Seis meses.

Hinata tirou os óculos grandes e quadrados e colocou o livro em cima da mesinha em frente ao sofá. Sua concentração já não era a mesma de antigamente. Levantou-se e calçou as pantufas de coelho. Sentia falta da época em que se deleitava todas as noites nesse mesmo sofá surrado, com uma generosa xícara de chá e um maravilhoso romance, esquecendo de todos os problemas até o dia seguinte. Uma ingenuidade de sua parte. Os problemas existiam e sempre continuariam a existir. Ela apenas escondia a sujeira embaixo do tapete como fazia agora.

Arrastou-se até a cozinha e resolveu preparar uma sopa. Encheu a chaleira de água quente, pôs para ferver. Abriu o segundo armário, onde guardava potes e embalagens de ervas e temperos, e tirou um pacotinho com sopa pronta. Ludovico, seu gato vira-lata preto e companheiro de apartamento, havia acordado do cochilo e agora se enroscava por entre seus tornozelos, miando em busca de atenção. Virou a cabeça para olhar a Hinata com os olhos verdes brilhantes e fascinados.

– Está com fome também, não está, seu preguiçoso? – Hinata sorriu e colocou um pouco de whiskas sachê no pote de ração. O gato alegremente trotou até o potinho e começou a comer com vontade.

Ficou olhando-o por um tempo, um sorriso firme desenhado nos lábios vermelhos. Ludovico era um gato gordo e tinha o pêlo macio e brilhante. Mas quando ela o encontrou ele era um gato de rua que não alcançava nem 100 gramas, e se alguém passasse a mão por suas ilhargas sentiria cada costela esticada, para não falar da pulsação rápida e febril de seu coração. Ele também levava para o resto da vida uma cicatriz rosa na orelha esquerda, lembrança dos seus tempos de luta por comida. Ludo era a razão pelos melhores momentos de sua vida e, principalmente, por ela ainda continuar a lutar. Acordou dos seus pensamentos ao escutar a campainha do interfone. Olhou para o relógio digital em cima do armário. Eram 8:00pm.

– Sim? – Hinata perguntou, enquanto apertava o botão no lado da geladeira. A chaleira começou a apitar e ela desligou o fogão.

– Hum... Oi...eer... Eu sou Naruto, Uzumaki Naruto, seu novo vizinho – disse uma voz rouca e masculina no outro lado. Ela também escutou uma voz de criança no fundo. – Nós já vamos entrar Mei. Só um segundo. Er, Você ainda está ai?

– Estou, Uzumaki-kun.

– Naruto, por favor. Uzumaki me deixa parecendo um velho – Naruto respondeu alegremente. – Você se chama Hinata, não é mesmo?

Hinata arregalou os olhos. Como ele sabia o seu nome? Será que era algum tipo de stalker...

– Não se preocupe, eu não sou um stalker ou algo assim. – Ele riu alto, parecendo ler seus pensamentos. Hinata franziu a testa irritada. Não havia achado graça alguma. – Eu apenas conversei com outros vizinhos e eles me falaram sobre você. Só coisa boa, pode ficar tranquila.

– É bom saber que falam pelas minhas costas – Hinata disse sarcasticamente. – Mas por que ligou para o meu apartamento, Naruto-kun? Não foi para me conhecer, não é? Porque pessoas normais fazem isso pessoalmente e não pelo interfone.

– Ouch! Essa doeu... mas você está certa... É que... – Naruto pausou por um momento, sua voz parecia constrangida. Ele deu uma leve tosse proposital e completou: – Eu acho que esqueci a chave na porta do meu apartamento quando fui ao mercado e agora eu fiquei pro lado de fora. Então, eu queria saber se você podia abrir o portão pra mim?

– Por que você não pede para o porteiro? – Hinata levantou uma sobrancelha, desconfiada.

– Você é muito desconfiada, sabia? – Poderia ter sido um tom acusador se Naruto não tivesse rido divertido logo depois. – O Shika teve que sair mais cedo hoje. Eu tentei também o apartamento da Sakura-chan, mas ela não está em casa. Pode abrir pra mim?

– Só um minuto.

Hinata se afastou do interfone e abriu a porta do apartamento. Ludovico já estava ronronando satisfeito e a seguiu até o corredor. Ela olhou para a porta do apartamento ao lado. Um solitário adesivo que tinha um símbolo de banheiro feminino desenhado era o que enfeitava a madeira não tão escura. Ela segurou um sorriso no canto dos lábios e comprovou que a chave encontrava-se mesmo na trinca da porta. Seu novo vizinho realmente era um idiota. Ela pegou a chave e voltou para o interfone.

– Naruto-kun? – ela o chamou novamente.

– Oii?

– Pode subir – Hinata apertou o botão de baixo que destrancava o portão.

Um suspiro cheio de alivio soou do outro lado.

– Errr, muito obrigado, Hinata-chan! Você salvou as nossas vidas – Respondeu sinceramente. – Por um momento achei que teria que esperar até o preguiçoso do Shikamaru voltar.

Hinata nada respondeu e desligou o interfone. Caminhou até a porta e encostou-se na soleira da mesma enquanto brincava com o chaveiro de sabre de luz e olhava para o elevador a espera de Naruto. Ela não estava adequadamente vestida para atender um estranho, mas também não ia se trocar para simplesmente entregar a chave ao novo vizinho. Minutos depois um barulho cortou o silêncio do corredor e a porta do elevador se abriu.

Hinata segurou um suspiro.

Naruto era um homem alto, com certeza tinha mais de um 1,80m. Loiro, olhos azuis de matar, físico esculpido como numa escultura de Michelangelo. Era um cara, não iria mentir, gatíssimo. Tinha um estilo meio roqueiro, ombros largos e carregava uma sacola de mercado em uma das mãos grandes e a outra segurava uma pequena criança sentada firmemente em seus ombros.

Era uma linda menininha. Tinha os cabelos quase brancos de tão louros e vestia uma fantasia de princesa. Uma pequena viking de olhos da cor do Ártico. Em todos os sentidos a filha parecia o pai, com exceção das cicatrizes que se alinhavam na pele impecável de Naruto.

– Hinata-chan? – Os olhos dele passaram da regata branca de Hinata para o short listrado em tons pastéis, indo em direção às meias três quartos que também eram listradas em tons pastéis e parou nas pantufas. Ele deu um meio sorriso. – Belos coelhos.

Ela corou levemente.

– Sua chave – Hinata estendeu e sorriu quando a mão gordinha da garotinha pegou a chave de sua mão.

– Como se diz, Mei-chan? – Naruto olhou para a Mei, sorrindo.

– Obegada, Oba-san! – Mei exclamou, enrolando-se nas letras, ainda sem saber falar corretamente, enquanto brincava com o chaveiro da chave.

Hinata riu, achando-a extremamente fofa. Adorava crianças, achava todas adoráveis.

– Ela é uma das crianças mais adoráveis que eu já vi, Naruto-kun. – Ela sorriu.

Naruto deu de ombros, um sorriso bobo em seu rosto, seus olhos azuis brilhando. Não havia nada que ele amava mais do que sua filha.

– Mei tem o meu charme.

– Só espero que ela não seja convencida também – Hinata riu.

– Pelo menos vai ser bonita. – Naruto revidou, também rindo, enquanto Mei apenas passava os olhos sobre os dois, sem realmente prestar atenção a eles.

– ! – Ouviu Naruto exclamar, rindo logo em seguida, enquanto ajeitava Mei em seus braços e sentindo a fralda da menina mais pesada que o normal. – Opa, acho que temos um problema aqui, né, pequena? De novo – ele suspirou, fazendo Hinata abrir um sorriso fraco. Um homem desses trocando fraldas era algo que ela realmente nunca imaginara. – Nos vemos mais tarde, Hinata-chan.

– É, acho que Mei tem que ir mesmo pra casa. – Hinata sorriu, aproximando-se dos dois para se despedir de Naruto com um beijo no rosto, assim como se despediu da menina.

– Foi um prazer, Hinata. – Ele piscou, entrando no apartamento. Hinata sentiu o coração bater um pouco mais rápido.

O que eu estou pensando? Naruto tem uma linda filha e deve ser casado também, Hinata pensou, enquanto entrava em seu apartamento. Seus pensamentos cheios do seu novo vizinho.