Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 14
"Ataque à Cotovia"




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Edgar: Eu não estou entendendo. O Sr. quer levar a minha mulher p´ra ter o meu filho longe de mim numa fazenda a quilómetros do Rio por estradas esburacadas? Isso é loucura.

Dr. Assunção: Loucura é a Laura continuar nessa casa correndo risco de perder o meu neto. Edgar, você pode ir junto, aproveitam p´ra esfriar a cabeça e quando o bebê nascer vocês decidem o que fazer.

Edgar: Mas eu não posso me ausentar do Rio agora, assim de repente. Eu tenho vários processos a decorrer e tem a Melissa. Com a mãe dela aqui eu não posso simplesmente desaparecer.

Constância: Depois de tudo que essa mulher causou na vida da minha filha você ainda se refere a ela nesse tom natural? Ora Edgar. Leve a menina ou se preferir deixe-a com a mãe, já que você confia tanto nessa desclassificada.

Laura: Essa discussão não vai resolver nada. Estou decidida, vou p´ra fazenda com ou sem você, Edgar. Pai, quando o Sr. acha que podemos partir?

Dr. Assunção: O que você passou hoje foi muito sério filha. Você precisa se recuperar primeiro. A viagem ainda é longa e, de fato, as estradas não são as melhores. Vou alugar um carro e mandar preparar tudo p´ra te receber e entretanto a senhora trate de se alimentar direito, nada de grandes emoções e repouso absoluto.

Edgar: Vejo que não adianta argumentar. Tudo bem, a gente vai p´ra fazenda. Dr. Assunção, não precisa se preocupar com a viagem, eu mesmo alugo o carro. Vou precisar de um por todo o tempo que ficarmos por lá já que terei que vir ao Rio a trabalho.

Laura: Então você vem comigo? – questiona mais animada.

Edgar: E você achou que eu ia deixar você ir sem mim? Laura, eu não vivo sem você meu amor. Aonde você for eu vou também. Eu quero estar por perto quando chegar a hora do nosso filho vir ao mundo.

Laura: Que bom. Eu já estava achando que você ia me deixar sozinha, eu não sei se eu ia aguentar ficar longe de você – diz esboçando um leve sorriso por entre o rosto visivelmente abatido.

Dr. Assunção: Fico feliz que tenhamos chegado a uma conclusão. Agora vamos embora, você deve dormir um pouco Laura. Amanhã de manhã eu venho te ver – promete beijando a testa da filha.

Constância, que ainda se achava sentada na cama ao lado de Laura, a beija também e se despede recomendando inúmeros cuidados. Junto com Assunção, abandonam o quarto. Edgar acompanha os sogros até à porta e volta para junto da esposa. Nenhum dos dois diz nada. De pé em frente à cama, Edgar começa a se despir admirando encantado a esposa que, de olhos fechados, parece dormir.

Laura: Sei bem que você está me olhando.

Edgar: Sabe é? E eu que julguei que você estava dormindo. Laura… – diz se aproximando dela – eu nunca senti tanto medo na vida como eu senti hoje quando te vi daquele jeito e pensei que o nosso filho…

Laura: Shh, shh – silencia tocando-lhe os lábios – não fala… me dá sua mão – pede enquanto puxa a mão do marido e a posiciona sobre o ventre.  ´Tá sentindo como ele mexe aqui dentro?

Edgar: Sim, eu sinto. Nossa, parece que está lutando contra sua barriga. – comenta rindo emocionado.

Laura: Lembra quando você me garantiu que ela ia chutar bem desse lado?

Edgar: Lembro bem. Agora vem cá, a gente ainda não pensou no nome. Já não falta muito tempo, precisamos falar sobre isso e decidir antes que os nossos pais venham com ideias nobres como Henriqueta… Horácio… – brinca.

Laura: Nem pensar. O nome quem decide somos nós mas não agora que eu estou esgotada. Tudo o que mais quero agora é o meu marido aqui, do meu lado, me enchendo de mimos até eu dormir – fala dengosa.

Edgar: Com certeza. Fique aqui quietinha enquanto eu tomo um banho rápido. Hoje vou contar uma historinha p´ra você dormir – ri. – A Matilde vai dormir no quarto da Melissa assim eu só tenho que me preocupar exclusivamente com a senhora.

A noite passa plácida. Na residência dos Assunção, Constância e o marido terminam o café da manhã e contam a Albertinho o sucedido do dia anterior. Inquieta, a baronesa se levanta da mesa e se despede dos dois com a desculpa de que vai visitar Carlota. Luzia, sua criada e capacho, lhe faz companhia no passeio. O coche da família para em frente ao Hotel Central. Constância desce e retira da bolsa o cartão que desviara na noite anterior da casa da filha. Está no sítio certo. Altiva e com o passo firme de sempre, a baronesa entra e logo chama a atenção dos funcionários que correm para servi-la.

Funcionário: Bom dia senhora. Em que posso ser-lhe útil?

Constância: Bom dia. Por gentileza, me indique o quarto de Catarina Ribeiro. Combinamos um chá mas ela não apareceu, fiquei preocupada.

Funcionário: Pois não senhora. Vou pedir para avisarem a senhorita Ribeiro que a espera.

Constância: Não precisa avisar. Somos amigas há muitos anos, não há necessidade de tais formalidades. Me diga apenas qual o quarto e eu mesma a procuro. Estou certa de que ficará surpresa com a minha presença – diz sorridente estendendo discretamente algum dinheiro.

O funcionário cede e informa o número do quarto da cantora. Constância sobe ao 1º andar e depressa para junto à porta do quarto 113. No interior do cómodo, Catarina ultima os detalhes da toilette do dia quando é interrompida pelas batidas na porta. Seu sorriso vitorioso reflete no espelho à sua frente. Julgando ser Edgar ela corre para a porta mas quase tem uma síncope ao ver a baronesa que, impávida e serena a olha com certa repugnância. Sem esperar pelo convite, Constância irrompe calmamente pelo quarto reparando em tudo ao seu redor. O luxo do hotel era notório. Incrédula, com o atrevimento daquela mulher Catarina a encara.

Catarina: Mas o que vem a ser isto? Quem a senhora pensa que é para ir entrando assim no meu quarto? Saia imediatamente ou eu grito.

Constância: Realmente, vejo que não me enganei a seu respeito. É vulgar como imaginei, tem péssimo gosto e se julga muito esperta – enfatiza irónica olhando-a de cima a baixo.

Catarina: Como se atreve a me insultar? Nem a conheço…

Constância: Minha cara, eu dispenso apresentações mas já que insiste, pode ajoelhar e lamber o chão que eu piso. Afinal, não é todos os dias que uma simplória como você tem a sorte de estar diante da Baronesa da Boavista, futura esposa de um influente senador da República e uma mãe que não olha a meios para proteger os filhos.

O choque de Catarina aumenta agora que sabe de quem se trata. À medida que vai se refazendo do primeiro impacto, a cantora se aproxima e encara Constância sorrindo cínica.

Catarina: Ah, mas é claro. A mãe de Laura… eu devia ter adivinhado mas faz tempo que a Monarquia caiu aqui no Brasil e eu pensei que a senhora baronesa tinha ido junto. Me perdoe se não reconheci o fantasma que está na minha frente.

Constância: Fantasma? – gargalha. – Cotovia, cotovia… você ainda vai desejar que eu seja mesmo um fantasma porque eu estou prestes a transformar a sua vida num inferno. A menos que a nossa conversa corra bem, claro. Mas, para isso acontecer, eu devo alertá-la que termina com você ainda hoje zarpando daqui no próximo navio.

Catarina: E o que lhe dá tanta certeza de que isso irá acontecer? Assim como a senhora, eu também sou mãe zelosa e se estou aqui é por causa da minha filha. Mas eu entendo. Está apenas defendendo a família, não é mesmo? Já agora, como vai a Laura?

Constância: Não seja cínica. Conheço muito bem o tipo de mulher que você é. Confesso que até estou sentindo pena da menina. Sorte a dela que Edgar é um homem generoso e fez a caridade de cuidar dela. Agora você, não passa de uma cantorazinha reles. Sei exatamente o que procura aqui no Rio mas eu vim poupar-lhe tempo. Arrume as suas tralhas e suma daqui. Não ouse nunca mais chegar perto da minha filha ou de quem quer que seja que habite aquela casa. Ontem, foi a primeira e a última vez que você pisou aquele chão.

Catarina: Por acaso a senhora está me ameaçando, baronesa? Porque se está, saiba que não me intimida nem um pouco.

Constância: Eu? Ameaçando? Ora, não me confunda com as mulheres de sua estirpe. Eu não faço ameaças, eu dou avisos, pequenos mas muito proveitosos conselhos. Uma mulher da minha classe tem vários meios de conseguir o que quer sem precisar recorrer a tão baixo recurso. Estou até disposta a lhe fazer um agrado para que não diga que estou sendo injusta. Me ofereço para financiar a sua viagem de regresso. Você escolhe o destino… de preferência um que tenha um grande palco onde você possa retomar a sua carreira internacional… Ah, já sei, que tal um desses navios de cruzeiro que percorrem o Atlântico entre a Europa e o norte da América? Decerto clientes não lhe faltarão em alto mar.

Catarina ferve com as insinuações ofensivas de Constância e, não se contendo, levanta a mão para sová-la. Porém, a baronesa de novo se antecipa e segura firme a mão da cantora penetrando-a com o olhar. Sem lhe dar tempo para reagir, Constância acerta uma valente bofetada na cara de Catarina que vai ao chão. Séria e encurtando o discurso enquanto se prepara para sair ela termina:

Constância: Isso, como lhe disse, foi apenas um aviso. Não se atreva a permanecer mais um dia que seja nesse país. Não suporto partilhar o ar que respiro com gentalha.

Catarina permanece jogada no chão do quarto. Lágrimas de ódio escorrem de seus olhos arrefecendo sua bochecha esquerda ainda quente e onde Constância marcara seus delicados dedos. Erguendo-se com dificuldade, a cantora cerra os punhos e promete vingança. Seu retorno a Portugal estava suspenso por tempo indeterminado agora que fizera uma nova inimiga, Constância Assunção.


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