar comentários maldosos, Edgar pede que informem a cantora de que uma visita a aguarda no salão do bar. Catarina não tarda a aparecer e não disfarça a felicidade ao ver que ele cumprira a promessa. Desfilando sua importância mediática de outros tempos, aproxima-se da mesa onde Edgar a espera e se desfaz em amabilidades.

Catarina: Edgar, que bom que veio. Fiquei preocupada por não ter aparecido ontem mas eu sabia que ainda posso confiar em sua palavra. Você trouxe a Melissa? Estou que não me aguento de tanta saudade.

Edgar: Aconteceu um imprevisto e não pude vir ontem. Melissa não veio comigo. Antes de vê-la, nós dois precisamos ter uma conversa muito séria.

O semblante de Catarina se fecha. Se fazendo de ofendida ela o encara com um olhar firme e se mostra revoltada.

Catarina: Como não trouxe a Melissa? Você me prometeu que traria minha filha para que eu a visse. Está tentando me afastar da minha menina? Eu sou a mãe dela, tenho direito de vê-la.

Edgar: Catarina acalme-se. Eu não disse que você não verá a Melissa. Eu disse que por agora, nós dois vamos conversar. Amanhã combinamos em algum lugar e eu levo a Melissa p´ra ver você.

Catarina: Amanhã então. Sem desculpas dessa vez. Diga, o que tanto quer conversar comigo?

Edgar: As cartas. Eu enviei três cartas p´ra você desde que saí de Portugal. A última em resposta à que você me enviou. Estou certo de que não me enganei no endereço portanto, não entendo como você não recebeu nenhuma delas – afirma num tom desconfiado.

Catarina: Está duvidando de mim? Porquê eu diria que não recebi suas cartas? Edgar, você não imagina como me doeu entregar a minha filha p´ra você trazer p´ro outro lado do oceano. Foi como se arrancassem um pedaço do meu coração – exagera deixando cair algumas lágrimas – mas eu fiz por amor à Melissa. Eu tentei retomar minhas aulas de canto mas a saudade apertava, não recebia notícias… pensei o pior e quando dei por mim já estava no navio a caminho do Rio.

Edgar: E em momento algum você pensou em me avisar de que viria? Eu teria dado um jeito mas sob hipótese alguma você podia ter aparecido dessa forma aqui, na minha casa. Mas tudo bem, você já veio então agora não nos resta outra alternativa a não ser resolver isso. Nosso acordo continua de pé. Você vai ver a Melissa e em poucos dias voltará para Lisboa.

Catarina: Claro, o nosso acordo. Tenciono passar alguns dias aqui, matar a saudade da minha filhinha e rever alguns amigos do passado. Assim que comprar a passagem de volta eu aviso você – mente descarada.

Edgar: Ótimo. Amanhã então nos encontramos no final da tarde no Jardim Botânico para que você esteja um pouco com a Melissa. Agora vou indo e lembre-se, serão só alguns dias. Ah, e Catarina... nunca mais volte na minha casa. Se precisar de alguma coisa mande um bilhete. Naquela casa você só entra se for convidada e isso nunca irá acontecer.

Edgar abandona o salão e vai embora. Catarina demora-se um pouco mais observando-o afastar-se. Revoltada com a frieza e a desconfiança de Edgar, ela já pensa no próximo passo. Sua farsa resultara. Agora tinha alguns dias para encontrar a desculpa perfeita para convencer Edgar sobre sua permanência no Brasil. Até lá ficaria quieta.


Os dias se sucedem. Isabel consegue a permissão de Mário para ir com Laura para a fazenda e Edgar cumpre seu acordo com Catarina. Embora contrariada, Constância aceita a presença da camareira em nome do bem estar de sua filha e, juntamente com Assunção, todos partem em dois carros alugados. Depois de algumas horas de viagem, chegam finalmente à imponente fazenda e são recebidos pelos caseiros. Laura e Edgar se acomodam no quarto que fora da jovem nos tempos em que seus pais ali viviam. Estava diferente. A cama era agora maior e elegantemente coberta com os melhores tecidos. O aprumo das ordens da baronesa fazia-se sentir. Havia flores em todos os cómodos da casa e o cheiro fresco do campo amenizava o peso da construção em estilo Barroco. Caminhando com alguma dificuldade, Laura percorre o quarto que habitará por alguns meses e se surpreende quando Edgar e Assunção entram carregando um belo berço rústico em madeira. Atrás deles, Isabel e Constância em aparente trégua entram com as roupas e finas rendas beges que a baronesa separara para revestir o leito do primeiro neto. Visivelmente emocionados, todos colaboraram e rapidamente o quarto ganha vida.



Longe dos problemas, Laura passava os dias em longas e animadas conversas com Isabel. Edgar ia ao Rio uma vez por semana e fazia por não se demorar mais do que dois ou três dias. Suas viagens eram necessárias para os negócios e para que Catarina não desconfiasse de nada já que, com a desculpa da saúde de Melissa e a promessa de um recital, conseguira atrasar seu retorno a Lisboa. A menina acompanhava por isso o pai em todas as idas e vindas entre a fazenda e a capital. Porém, com medo da reação de todos, o advogado preferiu guardar segredo e apenas seu amigo Guerra sabia que a cantora ainda estava no Rio. Assunção e Constância não mediam esforços e impunham sua presença na fazenda todos os fins de semana. Ansiosos com a proximidade da chegada da criança, também Margarida e Bonifácio faziam visitas esporádicas.


Numa dessas tardes em que o sol brilhava alto e a brisa do campo perfumava o ambiente, Laura dormita levemente na varanda do seu quarto esperando ansiosa Edgar que partira dias antes para mais uma viagem à capital. Um raio de sol lhe ilumina o ventre perfeitamente desenhado e enquadrado em seu corpo esguio. Na cozinha, Isabel prepara com Maria, a cozinheira, o lanche reforçado da gestante quando um grito dilacera a tranquilidade da casa.


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