Ághata escrita por Ivan Pavlov


Capítulo 5
Foice e dentes - parte 2


Notas iniciais do capítulo

só pra lembrar que eu havia cortado um parágrafo o último capítulo, quem não viu dê uma olhada nas notas iniciais dele!



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–É a nossa chance! Yavith!

Uma traição percisava ser desfeita, mas uma visita a velhos amigos tornou-se pedra. Ouvi um grito com gosto de sangue.

Com um pulo retornei ao mundo real, e por alguns segundos permaneci parada enquanto minha mente voltava a clarear. Eu estava sentada em uma superfície fria e completamente erodida, com a lateral de meu corpo encostada em algum tipo de parede, igualmente gelada. Minhas costas somavam-se ao resto de meu corpo em uma dor generalizada, minha garganta estava apertada, meu rosto molhado, e minha cabeça doía.

Ághata!, exclamou Sapo apontando para onde eu havia abandonado meus perseguidores desmaiados. Senti, então, uma onda gelada percorrer minha espinha, cada centímetro de meu corpo começou a formigar.

No local onde antes dormiam os quatro homens havia uma poça escura de sangue e, deitado nela, um vulto humano. Seus braços estavam numa posição desconfortável, sua boca estava aberta e de seu abdómen brotava uma massa de carne deformada que, aumentando lentamente a poça sob ele, contava sua trágica história. A alguns metros dali, uma enorme criatura negra se embolava agilmente em uma frenética dança de violências com três outros homens.

Seu tamanho, sua postura, o peso do ar em sua presença faziam daquela criatura a concretização da bestialidade, a ilustração prefeita de um predador. Seus movimentos pintavam de fobia o ar, seus pelos rosnavam, loucos, para a vida . Vi, com estes olhos que me cabem,a morte andar sobre quatro patas.

A figura, de pelos negros como a sombra, aparentava ser quatro vezes maior que um búfalo. A parte posterior de seu corpo era levemente mais alta que a anterior, de forma que suas patas traseiras parecessem desproporcionais, e de seus ombros saíam protuberâncias estranhas cuja anatomia não consegui discernir, mas que, por seu tamanho, era impossível não reparar. Sua cabeça movia-se rápido demais no combate para que eu conseguisse enxergar com clareza, mas eram, ainda, facilmente notáveis suas orelhas compridas e dentes mortalmente brancos.

Apesar de seu tamanho fazê-lo parecer desajeitado, o animal era incrivelmente ágil, e respondia com facilidade os ataques dos homens com quem lutava, que, por sua vez, demonstravam possuir força e velocidade bem distantes do que qualquer ser humano jamais sonhou possuir.

Pávida, arrastei-me rápido para trás, chutando desesperadamente o chão, como se estivesse sendo puxada no sentido contrário, e corri para trás da pedra em que eu dormira.

O que é isso?!

Não sei. Chegou instantes antes de todos acordarem, e vinha para cá quando Waltridge e os outros pegaram-no de surpresa.

O quê?! Aquele ali é ele?

Nesse momento, vi um homem que acabara de ser arremessado correr como um raio em de volta para a batalha.

Aparentemente, seu padrasto é um homem de segredos.

Minhas mãos estavam tremendo e meus músculos pareciam ter perdido toda sua força. Apesar de ter aceitado a morte a não mais que meia hora atrás, eu sentia uma sensação incontrolável de medo.

Desviei o olhar do conflito e, virando-me, encostei minhas costas na pedra. Depois, com a cabeça sobre os joelhos e a mão às orelhas, comecei a balançar para frente e para trás, desejando inutilmente que a criatura não me encontrasse ali.

Eu vou morrer. Qualquer um que vença essa luta é imortal perante a mim. Estou encurralada. Meus carrascos estão disputando pra ver quem vai descer a lâmina.

Não seja pessimista, Ághata. Só permaneça escondida, e torça para que matem aquela coisa, respondeu. Fez, então, uma pausa para que suas palavras tomassem seu efeito. Eles, pelo menos, não sabem que você ainda está aqui.

Sabia quais seriam os argumentos de Sapo, mas sabia também que não me confortariam. Evitei, então, contrapô-lo.

E, aquilo? Sabe?

Estava vindo pra cá quando interceptaram.

Inclinando-me ligeiramente para o lado, voltei a observar o desenrolar do combate, enquanto tentava identificar o que era a criatura que ali estava.

Quando foi que entrou?

Veio correndo pelo buraco do teto. Quando viu os homens caídos pareceu assustar-se, respondeu. Enquanto isso, vi a criatura desviar por pouco de um golpe que lhe foi inferido com uma foice, brandada ágil e elegantemente por um dos homens.

Dá pra ver porquê.

Veio andando de vagar, como se não quisesse acordá-los.

Estranho.

Waltridge e os outros dois homens circulavam regularmente a criatura, atacando-a de todas as direções possíveis. Um deles usava uma foice, outro girava em cada mão uma lâmina curta. Waltridge, por sua vez, não usava arma alguma. Ora desferia um golpe com o punho, ora usava os pés.

Imaginei-o, então, apertando meu pescoço dentro daquela casa , caso o chão não tivesse desabado.

Sorte é o que não me falta.

O homem das lâminas partiu para uma investida frontal, apontando-as à fera na intenção de fincá-las em sua carne. O animal, porém, abaixou-se para desviar e, no mesmo movimento, esticou sua cauda girando o corpo para derrubar um outro oponente, que tentava matá-lo por trás.

Eu deveria entrar nessa caverna. Quem sabe não tem uma saída?

Não tem, olhei enquanto você dormia. Na verdade nem estamos longe do fundo, mas eu não iria lá se fosse você. É melhor não deixar que te vejam.

Aposto que aquilo sabe farejar.

Aposto que não melhor que eu.

Depois que o dois ataques foram frustrados, o animal levantou-se de lado, esticando o braço oposto ao da lâmina que pairava no ar, acertando um golpe certeiro no queixo do atacante. Ao fazer isso, revelou-se ser uma espécie de tecido fino e sem pêlos o que eu havia visto em seu ombro, como uma membrana que conectava o que seria seu pulso e seu tronco e que projetava-se para trás quando seus braços estavam colados ao corpo.

Aquilo é uma... Asa?

No momento em que seu parceiro era injuriado, Waltridge avançou como uma flecha sobre o pescoço da criatura, envolvendo e apertando-o com seus braços de aço. Com a colisão dos dois corpos, a movimentação das garras da fera ainda enfiadas no rosto do inimigo rasgou-o ainda mais.

Enquanto o homem gritava de dor, o outro já havia levantado e já descia foice sobre o monstro, que, para desviar, jogou-se para o lado, rolando sobre Walter, que socava sua enorme cabeça.

Antes que o companheiro de meu amargo padrasto desenterrasse a foice do chão, a figura negra levantou-se rapidamente, e, dando continuidade à luta, girou em seu próprio eixo, usando o velho como bastão para arremessar o outro.

Tendo a força do impacto o libertado da força dos braços de Waltridge, a figura gigantesca pareceu apagar de sua memória a luta em que estava, e começou uma corrida em minha direção, ignorando completamente os dois oponentes ainda vivos.

Após dar não mais do que três passos, entretanto, um som agudo e constante reverberou baixinho por toda a caverna, fazendo todos congelarem.

Paralíticos segundos depois, terminada a uníssona sinfonia que laçara tão repentinamente meus predadores, vi meu tio e o outro homem arregalarem seus olhos, e encararem peculiarmente a criatura, como se esperassem que lhes desse uma explicação, ou como se ela mesma fosse a pergunta.

Ao mesmo tempo, a figura negra voltou, então, seu olhar para mim- revelando, agora, sua cabeça, que assemelhava-se incrivelmente à de um morcego- e, como se estivesse tomando uma decisão difícil, hesitou contemplante por um breve intervalo de tempo.

Passada sua rápida confusão, virou-se para trás e, após um pulo, planou até a entrada do teto, por onde saiu.

Voltei então, meu olhar para meu padrasto.

Ele sabe que ainda estamos aqui?

Não sei.

–Não pode ser... Não pode ser!- Repetiu o homem, mantendo sua expressão incrédula- Avisar os outros...

Acompanhado de seu único companheiro ainda vivo, levantou-se pesadamente, escalou a parede íngreme da caverna, e, com um pulo e um giro, agarrou-se ao chão quebrado do casebre de madeira, para depois desaparecer de meu campo de vista.

Outros? O que... O Waltridge...? Aquilo...?

Ainda mancando, levantei-me de trás da rocha que usara para me esconder, e fui andando em direção à entrada da caverna.

–Eu devo estar louca.

Quando cheguei ao ponto onde tinha ocorrido a luta, parei e tentei me convencer de que aquilo realmente havia acontecido. Meu padrasto era alguma espécie de sobre-humano e acabara de lutar com uma criatura dez vezes maior que ele, e que cuja própria via legitimava a existência do medo.

Então era isso que estava matando as pessoas?

Não vejo explicação mais plausível.

Eu também não, mas, mesmo assim, ainda não a vejo coerente.

E o que queria de nós?

Não sei.

Corria o olhar pelo cenário de cacos pedra, pelos e sangue espalhados pelo chão quando alguma coisa me pegou por trás e me jogou em cima da lama à minha frente.

Rolando um sobre o outro, olhei para baixo e vi que dois braços masculinos apertavam meu peito. Tentei em vão me me soltar, mas minha força não parecia fazer efeito algum, e a dificuldade de respirar sobrepujava-me mais ainda ao drenar minhas forças.

Joguei, então minha cabeça para trás, atingindo o rosto de meu oponente. Senti meu cabelo molhar e ouvi-o soltar um gemido estranho.

Continuei debatendo-me enquanto ele levantava a nós dois como se não pesássemos mais que um baú vazio, e mais uma vez, atingi seu rosto com minha cabeça, fazendo-o afrouxar levemente os braços. Sentindo isso, aproveitei para dar um impulso no chão e lançar todo meu peso para trás.

Quando atingimos o solo, senti o impacto contrair com força o peito do homem, fazendo-o soltar todo ar que estava seus pulmões.

Sem ar, e com mais um golpe de minha cabeça em seu rosto quando caímos, abrandou suficientemente seu abraço para que eu pudesse me soltar, e logo levantei para encará-lo.

Estava diante de mim o companheiro de meu padrasto que havia tido a mandíbula arrancada brutalmente pela besta durante o combate.

Movida pela explosão de adrenalina, não pensei duas vezes, e lancei a sola de meu pé como uma bigorna sobre o ferimento do homem.

–O que você quer de mim?!

Dei-lhe mais um chute, fazendo-o gemer.

–Quem é você?!

Deu um grito e chutei de novo. Lágrimas começaram a correr de também de meus olhos.

–Quem são os outros?! O que... Era... aquilo?! - Gritei intercalando golpes e palavras.

O homem permaceceu estático depois do último chute.

–QUEM É VOCÊ? -Caí de joelhos sobre o cadáver e comecei a chorar em soluços.

Mais uma vez meu corpo lembrou-me de todos os meus ferimentos. Meu rosto ainda estava machucado desde que eu fora presa, havia cortes e hematomas em meus braços e pernas, quase todos meus ossos doíam, minhas roupas e cabelo estavam embebidos de sangue.

–Pra onde vamos, Sapo?- solucei.


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Notas finais do capítulo

Aye, mais um capítulo!

Não sei se algum de vocês está incomodado com isso, mas eu estou: mais uma vez eu não expliquei o plano de fundo :p

Juro que eu comecei o capítulo(desde a parte um) com ele em mente, mas no desenrolar da história, não surgiu nenhum espaço pra isso, e eu não quis forçar, né. Em compensação, vejo esse capítulo como um grande gancho pra entrar com a trama principal, e confesso, inclusive, que até agora tudo o que ocorreu foi UM POUCO MAIS(não totalmente) voltado pra preparar o terreno e não sair jogando história sem uma preparação prévia.

Falando sinceramente, eu prefiro deixar Ághata descobrir sozinha, sem precisar que EU saia enfiando encontros só pra deixar a história mais clara. O que ocorre, entretanto, é que mesmo gostando dessa ideia do mistério, às vezes eu sinto que alguém pode achar mal explicado e não gostar.

Pergunto eu, portanto: qual a opinião de vocês a respeito de clareza e evidência na história por trás dos acontecimentos? Fica legal esse mistério, ou vocês preferem tudo explícito, explicadinho tintim por tintim?


Obrigado a todos pelo apoio! Beijos nas molieres, abraços nos homens, e até o próximo capítulo!



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