A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 4
Capítulo 4




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Nirina olhou para Arthus carinhosamente, imaginando que não queria ficar longe dele. Mas assim seria melhor, disso ela tinha certeza. Seu mestre imaginava que devia explicações a ela.

— Você precisa de um novo mestre, Nirina — disse. — Não há como você continuar aqui sem treinar as habilidades que vem desenvolvendo.

— Por que não? Há algo que pode acontecer? — indagou. Ela sabia pouco sobre magia, afinal, havia iniciado seus estudos na área havia pouco tempo.

— Lembra que você disse que havia visto que um pedestre deixaria a sacola cair, e você acertou? — Nirina assentiu, encorajando-o a continuar. — Essas visões vão ficar cada vez mais comuns, e isso não é bom. Um mago clarividente experiente pode controlar essas visões. Se você não puder fazer isso, elas vão ficar tão frequentes que você não vai conseguir andar na rua sem visualizar os próximos acontecimentos com todas as pessoas a sua volta.

A aprendiz mordeu o lábio inferior, tentando imaginar como isso seria.

— Depois de um tempo, você pode até mesmo ouvir as vozes das pessoas em sua cabeça, prevendo o que elas diriam. Isso te impediria até mesmo de ir à cidade fazer compras. Resultaria em uma terrível dor de cabeça e você pode imaginar como isso te manteria incapaz de realizar qualquer outra atividade: sua mente estaria completamente focada em continuar as visualizações.

Nirina continuou mordendo o lábio, pensativa.

— Quanto tempo isso leva para acontecer?

— Não tem como definir — disse. — Depende muito do mago. Alguns levam apenas dias, outros, meses, até mesmo anos. Mas eu não sei quanto tempo vai demorar com você, e é melhor que eu tome uma decisão, rápido.

— Certo, Arthus — respondeu, balançando a cabeça positivamente.

— Nirina — disse, fazendo-a olhar para ele. — Você não parece muito feliz com a descoberta de seu dom.

— Eu estou — falou, sendo sincera. — Realmente estou. Só não me agrada a ideia de ter que ficar longe de você.

— Eu vou te visitar. Não terá problema.

— Onde vou ficar?

— Provavelmente terá que morar na Corte.

— Você vai avisar o Rei? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.

— Sim, Nirina. Assim que eu puder.

A aprendiz apertou as mãos nervosamente. Não conseguia parar de pensar na energia que havia sentido do mago de ar desconhecido na cidade. Queria saber o que ele era. Imaginou, no entanto, que não era uma boa hora para perguntar e suspirou cansada. Havia acontecido muitas coisas naquele dia, e essa pergunta poderia esperar até o dia seguinte.

— Acho que vou me banhar, Arthus — disse. — Preciso relaxar.

— Tudo bem — disse o mago, levantando. — Vou preparar algo para comermos.

Ela assentiu e se levantou também, agradecendo. Andou até o quarto devagar, olhando pela casa e pensando que não queria sair dali. De repente, balançou a cabeça, como se quisesse espantar todos aqueles pensamentos. Não tinha certeza de seu futuro, portanto não devia ficar se questionando tanto.

Quando chegou à porta do quarto, no entanto, algo veio à sua mente como um raio. Se ela era uma aprendiz de maga clarividente, precisaria de um mago clarividente para lhe ensinar. Sabia quem era a clarividente mais próxima. Sentiu o coração acelerar ao considerar a possibilidade de ser a nova aprendiz de Zahra e se surpreendeu ao reparar como havia demorado em perceber o fato.





— Entendi — disse Ian, diante da revelação de Riana. — Quer dizer que Nirina suspeita dessa casa? Como se sentisse uma energia diferente vinda dela, e que tem uma... Aura diferente?

— Foi o que ela me disse na cidade hoje — respondeu a garota.

— Tudo bem. Conversarei sobre isso com Hazael daqui a pouco. Agora — sentou-se em uma cadeira do lado de Riana e abriu os braços — como Hazael disse, vou te dizer tudo sobre a magia negra — encarou o amigo, afinando os olhos. Este, por sua vez, recebeu o olhar com indiferença e se espreguiçou mais uma vez.

Riana olhou para Ian com uma empolgação evidente, pois o mago percebeu e abriu um sorriso.

— A magia negra muitas vezes é vista com maus olhos porque utiliza sangue em sua conjuração — começou Ian, atento às expressões de Riana. Percebendo que ela reagiu com naturalidade ao ouvi-lo falar de sangue, prosseguiu. — Você tem medo de se cortar? Pois é necessário que se corte para poder executar a magia com seu próprio sangue. Diferente do que as pessoas pensam, que o sangue é parte de um processo ritualístico ou de um sacrifício, isso só dará à criatura invocada a noção de quem é seu “mestre”, a quem ela deve obedecer.

Riana assentiu, sinalizando a Ian que estava entendendo tudo. Agora ela se perguntava que tipo de criaturas seriam invocadas.

— Tudo bem — disse ela, entrelaçando os dedos das mãos e apertando-os nervosamente. — É preciso cortar minha mão e o que além disso?

— Você é meio impaciente, não é, Riana? — disse Ian, rindo. Ela se encolheu novamente, como se tivesse perdido toda a coragem de falar. — A questão mais difícil de invocar os espectros e que exige um pouco de prática é o pensamento. Você não precisa dizer nada. Não precisa recitar. Mas deve desejar, de todo o seu coração e sua mente, que deseja que um espectro atenda às suas vontades.

Riana mordeu o lábio inferior discretamente quando percebeu que Hazael olhava para si de forma fixa. Então espectros seriam invocados...

— Eu... — começou a nova aprendiz, percebendo que sua boca estava seca. — Eu sei que isso soa inconveniente, mas eu posso pedir uma demonstração?

Ian riu e, sem dizer nada, saiu do cômodo por alguns segundos. Depois, voltou com uma faca.

— Não existe receita para conseguir invocar um espectro. Eu não posso lhe dizer as palavras em que você deve pensar, e você só conseguirá quando não tiver dúvida alguma de que deseja que ele venha. Vou mesmo demonstrar. Deve ser mais fácil que explicar.

— Ele simplesmente...

Riana interrompeu a fala quando percebeu que Ian havia feito um corte na palma da mão direita e que agora juntara as duas, entrelaçando os dedos, deixando-as completamente próximas e que havia fechado os olhos. Com a cabeça abaixada, ele manteve-se assim por alguns segundos até que a aprendiz pode ver uma fumaça preta deixando as mãos de Ian.

Sem muita demora, ela foi se tornando mais espessa. Logo a magia havia tomado a forma que ela esperava que tomasse: parecia um fantasma com uma capa preta por cima, usando um capuz sobre a cabeça, impossível de ver o rosto, ocultado por uma escuridão que parecia infinita. Ao mesmo tempo em que ele tinha a forma de um humano, ele não parecia ter corpo, e ela se perguntou se poderia tocá-lo.

Observou, surpresa, quando Ian abriu as mãos, que seu corte estava cicatrizado e nenhuma marca existia. Riana arregalou os olhos e Ian sorriu.

— Olhe, eu sei que parece fácil, mas não é. Você provavelmente não vai conseguir na primeira tentativa, nem nas seguintes. Talvez na quinta ou sexta se você estiver disposta a sentir dor várias vezes. Diante disso, tem outro detalhe: não importa o instrumento que você usar para o corte, você mesma deve causar a dor em seu corpo. É uma exigência, como se fosse um preço: você é obrigada a pegar uma faca e se cortar. Se outra pessoa o fizer, você jamais conseguirá invocar.

Riana sentiu seu corpo arrepiar diante do último ensinamento de Ian. Era um tanto sinistro, mas parecia justo. Inúmeras perguntas inundavam sua cabeça, no entanto.

— Eu tenho várias perguntas — disse, olhando para o espectro em vez de olhar para seu mestre.

— Pois as faça todas! — respondeu o invocador.

— Para que essas criaturas são úteis?

— Para várias coisas, Riana — disse Ian, um tanto evasivo — mas para uma em especial: enfrentar magos clarividentes.

Riana manteve-se em silêncio. A primeira coisa que veio em sua mente foi Zahra, a clarividente do reino. Em seguida, pensou inevitavelmente em Nirina e se perguntou como a amiga estaria depois da decepção de não ter conseguido vê-la.

— Não entendo — foi sincera. — Não sei nada sobre magia, talvez você precise me ensinar mais que só magia negra.

— Os magos clarividentes — começou Ian, notando que o olhar de Hazael havia ficado um pouco menos entediado — são difíceis de serem derrotados. Eles conseguem prever com certa antecedência os acontecimentos que os põe em perigos e, apesar de isso exigir um monte de treinamento, dificulta bastante para seus inimigos. É claro que isso não é o suficiente para que um clarividente seja duro na queda: ele precisa ter um bom controle do seu elemento principal para se defender dos ataques que previr, ou isso não adiantará de nada. É preciso ter uma boa noção de combate corpo-a-corpo caso queira se sair bem em lutas. Mas — pausou, adicionando um pouco de desprezo à própria voz — a maioria dos magos clarividentes se contentam em se trancar em um quarto ao lado da cama do Rei e sussurrar em seu ouvido os acontecimentos preocupantes. Isso é ridículo — disse Ian, afinando os olhos. — É um comportamento totalmente repugnante.

— Isso porque você não é aliado do Rei — interrompeu, finalmente, Hazael, com um sorriso sarcástico. — Não os despreze, Ian, eles têm lá seu mérito. Conseguiram nascer com o dom e isso é tudo — o sarcasmo na voz de Hazael era mesmo interminável. — Em suma, Riana, dificilmente você vai achar um clarividente andando por aí ou lutando com outros magos. Eles, como Ian disse, adoram ficar recolhidos, achando que são importantes para o Reino quando são importantes apenas para o Rei, na verdade.

— Por que os espectros contra eles?

— Os espectros não têm mente, Riana — disse Ian. — Os clarividentes sabem dos acontecimentos muitas vezes por conseguirem ler a mente dos seus inimigos. Os mais experientes optam por essa opção, pois não precisam ser convidados à mente de alguém para que possa ter acesso aos pensamentos superficiais. Tudo o que é pensado por seu inimigo em uma batalha, ele sabe. Embora eles sejam raros, se mais magos clarividentes estivessem dispostos a treinar, poderiam conquistar Sira, Earine, Verena e todos os países restantes.

— Tenho outra pergunta — disse a aprendiz. — Usar meu sangue é o único ponto negativo da magia negra? — Olhou para o espectro novamente, sem esquecer que ele ainda estava ali.

— Não, ainda bem que você lembrou, cara aprendiz — respondeu Ian, sorridente. — Você pode controlar seu espectro com simples pensamentos que os deem comandos — com facilidade, fez com que seu espectro se aproximasse de Riana. Ela se encolheu um pouco, um tanto assustada. — Não precisa ter medo. Ele está totalmente sob meu comando — fez com que a criatura invocada voasse em volta de Riana. Ele flutuava e tinha os formatos dos braços, mas não das pernas, que eram substituídas por uma fumaça escura deixando a túnica preta.— Você deve estar se perguntando “Qual é a parte ruim disso?” A parte ruim é que tudo o que acontecer no espectro que você invocou, se reflete em você.

— Como assim? — perguntou a garota.

— Bata no espectro — disse Ian à Riana.

Ela se encolheu novamente, hesitante. Fez que não com a cabeça e olhou para Hazael assim que ele se levantou rápido.

O mago de fogo se aproximou da criatura invocada e, com a mão fechada, deu um soco onde provavelmente seria o rosto do espectro. A criatura não fez nada além de virar a cabeça com a força do golpe e depois voltá-la à posição normal. Ian, por sua vez, havia gemido alto e dado alguns passos para trás após sentir a dor atingir seu corpo. Hazael achou graça no olhar aterrorizado de Riana.

— Você não adora demonstrações? Aí está outra — ele riu e, para a surpresa da aprendiz, seu mestre estava sorrindo também. — Cansei de ser expectador das aulas. Eu vou andar pela floresta — acrescentou, pegando uma faca e atando-a ao cinto que usava por cima das roupas. Se precisasse se defender seria melhor não botar fogo ao seu redor. — Logo estarei de volta.

Hazael deixou a casa e fechou a porta enquanto Ian se recuperava, massageando a mandíbula.

— Que droga, ele é bem forte pra um mago. Fazia tempo que eu não sentia isso — disse, com um sorriso sem graça.

— Você não está bravo?

— Por quê? Por causa de Hazael? — Riu. — Não. Ele é sempre assim. E eu sou muito grato a ele.

O mago de ar olhou para o chão enquanto o olhar de Riana se tornava mais questionador. O homem balançou a cabeça e sorriu novamente, como se se desculpasse e quisesse mudar de assunto.

— Tem mais algo a perguntar?

Riana foi até a frente de Ian e pegou a faca que ele havia largado no chão. Com o olhar brilhante e ao mesmo tempo temeroso, disse:

— Eu posso tentar?

— Claro que sim — disse Ian de modo quase carinhoso, dissipando seu espectro com um leve toque dos dedos, o que estava mais para um comando mental. — Depois te ensino a fazê-lo sumir. Está disposta a sentir um pouco de dor?

— Sim.

Diante da resposta tão segura de Riana, Ian assentiu.

— Comece quando desejar.


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Notas finais do capítulo

E então? Quem são Ian e Hazael, e quais são os objetivos deles com a Riana e a Nirina? E a Riana, o que pode estar querendo? Façam suas apostas, hahaha~ Mereço reviews? =)