Beautiful Bones escrita por loliveira


Capítulo 5
Beleza Escondida


Notas iniciais do capítulo

hayo bitchez



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Eu odeio meu cabelo. Eu odeio o jeito que ele cai no meu ombro e como ele fica frisado à noite, principalmente quando ele não pode ficar frisado. Eu odeio como ele voa toda hora, no simples ventinho e odeio quando eu corto, e ele fica arrepiado. Odeio. Odeio como ele está agora, odeio que eu não fico bonita de coque (como aquelas garotas das revistas adolescentes) e eu odeio que demora um século pra secar, quando eu lavo ele. Odeio como ele é armado e volumoso, então tenho que escovar ele todos dias. Simplesmente não suporto a quantidade de tempo que eu tenho que gastar pra deixar ele apresentar, e mesmo assim eu continuo o odiando.

Mas acima de tudo, eu odeio ele agora, porque Cathy e suas novas amiguinhas dela estão falando dele. Eu realmente não preciso disso. Eu posso ouvir ela rindo. Eu sei disso porque quando eu vinha sentar em um dos bancos, eu tive que passar por ela. A amiga igualmente megera dela riu de um comentário e eu só consegui ouvir "O cabelo dela" e mais risinhos. Eu estou sentada de costas para Cathy, mas sei que ela está olhando para mim. Sabe quando você simplesmente tem consciência disso? Posso sentir o olhar não só dela, mas o de toda a mesa dela, todos me olhando, e eu só abaixo a cabeça e começo a comer a maçã.

Se fosse qualquer outra pessoa, eu não ligaria. Nem um pouco, aliás. Mas estamos falando da minha melhor amiga. Ou ex-melhor amiga, tanto faz. Eu contava as coisas para ela. Sobre os meus medos, sobre tudo. E ela sabe que eu odeio meu cabelo. Ela sabe os mínimos detalhes sobre mim mesma que eu odeio verdadeiramente (tudo) e o pior de tudo é que ela tem coragem de usar eles contra mim.

Meu pai disse que eu tenho que parar de ligar para isso. Mas é mais fácil falar do que fazer, já que não é ele que convive com ela todos os dias na escola. Como eu posso não ligar? Ela participou de uma grande parte da minha vida, mesmo que a minha vida não tenha sido uma das mais interessantes. Ela estava lá, e ela me apoiou durante a separação dos meus pais, quando Sophie perdeu o primeiro bebê... ela foi até para a França comigo, alguns verões atrás, para visitar o meu pai. Ela estava lá e eu estava aqui para ela. Como eu poderia não ligar?

Minha mãe diz que eu não mereço uma amiga que ferra a outra pelas costas por algo que não é nem verídico. Mas eu amo a Cathy. Ela é minha melhor amiga. A única que eu tive na vida toda. Por que é tão difícil de entender que para mim, desapegar de uma pessoa simplesmente não é tão rápido? Para falar a verdade, eu nunca precisei desapegar de alguém. Tudo que eu sabia que ia embora, eu mantinha distância. Tipo os ex-futuros-maridos da minha mãe. Não sei por que com Will é diferente. Talvez ele ame a mamãe, de verdade. Ou talvez eu só goste dele mais do que de qualquer outro babaca que minha mãe resolveu se casar. E eu também não sou como ela. Que aceita tudo que vai embora e parte pra frente. No meu caso, não existe aquele "a fila anda" porque não é como se tivesse uma fila de amigos só esperando pra tomar o lugar dela. Eu vou ficar nessa miséria pra sempre. Até sair dessa escola, pelo jeito. Eu vou chorar.

E então eu percebo que já estou chorando. Só tenho que esperar que os meus soluços não estejam tão altos, porque então eu estaria ferrada. Eu dou uma mordida tão forte na maçã que sinto meus dentes doer, mas não ligo. Eu só queria voltar no tempo, pra quando Cathy ainda acreditava em mim e não tentava fazer da minha vida um inferno.

–Willow? -A voz de um cara pergunta e então eu levanto o olhar. É Owen do Programa de Artes. E então, um segundo depois de olhar para ele, eu lembro que eu estou chorando. Só lembro, na verdade, porque Ramona, do lado dele, suspira de susto. -O que aconteceu com você?

–Eu só estou comendo. -Eu sou uma idiota. É claro que ele sabe que eu não estou só comendo. Pela voz trêmula e pelos olhos vermelhos. E, se o destino fez o trabalho completo, acho que senti algumas lágrimas caírem pelas minhas bochechas também. É óbvio que ele não acredita em mim. Os risinhos da mesa de Cathy ficam maiores e Ramona levanta o olhar para encarar as garotas.

–Foram elas?

–Deixa pra lá. -Eu digo, rezando pra que Ramona não faça nada. -Elas não fizeram nada.

–Me poupe.

–É sério. Elas... eu... não sei. Não faça nada. Não se preocupe, eu estou bem. -Eu controlo o choro mas olho pra baixo. Depois de alguns segundos de silêncio Owen volta a falar.

–Ei, vem comigo. -Eu olho pra ele confusa. Nós só nos conhecemos do Programa de Artes. E só conversamos mesmo alguns dias atrás, quando começamos a criar o projeto do baile. Mais nada. E essa é a primeira vez que eu vejo ele na escola, desde que eu estudo aqui, o que é bastante tempo. Isso prova que eu não tenho a menor das afinidades com ele. Quando ele vê minha cara de confusão, que mais parece uma careta, continua. -É só uma coisa que eu quero te mostrar.

–Vão de uma vez. Não me faça dar um chute na sua bunda pra você levantar daí, Willow. -Ramona diz, sendo apenas ela mesma. Eu queria ser como ela. Forte e intocável. Os garotos devem amá-la. Eu levanto e Owen mostra a direção com a cabeça, caminhando até lá também. Nós passamos por algumas pessoas, professores e até o diretor, que andam meio apressados, fazendo questão de desviar. O barulho do refeitório é quase como o do restaurante de Will, caótico e familiar. Não um barulho que irrita, mas que todos estão acostumados, então é como se ninguém ao menos ouvisse. Nós saímos do refeitório e estamos na parte de fora do prédio da escola, onde tem poucas pessoas comendo e conversando nos gramados e em algumas mesas. Em uma delas, está Danny, beijando uma garota que ele vinha azarando há alguns dias já. Bem, bom pra ele. Eu ando um pouco, em silêncio, até perceber que Ramona não está com a gente.

–Cadê... cadê a sua irmã? -Eu coro. Não sei porquê. Talvez seja porque agora ele sabe que eu lembro de quando Ramona disse que eles eram irmãos, ou algo assim. Não sei se faz sentido, mas não posso evitar o vermelho que atinge meu rosto assim que eu termino de falar. Ele não parece notar. Se notou, não demonstrou nenhuma reação, e eu agradeço mentalmente por isso. Ele parece indiferente.

–Só precisava resolver umas coisas. -Não acredito nele, mas escolho não contestar. Não sei sobre a vida dela, então não posso argumentar. Talvez ela tenha mesmo algumas coisas pra resolver. -Por aqui. -Ele me puxa pelo meu casaco até darmos de cara com uma escada, grudada a uma parede de cimento, alguns prédios de distância do refeitório e do prédio onde eu tenho aula.

–O que é que tem aí em cima? -Eu pergunto desconfiada. Eu não confio nele o suficiente, ainda. Ele larga meu casaco e eu coro outra vez. Isso é tão idiota, mas eu nunca estive tão... próxima, fisicamente de um garoto. Lily estava certa. Eu sou mesmo uma puritana. Eu sou uma piada.

–Um monte de drogados prontos pra te oferecer maconha e uma loja de bebidas alcoólicas. Ah, não posso me esquecer da seita satânica e dos pedófilos que moram aqui em cima. -Eu olho pra ele assustada, tentando processar de algo do que ele disse é verdade. -Tem striptease também. Só pro caso de você não gostar das outras opções.

–Ah... acho que vou voltar. -Tudo bem. Não é verdade, mas a conversa está me assustando. Ele me olha por dois segundos só pra ver se eu não estou brincando, e quando percebe que estou séria, ri.

–Até parece. Não tem nada lá. Só me siga. -E ele começa a subir. Eu fico parada. Ele para também, no quinto degrau, e puxa minha manga pra cima, me fazendo subir dois degraus. -Não me decepcione, Willow. -Ele diz, fingindo seriedade. -Tenho cem porcento de fé que você vai conseguir subir essas escadas sem ao menos hesitar e se perguntar o porquê. -Eu estreito os olhos e pra provocar, eu subo um degrau. Ele levanta o meu braço segura a uma mão e com a outra ele bate na mão levantada. -É isso aí. Vem logo. -A cada degrau que eu subo, ele dá um gritinho de vitória. Ele é sempre tão... feliz?

Quando eu vou perguntar, boto meus pés no chão. E em seguida, olho pra cima, com a boca aberta.

A vista é maravilhosa.

Sabe aqueles lugares que parecem tão feios e sem graça que você nunca suspeitaria que um dia acharia nesse lugar, uma vista tão bonita? É esse. Pelo amor de Deus, estamos na escola. Nunca imaginei que a vista dos prédios da escola pudesse ser assim tão... bonita. Dá pra ver os campos, lá longe, que é da parte rural da cidade, e uma pequena linha mostrando a praia. Eu posso ver o telhado da minha casa, e as pessoas andando na rua. Elas parecem tão quietas e insignificantes daqui de cima. Tão frágeis e menos letais como podem ser.

–Aposto que você está de quatro por mim agora. -Eu quebro contato visual com a vista pra encarar Owen. Totalmente embasbacada.

–O...o que você... disse? -Ele ri de novo.

–Por que você é tão assustada? Credo.

–Eu só... -A frase fica perdida no ar, porque eu não sei responder. Por que eu sou tão assustada?

–Não se preocupe. -Ele se senta, e depois de um tempo levanta a cabeça, para me olhar com cara de reprovação por eu ainda estar de pé. Eu, relutantemente, sento, mantendo uma distância amigável entre nós dois.

–Como você achou esse lugar?

–Sabe dois anos atrás, aquele garoto... como é o nome dele? Teddy. O nome dele era Teddy Thomas. Conhece?

–O que tentou se matar? -Eu pergunto, incerta. Lembro de ter ficado assustada naquele dia, por ter sido liberada, assim como todos os outros alunos, já que um aluno estava tendo um ataque psicótico e não sabiam o que ele poderia fazer.

–Esse mesmo. Ele veio pra cá. Disse que a última coisa que ele queria ver quando morresse era o quanto as pessoas eram insignificantes olhadas daqui de cima, e a vista dos campos do avô dele. Aqueles lá. O de arroz sabe?

–Arroz Thomas. -Eu concordo. -Como você sabe disso?

–Ramona foi visitar ele no hospital, ela ficou curiosa pra saber a história. Ele estava sob efeito de remédios, então não tentou matar ela. O que foi um alívio. Aí ele contou sobre esse lugar e sobre o que ele pensou.

–Bem, é uma boa última visão para quando se vai morrer.

–Com certeza.

–Aí vocês estão. -Ramona aparece, segurando um pedaço de papel. Ela sente do lado de Owen. -Ah... a paisagem do suicídio. Legal, não é?

–Hm... claro.

–O que é isso? -Owen pergunta sobre o papel pra ela. Ela olha de relance pra mim antes de responder.

–Detenção.

–Há. Falei pra você que eles iam descobrir.

–O que você fez? -Ela olha pra mim, sorrindo orgulhosamente.

–Eu dei um jeito na sua amiga. -O sangue foge do meu rosto.

–Você fez o quê?!

–Calma. Eu só joguei sorvete nela. Depois uma lata de lixo na mesa das garotas. Não se preocupe -Ela diz, quando vê minha cara de horrorizada. -É só detenção.

–Mas... você mal me conhece. -Ela revira os olhos.

–Esse aqui é o Owen e eu sou a Ramona. Muito prazer. Qual o SEU nome? -Ela pergunta, como se não soubesse.

–Willow? -Eu digo, confusa.

–Willow, muito prazer. Viu? Você me conhece.

–Mas...

–Só porque você não conhece uma pessoa, não quer dizer que não possa ser educado e fazer alguma coisa pra ajudar ela. -Ela diz, usando um tom que às vezes, minha mãe usa para me dar um sermão. Ouvir Ramona falando assim parece meio fora do contexto. Como duas peças que não se combinam. -Ei, você vai comer essa maçã? Eu até pensei em poupar o sorvete que eu joguei nela e comer, mas ia ficar melhor nas roupas dela que no meu estômago. Enfim, eu estou com TANTA fome.

Surpreendendo a mim mesma, eu rio um pouco, jogando a maçã para ela.


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Notas finais do capítulo

o que acharam???????????????? ( :