Cante Para Eu Dormir escrita por Georgia


Capítulo 23
Cabo-de-guerra?


Notas iniciais do capítulo

Ressurgindo das cinzas, sabem aquela época da vida que você precisa parar com tudo? Foi isso que aconteceu meus leitores, mas também tem aquela época da vida que não dá pra continuar parado e a gente tem que (re)começar com tudo. Eu voltei. E espero que vocês ainda estejam aqui.



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4 de novembro de 1994

Querido amigo,

Muito tempo passou não? Achei por mais uma vez que não precisaria mais de você. Por favor não se sinta ofendido mas a necessidade de falar sempre com um papel as vezes pode ser deprimente. Sinto que preciso contar sobre esse tempo longe e caso você esteja pensando “Deve der ficado longe porque a vida melhorou e se sentiu completo demais para voltar” digo que está certo porém completamente errado, ao contrário desse suposto pensamento, fiquei mais incompleto do que jamais estive.

As vezes fico tão cheio de mim mesmo. Sei que se eu lesse todas as cartas antigas veria que em todas reclamo dos mesmos problemas, estar incompleto, estar triste ou com medo. A verdade é que nesses dez meses eu mudei, acho que perdi aquela inocência de sempre o que torna o ato de escrever aqui um pouco triste.

Triste porque não sei bem se esse meu novo eu é bom, não sei se a inocência que levaram de mim num velho e roubado carro azul faz falta, ou se é um rito que todos teremos que passar. Chloe partiu. Claro que partiu. Tivemos uma boa primavera juntos, minha mãe a descobriu no porão, contamos uma história convincente sobre como ela foi parar ali, mamãe acreditou facilmente, matriculou Chloe na escola e a deixou morando com a gente por tempo indeterminado.

E feliz era como eu me sentia, cada dia mais completo quase transbordando. Cand melhorou, voltou para a faculdade e não deu mais trabalho, meu irmão melhorava a cada dia no futebol era uma estrela, meus pais estavam felizes e finalmente nossa casa estava sendo mantida em pé e feliz por um longo período.

Eu ia de carro para escola e Chloe ia comigo. As coisas foram acontecendo de uma maneira bem engraçada com a gente, nós éramos tão ligados um ao outro que nossa relação ia crescendo a cada dia sem que nenhum de nós precisássemos dar um nome para aquilo, não precisávamos chamar de namoro, de compromisso ou nada disso, era... Era amor. Andávamos de mãos dadas, conversávamos por horas até a madrugada cair e muitas vezes acabávamos adormecendo na sala.

Ela me contou que havia sido abusada por um homem, um antigo amigo de sua família. Ela nunca contou isso aos pais, ela disse que eles nunca acreditariam. Os abusos duraram dois anos e o homem a ameaçava para que ela não contasse a ninguém. Ela ficou traumatizada, agia diferente das outras crianças e cresceu diferente. Por isso a internaram numa clinica.

“- Isso ainda me machuca. Me machuca muito Charlie, tem dias que isso não sai da minha cabeça, o dia todo lembrando daquilo, as vezes eu sonho e acordo desesperada. Eu tenho medo. Meu pai nunca me compreendeu, nunca me fez sentir confiança em contar. –As lagrimas começavam a cair no seu rosto pálido.

“-Chloe por favor não chore, não chore. Eu compreendo, não te acho louca.”

“- Isso me causou traumas enormes Charlie, como por exemplo...”- Ela recuou.

“- O que?”

“- Fazer... Fazer você sabe, não consigo.” –Ela ficou corada.

“-Você nunca...”

“- Não. Não dá. É como se tudo aquilo voltasse em minha mente, sempre.”

Nunca pressionei a Chloe para fazer nada, a presença dela, sua voz e seu amor bastavam incondicionalmente para mim, porém o medo que eu sentia era por ela, tinha medo que ela não vivesse feliz por causa do que lhe aconteceu, tinha medo que ela perdesse as melhores coisas da vida –E não me refiro apenas ao Sexo- por não ter superado esse trauma. E eu a entendia... Entendia muito bem.

Era como se fossemos um cabo de guerra, mas sem a competição, precisávamos ficar lá, segurando a corda cada um de um lado firmes e nunca soltar,para que o outro não caísse. Eu a amava, mais do que já amei alguém, e eu sei...Que ela me amava também.

Mas o tempo passou, o verão chegou e ela se distanciou, já não conversávamos mais como antes, e ela parecia longe, longe de tudo, de mim, da minha família que já era dela, dos estudos e até mesmo dela mesma. E na terça- feira 22 de junho, desci até o porão e ela não estava mais lá, o carro velho azul também não, não havia mais nada dela lá, só um bilhete. Um papel branco amassado em cima da cama arrumada.

Querida família Charlie,

Sinto muito por partir, espero que você acredite em mim no que vou dizer, não foi fácil para mim escrever isso e por muitas vezes esse bilhete foi amassado e jogado no lixo, Mas não poderia ser injusta a ponto de deixa-lo sem uma explicação.

Nosso tempo juntos foi o melhor que eu poderia ter na vida. O acaso as vezes fica ao nosso favor não é?

Charlie eu te amo, eu te amo de todo meu coração e que digam os adultos que amor adolescente não dura para sempre, eu digo que dura. Meu amor por você... Eu sei que vai durar.

Precisei partir, eu sabia que tinha que fazer isso em algum momento, me sinti tão bem, tão em casa, tão completa enquanto estive com vocês mas principalmente, me senti parte de uma família pela primeira vez. Mas não posso mudar a verdade Charlie, e a verdade é que eu não faço parte desta família a verdade é que eu não posso ficar morando no seu porão mesmo que seja maravilhoso.

A verdade é que eu preciso resolver as coisas da minha vida e precisa ser agora.

Por favor não tente me procurar

Me perdoe

Amo sua família, Amo você

Chloe. ”

E então, um lado da corda do cabo de guerra ganhou, porque o outro lado abandonou o jogo, mas nem sempre ganhar significa vencer, eu perdi. Minha vida perdeu completamente o sentido, e isso durou algum tempo. E talvez durará mais algum.


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Notas finais do capítulo

E ai?? Comentem para eu saber se ainda estão aqui? ha beijocas



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