Final Destination - Risk Of Death escrita por Paul Oliver


Capítulo 14
Aigre-Doux


Notas iniciais do capítulo

Eae galera! :D
Vou pular a parte em que eu me desculpo pela demora, porque bem, esse é o capítulo final da fic e provavelmente a última vez que me verão por aqui.
Sobre o capítulo em si, eu diria que, além de ser um capítulo conclusivo obviamente, é um capítulo bem pauloliverizado. Ou seja: Enoooorme; com inúmeras referências sobre acontecimentos anteriores; referências sobre séries, filmes e músicas que gosto; bem centrado nas conversas; e entre outras coisas...
Bom acho que é isso.
E sim, já tirei um print do "História Terminada: Sim." que fica na página inicial da fic, porque nem eu estou acreditando! LOL

Tenham uma ótima leitura!



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Janeiro de 2013.

A fachada do Fórum da cidade era imponente.

Angel olhava admirada para o prédio, pela janela do carro de Kramer. Sabia que não era a primeira vez que via o prédio, mas desde que recebera alta semanas atrás, tudo parecia diferente, tudo parecia renovado. Um novo ano começara, porém, ainda havia uma coisa que a prendia ao terrível ano de 2012. O pior ano de sua vida.

— Vamos, amor? — Kramer tocara levemente sua mão no ombro da loira, ambos estavam sentados nos bancos dianteiros do carro, este estava estacionado em frente ao Fórum municipal. Estavam ali para o tão aguardado julgamento de Dora. Esta era a única coisa que ainda estava em aberto do ano anterior. Depois disso, seria vida nova.

O médico estava um pouco preocupado com Angel. Embora tudo relacionado a sua saúde estivesse bem, não sabia qual seria a reação da namorada ao ficar frente a frente com sua nêmesis novamente. Sabia como funcionava os tribunais, e lembrara perfeitamente o quão tenso e angustiante fora o de Shawnee. Naquele, ele fora a principal testemunha de acusação para a prisão da asiática, pelo erro cometido pela mesma, na cirurgia de Carl.

— Eu estou bem, querido... É sério. — Angel disse lendo os pensamentos do homem. — Ah, e aliás... Nós conseguimos uma ótima vaga pra estacionar, não?

Kramer manteve seu semblante sério, então Angel continuou. — Ah, sobre a Dorinha? Nós vamos colocar essa cadela na sua devida jaulinha.

O homem não riu daquilo, mas por dentro achou graça. Que bom que seu senso de humor voltou ao normal. Kramer então tirou a chave da ignição preparando para sair do veículo, enquanto isso, foi mudando o assunto da conversa. Não queria que Angel ficasse muita estressada e tensa demais. — E a Louise, hein Angel? Ela vai mesmo pra França?

Angel fez uma careta de desânimo com aquilo, mas logo se arrependeu. — Ela vai sim. É óbvio que eu estou triste, mas... Ela é jovem e tem que aproveitar a vida mesmo, seguir seus sonhos... Eu só fico realmente muito triste é... Pelo Oliver.

Kramer então voltou a acomodar-se no assento do carro. — Ele a ama mesmo, não é?

A loira desviou o olhar para baixo. — Eu amo a Louise, assim como ele também... Mas a verdade, a verdade mesmo... A Louise não ama o garoto, Kramer. — Angel disse o mais delicadamente possível. — Ela claro, gosta demais dele, ama de certa forma... Mas não daquele jeito, não a ponto de desistir de tudo por ele.

— Você tem razão. Quem ama verdadeiramente, faz de tudo para ficar com essa pessoa. — Kramer tocou a mão de Angel. — Ela é jovem, e tem muito para descobrir sobre esse sentimento... Talvez um dia o destino os faça se reencontrarem novamente.

Angel virou-se para olhar novamente a fachada do prédio. E encarou-a por rápidos segundos.

— Ah... O destino.

XX-XX-XX

Quando você era jovem e seu coração era um livro aberto

Você costumava dizer viva e deixe viver.

(Você sabe que você disse, você sabe que você disse, você sabe que disse)

Mas se este mundo sempre em mudança em que vivemos,

Fez você se render e chorar,

Diga viva e deixe morrer.

Viva e deixe morrer

Viva e deixe morrer

Viva e deixe morrer.

[...]

O fone de ouvidos de Oliver estava em volume alto tocando "Live And Let Die”, música tema do oitavo filme do 007, de mesmo nome da canção.

Se passara mais de um mês de que soubera do fim da lista, então novos caminhos e novas metas já tomavam rumo na vida do rapaz. A viagem de Louise à França era uma delas, ou melhor, era a principal delas.

Em seu quarto, Oliver estava deitado em sua cama ainda com o cobertor o cobrindo quase que totalmente. Eram quase duas horas da tarde, mas ele ainda estava lá. Dali a uma semana Louise partiria para França, então todos os sorrisos falsos que sempre dava quando a namorada falava sobre a viagem, estavam cada vez mais falsos. Mas ele sabia que Louise percebia, isso desde o momento que ela havia decidido viajar e enfim contado sua decisão.

As sobrancelhas de Oliver se apertaram e fez visível seu semblante de raiva. Como era possível, depois de tudo que passaram juntos, Louise simplesmente decidir ir embora? Não é nem só por mim, mas e a Angel? A Louise se aproximou tanto dela nos últimos meses e agora, quando ela mais precisa... Ela vai embora? Oliver apertou o punho, parece que toda a raiva que estava segurando nas últimas semanas estava vindo à tona. Suspirou. Suspirou diversas vezes. E então se lembrou de tudo o que disse meses atrás... Louise tinha o direito de ser feliz, de realizar seus sonhos. De viver.

Oliver levantou da cama e sentou-se colocando os pés no chão. Sua barba já estava bastante grande e ele estava começando a gostar dela assim, então ficou roçando os dedos sobre ela, essa era mais uma das suas manias involuntárias agora. Eu sei que estou sendo injusto. Eu sei. A Angel já conversou comigo tantas vezes, mas... É difícil ver o meu relacionamento com a Louise acabar, e não por alguma adversidade externa, mas sim por nós mesmos.

O rapaz então parou de pensar e passou a escutar a música que tocava em seu fone. Lembrou que aquela música era a favorita de seu tio Glen. Quando tinha dez anos de idade, seu tio o fazia assistir todos os filmes da franquia 007. Seu pai, que era ainda muito ausente na época, também assistia, mas não com o mesmo entusiasmo que seu tio. Ele era realmente um fervoroso fã dos filmes do detetive mais famoso do cinema.

— Essa música era a favorita dele. — Oliver parou de passar os dedos sobre sua barba. Riu. — Eu acho que essa pode ser a minha favorita também.

O rapaz tocou o lençol da cama e se dispersou por um breve momento. Poderia parecer errado ou prejudicial para a separação eminente, mas ele e Louise ainda dormiam juntos. Prefiro não pensar na razão disso ainda acontecer... O casal ainda não tinha tido a conversa definitiva, Oliver não sabia e não entendia porquê. Também prefiro não pensar na razão disso. Se levantou da cama e tirou os fones de seu ouvido, mas ainda cantarolava a canção. Engraçado que quando escolhemos nossa música favorita, passamos a tentar encaixar nossa vida nela. E mesmo que o encaixe fique torto... Acabamos sempre conseguindo.

Agora, Oliver não sabia ao certo se estava completamente conformado com o fim do relacionamento com Louise. Mas sabia que estava se sentindo melhor. Não completamente, mas o bastante para seguir firme no novo dia que nascera. Foi até o banheiro do quarto, e encarou seu reflexo no espelho. Percebeu que gastaria o fim de sua adolescência e o início de sua vida adulta, se reprimindo de viver e apenas esperando e torcendo para Louise voltar para os EUA. E sentia em toda sua alma que Louise não o amava da mesma maneira que ele a amava. Poderia ser alguma trava que ela tinha em relação aos homens: Crescera sem o pai, e há pouco tempo percebera que ele não dava a mínima a ela, tanto que quando ela contou sobre a viagem ele tampouco reagiu. Louise tem medo de ser amada por um homem. Por mais doce e carinhosa que ela seja, ela tem medo. Oliver sempre achou isso, mas nunca contara a ninguém.

O rapaz encarou seu reflexo no espelho novamente. Sabia que seu passado também afetou na forma que ele lidava com as coisas agora. Crescer sem mãe e sem carinho do pai, o fez se tornar carente de amor. E agora que finalmente recebia tudo isso, não estava preparado para perder. Queria que existisse um botão em seu peito para desligar suas emoções. Para simplesmente não se importar.

Oliver tinha a vida toda pela frente, e tinha toda a certeza disso agora. Sabia que para poder finalmente começar a viver, tinha que deixar sua história com Louise morrer.

XX-XX-XX

Dora olhava profundamente nos olhos de Angel. Isso, mesmo com a loira estando do outro lado do grande salão do Fórum da cidade, sentada atrás da enorme bancada onde ficava as testemunhas de acusação. De diferente na morena, era somente seu cabelo castanho, bem mais comprimido que antes.

O tribunal estava relativamente cheio, com diversas outras pessoas interessadas no veredito final do réu. Dora não estava sendo julgada apenas pelas coisas que fez a Angel, mas também por diversas outras. Todo o seu passado de crimes, a maioria em sua cidade natal, viera à tona. A mais forte das acusações, era o fato de Dora ainda bastante jovem, ter trabalhado por alguns meses para os Thanatos, uma grande rede de tráfico de drogas que assolava os EUA e o mundo todo. Obviamente, a moça havia prestado serviço para um pequeno grupo em sua cidade, mas mesmo assim isso era visto pelo júri. E somado com todos os golpes que cometera em sua vida, deixava o veredito final claro e previsível, e a morena sabia disso. Sabia que ficaria presa por um bom tempo, mas mesmo assim, o sorriso em seu rosto era enorme. Os policiais e as pessoas que assistiam o tribunal, olhavam-na horrorizados... Embora até entendessem o motivo daquilo.

Angel também sorria, não se intimidava por Dora e queria deixar isso muito claro para ela. A loira então falou fazendo movimentos com os lábios para que a morena do outro lado da sala entendesse: Ridícula.

Dora ainda sorrindo, deu uma boa olhada em completo em Angel atrás da enorme bancada, e também fez um movimento com os lábios para a loira, jogando um beijo. A morena então deu uma gargalhada, logo o juiz a chamou atenção, mas Dora pouco ligava pra isso. Chegara ao tribunal pensando que tudo ficaria ainda pior do que estava em sua vida: Havia recebido a notícia da morte de seu irmão David, e em conjunto sobre a morte de seus pais anos atrás. Não restava mais nada. Então ficou feliz quando se deparou com um motivo para sorrir. Como eu amo o destino. Dora deu mais uma boa olhada em Angel, ainda em êxtase pelo que via diante de seus vívidos olhos castanhos.

O resto do tribunal passou rápido. Mais rápido que Kramer imaginara. O médico olhava carinhosamente para Angel, ela ainda estava sentada atrás da bancada, daria mais um depoimento contra Dora.

— Dê lembranças a Shawnee por mim.Kramer sussurrou. Olhou para réu, ela estava sentada confortavelmente no meio da sala, em frente ao juiz. Dora o olhou de volta por um tempo suficiente. O homem então sentiu seu celular vibrar no bolso de sua calça, o pegou rapidamente. Era uma mensagem de Louise, abriu-a:

"Sei que você e a Angel estão no tribunal, então queria saber se está tudo ocorrendo bem... Eu teria ido junto com vocês, mas tive que resolver algumas coisas pra minha viagem aqui no aeroporto... Bem, depois diz pra Angel me ligar, Kramer. Parece que a doidinha esqueceu o celular de novo em casa. xoxo"

Kramer sorriu e então respondeu a mensagem rapidamente e guardou o celular novamente em seu bolso. Então voltou a prestar atenção no tribunal.

Depois de uma pausa para a sentença ser decidida, o tribunal voltou em sessão. O juiz, um homem negro de idade avançada, começou a falar um monte de palavras que Angel não tinha a mínima ideia do que significava. A loira então apertou uma de suas orelhas por instinto, mas logo percebeu que esta era a prótese. Esse foi o resultado do tiro que Wen dera em sua orelha, no mês anterior. Riu de si mesma. Por sorte nascemos com duas delas...

O martelo do juiz fez um barulho relativamente alto ao se encontrar com a mesa de madeira. Angel havia acabado de escutar as palavras que esperava e então vieram como música aos seus ouvidos.

Dora aceitou sua sentença com uma expressão fria em sua face. Já esperava por isso, então não se surpreendera em nada. Alguns policiais a conduziram até o meio da grande sala, onde passaria pelo corredor até a saída do local. Angel ainda atrás da bancada, olhava a ex amiga de cima abaixo: A roupa alaranjada, o rosto inchado e os cabelos bagunçados davam o legítimo visual que Dora merecia. O silêncio ainda rondava a grande sala, então Angel o quebrou:

— Adeus... Amiga.

Dora virou a cabeça em direção a loira, todos no salão olhavam com atenção a cena. A morena então devolveu com outra frase para Angel, enquanto ainda sorria descaradamente. — Vá pro inferno... Amiga.

Angel suspirou, olhou pro chão rapidamente e então voltou seu olhar a condenada.

— Nos encontraremos lá, então.

XX-XX-XX

[...]

Os lábios de Angel e Kramer se encontraram em um rápido beijo.

O médico estava de volta à ativa no Hospital do Centro, suas férias haviam acabado e sua rotina agitada havia recomeçado. Ele deu um tapinha nas costas de Oliver e apertou sua mão, esperou Louise se levantar da mesa em que todos os quatro estavam, e abraçou-a calorosamente por longos segundos. Se despediu mais uma vez com um aceno aos três, e saiu da lanchonete do aeroporto.

— Aqui estamos. — Louise sorriu e suspirou profundamente. Um suspiro que somente duas pessoas em todo o mundo, entenderiam seu significado. E elas estavam ali em sua frente, naquela mesa da lanchonete: Oliver e Angel.

O resto da semana demorou para passar. Mas o dia da viagem de Louise, finalmente chegara. Seu voo estava marcado para as cinco da tarde, de modo que a francesa acreditava que ainda teria quase uma hora para se despedir dos amigos.

— Eu gostaria de saber palavras bonitas para dizer pra você nesse momento, Louise. — Angel quebrou o silêncio que se instalara após a saída de Kramer.

— Você não precisa, Angel. — Louise sorriu e passou a mão sobres seus lindos cabelos castanhos e depois ajeitou o cachecol azul em seu pescoço. Continuou. — Graças a você, nós temos uma vida para nos preocupar, uma vida para viver livremente, agora... Você se sacrificou por nós, sacrificou sua consciência para nós salvar.

— Verdade. — Oliver olhou pra loira sentada ao seu lado. — Você é uma heroína, Angel... A nossa heroína.

Oliver sorriu delicadamente e Louise também. Angel sentiu seus olhos lacrimejarem, mas não chorou. Por mais que tentasse não pensar nisso... Mas carregar o peso de uma morte em sua vida, era horrível. Aquelas palavras ajudavam a lembrar de que fizera isso por uma boa causa... Mas algo ainda a incomodava, algo que tinha que dividir com alguém. E não poderia ser com Kramer, tinha que ser com o casal.

— Eu sinto... Eu sinto que fui injusta com o Wen. — Angel surpreendeu os garotos na mesa, e então continuou. — Eu julguei o Wen por ele ter abandonado tudo após enfrentar um problema em sua vida, mas... Eu fiz o mesmo. Quando as coisas ficaram difíceis entre eu e meus pais, eu desisti. Não por um mês ou dois... Mas por dez anos! Eu nem sequer sei se eles estão vivos...

Tanto Louise quanto Oliver congelaram. Era incrível como este vértice da vida de Angel ficava invisível por grande parte do tempo. E era Angel que o cobria. Nenhum dos garotos sabia como reagir aquilo, então cada um dos dois tocaram em cada uma das mãos da loira. Esta continuou a contar sua visão de tudo:

— A verdade é que não é fácil ser forte como o Carl foi... Ao enfrentar algo ruim em nossas vidas. O Wen não teve culpa por ter sido fraco. E eu sou a única pessoa do mundo que não podia julgá-lo.

— Eu entendo você, Angel. — Oliver começou. — Mas eu não consigo entender o Wen. Não mesmo! Eu fui a pessoa que o tirou do St. Mary no dia do acidente, lembra? Depois de toda a confusão da briga da Shani e da Johanna, e depois de vocês saírem de lá, eu acreditei no que a Selly falava. Acreditei e daí... Eu vi o Wen naquela cadeira de rodas, e pensei que se aquilo fosse verdade, se o prédio realmente fosse cair... Ele não teria chances de escapar. Aí eu o salvei. E ele nunca agradeceu... E você ainda disse que ele queria me matar, e a Louise também... Eu, eu simplesmente não consigo entender.

Angel sorriu de lado. — A mente de cada ser humano é como um universo. Você nunca saberá até onde cada pessoa é capaz de ir. O quão longe elas podem ir por amor, por dor... Não existe lógica quando falamos de sentimentos, esse deve ser o grande mistério da humanidade. Maior do que a morte... Maior do que tudo.

Oliver abaixou a cabeça por um instante.

— Olha o que aconteceu com a Dora. — Angel arqueou as sobrancelhas e continuou. — Ele era umas das pessoas mais importantes da minha vida, e agora não significa nada pra mim. E eu acho que nem pra ninguém... É impossível não querer compará-la com o Wen, mas eu me peguei fazendo isso nesse último mês, principalmente quando estava em tratamento. E eu consigo ter compaixão por ele, mas não consigo ter por ela. Eu matei o Wen, mas mesmo assim não consigo odiá-lo. Não mais. Não consigo.

Louise ouvia atenta aos amigos, então dividiu seus pensamentos. — Você não precisa odiá-lo, Angel. Nem mesmo a Dora... Às vezes eu penso que esses sentimentos ruins não deveriam existir, afinal, nada de bom vem deles. — Louise sorriu. Não percebeu, mas seu sorriso fez o clima na mesa ficar mais leve. De repente todos já estavam tomando um gole de suas bebidas, exceto por Louise. Devo estar muito nervosa mesmo com essa viagem, não estou conseguindo beber e nem comer nada. Urgh.

— E Oliver... — Angel colocou o copo de cerveja na mesa, e se virou para o rapaz sentado ao seu lado. — Você não deve esperar por um "obrigado" das pessoas... Não porque no caso do Wen, isso é impossível agora... Mas em geral. Não devemos esperar por agradecimentos, senão você vai chegar em um ponto em que sua vida dependerá disso... E isso vai ser um saco.

Oliver assentiu, pegou seu copo de cerveja e brindou com a loira.

Ambos sorriram.

— Ah, lembrei... — Oliver disse colocando seu copo de volta a mesa e pegando algo em sua mochila, que estava no chão. O rapaz pegou um pequeno saquinho com três de seus bonequinhos de plástico e o sacudiu. As garotas riram.

— Pensei que todos esses bonequinhos bobos tinham ido pro lixo, depois daquele incidente com o Carl e seu aquário. — Louise disse debochando.

— Primeiro que boba é você, e segundo que: Não. Esses três aqui sobreviveram. — Oliver riu e entregou um para cada uma das garotas, enquanto permaneceu com um deles.

— Eu definitivamente tenho que parar de andar com adolescentes. — Angel gargalhou vendo a conversa do casal, então finalmente prestou atenção no boneco que Oliver a entregou. — Um anjo?

Oliver sorriu. — De alguma forma, eu acho que isso simboliza o que passamos ano passado... O meu é um cavaleiro, e não quero ninguém rindo disso, ok?

Angel fez uma careta, mas segurou a risada.

— O meu é uma fada. — Louise disse admirando o objeto em sua mão. — Retiro o que disse, isso é fofo.

A garota olhou diretamente nos olhos de Oliver por longos segundos. Então ambos desviaram o olhar e um clima estranho rodeou a mesa. Angel fez o favor de quebrar o silêncio constrangedor:

— Eu poderia perguntar qual é o nome da série ou filme mega másculo que deve ter vindo esses bonecos, Oliver, mas invés disso... — Angel gesticulou com as mãos. — Quando é que vocês vão parar com essas piadinhas com meu nome, hein?!

Os três gargalharam.

Aqueles segundos pareciam o paraíso. Angel se sentiu ainda mais grata por estar viva naquele momento. Seu coração pulsava intensamente ao ver aqueles sorrisos, aqueles sons de risadas. Angel apenas queria que aquela sensação boa durasse para sempre.

— Droga. — Louise disse e seu semblante mudou completamente. Pegou sua bolsa rosa que estava na cadeira ao seu lado, e rapidamente tirou seu diário dela. A passagem de seu voo, estava em meio as páginas do livro. Angel pôde ler rapidamente na capa do diário: The Louise Diaries. E antes que sua mente fizesse um dejá-vu forçado, ela reparou no semblante de frustração e nervosismo na face da garota.

— Menina, pelo amor de Deus, o que foi? — Angel perguntou confusa.

— Meu voo não sai as cinco da tarde, quer dizer, ele sai... Digo, nessa hora eu tenho que estar lá dentro já. — A francesinha olhou para Oliver que rapidamente entendeu o que ela queria dizer. Era mais uma das vantagens da intimidade que criaram nos últimos tempos.

— Você quase me matou do coração! — Angel suspirou colocando a mão no peito e sorriu.

— Angel, você não entendeu... — Oliver virou para a loira. — Isso quer dizer que a Louise tem que se despedir... Agora.

A loira então fechou o semblante.

— Eu sou uma idiota mesmo, eu nunca viajei de avião e me perdi com os horários. — Louise guardou em sua bolsa o bonequinho que Oliver lhe dera e seu diário, se levantou da mesa e deu uma risada nervosa. — Me desculpem.

— Imagina. — Angel disse tentando sorrir. Droga, se despedir dessa garota vai ser mais difícil do que eu pensei...

Louise viu Angel fazer um movimento com os braços, mas então interveio. — Não, Angel, eu vou até você.

A garota deu a volta na mesa e envolveu a amiga em um caloroso abraço.

— Eu quero que você seja muito feliz, Louise. Você merece... — Angel falava no ouvido da francesa. — Eu tenho certeza de que sua mãe está orgulhosa de você. Indo atrás dos seus sonhos, indo atrás da sua família... Eu queria ter essa sua força para perdoar as pessoas.

Angel se entregou as lágrimas subitamente. Louise então desvencilhou da amiga e tocou seu rosto.

— Você tem essa força, Angel. Só precisa deixar ela emergir de você... E como você mesma disse, não é fácil... Eu encontrarei com meus avós, as pessoas que renegaram a minha mãe após ela ficar grávida de mim. — Louise olhou pro chão rapidamente. — Mas eles ainda são meus avós, entende?

Angel olhou nos olhos de Louise, lembrando de algo. — Sabe, Louise... Eu acho que nunca te contei isso: Logo depois do Carl morrer, de eu tentar me suicidar, e de eu pensar que o Kurt tinha me traído com a Shaniqua... Eu estava completamente perdida e eu encontrei sua mãe na lanchonete do St. Mary. Ela conversava com o Leonel sobre a porra toda da lista e... Eu não lembro direito, mas ela me abraçou... E aquele abraço, junto com a frase que o Carl disse pro Kramer quando estava morrendo, me deram uma força incrível! E graças a isso, eu consegui ligar as peças que faltavam para ver o que a Dora realmente era. Eu conhecia a Dora fazia anos e conhecia sua mãe há somente algumas semanas... Mas o abraço que ela me deu, me fez ver a diferença de carinho de verdade. Finalmente ver o quanto estava enganada em relação a Deodora... Isso... Graças a Rosie. Graças a sua mãe. E eu nunca tive a oportunidade de dizer isso a ela.

Louise sorriu e seus olhos começaram a ficar marejados. Isso é lindo... E sabe que eu sempre achei vocês duas muito parecidas? Já que assim como a minha mãe, você foi abandonada pela família, Angel. E assim como ela, nunca quis reverter a situação. Talvez ela até pensasse nisso, eu sei que ela pensava... — A garota olhou pro alto. — Mas ela não teve tempo de rever seus pensamentos.

— Eu tenho. — Angel disse ainda bastante emocionada, e Louise sorriu assentindo.

— Eu também lembro de uma coisa que... Acho que nunca te contei também. — Louise tocou as mãos da loira. — Quando eu fui fazer a entrevista com o Carl pro lance do colégio, ele me falou sobre você. Ele disse seu nome e eu obviamente, disse que era um nome lindo e que deveria ser um nome de uma pessoa educada, doce, meiga... E ele riu.

Angel soltou uma gargalhada em meio as lágrimas, então Louise continuou:

— Eu entendi porque o Carl riu quando conheci você naquela manhã do desabamento. Você veio como um trem desgovernado pra cima da minha mãe, por causa do projeto do prefeito para demolir o St. Mary. — Louise olhava diretamente nos olhos da amiga. — Mas com o tempo eu... Eu vi que você pode não ser a pessoa mais educada, meiga ou doce do mundo, mas vi que você é humana. Você chora, você grita, erra... Mas você também abraça, dá risada, ama... Você é a melhor amiga que alguém pode ter na vida, porque você é de verdade! E vou sentir muito a sua falta.

Louise engasgou ao falar as últimas palavras. Angel então sentiu seus olhos formarem lágrimas e mais lágrimas involuntariamente, então pegou o guardanapo da mesa para secar os olhos. Louise ainda chorava, mas riu com o gesto da loira.

— Eu estou virando um zumbi. — Angel se virou para Oliver, enquanto limpava com o guardanapo o rímel preto que escorria de seus olhos.

O rapaz riu. Se levantou da mesa depressa enquanto disfarçava as lágrimas que também escorriam de seus olhos. Foi de encontro as malas de Louise, todas três estavam em baixo da mesa deles. — Vamos então, Louise. Pelo que você disse, você está atrasada, né?

A garota assentiu, pegou sua bolsa e então deu mais um forte abraço em Angel. Pegou a única das malas de rodinhas e arrastou até a porta da lanchonete, não queria olhar pra Angel sentada sozinha naquela mesa, choraria ainda mais... Mas então deu uma gargalhada com o grito que Angel dera:

— Todo domingo, Skype, sete da noite, sweetie bitch! — Angel sorriu mais uma vez ao olhar a garota saindo da lanchonete ao lado de Oliver, que ajudava com suas outras duas malas.

Que você seja muito feliz.

XX-XX-XX

O tumulto de pessoas e funcionários no grande espaço onde se esperava para embarcação nos voos, era enorme. Louise já tinha concluído todas as etapas para o embarque, agora faltava apenas ouvir seu voo ser anunciado pelos alto-falantes do aeroporto.

Oliver estava em uma das cadeiras ao seu lado, então se levantou. — Eu tenho que ajudar a levar a Angel pra casa, a coitada está me esperando na lanchonete ainda... Desculpa, eu acho que deveríamos ter trazido ela pra cá também, não?

— Não, é muito tumultuado aqui... Você fez certo em deixá-la lá. — Louise se levantou. — Foi bom você ter me puxado pra cá logo de supetão, aposto que ela teria dado um jeito de nos seguir. E ela não está cem por cento para ficar em multidões...

Oliver concordou e então de repente eles estavam um de frente ao outro. O rapaz tomou fôlego, ia falar algo, mas foi interrompido:

"Os passageiros do voo 181 da Volée Airlines em rumo a Paris-França, se dirijam ao portão de embarque de número 1. Os passageiros do voo 181 da Volée Airlines em rumo a Paris-França, se dirijam ao portão de embarque de número 1."

— Meu Deus, já?! — Louise sentiu seu coração acelerar.

— Calma Louise, o portão do seu embarque é logo ali. — Oliver apontou a um lugar, um tanto próximo a eles.

— Mas eu ainda não me despedi de você, Oliver. — A garota tocou a mão do garoto e aos poucos ficava cada vez mais apreensiva. — Eu não queria que esse momento chegasse, eu não quero me despedir de você... E tem a Angel, ela está passando por tudo aquilo e... Talvez eu deva ficar aqui e... Meu Deus, é isso! É por isso que meu coração está acelerado, por isso foi tão difícil me despedir da Angel! E por isso que meu estômago está revirando desde que saí de casa... É isso, eu acho que tenho que ficar aqui com vocês! Eu não vou mais Oliver, eu vou ficar!

Oliver olhou carinhosamente para Louise. As palavras que esperei ouvir durante todas essas semanas...

— Não. — O rapaz olhou no fundo dos olhos azuis da francesa. Ela estava completamente desorientada. — Você tem que ir, Louise! Eu confesso que esperei você mudar de ideia desde do momento que soube dessa viajem, e ainda tem uma parte de mim que quer isso, mas... Você tem que ir, essa viagem vai além da reconciliação com a sua família, vai além da história da sua mãe... Essa viagem é pra você! Pro seu sonho de estudar numa das melhores universidades do mundo, o seu sonho de ser uma grande jornalista! Eu passei o mês todo achando que você era a egoísta e na verdade, eu era. Desculpe... — Oliver tocou o rosto de Louise. — Eu nunca vou esquecer o que você disse pra mim no alto do prédio do Hospital do Centro, naquela madrugada horrível da morte do Wen. Eu estava pirando com toda aquela pressão... A Angel, a lista, nós... E você me acalmou. Você cantou pra mim... — Suspirou. — Você também ajudou a sua mãe a enfrentar o divórcio dela com seu pai, ajudou a Angel nesses últimos meses mais tortuosos de toda a vida dela, a Shani a se recuperar daquele acidente... Chegou a hora de você fazer algo por você.

Louise colocou a mão sobre a boca e Oliver a envolveu em seus braços e roçou sua barba em sua nuca. Eu te amo. O rapaz sussurrou no ouvido da garota. E então seus lábios se encontraram naquele beijo de despedida.

Um beijo com sabor agridoce.

XX-XX-XX

Angel acompanhava com seus lindos olhos azuis, ainda marejados, Oliver entrar todo cabisbaixo pela porta da lanchonete do aeroporto.

— Demorei muito? — O rapaz perguntou sem ânimo, enquanto se aproximou da loira que apenas negou com a cabeça. Angel ainda estava sentada na mesa, olhando aos acentos vagos em sua frente. As despedidas não fazem parte apenas de momentos de dor, mas também fazem partes de momentos de alegria. A loira sorriu de lado. Meu universo deve ser o mais confuso de todos no mundo inteiro.

— Eu já paguei a conta, acho que agora já podemos ir. — Angel disse olhando nos olhos de Oliver, ele também estava com os olhos vermelhos. — Tudo ocorreu bem no embarque?

O rapaz coçou levemente sua barba e assentiu. Não precisava contar do pequeno surto de Louise, não agora. Já estavam abalados psicologicamente o suficiente por um dia. Talvez até por um mês inteiro.

— Vá pegar meu carro por gentileza, Sr. Cook? — Angel pediu com um sotaque imposto.

Oliver sorriu. Andou poucos metros da mesa em que estavam e pegou a cadeira de rodas de Angel. Ela estava estacionada num local onde não atrapalharia o fluxo dos clientes da lanchonete.

— Aqui deveriam ter como colocarem as cadeiras de rodas em frente as mesas. Principalmente porque essa é uma lanchonete de um aeroporto internacional... — Oliver reclamou enquanto trazia a cadeira para próximo de Angel.

— Pois é. — Foi só o que Angel conseguiu dizer.

Colocar a loira na cadeira foi rápido. Oliver já havia feito isso algumas vezes, embora ainda ficasse um tanto inseguro. Angel pegou sua bolsa preta de couro, e a colocou sobre seu colo, enquanto Oliver pegava sua mochila e colocava sobre seu ombro. O rapaz então guiou a cadeira de rodas da loira até a saída da lanchonete. Em segundos já estavam rumo a saída do aeroporto, em meio as diversas pessoas que andavam por ali com suas malas e mochilas. O carro novo do rapaz os esperava no estacionamento.

— Somos só nós agora. — Angel disse enquanto olhava o quão grande era o prédio do aeroporto, em mais uma das suas contemplações pós-alta.

— Você esqueceu do Kramer? É isso mesmo? — Oliver perguntou enquanto guiava a cadeira de rodas da loira.

— Não, seu panaca. — Angel deu um pequeno soco na mão de Oliver, que riu. — Somos só nós. De tudo... Entende?

— Sim. — Foi só o que Oliver conseguiu dizer.

Enquanto ainda estavam em direção a saída do aeroporto, Angel notava os olhares das pessoas para ela. Viu quando um homem de terno a olhou de cima a baixo; quando uma mulher loira e muito elegante a olhou com um olhar de pena; e se surpreendeu quando uma garotinha apontou ela com seu dedo para seu irmãozinho. Angel não sabia o que sentir em relação aquilo. Só sabia que essa seria sua vida agora, teria que se acostumar com os olhares.

— A minha condição agora, me ajudou a ter mais compaixão com o Wen também. — Angel falou de repente. — Eu nunca fui de me importar com a opinião dos outros em toda a minha vida, e isso aumentou quando mudei de cidade... Mas agora, tudo muda, sabe? Os olhares não machucam tanto ainda, mas imagino quando eu estiver em um dia ruim e ter que sair de casa e ter que enfrentar esses olhares.

— Você é forte, Angel. — Oliver estranhou o relato da loira, ela não havia feito nenhuma observação dessas desde que saiu do Hospital do Centro meses atrás. — Aliás, você sabe que isso pode ter reversão. Basta ir nas fisioterapias e tratamentos assiduamente, quem sabe daqui a um tempo o médico a libera para a cirurgia. Assim como foi com o Wen.

— Eu vou parar de fazer fisioterapia.

Oliver parou de guiar a cadeira de rodas subitamente, após a frase de Angel. — O que? Como assim?!

Angel coçou o topo de sua cabeça, como se tivesse se arrependido do que dissera. — Desculpe, não precisava ter dito isso agora. Nós acabamos de passar por uma despedida intensa, e-eu... Desculpa, Oliver.

— Então me diz que isso é só um pensamento vago e sem importância que passou na sua cabeça? Me diz! — Oliver falou um tanto alto.

Angel olhou para os olhos castanhos do garoto, era como se eles dissessem: "Por favor, eu não quero passar por uma conversa dessas agora. Eu sei que você se conformou por ter ficado paraplégica no acidente, porque isso te faz sentir melhor pelo fato de ter matado o Wen. Isso te faz sentir como se já estivesse pagando por isso em vida, pagando por ter tirado a vida dele, e por ter julgado tanto ele... Você quer ficar assim pra sempre. Só não me diz isso agora. Não agora."

— Não é nada. Só um pensamento estúpido. — Angel falou e virou a cabeça para frente, Oliver suspirou e coçou sua barba mais uma vez. E então continuou a guiar a loira na cadeira de rodas.

Enfim chegaram ao estacionamento. Oliver deixou Angel ao lado de seu carro, um modelo esportivo azul-cobalto que comprara com uma pequena parte da herança que seu pai deixara. Com o maior cuidado possível, colocou Angel dentro do veículo. O garoto já estava preparando para guardar a cadeira de rodas no porta-malas, quando Angel reclamou:

— A próxima vez que você colocar a mão no meio seio por engano, enquanto me ajuda a sair da cadeira de rodas... Eu juro que dou um murro no seu pênis. — A loira disse rindo no interior do veículo.

— Foi sem querer... Foi mal, Angel! — Oliver gargalhou enquanto terminava de fechar o porta-malas. O rapaz entrou no carro e fechou a porta. — Imagina se o Kramer pega você falando um negócio desses, sua doida! Ele me parte em dois!

— Qualé, Oliver? Você é como se fosse meu irmão mais novo, com quem eu chateio o tempo todo e tomo cerveja de vez em quando. — Angel riu. — Já tenho um próximo passo pra você, brother: Arrumar uma namorada.

Oliver virou para o banco traseiro, onde Angel estava, franzindo o cenho. — Sério isso? Eu acabei de me despedir do amor da minha vida, a tipo, uns dez minutos atrás!

— Tá, ok. — Angel concordou e então suspirou profundamente. — Tem uma coisa que você precisa saber: Eu amo a Louise de todo o meu coração, mas... Você sabe bem como são os relacionamentos à distância. E eu sou capaz de apostar que vocês não tiveram uma conversa definitiva e... A vida segue, Oliver.

— Não tivemos mesmo. Já havia pensado sobre isso, acho que o rompimento acabou ficando... Implícito. — Oliver parou o olhar.

— Entendo... Mas Oliver, quando era adolescente, você não tem ideia do quanto de caras que eu julguei ser o amor da minha vida! — Angel riu. — Uma porrada de homem.

Oliver suspirou. Angel tinha razão, então olhou novamente para a loira. Deveria ser difícil para Angel falar aquelas coisas, já que a "mais uma" em questão era a Louise, com quem a loira tinha muito afeto. — A Louise tem razão, Angel. Você é a melhor amiga, que alguém pode ter na vida. — Oliver sorriu e Angel sorriu de volta. O rapaz então ligou o carro. Já estavam em movimento.

— Angel? — Oliver chamou o nome da amiga, enquanto olhava vidrado em sua frente, enquanto tirava o carro do estacionamento. — Como você sabe que o Kramer não é só mais um?

A loira congelou. — Eu não sei, não tenho como saber... Universo lembra? — A moça apontou para sua cabeça e sorriu de lado, Oliver viu o gesto pelo espelho superior do veículo.

— E Oliver, eu sei que é cedo... Muito, muito cedo pra isso, mas... E a tal de Kira, Kia, sei lá! Não lembro o nome daquela garota... — Angel fez uma careta. — O que houve com ela?

— Kiara? Não sei... — Oliver ainda estava abalado com a despedida de Louise, mas de alguma forma falar sobre assuntos adversos ajudava a espairecer a cabeça. — Na verdade... Ela sumiu. Depois de ela ter me ligado algumas vezes, naquele dia horrível do seu acidente. Eu retornei a ligação pra ela depois de tudo ficar mais calmo, mas ela disse que não era nada, que ligou por engano... Nada demais.

— Estranho, isso sim. — A loira então olhou pro reflexo de Oliver no espelho do retrovisor do carro. A barba que agora fazia parte da aparência do rapaz, o fazia ficar extremamente parecido com Leonel. Sua mente revirou e então fez mais uma pergunta. — Por que afinal, você estava no St. Mary no dia do acidente? Você nunca falou... E eu já peço desculpas antecipadamente pela pergunta nesse momento... Eu acho que o remédio que os médicos andam me receitando... Tão fazendo meu universo pirar!

Oliver riu com a careta da loira, e então depois de alguns segundos olhando fixo na estrada... Respondeu. — Eu fui fazer um trabalho pro colégio naquela manhã. Tem certeza que eu nunca contei?

— Não... — Angel respondeu confusa. — Eu sabia que a Louise tinha feito um trabalho lá, a entrevista com o Carl... Algo falando sobre o que ela queria cursar, que era jornalismo. O seu era sobre o quê?

— Medicina. — Oliver sorriu olhando Angel no retrovisor. — Eu acho que nem cheguei a contar pro meu pai isso. É, não contei... Na época eu ainda estava em dúvida, mas agora, tenho toda a certeza do mundo. Assim que eu refazer o último ano do colegial, eu vou cursar medicina... Vou ser um médico. O meu pai ficaria orgulhoso de me ver seguindo os passos dele, não é?

— Sem dúvidas. — Angel afirmou sorrindo carinhosamente.

Oliver suspirou fundo e virou seus olhos de volta para a estrada, em que o carro estava no momento. Angel recostou sua cabeça no banco e virou lentamente sua cabeça em direção a janela do veículo. A paisagem passava depressa sobre seus olhos, a cor verde das árvores e o cinza da pista, se misturavam em uma massa de cores. Seus olhos azuis aos poucos se fechavam de cansaço. Que dia. Era tudo o que Angel pensava. Tudo em sua vida estava tão corrido quanto no ano anterior: Novas preocupações, novas perdas, novos ganhos... A diferença mais gritante era a saudade, a falta que fazia sua melhor amiga rindo ao seu lado, e a falta da senhorinha que tanto amor trouxera em sua vida. Shaniqua e Selly. Angel podia sentir os corações delas baterem junto com o seu.

A lembrança do rosto de Carl veio rapidamente. Angel tinha um carinho muito especial pelo garoto, mas sempre que se lembrava dele, sentia seu coração dolorido. E isso tinha um motivo: A promessa que fizera no táxi quando ia em direção ao Hospital do Centro, no dia da cirurgia de Carl e do salvamento de Wen. Angel lembrava perfeitamente daquela promessa. Infelizmente... Ela havia prometido de que se Carl se salvasse da cirurgia, ela perdoaria seus pais. Mas Carl não se salvou. Angel jamais contaria isso para seus amigos, nunca.

Abriu os olhos por um segundo e olhou Oliver no espelho do carro novamente. Ele olhava vidrado para a estrada, estava meio robótico, mas era pelo fato de ter acabado de tirar sua habilitação. Angel riu. Sentia uma imensa alegria de ver Oliver e Louise fazendo e conquistando novas coisas, desde uma grande viagem até uma simples carta de motorista. Eles ganharam o poder de viver sem preocupações. Mas... Por que eu não consigo me sentir assim? A loira manteve seus olhos bem fechados enquanto pensava consigo mesma.

Eu ainda tenho medo de morrer a qualquer momento. Morrer antes de eu ter coragem de rever meus pais... Quem garante que a vida que recuperamos durará mais uns sessenta anos? Quem garante que eu e o Oliver, não podemos morrer agora mesmo num engavetamento de trânsito? Ou a Louise em um acidente aéreo? Não somos imortais. Não foi isso que ganhamos quando matei o Wen e quebrei a ordem da lista. Ganhamos apenas tempo. Ganhamos apenas o bônus de não saber qual de nós três morrerá primeiro... Apenas essas duas coisas. O Kramer por exemplo... Ele não está envolvido em nada disso, mas isso não lhe dá vantagens e nem desvantagens em nada. Ele é um ser humano, que nasce com uma data de validade em um selo invisível. A visão do Carl nos entregou uma nova data de validade, um novo selo, e a lista fez com que pudéssemos ver partes dele. Já a quebra dessa lista mudou tudo novamente e nos entregou tudo novo. Só que agora não podemos mais ver esse terceiro selo... A verdade é que todos estamos em uma lista, só que não sabemos a ordem, pode ser atrás de 10 pessoas ou de 10 mil. Agora estamos exatamente como o Kramer, como a Dora e como a todos no mundo. Destinados a morrer... Sempre em risco de morte.

Angel então abriu seus olhos azuis, encarou o vidro da janela do carro. Fez uma careta.

Quase a mesma merda de antes.

XX-XX-XX

As chaves de seu carro já estavam sobre a mesa.

Já fazia quase meia hora que Oliver chegara em sua casa, após deixar Angel em seu apartamento. A loira tinha uma enfermeira agora, que tomava conta dela nesse novo início de vida.

Sentado no sofá de sua casa, Oliver já usava sua roupa casual. Não queria se deparar com nada que lembrasse do que ocorrera há horas atrás. Não que quisesse esquecer-se de Louise, mas apenas queria espairecer a cabeça pelo menos pelo resto do dia. Então ligou a TV. Mas ao ouvir o toque da campainha, se levantou do sofá e checou as horas no relógio pendurado na parede da sala, ainda eram sete e meia da noite. Abriu a porta, surpreendeu-se com a visita:

— Kiara?

A garota sorriu timidamente, Oliver sem perceber olhou-a de cima a abaixo. Ela usava uma camiseta preta com a estampa de um lobo nela e uma calça jeans comum, mais o que sempre mais chamava a atenção do rapaz eram seus cabelos: Sempre cor-de-rosa. Ele então rapidamente a convidou para entrar antes que a situação começasse a ficar ainda mais constrangedora. Ela o fez.

O rapaz continuava com o semblante confuso de antes, não via a garota desde o acidente no Forest Park Castle. Se lembrou das ligações por engano que ela havia feito a ele. Agora estava frente a frente com ela, mas não sabia se tocava nesse assunto.

— Bom... Quanto tempo, Kiara... Tudo bem? — O rapaz sentou no sofá da sua sala de estar e fez um gesto para a garota fazer o mesmo.

— Na verdade, eu não ando muito bem. — Kiara abaixou a cabeça e suspirou fundo, e antes que Oliver perguntasse algo, ela continuou. — Eu tentei por muito tempo resistir a saber sobre a verdade, mas... Eu não consigo mais. Isso está me deixando maluca, Oliver!

O rapaz coçou levemente sua barba, ainda muito perdido na conversa. — Desculpa, como é?

— Eu quero que você me conte tudo sobre as visões que premeditam a morte. Eu sei que você sabe, eu ouvi parte da sua conversa com a Louise naquele dia do acampamento.

Kiara foi direta. Oliver continuava bastante surpreso com aquilo, sua mente girou por um segundo. Lembrou que naquela ocasião, suspeitara realmente que a garota havia ouvido a conversa. Colocou uma das suas mãos sobre a cabeça. — É uma história horrível. Por que você quer saber, Kiara? Tem que haver um porquê.

A garota abaixou a cabeça novamente e respirou fundo, quando levantou já estava com os olhos marejados. Aos poucos foi contando toda a história. Começou com o mais simples, que era o fato de ser bissexual, por um momento quis sorrir por achar isso o mais comum de seus segredos... Contou sobre Penny, sua apresentação na TV, sobre seu pesadelo, sobre como ela estava apavorada dizendo que fora muito real, e enfim, que a morte dela fora da mesmíssima forma do pesadelo. Após contar tudo isso, Kiara ficou em silêncio para Oliver poder digerir tudo. Enquanto isso, a garota enrolava cuidadosamente uma mecha rosa de seu cabelo em seu dedo indicador. De repente sentiu as lágrimas vindo de seus olhos. Para finalmente chegar aquele momento em frente a Oliver, ela teve que passar por meses difíceis. Ao mesmo tempo que lidava com as perdas dos amigos no acidente do acampamento, pensava diariamente sobre Penny e sua visão. Não queria saber a verdade por medo, mas não saber o que ocorreu estava a enlouquecendo aos poucos.

— Eu... — Oliver começou, sem ainda perceber as lágrimas da garota. — Eu não vou conseguir te dar uma resposta com cem por cento de verdade, Kiara. Eu não vou! Simplesmente porque eu não posso afirmar nada, me desculpe.

A garota o encarou com seus brilhantes olhos negros, agora bastante vermelhos. Oliver pensou em não falar o que estava pensando, mas via nos olhos da garota que ela precisava de uma resposta mais firme.

— Mas pessoalmente... Sim. Eu acho que foi uma visão que sua namorada teve.

Kiara sentiu a mesma sensação de quando perdeu sua mãe. A mesma sensação de ver acontecer, algo que você sempre soube que aconteceria... Kiara acabava de ouvir algo que já sabia, mas nem por isso a dor era menor.

— Então, eu poderia ter a salvo. — A garota afirmou enquanto começava a soluçar. — Eu poderia, não é?

— Eu não sei, Kiara... Não dá para ter certeza de nada. Não dá...

— Eu poderia ter impedido! — Kiara pouco ouvia o que Oliver falava. Se levantou do sofá de súbito, colocou as duas mãos sobre a cabeça. — Sabe o que é o pior? Eu passei praticamente um ano mascarando a minha culpa, e pra quê?!

A garota parou de gritar e arregalou os olhos. Oliver levantou do sofá e ficou frente a frente a ela, ia falar algo, mas Kiara foi mais rápida:

— Um ano. Hoje faz um ano da morte da Penny. — Kiara deu uma risada nervosa, parando o olhar em algum ponto aleatório. — Eu não havia lembrado disso ainda... Não é minha culpa, eu juro! Eu queria ter lembrado, mas... Eu perdi dois amigos naquele acidente no acampamento, Oliver... Acabei de me formar, estou trabalhando dia e noite como garçonete num bar imundo, e ainda tenho que lidar com o idiota do meu pai em casa... Eu n-não queria ter esquecido da data, e-eu juro...

Oliver sentiu como se um imã o puxasse. Então viu seus braços envolta da garota, que aos poucos foi recebendo o abraço. Rapidamente Kiara já estava com a cabeça nos ombros dele, e foi deixando suas lágrimas caírem. Sentiu uma paz incrível dentro de si, como não sentia a muito tempo.

O bonequinho do cavaleiro encarava a cena de cima de uma das prateleiras da estante da sala de estar. Os olhos de Oliver enfim o enxergaram, o rapaz sentiu uma sensação estranha ao ver o boneco.

Fechou os olhos.

Seu pai estava dirigindo sua caminhonete vermelha. Oliver estava sentado no banco de trás, e Carl estava ao seu lado. O rapaz de cabelos raspados chorava copiosamente, enquanto segurava sua mão. Oliver estava dando apoio ao rapaz que acabara de perder uma pessoa importantíssima para a morte. Selly era como uma avó para Carl, então o garoto estava destruído por dentro.

Após alguns longos minutos, Carl soltou a mão de Oliver. — Obrigado. Eu precisava disso. — O garoto disse olhando em seus olhos.

— Eu sei como é perder pessoas, Carl. — Oliver sorriu de lado. O rapaz ainda estava com o rosto liso sem nenhum indício de barba. — Eu era muito pequeno quando minha mãe morreu... Mas já era crescido quando perdi meu tio Glen. Eu sei como é essa dor.

Carl forçou os olhos para impedir mais lágrimas de caírem deles. — Com o tempo passa?

Oliver sentiu um aperto no peito, mas respondeu sinceramente. — Não. — Ao ver a reação de frustação do rapaz, Oliver continuou. — O que você precisa é de pessoas por perto, pessoas que te amem para te ajudar. Familiares, amigos... Não existe remédio para curar a saudade, mas existem formas para amenizá-la.

— É como minha doença, então. Eu faço quimioterapia desde de pequeno, ela ajuda a controlar e amenizar os sintomas do câncer, mas... Não existe cura também.

Oliver sentiu seu coração apertar ainda mais, ao ouvir aquelas palavras. De repente era ele que estava chorando agora.

— Você é como um daqueles guerreiros que protegiam e ajudavam as pessoas na Idade Média, como é mesmo nome? — Carl perguntou vendo Oliver se emocionar com o que dissera.

— Cavaleiro?

Carl sorriu assentindo. Oliver então olhou discretamente para o retrovisor do carro, seu pai assistia a cena com os olhos vermelhos. Ele sorriu carinhosamente e Oliver sentiu seu coração mais quente.

Abriu os olhos.

Estava de volta a sua sala de estar. Kiara ainda soluçava em seus braços. De repente sentiu os músculos de sua face tremerem involuntariamente, então os deixou agirem e formarem o sorriso. Parou de olhar o bonequinho na estante e colocou seu queixo sobre a cabeça da garota. E abraçou-a ainda mais forte.

XX-XX-XX

[...]

Os pneus finos da cadeira de rodas de Angel, passavam delicadamente por cima da grama do pequeno parque. Este ficava na área de recreação de seu prédio. A noite fazia daquele espaço, um lugar mais sombrio, porém ainda muito sereno e belo. Talvez fosse esse o motivo de Angel gostar tanto dali. Uma paisagem dúbia que era maravilhosamente complexa.

Ao longe podia-se ver diversos brinquedos, onde as crianças do prédio se divertiam de dia. A loira de repente sentiu uma sensação de vazio tremenda. Agora estava em uma relação instável com Kramer, tinha quase 30 anos de idade, e no momento não queria saber de emprego, graças à sua nova condição de vida... O que realmente pensava nos últimos meses era em adotar um filho, adotar claro, pois sabia há muito tempo que era estéril. Ela tinha consciência que não estava totalmente bem, após tudo o que acontecera nos últimos tempos. Foram tantas perdas, tantas mudanças... Ainda podia sentir todo aquele sangue em sua boca, de quando se machucou gravemente no segundo desabamento no St. Mary. Essa era uma das únicas lembranças que se recordava após matar Wen. Meu sangue tinha um sabor tão adocicado... Angel voltou a pensar que um filho poderia deixar sua vida mais leve, mais colorida, mais branda, mais prazerosa... A cadeirante tocou sua perna. Usava um short, de modo que ficava fácil para tocar sua pele. A loira então arranhou sua perna com suas unhas compridas, viu algum sangue, mas não sentiu dor alguma. Voltou a olhar os brinquedos ao longe, bufou. Por estar naquela condição, poderia ser difícil adotar uma criança, mas mesmo assim iria tentar. Não. Eu não vou tentar... Eu vou conseguir.

A silhueta de uma mulher ao longe, fez a loira despertar de seus pensamentos. A estranha passou por entre os brinquedos, mas ainda não dava para ver sua face. Por um momento, Angel pensou que pudesse ser Sylvia, sua enfermeira particular, mas depois viu que não era. A mulher finalmente chegou até Angel, a loira viu sua face, mas ainda não a reconheceu.

— Boa noite. — A mulher de aparentemente uns 40 anos, falou e cumprimentou Angel com um tocar de mãos. Ela estava muitíssimo bem vestida, tinha os cabelos em um tom de castanho claro e traços singelos e serenos. Tinha um corpo com algumas curvas que poderiam confundir as pessoas em relação a sua real idade. Porém, algumas rugas visíveis em sua face diziam a verdade.

— Boa noite. — Angel disse confusa, enquanto tirava o cabelo de sua face e ajeitava seus shorts.

— Eu sou a Dina. O porteiro do prédio, disse que a senhorita estaria aqui... E-eu não queria ser direta, mas... Ainda não preparei um jeito de falar ou de... Enfim. — A mulher olhou pro alto, estava nervosa e até perdida em suas próprias palavras. Então virou seus olhos para baixo, em direção a Angel na sua cadeira de rodas. — Eu sou a filha da Selly.

Angel franziu o cenho, e riu. Aquela situação parecia surreal. Olhou novamente a moça, iria começar a dizer alguma besteira, mas olhou melhor em seu rosto. Ela é a cara da Selly. Os olhos, o semblante calmo... Meu Deus... Angel se lembrou que no diário, Selly sempre se dirigia ao filho como “o bebê". Poderia soar estranho, mas para uma pessoa tão amorosa como Selly, decidir abandonar uma criança... Era realmente melhor não se apegar. Talvez escrever sobre ter abandonado um pequeno garotinho, ou no caso uma pequena garotinha, seria doloroso demais. Angel voltou de seus pensamentos, mas não teve tempo de perguntar nada, pois fora interrompida por Dina novamente.

— E eu também sou a mãe do Carl.

Dessa vez Angel viu sua cabeça girar. — O quê? Senhora... Mas quem diabos é você?! Acho que você me deve uma explicação mais detalhada, por Deus...

— Eu sei que eu apareci do nada, e tudo isso parece confuso, me desculpe mesmo! Mas... Tudo isso é verdade... Bem... Eu demorei anos para encontrar minha mãe... Depois que saí do orfanato, acabei engravidando de um cara, o lar que eu ficava me chutou no mesmo minuto. De repente eu estava na rua, e quando eu tive meu filho, eu queria mudar de vida. Não queria simplesmente o abandonar como minha mãe fez comigo... Eu e meu parceiro acabamos mexendo com uma perigosa rede de tráfego de drogas. Esses caras nos perseguiram por anos! Meu marido acabou sendo assassinado por eles, quase na mesma época que eu descobri que o Carl tinha câncer... Mas foi quando fui ao St. Mary e conheci a Selly, e eu não sei explicar, mas sabia que ela era a minha mãe. — Dina olhava o semblante confuso de Angel, mas continuou. — Depois de algumas pesquisas, eu tive a certeza. Então eu a contei.

— Então a Selly te conheceu? A Selly sabia que o Carl era o neto dela! Tudo faz muito sentido agora... — Angel conseguia colocar algumas coisas em ordem, mas ainda estava com muitas dúvidas. — Mas por que você os abandonou? E por que a Selly nunca contou nada ao Carl?!

— Como disse, estava envolvida com pessoas perigosas! Meu filho já corria perigo e não queria que minha mãe também corresse perigo... Depois de um tempo, eu consegui um acordo com o chefe dessa rede de tráfico. Mas tive que abandonar tudo para trabalhar para eles, e o meu tudo era o Carl.

— Então a Selly sempre soube de tudo... Eu não acredito que ela olhava nos olhinhos do Carl e mentia descaradamente! — Angel balançava a cabeça ainda se recusando a acreditar.

— Era pra segurança dele! Eu sofri muito no começo, mas quando lembrava que ele estava junto da avó dele... Me sentia mais calma. — Dina suspirou. — E depois de saber que ele era tão bem cuidado por enfermeiras como você, eu ficava muito mais tranquila.

Angel não sabia se agradecia aquilo, mas então outra dúvida surgiu. — E como diabos você chegou até a mim?! E só agora... E-eu estou completamente perdida nessa conversa! Eu estava aqui, como faço todos os dias após minha sessão de fisioterapia e... Uou.

— Eu entendo... — Dina suspirou, mas tinha que continuar a se explicar. — Eu soube da morte da minha mãe e do meu filho há meses atrás. Eu estava na Austrália e não podia vir, eu sofri muito, muito mesmo. Eu não consigo expressar em palavras o que eu senti... Mas só agora eu pude vir até aqui. Então procurei por algumas enfermeiras do St. Mary, mas nenhuma delas parecia ser tão ligada a Selly quanto você era. Nos telefonemas com a minha mãe, ela me falava sobre você e mais uma garota, mas ela nunca falou seus nomes, já que ela tinha medo de envolver vocês duas em toda a confusão que é a minha vida. Ela sempre era muito cuidadosa em relação a isso... E ela fez certo.

— Mas sem ao menos saber meu nome, você chegou até a mim. Como... Dina?

— É uma longa história. Resumindo, eu acabei conseguindo alguns endereços aleatórios com algumas pessoas que trabalham na prefeitura, já que lá tem os dados das enfermeiras que trabalhavam no St. Mary... Eles não deram nomes, apenas endereços. Parece que o prefeito dessa cidade é muito severo, eu não sei ao certo... Bem, eu demorei um tempo até chegar a pessoa certa.

— E como você soube que eu era essa pessoa?

— Eu sabia que você era loira, magra, visual gótico... Algumas características que minha mãe deixava escapar nos telefonemas. — Dina encarou Angel nos olhos. — Eu vi você no hall do hotel hoje à tarde, a Selly nunca tinha me contado que você estava numa cadeira de rodas, mas mesmo assim resolvi checar... Fui na recepção e perguntei o número do apartamento da "loirinha da cadeira de rodas" e coincidiu. Daí eu soube no mesmo momento.

Angel finalmente entendeu tudo. Mas de repente o ar começou a ficar pesado, a loira sentiu seu coração apertar e suspirou fundo. — Eu não quero agradecimento nenhum, Dina. Não quero, não vindo de uma pessoa como você. Não vindo de uma mulher que abandona seu filho, que não luta por ele! Até mesmo a Selly que eu tanto admirei, eu não consigo mais vê-la com os mesmos olhos agora, imagina você.

— Eu fiz o que fiz para protegê-los! Assim como minha mãe teve seus motivos para me abandonar... Eu tive os meus! Foi um sacrifício! — Dina gritou gesticulando as mãos em direção a cadeirante.

— Sacrifício que deve ter lhe rendido ótimos frutos, não? — Angel riu sarcasticamente e a olhou de cima a baixo. — Com uma roupa luxuosa dessas, com esse cabelo, com essa pele sedosa... Dá para ver bem o quanto você sofreu! Viajando por aí, comprando tudo o que queria com dinheiro sujo... Um sacrífico muito difícil mesmo, não?

Dina fechou os punhos e só não fez o que estava com vontade, por Angel ser uma cadeirante. — Eu não sabia que você era assim, se soubesse não teria perdido meu tempo vindo até aqui, bancado a detetive, para simplesmente te agradecer... Agradecer tudo o que você fez pelo meu filho! Eu vim agradecer você. Apenas isso!

— Não! — O grito de Angel foi seguido de um silêncio mortal. — Você veio em busca de um perdão que jamais vai conseguir! Você veio tentar limpar sua consciência por tudo o que você fez com o Carl, porque mesmo você ter passado pela dor de um abandono... Você fez o mesmo com ele. E por Deus, o garoto ainda estava com câncer... Você sabe o quanto isso é cruel, você sabe muito bem o quanto você foi cruel! Agora eles estão debaixo da terra, sua mãe e seu filho... E você não pode fazer mais nada. Nada!

A mulher caiu no chão aos prantos, Angel então a encarou por alguns segundos, e depois virou sua cadeira de rodas enquanto se preparava para sair do local.

— Você tem razão! — A mulher secou suas lágrimas enquanto se levantava, ainda estava totalmente arrasada. — Mas eu ainda quero te agradecer pelo o que você fez pelo Carl, e eu juro que meu agradecimento é de coração, e não somente uma forma de amenizar minha culpa... Você não precisa aceitar, mas é que você foi como um anjo pro meu filho. — Dina olhou a cadeirante continuando a sair dali, sem nem se importar. — E... É engraçado eu ainda não saber disso... Mas eu gostaria de pelo menos saber o seu nome.

A loira parou sua cadeira de rodas, suspirou profundamente. Olhou para frente em direção aos brinquedos no parquinho, então sentiu seus olhos arderem. Uma lágrima se formou caindo sobre sua perna, e escorreu até o arranhão em sua pele. Sentiu uma leve ardência, já que o sal de sua lágrima tocou seu ferimento em aberto. E antes de ir embora daquele lugar de vez, a moça virou sua cadeira de rodas em cento e oitenta graus.

— O meu nome é Angel.

















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Notas finais do capítulo

Espero que tenham curtido a fic. ^^
Sei que prometi uma visão minha sobre tudo, mas acho que ela está na história! Então acho que ela fala por si só. :)
Agradeço a paciência que tiveram com o atraso dos capítulos, e também com a quantidade de palavras de cada, que sim, sempre foi exagerada e eu sei que deixa cansativa a leitura. Mas é que esse é o jeito que escrevo... Não consigo ser curto e direto ao ponto (esse textinho que estão lendo é um bom exemplo).
TODOS que chegaram até aqui, independente se comentaram/favoritaram a fic ou não, eu agradeço de verdade, de coração mesmo. Talvez a fic tenha saído do convencional de mortes e acidentes a todo momento, mas é que realmente queria contar uma história acima de tudo. E estou muito, muito feliz com o resultado final.
Finalizando, quem puder e achar que deve recomendar a fic, recomende! Principalmente os que não comentaram ou os que apenas favoritaram a história (sim, eu vi vcs, rs!). Me deixaria muito feliz, pois passei mais de um ano escrevendo essa história... Seria muito gratificante.
Mais uma vez agradeço a todos! Abrações e até mais, quem sabe! :DDD



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