Doppelgänger: Primeiro Dia escrita por Rauker


Capítulo 7
Capítulo 06 - Sem escapatória




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Alguns trotes são apenas brincadeiras, outros acabam em morte.


Nenhuma conversa pode enrolar e minguar a decisão em favor do trote, ou se há eu não tenho a oratório necessária para tal feito. Minha única alternativa é soltar-me à força e correr como um desesperado, mas, infelizmente, careço de força necessária para isso. Parece que sempre me falta qualidades, e por isso acabo me lascando. Entretanto, não desisto. Tento me agitar com a mesma intensidade de um peixe fora d’água, mas rapidamente a exaustão me derrota, e ouço a risada de um dos garotos.

— Vai pra onde, aspira? — diz esse que gargalhou, um barrigudo cheio de piercings: um na sobrancelha direita, outro no nariz (acho que vi um na língua) e vários brincos pequenos na orelha. Parece um daqueles caras punks, faltando apenas colorir o cabelo. Chega a dar nervoso encará-lo por mais de três segundos.

O cara chamado Pastel solta a manga da camisa, e experimento uma ilusória esperança de fuga. Mas noto que sou o centro de uma circunferência de veteranos que não me oferecem a mínima brecha para uma evasiva. Ou tento passar por eles, ou escalo a parede atrás de mim, tarefas apenas para o Hulk e o Homen-Aranha, respectivamente. Como não sou um super-heroi nem mesmo um protagonista com poderes sobre-humanos, contento-me com a inconveniente impotência de um magro adolescente.

Mãos firmes seguram meus braços. Bocas curvadas maliciosamente reúnem-se ao redor. Entre ficar em silêncio e rechaçar sonoramente esta ação, opto pela segunda opção.

— Esperem! Me deixa ir! Não quero fazer parte disso! — Pude sentir o gosto do pavor em cada frase enunciada. Mesmo que eu deseje simular alguma passividade, o medo não permite, destrói qualquer pilar de indiferença que sustente o inevitável evento. Quando me dou conta, estou sendo levado para fora (nem deram bola para o que eu disse). Observo a estátua do fundador de Ventura me dando as costas; não apenas a mim, mas também para uma questão interna da escola (autoridades sempre parecem desprezar os problemas pequenos de sua administração).

— Bora levar esse doente pra aquela árvore. Vamos pintar a cara dele! — diz o gordo, que aparenta ser o membro mais influente do grupo.

Dizer para pararem é inútil, não por medo e sim porque sinto que eles não irão desistir do trote por mais desesperado que eu demonstre estar. Na verdade, se eu suplicasse, aí sim é que eles o fariam com gosto. Seus semblantes animados transparecem a excitação que é ver alguém submisso e impotente diante deles. Eles gostam disso! Só isso explica o fato de estarmos caminhando pelo gramado, razoavelmente afastado das trilhas cimentadas e ruelas que cortam o campus. Ao pararmos, o gordo cheio de piercings se aproxima, exibe um sorriso sacana e abre o pote de tinta.

— Mostra a cara aí! — Seu dedo exibe um punhado de tinta guache azul. Não há como me defender: meus braços estão presos por dois caras. O máximo de resistência que posso dar é fechar os olhos e agitar o rosto a esmo. — Fica quieto! — Mas sinto uma mão robusta segurar minha cabeça. Não dá mais! Um pincel humano passeia pela face deixando rastros gelados.

— Capricha aí, Barril! — ouço um garoto falar. Então Barril é o apelido desse gordo filho da mãe que está me pintando? Muito pertinente.

Os segundos transcorrem. Sinto o rosto totalmente tomado pela consistência aquosa da tinta.

— Agora o resto do corpo — anuncia o gorducho. Então quer dizer que o rosto foi apenas o começo? Por mais quanto tempo terei de aguentar isso? Mesmo sabendo que provavelmente terá um efeito contrário, arrisco a dizer:

— Não, parem! Já chega. Vocês só iriam pintar meu rosto. Não precisam fazer mais.

— Quer que a gente pare? — pergunta o tal de Barril, claro, sem a menor consideração na voz. Sua indagação foi uma mera retórica para rir da minha cara. — Foda-se!

O que eu posso descrever sobre os instantes seguintes? Vergonhosa impotência, tão grande que faz meu rosto se retorcer em desgosto e os olhos marejarem. Às vezes pensamos que somos fortes e inflexíveis diante do mundo, mas basta uma situação na qual você saia em desvantagem para perceber que ninguém é firme o bastante para se livrar de momentos como esse. Mas… eu não gosto de me sentir assim… submisso aos caprichos dos outros, humilhado só para afirmar que os outros têm o poder sobre mim… Foi sempre assim… desde criança.

Posso retroceder minhas memórias e encontrarei sem esforços os risos que minha fraqueza proporcionou aos meus “colegas”. Sim, em todos os anos sempre fui alvo de brincadeiras de mau gosto. Exceto… quando ela estava ao meu lado.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: 14 de abril.



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