Doppelgänger: Primeiro Dia escrita por Rauker


Capítulo 20
Capítulo 19 - Nicole


Notas iniciais do capítulo

Esse é o penúltimo capítulo da segunda parte. O próximo capítulo apenas será postado daqui a 2 semanas. Precisarei de um pouco mais de tempo para escrever, rsrs. Espero que compreendam.

Boa leitura ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/338934/chapter/20

Basta olhar para trás para se lembrar do que tentou esquecer.

A escuridão assoma-se a cada passo que executo, enquanto a voz dentro dela estimula o meu desejo de abraçá-la. Quando for engolido por aquele lugar, tenho certeza de que serei envolvido por algo especial, algo que me livrará da morte certa no mundo real e me proverá com um algum tipo de poder para mudar a minha vida. Eu preciso chegar até lá! Só o que está à frente me interessa, apenas o futuro. O passado não importa, o que ficou para trás, ficou.

— Não se esqueça de mim. —Uma criança falou, distante. Essa voz…

— O que foi? Por que parou? — pergunta o ser nas sombras.

— Essa voz… é dela. — Vagarosamente, movo o pescoço com o intuito de ver atrás de mim.

— Não! Não olhe para trás, Léo!  Não olhe! — desespera-se a escuridão.

Mas eu preciso. Ela está lá. No passado. Nicole…

Vejo uma luz branca preencher todo o corredor no outro extremo. Assim como a escuridão de um lado, aquela claridade parece se condensar apenas naquele ponto. Ela clareia não apenas o cenário, mas também minha mente, a invade para revelar algumas coisas obscuras. Memórias.

Era finzinho de tarde, o céu tingia-se com um azul escuro da mesma cor do vestido salpicado de bolinhas brancas vestido por Nicole.

— Sabe, minha família vai se mudar. — Era o início da conversa mais triste que já tive, apesar de ter apenas dez anos de idade na época.

— Se mudar? Se mudar pra onde? — perguntei olhando para ela, que fitava uma fileira de formigas no gramado. Estávamos num banco de madeira da praça da vizinhança, nosso lugar predileto para passar as tardes. Eu a ouvia com uma ponta de tristeza.

— É pra um outro estado, longe daqui.

— Mas… você vai voltar um dia? — pergunto, esperançoso. O silêncio dela foi a resposta. A conversa foi avançando deprimidamente até nossas últimas palavras.

— Acho que… essa é a última vez que a gente vai se ver — disse ela, e vejo lágrimas querendo descer dos seus olhos.

— Mas… — Eu apertei os punhos fechados, inconformado. Também tive vontade de chorar. — Nicole…

Ela aproximou seu rosto do meu. Foi a primeira vez que meus lábios tocaram os de uma garota.

— Adeus, Patinho. — E a única vez que meu apelido foi pronunciado com um tom extremamente carinhoso. — Não se esqueça de mim. — E pude ver algumas lágrimas saindo dos seus olhos antes dela começar a correr para longe. Estava tão abalado que fiquei pregado no banco, chorando. Sabia que não podia fazer nada para impedir a mudança. Pensei que talvez podíamos nos escrever, quem sabe nos reencontrar algum dia.

Eu a reencontrei… no dia seguinte… dentro de um caixão.

Nicole morreu no mesmo dia de nossa despedida na praça, atropelada por um carro numa rua adjacente. Soube que depois dela sair da praça, ela correu da tia, gritando “Me deixa sozinha!” com uma voz chorosa, e sumiu por algum tempo nas ruas vizinhanças. A tia a encontrou alguns minutos depois, morta no meio da rua.

Nunca parei de imaginar a cena. Nicole, atordoada e deprimida com a nossa despedida, atingida violentamente por um carro. Será que a culpa foi minha? Será que eu a matei? Se eu tivesse corrido atrás dela, se eu tivesse escolhido melhor as palavras de forma a não deixá-la tão triste, talvez, só talvez, nenhuma tragédia teria ocorrido, poucas lágrimas teriam sido derramados sobre a minha cama, e um reencontro feliz poderia ter acontecido.

DROGA! 

Lembro-me de ter faltado um mês de escola. Ninguém conseguia me animar. Eu parecia um semi-morto. A única forma de me livrar daquele sofrimento era esquecer a culpa. Era difícil respirar a cada dia sabendo que eu matei a pessoa que mais amei. Eu queria esquecer!

Então, numa das minhas visitas àquele mesmo banco em que nos encontramos pela última vez, um pássaro negro pousou ao meu lado. Eu estava tão deprimido e fora de si que comecei a conversar com o pássaro. Disse para ele que queria esquecer aquele dia, aquela conversa, aquele beijo, aquela morte. E depois… lembro-me de ter acordado em casa e ter visto minha mãe toda preocupada. Ela disse que fui encontrado pela vizinha dormindo no banco da praça.

Sobre a Nicole, só sabia que ela havia morrido atropelada por um carro. Mas o contexto da morte dela foi totalmente esquecido por mim. Desde então me senti tão sozinho, tão desanimado e fraco como se minha vontade de viver estivesse perdida em algum lugar. Me sentia fragmentado, impotente.

— Então foi isso. Foi isso que… — Subitamente, a culpa daquela época me assalta. Mais uma vez eu revisito aquele sentimento de angústia. Meu Deus! Eu matei você! Eu matei você!

— Não se sinta assim, Léo. — A voz segurou as minhas lágrimas.

Na luz da outra ponta do corredor, eu ouvi passos.

É você?

Sinto a dor em meu peito se extinguindo, as pernas tornando-se firmes, meu vigor circulando por cada ponto do meu corpo.

É você?

O som dos passos se torna mais forte. Está se aproximando.

É você?

Meus olhos continuam abertos, fissurados, tragados pela tensão e a tímida alegria que se liberta.

É você?

Uma silhueta, enfim, irrompe da luz.

É você.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Doppelgänger: Primeiro Dia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.