A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de pedir desculpas adiantado, Jean. E postei no domingo, espero que você tenha tempo pra ler.

Boa leitura a todos! =)



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Sven deixou o castelo por volta das dez horas da noite. Ordenou a um dos soldados que o levasse de carroça até lá. Geralmente Reno ia para a biblioteca também, acompanhando as vítimas que sequestrava, mas não faria isso com Sven pois tinha outra coisa a tratar: Aiko. O aprendiz se recusara fielmente a sair do quarto acompanhado com Sven para onde quer que fosse. Infelizmente para Aiko, não havia saída. Se fosse com Sven, morreria. Se ficasse em seu quarto, morreria também.

O mago entrou na biblioteca com o coração acelerado, a respiração ofegante e as mãos suando. Sabia que não devia ter deixado que seu aprendiz lesse aquela carta. Rezon provavelmente havia descoberto o que aconteceu, e agora queria conversar. Se é que haveria algum tipo de conversa.

Ao chegar ao salão principal, encontrou Suriel próxima ao balcão e, apesar de séria, ela parecia serena. Não dava sinais de que havia chorado há pouco tempo, e o mago a cumprimentou com um aceno leve da cabeça. A bibliotecária respondeu com o mesmo gesto e se aproximou. Ela havia ficado feliz ao ver Sven chegando. Ao menos Reno estava cumprindo sua parte no acordo, e com isso os dois ficariam bem. Percebeu que não sentia pena de Sven ao imaginar o que poderia acontecer a ele nos próximos instantes.

— Ele o está esperando na mesma sala. A que dá para a sala subterrânea.

— Muito obrigado, Suriel — ele disse, com o ar arrogante que costumava usar com todos apesar do medo.

Assim que chegou à sala e viu Rezon, seu coração disparou novamente. O mago o olhava com um olhar inquisitivo e ao mesmo tempo questionador. Não sabia o que fazer e por um instante teve vontade de sair correndo.

— Sven — cumprimentou Rezon, abrindo os braços. — Há quanto tempo não o vejo?

— Há um tempo mesmo, senhor Rezon — ele olhou para baixo, evitando contato visual.

— Senhor Rezon? — o mago negro riu, forte. — Nunca ouvi isso antes, vindo de você. Seria medo?

— Medo? — Sven abriu um sorriso vacilante, praticamente se denunciando. — Não. Eu não estou com medo.

— O que é bom — assentiu Rezon, andando em direção à sala subterrânea. — Queira me acompanhar, por favor.

Ao perceber para onde Rezon pretendia levá-lo, vacilou novamente. O mago negro deu as costas e começou a andar, mas Sven ficou plantado no mesmo lugar.

— Qual é o problema, Sven? Você já veio aqui antes.

— É — ele assentiu, com um sorriso nervoso e o medo claro nos olhos. — Eu sei. Mas onde está a sua vítima dessa vez?

— Não é óbvio? É você — completou Rezon, abrindo mais o sorriso diante do horror estampado no olhar do outro mago. — Venha, por favor. Queira colaborar, e teremos menos problemas. Afinal, o poder que posso obter de você é grande, apesar de um péssimo estrategista e criminoso, você é um ótimo mago.

Sven não conseguiu decidir se se sentia lisonjeado ou não diante do comentário. Não conseguiu responder. Tudo o que foi capaz de fazer foi dar as costas a Rezon e começar a correr em direção à saída. Uma esperança tola.

Rezon, além de mago negro, tinha um grande controle de sua mente. Ele podia ler mentes, usar ataques mentais e, devido ao acúmulo de poder através da magia negra, telecinese era fácil. No instante em que Sven ia passar a porta, as grandes e pesadas portas de madeira fecharam, batendo-se com um estrondo. Suriel ouviu e sentiu o coração acelerar, pensando no que poderia acontecer consigo e Reno caso algo desse errado.

Sven encostou-se à porta e se virou para Rezon espremendo-se contra a madeira, como se esperasse transpassá-la. O mago negro manteve-se sério, na mesma posição de antes, com os braços cruzados.

Antes que pudesse reagir de alguma forma, sentiu uma força pegando-o pelos pulsos e tornozelos. Quando olhou para Rezon, percebeu que ele estava afinando os olhos. Devagar, o mago negro começou a conduzi-lo para perto de si. Sven havia tentado mexer as mãos e os pés, em uma tentativa desesperada e vazia de se salvar. Rezon continuava sério.

— Sven — disse ele, deixando-a à sua frente. — Acha mesmo que vai conseguir sair daqui vivo sem a minha permissão?

— Eu posso tentar de novo, Rezon, por favor — implorou Sven, sentindo os olhos umedecerem. Detestava chorar na frente de outras pessoas e se segurou ao máximo para que as lágrimas não escorressem por seu rosto, mas estava com muito medo da morte.

— Você pode voltar no tempo? Por acaso, pode desfazer o erro que cometeu?

— Não, senhor, mas eu juro que serei fiel, eu...

— Tudo bem, Sven, já chega. Eu nunca duvidei da sua fidelidade, mas sua competência é questionável. Você se deixa claramente dominar por seus sentimentos, diferente de Reno. Até mesmo Suriel é mais forte do que você.

— Reno? — disse Sven, surpreso, ainda suspenso no ar por Rezon. — O que Reno... — de repente, Sven se lembrou do recado que o líder dos soldado havia dado. Então não tinha só a ver com Suriel. — Maldito Reno! Ele quem me deu o recado de que você desejava me ver esta noite!

— Ele só fez o trabalho dele, muito bem, diga-se de passagem. Provavelmente a essa hora ele está ocupado novamente, trabalhando. Ele é encarregado de matar seu aprendiz, Sven. Aquele que você deixou saber de nossos planos. Por sorte ele é medroso e não tentaria nada sob ameaça de morte. É um alívio confiar essa missão a Reno.

Sven conseguiu se sentir um pouco pesaroso por Aiko. Ficou pensando em como nunca desconfiara de Reno, nem mesmo sabendo que ele e Suriel eram amantes. Quase conseguiu se sentir arrependido pelo próprio descuido, quando deixou que Aiko lesse aquela carta, mas no mesmo instante Rezon começou a descer as escadas, a caminho da sala subterrânea. Sven gritou forte e tentou se soltar de todos os jeitos da magia de Rezon, sem o menor sucesso. Com medo, Sven deixou que sua magia se manifestasse fora de seu controle, agitando o ar da sala, fazendo a túnica de Rezon esvoaçar com força ao redor de suas pernas, e ele fechou os olhos por causa da força exagerada da corrente de ar. Sem muita demora, o mago negro lançou um ataque mental a Sven, fazendo-o gemer fraco e cessar o controle do ar da sala. Ele ainda resmungou, choramingando, enquanto sentia a cabeça doer e visões torturantes atingiam sua mente, trazendo à tona seus piores medos.

Quando chegaram à sala subterrânea, Rezon prendeu o mago de ar à cama de madeira usando sua própria magia. Deixou-o ali, contorcendo-se por mais um tempo enquanto sofria acordado com os pesadelos, e fez um corte em sua palma direita com uma faca. Dali, três espectros apareceram à sala em pouco tempo, posicionando-se ao redor de Sven. As criaturas fizeram um círculo, próximas umas das outras, e Rezon se aproximou novamente.

— Agora, vamos ver se sua mente tem algo especial para mim — disse Rezon, colocando uma das mãos na testa de Sven. Como o mago de ar estava atormentado pelos pesadelos, não pode oferecer a mínima resistência à leitura de mente.

Após poucos segundos dentro da mente de Sven, Rezon arregalou os olhos e sentiu um desprezo ainda maior pelo antigo aliado. Ele havia visto tudo: o estado de Aiko, o medo que Sven sentira ao receber o recado de Reno, e especialmente, a luta com Nirina. Soube que ela ostentava tanto poder quanto Zahra, se não mais. Ainda era um poder adormecido, que precisava de um estímulo e de um bom aprendizado, mas estava lá. A mais nova clarividente do Reino já sabia de seu paradeiro e logo Zahra também saberia. A clarividente maldita que havia sido mandada para Nali atrás de si e seu grupo de magos negros, destruindo tudo o que ele já havia conquistado. Mas agora elas estavam perdidas. A incompetência de Sven acabou sendo útil: agora Rezon sabia como se defender melhor e o que estava por vir nos próximos dias em Sira.

Depois que terminou a leitura da mente, libertou a consciência de Sven para que ele pudesse prestar atenção a suas palavras.

— Você é ainda mais inútil do que eu pensava — declarou Rezon, encarando sua vítima de modo inquisitivo. — Deixou que Nirina soubesse o meu paradeiro, alguém que mal sabia da minha existência. Sabe — prosseguiu ele, fazendo os espectros se aproximarem de Sven. Ele gemeu — os rituais de magia negra de Nali são os mais cruéis entre os vários que existem. Mas isso só porque eu acho divertido — riu Rezon. — Quando eu sinto simpatia por algumas vítimas, sugo sua energia primeiro, matando-as mais sutilmente, e depois torturo o corpo, só porque eu gosto disso. Mas quando eu não sinto essa simpatia, e esse é o seu caso e o de Lilian, eu torturo antes de sugar toda a energia que pode me favorecer. Lembra-se de Rob? Eu senti uma certa simpatia pelo garoto, ele tinha um potencial mágico latente, mas não sabia nada sobre magia. Mas você, Sven... Vai ser torturado antes de ter seu poder roubado, e seu corpo será jogado às ruas, como o de Lilian... Isso não vai agradar muito a Reno, mas quem se importa? Vai ser divertido tentar adivinhar a reação da Corte ao ver um de seus mestres jogados na rua, morto, envolvido com magia negra.

— Rezon — sussurrou Sven, enfraquecido. — Por favor, eu sei que eu posso te ajudar.

— Você? — Rezon riu. — Não. Eu quero outro. Eu já tenho até um nome.

— Quem?

— Acho que não faz mal te contar, já que você está quase morto. Martin. Eu quero Martin.

— Cuidado com Martin. Ele passa por cima de qualquer um para conseguir seus objetivos.

— Tão parecido comigo... — sorriu Rezon, abrindo os braços, fazendo os espectros colocarem as garras afiadas sobre o corpo de Sven. — Tenho certeza que será um ótimo aliado.

Parou de falar enquanto Sven ficava em silêncio, respirando fundo, tentando manter-se sereno.

— Martin vai te trair pelos próprios objetivos — acrescentou Sven. — Conheço-o faz tempo, e não me enganaria.

— Não quero ouvir mais nada — disse Rezon, sério. — Agora...

Ordenou mentalmente para que os espectros começassem o ataque. Dois deles enfiaram as unhas nos braços do mago, arrastando-as para baixo, abrindo cortes na pele. O terceiro fez o mesmo no peito do homem, rasgando sua túnica, fazendo o sangue manchar o tecido. Sven mordeu o lábio inferior com força, evitando gritar, sem querer dar o gostinho da satisfação a Rezon, mas não conseguiu. Enquanto as unhas negras dos espectros abriam sua pele, o mestre de ar gritou, apertando os olhos, fazendo Rezon rir.

— Isso — sorriu — é o que você ganha por me ter feito confiar em você erroneamente.

De onde estava, Suriel não podia ouvir os gritos. Sentou-se na cadeira da bancada da frente da biblioteca, de onde recebia os leitores, e suspirou. Tentou pensar no que estaria acontecendo com Sven, mas não conseguiu.

Enquanto a bibliotecária abraçava o próprio corpo, na sala subterrânea o mago de ar sentia toda a sua sanidade se esvair conforme Rezon prosseguia com a tortura. Seu corpo estava amortecido e sua mente, incapaz. Sua visão escureceu e ele não conseguiu pensar em nada especial antes de morrer. Nenhuma pessoa amada, nada para proteger. Sentiu-se surpreso, no entanto, quando percebeu que a ideia de morrer parecia um alívio. O medo agora se transformava em esperança, e ele viu que a morte parecia algo agradável. Havia vivido sozinho toda a sua vida, desde que era aprendiz de mago, e assim havia sido até o momento em que sua vida terminara. Sentiu-se, no entanto, triste por Aiko, a única pessoa que havia vivido mais próxima de si. A imagem do aprendiz encolhido na cama, com medo, enquanto ouvia os gritos, foi a última coisa que passou por sua cabeça antes de perder a consciência e parar de sentir a dor pelo corpo esquartejado.




Nirina acordou com gritos no pátio, próximos a seu quarto. Apertou os olhos, erguendo-se levemente e lutando contra a vontade de ficar na cama. Levantou e foi até a janela da frente e, ao abrir as cortinas, percebeu que o céu ainda estava um tanto escuro: era muito cedo. Ela não conseguia reconhecer as vozes, nem distinguir muitos dos soldados que estavam ali, mas entre eles, reconheceu um: Reno. Ao perceber que a concentração estava perto do quarto de Aiko, correu até seu quarto e trocou as roupas rápido, jogando uma água no rosto e escovando os dentes o mais rápido que conseguia. Jogou a túnica roxa de aprendiz de clarividente sobre si e passou as mãos por seus cabelos displicentemente, deixando-os um tanto desarrumados por causa da pressa.

Abriu a porta e correu até o grupo de soldados. Zahra ainda não estava ali. Será que ela havia sido avisada? Aproximou-se de Reno e, logo que se aproximou, o líder dos soldados se virou, parecendo um pouco atordoado.

— O que está acontecendo aqui? — disse Nirina, olhando rápido para os lados, tentando ver o que acontecia no quarto de Aiko.

— Não é nada — respondeu Reno, evasivo. — Volte para seu quarto, Nirina, ainda é cedo demais.

— Não — recusou-se. — Se Zahra não está aqui ainda, então você podia me contar.

Reno sorriu, quase rindo, o que deixou Nirina um tanto apreensiva.

— Você parece estar levando essa história de clarividência a sério, não?

A aprendiz teria se sentido ofendida se não fosse pela voz e sorriso agradáveis de Reno, e seu tom gentil de brincadeira.

— Magia sempre foi e sempre será a coisa mais séria para mim — ela disse, sem demora. — Por favor, Reno. Aiko foi, por pouco tempo, meu único amigo aqui.

O líder dos soldados hesitou. Esforçou-se para não deixar seu coração dominar sua razão: sentia vontade de puxar Nirina para longe dos outros soldados e contar-lhe toda a verdade. A expressão de tristeza e apreensão no rosto da aprendiz ao falar de Aiko fez seu estômago revirar. Nirina era uma menina inteligente, responsável e agradável, além de competente, e com poucos amigos. E o único amigo que ela havia feito em poucos dias, havia morrido.

— Aiko — começou Reno, fechando uma de suas mãos e apertando-a. — Aiko cometeu suicídio essa noite.

Nirina sentiu o corpo arrepiar. Lembrou da cena que havia visto no dia anterior, e pensou na espada de Reno. O que poderia estar acontecendo? “Suas visões geralmente ocorrem com pessoas importantes sentimentalmente para você”. Ela poderia ter juntado Aiko e Reno, as duas pessoas que ela mais gostava na Corte, e acidentalmente criado uma visão esporádica. Ainda não era experiente como Zahra na magia clarividente.

A aprendiz de clarividência desfocou o olhar e sentiu a respiração acelerar. Suicídio? Aiko havia tirado a própria vida? Nirina sentiu-se culpada. Devia ter prestado mais atenção no amigo, que parecia sempre tão fora de controle, e o ajudado a passar pela situação que, claramente, não era nada fácil.

Com o consentimento de Reno, Nirina se aproximou do quarto para observar, tomada pela curiosidade. Nem mesmo sua tristeza e o remorso foram suficientes para que ela não quisesse ver a cena. Quando olhou para Aiko, sentiu sua pele arrepiar: ele estava exatamente do mesmo jeito que em sua visão, com exceção da espada. A espada que havia visto, que se assemelhava à espada de Reno, não estava ali. Era a única coisa que a deixava confusa.

Nirina queria poder ajudar. Sabia que Sven estava envolvido com algo suspeito e queria ajudar Aiko, mas não imaginou que as coisas aconteceriam tão rápido.

— Aiko... — ela sussurrou para si mesma. Então havia começado. As pessoas próximas a si haviam começado a morrer e ela não teve a oportunidade de tentar protegê-las.

Quase em um estado de transe, Nirina desfocou o olhar novamente e levou as mãos à cabeça, sentindo seus sentimentos fora de controle. Arregalou os olhos e entrelaçou os dedos nos fios de cabelo, puxando-os levemente. Havia conversado com Aiko no dia anterior. Devia ser capaz de fazer algo por ele.

— Nirina? — disse Reno, tocando-a suavemente no ombro. Ao observar a falta de reação da aprendiz, o líder dos soldados ergueu uma sobrancelha, preocupado com Nirina e também com o que ela podia estar sentindo ou vendo. Afinal, ela ainda era uma maga clarividente. — Está tudo bem?

Ela não se moveu. Continuou ali, como se tivesse sido atingida por um ataque mental, inerte, sem expressão. Reno decidiu fazer algo e, pegando Nirina em seus braços, gritou aos outros soldados que cuidassem de isolar o lugar até que Zahra chegasse. Os subordinados o olharam com dúvida, mas não deixaram de obedecer suas ordens.

Reno levou Nirina de volta a seu quarto e deitou-a na cama. Ela manteve-se do mesmo modo, com o olhar direcionado para o teto, sem foco, e a respiração acelerada.

O líder ficou ao lado da aprendiz até que ela recobrasse a consciência, o que não demorou muito. Quando ela acalmou a respiração e focou o olhar em Reno, ele levantou e sentou-se no colchão.

— Está tudo bem, Nirina?

— O que eu estou fazendo aqui? — ela disse, confusa. — A última coisa que me lembro é de ter visto Aiko... Morto...

Reno sentiu-se sem reação ao ver a expressão de choro que Nirina assumia. Ele viu os olhos da aprendiz ficarem cada vez mais úmidos, até que as lágrimas finalmente escorressem por seu rosto.

— Por que, Reno? — ela sussurrou, ainda incapaz de controlar seus sentimentos. — Por que isso tinha que acontecer justo com Aiko?

— Nirina, calma. Controle-se — ele sugeriu, estendendo uma das mãos em direção à aprendiz, sério. — Acalme-se.

— Como posso fazer isso, Reno? O único aprendiz que realmente se importou em fazer com que eu me sinta bem nesse lugar está morto, e eu nem mesmo tive chance de protegê-lo. Tudo aconteceu tão rápido... Eu me sinto tão fraca...

— Não pense nisso, Nirina... Às vezes, algumas pessoas morrem antes da hora que esperamos. Deve saber como Aiko se comportava, ele sempre foi angustiado, sem amigos e silencioso. Os outros aprendizes não se importavam com ele por não o compreenderem, e ele frequentemente sentava sozinho nos jardins, a pensar. Ele sofria, Nirina. Muito. Quem somos nós para julgar as decisões que ele tomou?

— Eu podia ter ajudado ele a ser feliz, Reno... Ele não precisava ter tirado a própria vida. Eu podia ter ajudado, mas eu não consegui.

Nirina voltou a chorar e levantou-se na cama, ficando sobre seus joelhos. Aproximou-se de Reno, quase inconscientemente, e se jogou sobre o soldado, abraçando-o enquanto chorava inconsolavelmente.

— Você pode me desculpar, Reno? — ela perguntou, reparando em como o homem havia ficado sem saber como reagir.

— Por quê?

— Por estar agindo assim. Sei que não estou conseguindo controlar meus sentimentos e que isso é vergonhoso. Não queria que você me visse assim. Mas eu posso chorar nos seus braços... Só por um instante?

Reno sorriu carinhosamente. Mesmo tomada pela tristeza, Nirina ainda se preocupava com os mínimos detalhes e não queria ser considerada alguém fraca. O soldado reconhecia que ela já devia estar sofrendo desde que chegara à Corte, e não devia ter chorado nenhuma vez. Além de tudo isso, ela ainda estava nos seus quinze anos.

— Sim, Nirina — ele respondeu, deslizando os dedos pelos longos fios escuros da aprendiz. — Pode. Não choramos porque somos fracos, choramos porque já aguentamos coisas demais em silêncio.

A aprendiz chorou por tudo. Pensando em sua mãe e seu pai, em como queria tê-los consigo ainda, já que não tinha nenhuma lembrança deles; chorou pelas palavras de Martin na última conversa que tiveram, e conseguiu até mesmo chorar de raiva pela Rainha Naama. Se fosse verdade, a Rainha era também culpada da morte de sua mãe. Chorou pela separação de Arthus, pensando em como sentia falta do mestre, e conseguiu sentir-se feliz por lembrar que o veria mais tarde. Chorou até mesmo por ser uma clarividente e amaldiçoou seu dom, pensando que se não tivesse esse poder, jamais precisaria sair da casa da floresta na qual vivia com Arthus e não estaria passando por nada disso. Chorou até que adormecesse novamente, e quando isso aconteceu, Reno colocou-a suavemente na cama e caminhou em direção ao quarto, olhando-a uma última vez antes de sair.

Seu rosto agora parecia sereno. Talvez a aprendiz só precisasse desabafar com alguém, nem que fosse através do choro, e essa pessoa acabou sendo Reno. A dor no coração que o soldado sentia só aumentou ao vê-la chorar daquela maneira, ainda mais em seus braços.

Quando deixou o quarto, no entanto, voltou a se questionar. Aiko havia realmente se matado, ou seria Sven o responsável pela morte. Reno respirou fundo olhando para o céu e se sentiu confuso. Não havia sido necessário matar Aiko e essa era uma coisa boa. Por esse motivo ainda era capaz de encarar Nirina e consolá-la enquanto ela chorava pela morte do amigo. Reno queria realmente descobrir se o aprendiz fora o responsável por sua própria morte ou se havia sido assassinado por seu próprio mestre.


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