A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 21
Capítulo 21




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Martin andou pensativo pelos corredores do Castelo. Quem poderia estar requisitando sua presença na biblioteca daquele modo? Juntou as sobrancelhas, preocupado, enquanto caminhava até os aposentos da Rainha Naama. Estava sempre junto da Rainha, pois os dois eram parecidos e conversavam durante muito tempo. Martin era praticamente o comparsa da mulher e, diversas vezes, chegou a se perguntar se não estava apaixonado por ela. A resposta fora sempre negativa, ou pelo menos ele tentava se convencer disso.

Ao chegar ao quarto de Naama, abriu a porta e ela imediatamente percebeu que ele estava preocupado com alguma coisa. A própria Rainha se surpreendeu, pois raramente via Martin daquele jeito.

Naama era uma mulher de classe. Sempre bem vestida, usava os vestidos mais caros que seu marido era capaz de comprar. Suas joias não eram menos valiosas, e reforçavam sua beleza. Naama era uma mulher bonita, de pele mais escura do que tinham os habitantes de Sira e cabelos e olhos negros; não dava para afirmar com certeza sua descendência, mas parecia ser original de Nali. Seu semblante era calmo, ela parecia sempre ser paciente, mas não aparentava ser bondosa. A rispidez e desprezo eram frequentes em seu olhar, e ela só demonstrava maior simpatia a poucas pessoas. Uma dessas pessoas era Martin. A outra era Zahra, mas com a clarividente a Rainha usava uma máscara, diferente de quando se tratava do líder dos magos.

— Martin, querido? — ela disse, aproximando-se. Martin virou o rosto, consternado. — O que o aflige?

— Reno veio dizer para mim que alguém me espera na biblioteca hoje à noite para conversar. Não faço ideia de quem seja.

— Então... Ele veio dizer...

— Você sabia? — perguntou Martin, extremamente surpreso.

— Há uns dias, caro Martin — ela começou, insinuante. Virou-se de costas e foi até sua cômoda, apoiando a mão sobre o puxador de uma das gavetas. — Chegou a mim uma carta, de extrema importância e urgência, lacrada e selada. Endereçada diretamente a mim, a Rainha de Sira. Não havia nenhum remetente no envelope do lado de fora. Como era algo diretamente para mim, chegou a minhas mãos segura, com o lacre intacto. Quando abri, descobri de quem era.

— Tudo bem — disse Martin, estendendo uma de suas mãos na direção de Naama, fechando os olhos por uns instantes, como se se sentisse irritado por ouvir sua voz. — O que isso tem a ver comigo?

— Não é claro, Martin? A pessoa que me mandou essa carta foi a mesma que te convidou a ir para a biblioteca.

— Como é que é?

— Ele até mesmo falou de você nessa carta. Que coisa mais engraçada, não? — ela riu, inexpressiva. Seu riso não representava alegria ou felicidade. Abrindo a gaveta, ela retirou um objeto. — Veja, Martin. Vou permitir que você leia uma carta endereçada diretamente à Rainha. — ela se aproximou com passos felinos, com cuidado, como se temesse fazer barulho com seus sapatos. Aproximou-se bastante de Martin e estendeu os braços sobre os ombros do mago, sorrindo. — Viu como você é importante? — ela aproximou seus lábios dos lábios de Martin, praticamente podendo sentir sua respiração. O mago sentiu o coração disparar. — Porque eu sei que posso confiar em você.

Ela se distanciou repentinamente com um sorriso travesso. Sem demorar muito, estendeu a mão que segurava a carta para Martin.

— Pois não quer ler? — ela sorriu mais, dessa vez animada. Tudo fazia parte de seu jogo de sedução. Sabia que era bonita, sabia que podia conseguir o que queria e Martin era um aliado em potencial.

— Lerei... — Martin respondeu, pegando a carta com cuidado, como se tivesse medo de amassar. Ainda surpreso e perdido com o ato anterior da Rainha, abriu a carta com as mãos trêmulas. Naama percebeu e riu, e Martin fechou os olhos respirando fundo. Perguntava-se se era normal uma mulher ser tão persuasiva e mexer tanto com seus sentimentos em apenas um olhar.

Ele abriu a carta devagar. Assim que terminou de ler, olhou perplexo para a Rainha, que apenas exibiu mais um de seus sorrisos.




— Sua irmã então também se envolveu com magia negra? — perguntou Nirina, interessada.

— Sim, Nirina. Eu e minha irmã acabamos nos perdendo nesse aspecto da magia, mas ela decidiu, assim como eu, que daria um basta nisso. Apesar de ainda sugar poderes e matar pessoas, ela diz que faz isso apenas para acabar com Rezon. Que não se importa mais consigo ou sua própria alma. Ela quer vê-lo derrotado.

— Escreva uma carta a ela, por favor, Ian — disse Zahra, unindo as mãos em frente a seu corpo. — O mais rápido que puder. Precisamos agir com o máximo de precisão.

— Tudo bem — falou Nirina, afinando os olhos. — Mas digam-me: sabendo o paradeiro do criminoso, sabemos quem é. Sabemos o que podemos fazer para derrotá-lo, mas ninguém disse como vamos confrontá-lo.

— Precisará ser um confronto cara-a-cara — ele disse. — Como ele é um clarividente e mago negro, e nós somos clarividentes e magos negros — ele sorriu, achando graça —, ele sentirá nossa presença tão logo entrarmos em seu círculo de percepção. Não há o que fazer. A biblioteca é grande, mas fica no centro da cidade. Eu queria atraí-lo para fora, mas não teria como. Teríamos que lutar lá mesmo. Se ele se mudar, será difícil descobrir para onde ele foi. Vocês duas pretendem ler a mente de Reno hoje? — ele disse, sério.

— Era o que eu pensava — disse Zahra.

— Pense bem: não acha melhor esperar um pouco? Se vocês lerem a mente de Reno e Rezon ler a de Reno, saberá que vocês executaram a leitura também. Isso seria ainda pior.

— Tem razão. Façamos assim: entre em contato com sua irmã, Aileen. Assim que você obtiver sua resposta, tão logo, avise-me. Então, depois de saber que sua irmã vem a Sira, confrontaremos Rezon.

Nirina suspirou. Estava chegando a hora de agir como clarividente em uma missão realmente séria. Hazael relaxou na cadeira, praticamente deitando. Era o único que permanecera ouvindo o tempo todo.

— Como esperado de Ian, o prodígio de Nali! — disse Hazael, rindo. Achou que o clima estava tenso demais e, como eles tinham acabado de discutir, riu. — Vocês deviam comer o bolo que Arthus preparou antes que Ian acabe com tudo.

— Se forem capazes! — gritou Ian, permitindo-se esquecer por um tempo de todos os planos que giravam em sua cabeça. Precisava escrever a carta a Aileen o mais rápido possível.

Nirina saiu andando até a sala, e então até a varanda. Kevin permanecia ali, sozinho, observando a floresta.

— Kevin! — ela chamou, sorrindo. Imediatamente, ele se virou e se aproximou lentamente.

— Deseja algo? — ele perguntou, chegando perto com uma leve reverência.

— Quer se juntar a nós enquanto comemos alguma coisa? Não quero deixá-lo sozinho aí.

— Estou bem — disse o soldado — mas vou aceitar seu convite.

Nirina voltou com Kevin para a sala, que foi apresentado e ouviu apresentações. O clima estava descontraído agora, e ele se sentiu bem. Conseguiu esquecer por um tempo das preocupações com Reno e da Corte e, como era mais novo que Hazael, não conhecia o mago de fogo fugitivo.

Zahra sorria e conversava com Hazael sobre os tempos antigos. Nirina sorriu e se aproximou de Arthus, tocando-lhe os ombros.

— Arthus, eu preciso conversar com você em particular. Podemos?

— É claro, é claro — sorriu o mestre, levemente preocupado. Levantou-se e olhou para as visitas. — Fiquem à vontade — disse ele. — Tem mais chá no fogão caso desejem, logo eu e Nirina estaremos de volta.

Os dois optaram pelo quarto antigo de Nirina, que ainda tinha todas as coisas no lugar.

— Esses móveis a esperam de volta — disse Arthus, enchendo Nirina de sentimentos.

— Eu anseio por esse dia — ela sorriu, juntando as mãos em frente ao corpo.

— Então. O que deseja de mim, um mero mago de Sira, senhorita Clarividente?

Nirina sorriu. Ele tinha mesmo o dom de alegrá-la com poucas palavras e brincadeiras.

— Mestre, seja sincero comigo. Prometa-me. Por todo o amor e consideração que tem por mim — ela fechou os olhos, suspirando. Arthus se preocupou.

— Parece sério. Prometo, Nirina. Fale rápido que eu estou curioso e ansioso para saber.

— Pois bem — ela começou, respirando fundo. — Recentemente, Martin tem estado bem perto de mim. Ele vai a meu quarto, disse que está lá a mando da Rainha, que ela o pede pra ficar de olho em mim — Arthus endireitou as costas, afinando os olhos —, e eu geralmente o suporto. Não gosto dele, ele parece ser muito maldoso. E há uns dias, ele disse várias coisas maldosas.

— Nirina... — Arthus sussurrou, com a preocupação estampada nos olhos.

— Calma — ela sorriu. — Ele me contou uma possível versão para a vida de meus pais.

— E... Então você quer que eu lhe confirme se é verdade.

— Sim — disse, sem hesitar.

— Pois não?

— Ele disse que meus pais eram magos. Adiel e Elisa, como bem sei de seus nomes. Disse que eles eram arrogantes, que achavam que estavam em posição de dar ordens, mas não estavam. Depois ele continuou dizendo que meu pai fora morto em uma das batalhas do Rei e que minha mãe perdera completamente a vontade de viver por conta disso e se matou, com algumas palavras de inspiração da Rainha Naama. Diga-me. Essa versão é verdadeira? Não confio em Martin, mas confio em você.

— Em partes ele falou a verdade — disse Arthus, sério. Nirina a questionou com o olhar, em silêncio. — Seus pais, Elisa e Adiel, eram magos excelentes e ótimas pessoas. Não tinham muita facilidade em aceitar injustiças, então frequentemente eles tentavam fazer com que os outros magos seguissem suas ideias. Carismáticos e queridos, eles tinham vários seguidores. Mas uma pessoa não gostava disso: a Rainha Naama. Sabe, o Rei Nasser era apaixonado por Elisa. Durante muito tempo ele não foi capaz de vê-la em seu exército junto de Adiel. Mas ele pensava na felicidade dela e sabia que precisava ser assim. Ele nunca amou a Rainha Naama.

— Percebi mesmo que eles não combinavam em nada...

— Exatamente. Mas a Rainha Naama o amava, e sabia de seu amor por Elisa. Ela detestava isso. Como uma mulher ressentida e cheia de ódio, ela mostrou seu verdadeiro rosto: ordenou que magos subordinados matassem Adiel.

Nirina abriu mais os olhos, espantada. Ela sentiu os olhos umedecerem, mas continuou firme.

— E eles tiveram sucesso na missão. Mataram Adiel, deixando Elisa sozinha com você, Nirina. Ela tinha grande amor por Adiel, então sofreu muito. Mas sabia que devia continuar a vida por sua causa. Ainda assim, ela não conseguiu fugir da ira de Naama. Ela também foi vítima dos assassinos da Rainha, ao contrário do que Martin disse, provavelmente pra te aterrorizar mais. Mas Nasser ficou sabendo e se revoltou com a mulher. Sabe que eu fui mandado para a casa na floresta, certo? Nasser disse que era porque eu havia ajudado um mago traidor a fugir, mas isso foi desculpa. Eu sabia de seus planos.

Nirina manteve-se em silêncio. Sua curiosidade se mostrava maior que sua tristeza naquele momento.

— Nasser imaginou que você corria risco de vida e também podia ser mais uma das vítimas. Com a desculpa de que eu era um traidor, mas que não merecia a sentença de morte, ele me isolou da cidade e, em segredo, confiou sua vida a mim.

Nirina sentiu-se triste por seus pais, mas ao mesmo tempo sentiu um amor ainda maior por Arthus. Não havia conhecido os dois, então não sentia muita saudade. Desejava tê-los conhecido, mas sabia que as coisas tinham que ser assim. Ela sentiu as lágrimas descerem por seu rosto, e em seguida se jogou sobre seu mestre.

— Obrigada, Arthus — ela sorriu, enquanto ele acariciava seus cabelos longos. — Obrigada por cuidar de mim e me contar a verdade.

— Você reagiu melhor do que eu esperava, minha amada filha. Devemos voltar para nossas visitas?

Nirina tentou secar as lágrimas e fazê-las parar, mas estava difícil. Em todos aqueles anos, não se lembrava de ter sido chamada de filha uma vez. Arthus a segurou pela mão, encorajando-a a sair.

— Devemos sim, pai — ela respondeu, abrindo um sorriso imenso.

Ao chegarem lá, Ian estava falando sem parar sobre os dias de sua infância. Hazael estava entediado, mas Kevin ria e Zahra também ouvia Ian, achando graça em sua tentativa de entreter a todos ali.

— Ah, Ian, todo mundo já cansou de te ouvir — disse Hazael, displicente.

— Cala a boca, Hazael — respondeu, como se fossem irmãos. — Todo mundo sabe é que você tem inveja do meu carisma incrível e da minha habilidade com palavras.

Nirina riu e, de repente, lembrou-se de Riana. Lembrou que Ian conversava com Riana aquele dia, algo que a amiga com certeza tentara evitar dizer. Depois, sentiu a presença de magia negra nela.

— Ian e Hazael — disse ela, atraindo a atenção de todos.

— Bem-vinda de volta — falou Kevin, sorrindo.

— Obrigada, Kevin — ela sorriu e prosseguiu: — Lembro que você falou com Riana na cidade de Ima aquele dia. O que era? E por que senti magia negra em minha amiga?

— É o que é óbvio, cara Nirina — disse Hazael, sem se importar muito. — Riana disse que queria aprender magia de alguma forma e como ela não é filha de magos, a magia negra é a única que pode ser ensinada. Mas ela aprende a forma menos maligna, a magia invocativa; apesar de saber que existem meios de matar para consumir poder, ela nem sabe como pode fazer. Foi escolha dela, não a forçamos a nada.

— Exato — reforçou Ian. — Ela escolheu começar, eu apenas ensinei.

— Tudo bem — Nirina sorriu. — Ela disse que você tinha me perguntado meu nome no dia. Pra quê?

— É verdade — respondeu Ian. — Quis saber. Eu percebi que você estava me perseguindo por causa da sua presença. Como mago negro, pude te sentir porque você era clarividente. Você não sabia ainda o que a minha energia significava, mas eu sabia. Por isso, não precisei olhar para trás. Como você era clarividente, interessei em saber seu nome.

— Foi por isso — ela sorriu. — Por isso você percebeu que eu estava te perseguindo sem olhar para trás.

— Sim, foi sim! — ele sorriu, enérgico. Seu sorriso era lindo e verdadeiro, Nirina fez uma nota mental.

— Resolveu tudo o que tinha para resolver com Arthus, Nirina? — disse Zahra, compreensiva.

— Sim, mestra! — ela exclamou, animada. Apesar de todas as suas preocupações e tristezas, encontrar-se com eles havia sido ótimo. Por um instante, ela havia se esquecido de tudo, e a memória de Aiko agora era como uma saudade boa. Como se ele fosse um amigo que viajara para um lugar distante e, a qualquer momento, voltaria.

— Devemos voltar, então. Temos várias coisas a resolver.

— Certo.

Nirina e Zahra levantaram-se. Arthus reparou na túnica roxa que as duas usavam e sorriu. Elas formavam um ótimo par.

Hazael e Ian também acompanharam as duas até a porta da casa. Kevin saiu junto, despedindo-se cordialmente de todos e agradecendo a Arthus pelos ótimos bolos e doces. Saiu antes e esperou perto da carruagem.

— Muito em breve nos falaremos novamente — disse Ian, animado como sempre. — Entrarei em contato com Aileen e em breve avisarei vocês. Com a força dela e a nossa, com certeza não haverá erro. Será difícil, tenham em mente que pode custar algumas vidas, mas conseguiremos.

— Obrigada, Ian. É bom ter um aliado como você. Obrigada, Hazael e Arthus, pela ótima recepção. Foi bom vê-los novamente, é nostálgico.

— Posso dizer o mesmo — disse Hazael. — Você sabe que é uma das poucas pessoas que admiro.

— Ora, obrigada — disse Zahra, corando inevitavelmente. Hazael achou engraçado e sorriu, o que apenas deixou a clarividente mais desconsertada.

— Obrigada a vocês dois — disse Nirina. — Cuide-se, Hazael. E entre em contato com a gente o mais rápido que puder, Ian.

— Pode deixar!

Os dois voltaram para o interior da casa e Arthus acompanhou as duas até a carruagem. Nirina o abraçou e sorriu, confortada.

— Obrigada por tudo.

— Não precisa agradecer. Tudo o que eu faço é por me importar com você — ele respondeu, afagando seus cabelos. Zahra sorriu.

— Agora eu posso ser capaz de chamar Zahra de mestra sem receios, porque eu sei que posso te chamar de pai.

— Exatamente, filha. Vá e cuide-se. Precisamos muito de você.

Zahra sentiu-se estranhamente comovida. Havia tempo que não encontrava duas pessoas com um sentimento tão puro. Apesar de saber que eles não eram pai e filha biológicos, seu laço sentimental era extremamente grande.

— Vão! — disse Arthus, libertando Nirina do abraço. — Antes que eu as impeça de partir novamente!

As duas riram e entraram na carruagem com o apoio de Kevin. Sem demora, Zahra ordenou que o veículo se colocasse em movimento e partiram. Arthus ficou olhando a carruagem se afastar, sentindo o coração doer. Dias mais difíceis chegariam.


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Notas finais do capítulo

É... Dias mais difíceis de escrever chegarão. hahaha
A história tem mudado bastante, não? Só vai ficar mais interessante. =)