Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 12
"Uma Visita Inesperada"




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Laura: Claro que é daquela mulher. De quem mais poderia ser, não é mesmo? Você não vai abrir? – pergunta contendo a raiva.

Edgar: Vou. Imagino que ela só quer notícias da Melissa. A última carta que enviei já faz algum tempo.

Laura fixa o olhar na chávena de chá à sua frente esforçando-se por se abstrair enquanto Edgar abre cuidadosamente o envelope e lê:

Lisboa, 15 de Março de 1905

Caro Edgar espero que esta carta te encontre bem. Escrevo porque não me aguento de saudades da nossa filha. Você saiu daqui prometendo que me escreveria mas, até agora, não recebi qualquer correspondência sua. Estou aflita pela falta de notícias, me diga, como está a Melissa? Sinto tanta falta dela e me parte o coração quando penso que não estou acompanhando o seu crescimento.

Aguardo sua resposta ansiosamente.

Catarina Ribeiro


Edgar: Que estranho. Eu enviei duas cartas desde que chegamos. Confirmei várias vezes o endereço, estou certo de que não me enganei. O que será que aconteceu para se perderem logo as duas?


Laura: O endereço para onde você enviou é o mesmo dessa carta?

Edgar: Sim, veja – afirma oferecendo a carta à esposa. – De qualquer forma, vou enviar ainda hoje a resposta. Espero que essa não se extravie.

Laura: Tomara. Bem, vou indo. Marquei uma aula na biblioteca agora de manhã e à tarde combinei com a Isabel de irmos comprar roupinhas p´ro bebê. Pensei em levar a Melissa, você se importa?

Edgar: Claro que não, aliás, te agradeço por isso – diz sorrindo satisfeito e colocando sua mão na de Laura.

Laura: Vi que ela já perdeu a maior parte das roupas que trouxemos de Portugal e, já que vou às compras, aproveito – justifica-se.

Edgar: Eu tenho que ir ver alguns clientes senão também iria com vocês.

Laura: Você? Num programa feminino como esse? Sei… – ri

Juntos terminam o café da manhã e saem para seus compromissos. A manhã decorre normalmente. Depois do almoço, Laura desce até à sala e coloca Melissa no carrinho. Isabel chega entretanto e bajula a menina que ri alegre.

Isabel: Oi Melissa. Como você está crescendo rápido. Você é uma menina de muita sorte, sabia? Hoje você vai ganhar um montão de roupas novas, vai parecer uma princesa de tão fofa.

Laura: Vamos? A gente não pode demorar muito porque essa princesa não pode ficar muito tempo no sol.

Isabel: Ah, Laura, você me deixa empurrar o carrinho? Fico toda mole quando vejo criança e, claro, você também não deve se esforçar… – pede rindo.

Laura: Ai é dona Isabel? Se você está assim agora, não quero nem ver quando seu afilhado ou afilhada chegar…

Isabel: Eh! Não queira mesmo porque eu vou babar tanto essa criança que nem vou dar tempo de você chegar perto.

Laura: Ah ´tá! Experimenta que você vai ver.

Entusiasmadas com a brincadeira, saem com Isabel empurrando o carrinho de Melissa. Pouco tempo depois, o coche para na Rua do Ouvidor e elas descem.

Isabel: E então, você já sabe por que loja quer começar?

Laura: Hum… acho que sim. Nessa direção – diz indicando a rua à direita – tem uma loja de artigos para criança. Podemos começar por lá – diz sem grande certeza.

Isabel: Sim senhora, dona Laura Vieira! – brinca fazendo uma expressão de subserviência.

A tarde prossegue animada. Entre uma loja e outra, vão-se enchendo de caixas até que, já exaustas, param em frente à Confeitaria Colonial.

Isabel: Você quer entrar?

Laura: Não sei Isabel. Estou morrendo de fome e preciso descansar mas…

Isabel: … tem a Melissa! Você está com medo que alguém te questione?

Laura: Não é medo, é só que… se alguém perguntar, eu não vou mentir e… o Edgar não ´tá aqui… ele pode ficar chateado.

Isabel: Laura, – diz segurando a mão da amiga tentando tranquilizá-la – o Edgar sabe que, mais tarde ou mais cedo, isso vai acontecer mas, se você não se sente segura a gente pode ir embora.

Laura: Você tem razão. Não há motivos p´ra adiar o inevitável. Vamos entrar – afirma decidida.

Era o meio da tarde e a Confeitaria estava praticamente cheia de senhoras, senhoritas e cavalheiros da mais fina-flor da sociedade carioca que ali se deleitavam à hora do lanche. Um empregado abre a porta e Laura e Isabel entram com Melissa. Todos param para observar a filha da nobreza que entra amigavelmente acompanhada da descendente de escravos e uma menina branquinha que não sabem quem é. Os olhares não as intimidam. Sentam-se numa mesa e logo fazem o pedido.

Isabel: Estou me sentindo uma das atrizes no palco do Teatro Alheira. Acho que nunca tive tanta gente me olhando – ri comentando os olhares descarados das mesas à sua volta.

Laura: Verdade. Só falta a minha mãe aparecer por aquela porta e o escândalo está garantido. Não passam todos de uns hipócritas. Quero só ver quem será a corajosa que vai vir me felicitar primeiro… ironiza antevendo o próximo acontecimento.

Ao fundo do salão, Gisele Laranjeiras, esposa de um senador da República e amiga por interesse de Constância, não disfarça a curiosidade e o desprezo pela presença de Isabel. Não se contendo, dirige-se à mesa das duas e questiona Laura.

Gisele: Laura? Olá, como vai? Recorda-se de mim? Sou Gisele Laranjeiras, amiga de sua mãe.

Laura: Boa tarde. Me recordo vagamente, como vai?

Gisele: Bem, obrigada. Apenas me perguntava que não me lembro de sua mãe me falar da netinha – diz olhando Melissa.

Laura: Mas eu ainda não dei à luz.

Gisele: Me referia à menina, sua filha, suponho.

Laura: A menina é filha do meu marido – afirma direta.

Gisele: Desculpe? – questiona incrédula e fingindo não ter compreendido.

Laura: A senhora entendeu muito bem e agora, se nos dá licença, estamos de saída. Tenha uma boa tarde.

Laura e Isabel tomam a direção da porta deixando todos estupefactos. Já na rua, as duas respiram fundo e tentam rir da situação.

Isabel: É, não foi tão ruim assim, foi?

Laura: Confesso que pensei que seria pior. Sabe que me sinto mais aliviada?

Isabel: Dá p´ra ver amiga. Você vai contar p´ro Edgar?

Laura: Vou. Não é certo esconder isso dele.

Ambas se despedem. Laura deixa Isabel no Teatro e volta p´ra casa. À noite, a jovem está deitada na cama lendo um livro enquanto espera Edgar que fora deitar Melissa. Incerta da reação dele, pensa na melhor forma de lhe contar o sucedido.

Edgar: Pronto, dormiu – diz aliviado ao entrar no quarto.

Laura: Ótimo, isso significa que temos um tempinho só p´ra nós…

Edgar: Hum… não sei… estou um pouco cansado…

Laura: Ah, que pena! Eu estava com umas ideias…

Edgar (animado): É mesmo? Sabe que, de repente, fiquei curioso? Até já me sinto mais disposto…

Edgar se deita na cama ao lado de Laura e a cobre com seu corpo. Vão-se beijando e trocam carinhos até que Edgar para.

Edgar: Nossa, fiquei tão empolgado que esqueci de te perguntar como foi o passeio. Você nem me mostrou o que comprou – diz fazendo manha.

Laura: Ah, ´tava tão bom… a gente precisa mesmo falar disso agora? – questiona tentando não estragar o momento.

Edgar: Me conta, por favor. Ou aconteceu alguma coisa que você não quer me contar?

Laura: O passeio foi bom. A gente se divertiu bastante e depois fomos até à Confeitaria Colonial – conta séria.

Edgar se afasta e senta-se na cama preocupado. Laura se acomoda nos travesseiros contra a cabeceira e prossegue:

Laura: Edgar, eu te falei que não ia mentir sobre a Melissa…

Edgar: Me conta logo. O que aconteceu?

Laura: Me abordaram e… eu contei que a Melissa é sua filha.

Edgar: Ah, Laura!

Laura: Meu amor, você sabia que isso ia acabar acontecendo. Eu te falei que não ia esconder a verdade e também não acho certo esconder a menina.

Edgar: Tudo bem, eu entendi. Vou dormir, amanhã tenho um dia cheio no fórum. Boa noite.

Visivelmente dececionado, ele dá as costas a Laura e se prepara para dormir. Tentando amenizar o momento, ela retribui o cumprimento e coloca sua mão sobre a dele.


Semanas depois, Laura e Edgar chegam de um passeio em família. Matilde leva Melissa p´ra tomar um banho enquanto o casal se atira no sofá.


Laura: Meu Deus! Eu não pensei que houvessem olhares de reprovação piores do que o da minha mãe mas vejo que estava enganada – comenta rindo.

Edgar: É mesmo. Será que vai ser sempre assim? Eu só temo pelo que pode acontecer com a Melissa quando crescer.

Laura: Não se preocupe. Nós vamos saber prepará-la p´ra enfrentar todo esse preconceito hipócrita – afirma deitando a cabeça na perna de Edgar que lhe afaga os cabelos e acaricia o proeminente ventre de quase 6 meses.

Edgar: Eu quero muito que a Melissa e o nosso filho ou filha sejam pessoas de bem… e que herdem de nós dois essa mania de querer mudar o mundo.

Laura: Concordo!

A conversa prossegue animada quando alguém bate na porta. Sem dar tempo de nenhum dos dois abrir, a figura de Catarina irrompe de supetão pela casa aos berros:

Catarina: Edgar? Onde está a Melissa? O que vocês fizeram com a minha filhinha?


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