Doppelgänger: Primeiro Dia escrita por Rauker


Capítulo 5
Capítulo 04 - A gralha negra




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Em meio à realidade que é frenética e momentânea, a percepção do tempo se altera para e desdobra-se numa experiência intensa e memorável. O segredo é simplesmente fortificar a importância de uma cena, de um momento, de um puro elo visual.


Tudo ao redor parece desaparecer à medida que meus olhos sustentam o elo visual com aquele pássaro estranho, pousado no ombro da estátua. Não estou imaginando coisas. Ele, naquela posição meio lateral, imóvel, exceto quando abre o bico para soltar seu grasno arrepiante, me encara realmente de forma examinadora.

Mas aquilo não pode ser exatamente um corvo, afinal, aves desse tipo são abundantes em outros continentes, não aqui na América do Sul. Até onde sei, temos algumas espécies de gralhas, a maioria de cor azul, no Brasil. E aqui em Ventura é comum a presença de gralhas-do-campo. Vi na internet algumas imagens desse pássaro que também pertence à família dos corvos. Ele possui um peito branco, costas azuladas e coloração preta na região da cabeça. Porém, ouvi boatos de que há raras gralhas escuras por efeito de alguma anomalia ambiental em Ventura. Será que estou diante de uma delas? Sua imagem é igual às aves negras que tanto são mostradas em filmes, livros e animês. Nas histórias em que aparecem, geralmente são sinais de mau agouro.

A gralha irrompe sua voz metálica. Passa-me pela cabeça se ela está reafirmando meus pensamentos: “Sim, isso mesmo. Eu trago má sorte.” Não, isso é ridículo. Rio levemente da ideia do pássaro ser capaz de me compreender.

Ele grasna mais uma vez, mais alto.

Fico paralisado e começo a encarar a situação, por mais anormal que seja, com inacreditável seriedade. O pássaro continua com sua atenção fixa em mim. Por alguns segundos, sinto uma carga de sentimentos contraditórios: excitação, solidão, felicidade, desprezo, melancolia, comicidade… tudo experimentado num tempo semelhante ao rápido abrir e fechar de uma mão; sentimentos que não sabia o porquê de estar os sentindo.

Um último grasno. A ave então abre suas asas e eleva-se rumo ao firmamento azul, seu voo majestoso conduzindo o movimento de meus olhos para encará-la e vê-la, enfim, desaparecer atrás do prédio da escola. Lentamente, as sensações intensas incitadas pelo pássaro escoam e me sobra apenas aquele nervosismo inicial de um calouro em seu primeiro dia de aula. Mas as consequências desse estranho encontro permanecem. Afinal, o que foi tudo isso? Sinto meu corpo tremer de ansiedade. Pior, sinto um presságio ruim.


Não muito distante de onde Léo se encontrava, um jovem permanecia ansioso ainda sob a árvore. Uma missão prestes a ser executada…


— Eu sei. Não posso falhar. Conheço a situação – digo, simulando uma calma que não possuía, para a pessoa do outro lado da linha.

— Não fique nervoso. Você vai conseguir. Temos que aproveitar nossa vantagem.

Mesmo que ele afirme isso, não me sinto em posição avantajada. Pelo contrário, penso que sou um rato acuado, temendo que a qualquer momento um gato grande me ache e acabe comigo. Minhas mãos tremem, não conseguem nem segurar o celular ao ouvido, a voz hesita, o coração palpita. Estou prestes a executar a ação mais importante da minha vida… e não posso falhar!

— Boa sorte — deseja a pessoa. — Esperarei sua ligação. — E desliga.

Fico alguns segundos tentando suportar a carga da tarefa. Contemplo a sombra da árvore onde me encolho e vejo algumas manchas luminosas no gramado, feixes de luz do dia que atravessam a copa da árvore. De certa forma, isso me dá um pouco de esperança. Espero que, no meu caso, a escuridão também não seja completa, que haja pequenas esperanças luminosas que me deem força para enfrentar o que vem pela frente.

Hoje, definitivamente, irei matá-lo!





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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo em 31 de Março.
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