22 de novembro de 1993

Querido amigo

Eu não sei como posso lhe contar isso, eu não vejo um jeito bom para isso, afinal isso não foi bom. Quase não tenho forças para escrever; como se não bastassem todos os problemas com Cand, eu tive uma recaída daquelas de novo, me sinto um imprestável completo.

Estou sozinho na clinica de novo, sozinho, sozinho sabe por que?Porque minha mãe está desaparecida, isso, desaparecida, estou com tanta raiva, não consigo demonstrá-la em cartas, gostaria de destruir o mundo, não sei por que estou escrevendo para você, e não fazendo alguma coisa para mudar os fatos, talvez seja porque me trancaram aqui.

Não me sinto em mim, nunca me senti tão raivoso, eu sabia que algo estava errado, mas porque minha mãe foi tão egoísta? Se ela sabia que algo poderia acontecer porque não pensou em nós? Se ela teve intuição sobre a minha irmã, por que não poderia ter intuição de que algo ruim poderia acontecer com ela?

Meu pai está inacreditavelmente mal. Não sai da cama, Meu irmão veio para cá, está ajudando com as buscas policiais, minha irmã também está desaparecida, ninguém consegue encontrá-la. SEI QUE TUDO ISSO É CULPA DAQUELE NAMORADO DELA, QUE ME RECUSO A LEMBRAR O NOME!

ESTOU CHEIO, CHEIO DE SER “PURO” DE NÃO PODER DEMONSTRAR A RAIVA, O ÓDIO, PORQUE AS PESSOAS NÃO ESPERAM ISSO DE MIM, ESSAS PESSOAS SÃO EGOÍSTAS , ELAS ESPERAM QUE EU FIQUE CALMO DIANTE DE TUDO ISSO? ELAS ESPERAM QUE EU SEJA O GAROTO PURO DE SEMPRE, QUE NÃO SE ESTRESSA COM NADA, E QUE AINDA POSSA LHES DAR CONSELHOS, E AJUDA-LOS EM SUAS VIDAS INUTEIS? PARA MIM CHEGA! NÃO VOU MAIS SER ASSIM.

Estou planejando uma fuga dessa clínica, não sou obrigado a ficar aqui, só porque meu pai está impotente, e minha  família pensa que tenho que ficar protegido, a minha mãe está perdida mundo a fora, e se ninguém se importa com isso o suficiente, eu me importo, não posso deixar que mais um buraco se forme na minha vida, se isso acontecer, ai sim, eu nunca mais sairei dessa clinica.

                                                                               . . .

Consegui sair da clinica, na hora do passeio ao jardim roubei uma roupa que havia no quarto ao lado, coloquei-a e pulei o muro enquanto as enfermeiras não olhavam, está um frio mortal,essa roupa mal cobre meus braços e pernas, estou tremendo, mas a vida de minha mãe é mais importante, ela também pode estar com frio...Se ao menos soubesse por onde começar a minha busca.

                                                                            . . .  

Pedi carona para pessoas na estrada, nenhuma me deu. Talvez por causa de minha roupa, pareço um mendigo, não as culpo, eu não daria carona para alguém que estivesse trajado como eu. Infelizmente tive que fazer algo que nunca pensei que faria em minha vida. Um homem parou no meio da estrada e saiu do carro para checar o escapamento, em uma fração de segundo, não sei como  fiz isso mas enquanto o homem estava agachado atrás do carro, corri, sentei no banco, e dei partida, sai com velocidade, enquanto o homem ficou para trás com um olhar de dúvida,depois de dois segundos começou a gritar e pedir “pelo amor de Deus”para que eu voltasse, nunca vou me perdoar por isso. Estava um frio mortal, roubei um carro, deixei um pobre homem no meio de uma estrada ,onde não havia nem ao menos um posto de gasolina, nem casa alguma, nem muito menos pessoas. Sou um covarde, não sei se mereço mais algo de bom nessa vida.

Ao menos comprovei que o escapamento estava bom.

"Eu escrevo

escrevo 

escrevo 

e

escrevo

depois queimo

os papéis

as palavras na garganta

na ponta da língua

engulo-as

e essa queimação estomacal

me mata."