A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é um grande presente. (Grande mesmo!)
A todos os leitores que tem comentado na história e especialmente (sim, mais uma vez!), a Jean Claude.

Esse capítulo é importante. Temos uma pequena formação de uma aliança, e vocês conhecerão melhor uma das nossas mais queridas personagens: o Martin (Queridas? Só que não haha)

Espero que aproveitem e boa leitura, aqui tem mais revelações sobre a história!



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Hazael estava sentado no sofá da sala com Ian, pensativo. Havia ficado sabendo do desaparecimento de Rob e do assassinato da mulher desconhecida, e não conseguia parar de pensar no que estava acontecendo. Achava que devia tentar algo, precisava se empenhar em descobrir o que eram todos aqueles acontecimentos. Se continuasse assim, em poucos dias outra pessoa sumiria ou seria morta.

— Eu fico pensando nessa mulher — disse Ian, atraindo a atenção de Hazael. — Disseram que seu corpo estava mutilado, sem alguns órgãos, mas seu rosto estava intacto. Parece que ela foi torturada até a morte, mas... — ele mordeu o lábio inferior, reflexivo. — Parece algo ritualístico.

— Tem algo a ver com magia negra, não tem? — disse Hazael, pensando com Ian. — Eu aposto que tem.

— Apostaria minha vida nisso, amigo — sorriu Ian, encostando-se e no sofá.

Hazael ficou em silêncio por uns instantes, pensando em quem poderia ajudá-lo em uma possível investigação. Selene não poderia, pois estava ocupada com as aulas de Nirina e seria arriscado, agora que ela trabalhava novamente na Corte. Ian não seria muito útil se alguém da própria Corte estivesse envolvido, pois ele não conhecia ninguém.

De repente, pensando em Nirina, lembrou-se de alguém que poderia ajudá-lo.

— Ian — disse Hazael, levantando do sofá. — Quer ir à floresta comigo?

Ian ergueu uma sobrancelha. Agora Hazael estava tramando algo.

— Vai à casa da clareira?

— Não. — Respondeu Hazael, sorrindo. — Vou visitar um velho amigo.

Ian aceitou acompanhá-lo, contrariado. Os dois estavam vestidos com seus casacos e capuzes, de modo a parecerem dois viajantes. As pessoas em volta não davam sinais de notar sua presença: ninguém era capaz de reconhecer Hazael.

— Não vai mesmo me dizer quem você está indo visitar, Hazael?

— Espere, Ian — respondeu ele, andando rápido. — Espere e verá.

O mago de ar aceitou esperar e continuou andando, em silêncio. Optaram pelas estradas da floresta em vez das laterais, que eram bem mais rápidas e não ofereceriam riscos nenhum aos dois. Ian achou por um instante que Hazael estava indo para a casa da clareira, mas ao passarem pela metade do caminho, o mago de fogo seguiu em frente. De repente, lembrou-se do que Selene havia dito a Hazael.

“Depois que Arthus o ajudou a fugir, ele foi obrigado a morar fora da cidade de Ima. Agora ele mora em uma casa em meio à floresta junto com Nirina, que está sob sua guarda a pedido do Rei.”

A pedido do Rei. Ian se sentiu um pouco curioso para saber qual era o interesse do Rei na segurança de Nirina e por que ele teria pedido a Arthus que a mantivesse distante da cidade enquanto crescesse.

Continuaram o caminho até que Ian pode avistar outra casa. Era uma casa de madeira simples, mas bem arrumada, e tinha uma charmosa varanda. A porta estava fechada, mas as duas janelas da frente estavam abertas. Hazael olhou para Ian com um sorriso e subiu a pequena escada, batendo suavemente na porta em seguida.

Não demorou muito até que Arthus atendesse. O anfitrião ergueu uma das sobrancelhas ao olhá-los, mas se manteve em silêncio. Olhou um pouco mais para o rosto de um dos estranhos, que lhe parecia suavemente familiar. A compreensão de quem era a sua visita então o atingiu de repente e sua expressão de dúvida se transformou em surpresa e até mesmo descrença.

— Não pode ser — ele disse, sorrindo, incrédulo. — Não pode ser você, Hazael.

O mago de fogo abriu um sorriso. Sabia que havia mudado fisicamente desde que tinha deixado Sira, mas tinha consciência de que não estava irreconhecível. Abrindo um sorriso amigável, Hazael estendeu uma das mãos para cumprimentar o mago mais velho.

— Pois sou eu — sorriu, apertando-lhe a mão de modo energético. — Estou de volta a Sira.

Arthus então voltou a estar consciente de que Hazael não estava sozinho. Virou-se para o outro homem e sua expressão tornou-se novamente de dúvida.

— E você, seria... — deixou a frase por completar, esperando uma resposta.

— Ian — disse, sorrindo. — Estou junto com Hazael desde que ele fugiu para Nali.

— Bem, isso é ótimo — sorriu Arthus novamente. Então deu um passo para o lado, convidando os dois a entrar para que pudesse finalmente saber o motivo daquela inesperada visita. — Queiram entrar, por favor. Poderemos conversar melhor.

Os dois assentiram educadamente e entraram, observando a casa. Ian gostou do ambiente que era extremamente aconchegante e tinha uma beleza extremamente simples. Reparou nas cortinas de tecido fino e gostou delas.

— Podem sentar — disse Arthus, sentando-se no sofá. — Querem beber alguma coisa?

— Não, obrigado — respondeu Hazael, e Ian confirmou que também não precisava de nada. — Deve estar se perguntando sem parar porque voltei a Sira, então vou me explicar de uma vez.

— Por favor. Estou realmente curioso.

— Bem, deve saber que depois que fui obrigado a fugir de Sira, não havia muito que eu pudesse fazer. Como não havia ninguém que eu amasse ou quisesse proteger, fugi sem pensar para os países vizinhos e então fui mais longe, até Nali. Escondido em uma casa abandonada, um dia, encontrei por acaso com Ian, que fugia de alguns perseguidores. Magos negros, para ser mais exato. Ele era praticante de magia negra — Hazael admitiu, sem hesitar —, mas decidiu que não faria mais isso. Decidido a dar um basta na situação, denunciou os praticantes de magia negra à Corte de Nali e, apesar de ter pedido aos guardas que não interviessem, eles não consideraram. Invadiram o esconderijo dos magos negros e muitos soldados foram mortos. Os magos, dispersos. Antes tentaram acabar com a vida de Ian, que admitiram por dedução ser o culpado. Ajudei Ian a fugir, e por um tempo ele me ajudou a me esconder em Nali por mais alguns dias. Um homem chamado Rezon, líder dos magos negros de Nali, jurou que encontraria Ian.

— E ele não parece ser o tipo de homem que desistiria de uma vingança — disse Ian, que havia deixado Hazael explicar toda a história. — Eles tinham planos para conquistar outros países através da magia negra, usando-a para matar e consumir o poder das vítimas. Hazael acha que o desaparecimento do garoto na cidade e o assassinato da mulher têm a ver com magia negra.

— Podem não ser os mesmos magos de Nali, Arthus, mas eu quero investigar. Acho que os soldados de Reno dificilmente conseguirão encontrar algo a respeito e acho que você poderia ajudar, se estiver disposto.

Arthus ergueu uma sobrancelha novamente, em dúvida. Não estava certo se devia colaborar ou não, muito menos se os dois casos tinham a ver de fato com magia negra.

— Certo — disse Arthus, deixando sua dúvida se expressar em sua voz. — Foi só pra isso que voltou a Sira, Hazael?

— Não só — respondeu ele, depois de um tempo em silêncio. — Minha fuga de Sira não teve a ver com aquele mago que não quis matar, como muitos ficaram sabendo. Foi por causa de Martin.

— Eu imaginei — assentiu Arthus, com uma das mãos ao queixo, pensativo. — Imaginei mesmo que Martin tivesse tramado algo.

— Você sabe o motivo pelo qual Zahra esteve fora do país por uns tempos? — perguntou Hazael. Arthus não teve certeza se ele esperava por uma resposta ou se estava ele mesmo disposto a responder.

— Soube que era apenas interesse dela pela magia praticada em outros países — disse Arthus, sem abandonar a expressão pensativa. — Você sabe de algo?

— Só ouvi rumores. Dizem que ela esteve em Nali procurando pelos magos negros a pedido do Rei daquele país. Como Nali foi colonizada pelos antepassados de Nasser, o Rei de Nali pediu ajuda ao nosso Rei para que pudesse contê-los, mas Zahra não conseguiu ajudar. Os magos negros haviam se dispersado de modo incrível, sem deixar rastros. Nem mesmo ela, como a clarividente experiente que é, conseguiu encontrar qualquer evidência.

— Respondendo diretamente a sua pergunta — continuou Hazael — eu também voltei por causa de Martin. E porque achei que Sira corresse perigo.

— Você sabe de mais alguma coisa que não quer me contar, Hazael? Porque você parece um pouco convicto das suas deduções — questionou Arthus, inquieto. — Esses casos na cidade podem não ter nada a ver com magia negra.

— Imagino que tenham — disse Ian, antes que Hazael pudesse se manifestar. — Pelo que soube do estado do corpo da mulher, parece algo feito nos rituais de magia negra de Nali, que eram extremamente cruéis. Só não entendi porque seu corpo foi deixado em uma das ruas.

— Poderia ter sido um aviso? — indagou Arthus.

— Talvez — respondeu Hazael, pensativo. — Se existirem mais deles.

— Olhem — começou Arthus, com um suspiro resignado. — Eu sei pouco sobre essa magia negra. Acham que pode existir algum livro sobre ela?

— É provável — disse Hazael. — Existem vários registros. Geralmente estão em seções separadas. A biblioteca de Sira é imensa, não é? Você podia ir até lá procurar.

— É o que farei. Vou aproveitar e conversar com Nirina quando vê-la, provavelmente ela e Zahra logo estarão envolvidas nisso também.

— Por falar em Nirina — começou Hazael —, contou minha história a ela?

— Como soube disso? — perguntou Arthus com um leve riso.

— Fiquei sabendo por Selene. Na verdade, Nirina falou sobre mim para Selene e Selene me contou.

— Ah, então vocês ainda mantém contato — sorriu Arthus, ficando por um tempo em silêncio. — Sim, falei de você a ela. Ela disse que queria conhecê-lo.

— Então — disse Hazael — porque não diz a ela que receberá uma visita quando vier a sua casa na próxima vez?

— Eu preciso falar com Nirina em breve. Vou mandar uma carta para ela pedindo que venha daqui a dois dias, então esteja aqui no mesmo dia à tarde.

— Ótimo. Se Nirina puder ajudar com as investigações, estaremos mais perto de ter um resultado positivo. Só existe algo que você precisa saber, Arthus — acrescentou, deixando o mestre com uma expressão preocupada. — Ian e eu também somos magos negros. Nos tornamos praticantes da magia negra em Nali, útil para defesa com tantos magos mais poderosos ao nosso redor. Nirina provavelmente se lembrará de Ian.

— Ian? — perguntou Arthus, sem conseguir estabelecer qualquer conexão. — De onde os dois se conhecem?

— Eles não se conhecem, mas Ian foi ver Zahra chegar à cidade e disse que foi perseguido por Nirina.

— Foram vocês — disse Arthus, para si mesmo. — Nirina me contou que havia encontrado um mago de ar na cidade e que sentiu uma energia estranha emanando dele. Então... — de repente, parou, como se lembrasse de algo. — O que vocês têm a ver com Riana? Nirina também me contou que quando voltou para perto da amiga, Ian conversava com ela.

— Riana é nossa aprendiz — respondeu Hazael, arrancando um suspiro surpreso de Arthus.

— Vocês a estão ensinando magia negra? — constatou, surpreso. Nirina havia dito que tinha sentido uma energia como a de Ian na amiga, mas Arthus nem considerou a possibilidade.

— Não a forçamos a nada — respondeu Ian, antecipando-se. — A garota tinha vontade de aprender algum modo de magia e esse era o único a ser ensinado a alguém que não é filho de magos, sabe disso. Não há nada de mais, afinal, ela sabe que a magia negra pode ser usada para matar e alimentar o próprio poder, mas ela aprende a parte invocativa da magia, a menos maligna. Ela tem gostado, disse que sempre achou sua vida comum demais e que queria ser diferente. Talvez fosse isso que estivesse faltando.

— Bem, não tenho nada a dizer sobre isso — disse Arthus, sorrindo. — Riana não é mais criança e, se ela sabe onde está se metendo, não vejo problema.

— Chame Zahra para vir com Nirina à visita — sugeriu Hazael. — Assim poderemos conversar melhor sobre o que vamos fazer sem Martin ou os soldados de Reno nos rondando.

— Certo — respondeu o anfitrião. — Vou pensar por mais alguns dias, Hazael. Lerei alguns livros sobre essa tal magia negra e tentarei saber sobre o que aconteceu em Nali. Quando você vier daqui a dois dias, darei uma resposta.

— Ótimo — concordou Hazael, levantando e se espreguiçando. — Não queremos tomar mais do seu tempo. Ian e eu estamos de saída.

Arthus se levantou junto com seus visitantes e os levou até a porta. Despediu-se dos dois brevemente e logo eles seguiram caminho, optando novamente pelas estradas da floresta. O mestre deixou-se cair no sofá novamente e deitou ali, sentindo a cabeça pesada.

Se esses acontecimentos realmente tivessem a ver com magia negra como Ian e Hazael achavam, seria mais uma dor de cabeça. O mago negro responsável podia ser mais poderoso que todos os magos de Sira juntos e esse seria um problema imenso. Seria melhor se os ajudasse de uma vez como pudesse. Sentiu-se, de repente, curioso.

Seus dias estavam sendo extremamente entediantes. Sem Nirina para ficar junto consigo, os dias na casa isolada eram mais que uma tortura. Arthus não gostava muito de viver sozinho. A maioria dos magos de água era assim: precisavam sentir que tinham pessoas confiáveis a sua volta e se apegavam aos outros com facilidade. O mestre fechou e apertou os olhos, sentindo como o silêncio a sua volta às vezes parecia ser torturante. Sentia falta de Nirina, de seu humor agradável e suas brincadeiras, e das aulas de magia de água.

Sem nada interessante para fazer e nada a perder, decidiu que ajudaria Hazael com as investigações.

   

   

   

Nirina recebeu a carta de Arthus emocionada, um dia depois da visita de Hazael a Arthus. No dia seguinte ela sairia para encontrar com seu antigo mestre.

Cedo, esperando pelas aulas de Zahra, abraçou a carta com cuidado e se jogou na cama, apertando-a ao peito. Suspirou e a abriu devagar, quase como se quisesse fazer suspense para si mesma.


À Senhorita Nirina, Maga Clarividente do Reino de Sira.

   

Nirina abriu um sorriso ao ver o vocativo. Tinha certeza que Arthus faria algo do tipo. A carta toda tinha um tom solene, como se ele quisesse lembrar à aprendiz o quanto isso seria comum dali em diante. E, claro, tinha o tom de brincadeira que o mestre adorava usar.

   

Tenho certeza que a Senhorita está ocupada nesses breves dias em que nos separamos. Mas, se possível, gostaria de requisitar a sua presença e a de sua mestra, a Senhorita Zahra, à minha residência.

Existe algo que devemos tratar e é de interesse de ambas. Devo avisá-la também que você terá convidados: alguém que quer conhecê-la e precisa da sua ajuda. Não posso afirmar se Riana estará presente, mas prometo resolver isso nos próximos encontros.

Espero-lhes em minha casa daqui a dois dias, no período da tarde. Por favor, avise que deixará a Corte neste dia. É importante que a Senhorita compareça.

Atenciosamente,

Arthus de Sira.

   

Nirina voltou a carta ao envelope com o mesmo sorriso com que a tinha aberto. Logo sua expressão se tornou de preocupação e ansiedade, lembrando-se das coisas que Arthus havia dito na carta. Alguém que queria conhecê-la e precisava da sua ajuda? Um assunto que era interesse tanto seu quanto de Zahra? Relaxou o corpo na cama e imaginou se teria a ver com os casos de assassinato e desaparecimento recentes na cidade.

Pensou em como estava nas aulas com Selene. O método da mestra era ótimo e a fazia aprender com rapidez e facilidade. Além disso, ela era carinhosa e extremamente paciente e atenciosa, deixando Nirina à vontade enquanto fazia suas tentativas durante a aula. Já conseguia invocar água com facilidade, criando-a à frente de suas mãos quando estendia o braço e chamava o elemento para que se manifestasse.

A aprendiz praticava todos os dias. À noite, após as aulas com Selene e o jantar, trancava-se no quarto e estudava tanto magia de água quanto magia clarividente. Ambas as mestras estavam felizes e satisfeitas com seu desempenho: Nirina era inteligente e parecia ter um dom natural para magia. Para Selene, não podia ser diferente: uma aluna de magia de água que é também clarividente não teria a menor dificuldade em controlar seus poderes com maestria. Apesar de jovem e nova na prática, Nirina já tinha mais poder que Selene, e era mais poderosa que Arthus também.

Nirina não sentia vontade de sair à noite e conversar com os outros aprendizes que, de vez em quando, reuniam-se na biblioteca do Palácio ou na pequena sala de jogos para conversar. Adrien, Ísis e Laina se davam bem, e Aiko costumava frequentar as reuniões apenas para ficar em silêncio. Recentemente, ele não comparecia mais e passava o tempo todo em seu quarto, saindo apenas para almoçar e jantar. A aprendiz tinha vontade de interrogar Sven, mas, advertida por Zahra, abandonou a ideia. Se Sven fosse o culpado pela mudança repentina de comportamento de Aiko e fosse questionado, provavelmente seria mais cauteloso.

Sem concentrar sua atenção em nada, sentiu o sono se aproximando. Fechou os olhos e respirou fundo, sentindo como o colchão era confortável. O silêncio, às vezes agradável, muitas vezes tornava-se torturante. Perguntava-se se não estava se apegando rápido demais à Selene e Reno, por exemplo, e teve medo. Precisava muito que o dia de amanhã chegasse e ela pudesse finalmente sentir o abraço de Arthus e ouvir suas palavras pacientes e confortantes. Apertou os olhos e apertou a carta contra seu peito mais uma vez, sentindo-se sozinha.

Como se alguém ouvisse seus pensamentos, a maga de água ouviu uma batida à porta de seu quarto. Pensativa, levantou a contra gosto e passou as mãos por seus longos fios de cabelo negros, arrumando-os. Ajeitou a túnica azul que usava já que não precisaria sair e abriu a porta.

Surpresa, encarou o homem ali. Não achou de fato que fosse vê-lo novamente tão rápido, mas ele parecia ter falado a verdade.

— Saudações, Nirina — disse Martin. — Que belo dia, não é mesmo?

— Bom dia, Martin — ela respondeu, esforçando-se por ser agradável. — Está mesmo lindo. Mas não quer entrar?

O líder dos magos sorriu diante do convite. Ela se lembrou de quando não o havia convidado para entrar na primeira vez e teve medo de estar sendo pouco educada se não o convidasse.

— Pois não, muito obrigado — ele acenou com a cabeça cortesmente, dando um passo para dentro do quarto. Quando Nirina fechou a porta, ele se virou a ela. Observou sua pele clara e seus cabelos compridos e escuros, constituindo um contraste agradável. Seus olhos castanhos e espertos não eram menos agradáveis, e a túnica curta sobre a calça comprida amarrada na cintura fina davam à aprendiz um charme especial. — Parece que os dias na Corte tem feito bem a você.

— Se você acha — limitou-se em dizer, convidando Martin a se sentar à mesa com um discreto gesto da mão.

— Tenho certeza — afirmou o líder, sentando-se onde ela havia indicado. — Alguém já lhe disse que você é muito bonita?

— Arthus — ela sorriu, tentando ignorar as coisas que ele dizia. — Arthus sempre dizia.

— Arthus é como seu pai — ele riu, fechando os olhos por um instante e então a encarando intensamente. — Perguntei se um homem já lhe disse que você é bonita.

Nirina mordeu o lábio inferior e tentou imaginar o que Martin queria. Ele devia ser bem mais velho, ter mais ou menos a idade de Arthus, por seus cálculos. Não que não fosse charmoso, ele era, mas... Nem se Martin tivesse trinta anos a menos Nirina aceitaria qualquer coisa que viesse dele.

— Acho que o senhor é o primeiro, Martin — disse, com um sorriso discreto, abaixando o olhar.

— Pois é verdade — disse o mago, encarando-a indiscriminadamente. Ele se levantou e colocou-se atrás da aprendiz, segurando-a pelos ombros. Aproximando-se de sua orelha, abaixou a intensidade da voz: — Tão linda quanto sua mãe.

Nirina sentiu a pele toda arrepiar. Logo depois de dizer, Martin se afastou, apertando-a de modo carinhoso e sugestivo nos ombros antes de voltar para a cadeira que ocupava antes. Ela rangeu os dentes, xingando mentalmente o líder de todos os piores nomes que conhecia. Martin percebeu, porque se inclinou para trás, encostando na cadeira, e riu.

— É tão engraçado ver suas reações, sabia, Nirina? — admitiu ele, sem abandonar o sorriso irritante. — O jeito como você luta para esconder seus sentimentos, como tenta me tratar bem independente do desprezo que sente por mim logo que nos apresentamos, em seu primeiro dia na Corte. Se me perguntassem, diria que você é a aprendiz mais interessante que já admitiram aqui — ele pausou por uns segundos e, como se tomasse consciência de repente do que havia dito, concluiu: — Oh, mas não me leve a mal. O interessante a que me refiro diz respeito à sua personalidade e sua inteligência, sua capacidade de adivinhar a personalidade das pessoas em uma conversa. Mas cuide-se, cara Nirina... Algumas pessoas podem não ser o que parecem, mesmo para alguém tão talentosa e esperta quanto você.

Ela tentou pensar em algo para dizer, mas precisou ficar um tempo em silêncio. Martin parecia gostar mesmo de se divertir daquele modo; Nirina devia tomar cuidado: ele era mestre na arte de machucar com palavras e deixá-la pensativa. Talvez ele nem soubesse nada sobre sua mãe e tivesse feito o comentário apenas para ter efeito sobre a aprendiz.

— Eu não sou clarividente como você — ele começou —, mas sei no que está pensando. O que eu sei sobre sua mãe... Se a conheci. Olhe, pelo jeito com que você tem se esforçado para aguentar minhas conversas, direi: eu conheci sua mãe. Eu, Arthus, o Rei Nasser e a Rainha Naama também a conheceram... E seu pai também. Mas eles eram muito arrogantes... Achavam que estavam em posição de dar ordens e, infelizmente, não estavam.

— Percebeu que a Rainha não, exatamente, gosta de você? Já se perguntou o motivo?

Nirina manteve-se em silêncio. Martin não gostou.

— Já se perguntou? Sim ou não, fale comigo — disse ele, em tom severo. — Eu decido se quero te contar a verdade ou não. E, vamos, meus dias têm sido um tédio. Agora esses casos na cidade, Zahra veio falar comigo, uma preocupação que eu não gostaria de ter. Vim aqui para me distrair, diga.

— Já me perguntei — disse Nirina, mantendo-se fiel às suas perguntas. Não diria nada que ele não perguntasse. Reno e Zahra haviam pedido que tomasse cuidado com as pessoas que as rondavam, Martin podia ser claramente uma delas.

— Quer saber? — Martin se levantou novamente, parando atrás da aprendiz e apoiando as mãos sobre seus ombros. — Pois eu gostaria de pedir algo em troca.

Nirina mordeu novamente o lábio inferior, esforçando-se para não estourar e mandar Martin para fora através de sua magia, que já ficava muito mais forte que a do líder.

— Diga apenas por diversão — disse ela, imitando o tom severo que ele havia usado antes, mantendo a calma, virando levemente a cabeça para que pudesse olhá-lo com a visão periférica. — Ou não diga. Não terá nada de mim em troca, seja o que for.

A aprendiz se achou bem sucedida, mas ergueu uma sobrancelha diante da risada discreta de Martin, que se afastou novamente.

— Eu podia jurar que você ia se afastar, olhar para mim aterrorizada e dizer “Como você pode sugerir tal coisa, Martin!”, ou você não entendeu o que eu queria dizer.

Nirina afinou os olhos, expressando nojo. Ele era mesmo inacreditável.

— Você não ousaria...

— É claro que não! — disse Martin, erguendo a voz, rindo mais alto. — Jamais faria isso, embora você seja tão... — ele parou, como se procurasse as palavras — Tão tentadora.

Ela mexeu na ponta da túnica inconscientemente, puxando-a para baixo como se se sentisse exposta. Martin riu novamente diante da confusão óbvia da aprendiz e resolveu continuar:

— Mas direi por diversão — prosseguiu. — E serei breve. Em resumo, o Rei Nasser amava sua mãe, Elisa, e não a Rainha Naama. Elisa era apaixonada por Adiel, seu pai. Ainda assim a Rainha Naama amava Nasser, mas ele só tinha olhos para aquela pequena e atraente maga de água que se parecia tanto com você. Seus pais viveram felizes juntos por pouco tempo depois que você nasceu... Seu pai morreu em uma batalha de uma das guerras do Rei, o que acabou com toda a vontade de viver de sua mãe. Ela então estava vulnerável. Com poucas palavras de inspiração da Rainha Naama... — ele parou, misterioso, e então olhou para Nirina intensamente, captando a expectativa em seu olhar. — Ela se matou. Nem mesmo você foi o suficiente para dar a ela uma nova perspectiva da vida. Ela sentia falta de seu Adiel, pobrezinha.

Nirina sentiu os olhos umedecerem. Martin era mesmo incrível, ela nunca havia conhecido alguém que se divertia tanto em ver o sofrimento alheio. Mordeu o lábio inferior novamente e ergueu a cabeça, convicta de que não choraria para Martin. Não o daria o gostinho de vê-la sofrendo mais do que aparentemente estava.

— É uma história triste — ele se atreveu a continuar, sorrindo ao ver a consternação nos olhos da aprendiz. — Não acha?

— Agradeço pela consideração — disse Nirina, esforçando-se ao máximo para reprimir seus sentimentos.

— Mas então — disse Martin, mudando de assunto repentinamente. — Como você está? A Rainha Naama me pediu para que mantivesse os olhos em você, e eu vou manter... — ele completou, olhando-a dos pés à cabeça. Ela se encolheu. — Precisa de algo?

— Não, senhor Martin — sorriu, compreensiva. — Logo Zahra estará aqui para nossas aulas da manhã.

— Entendo, entendo — ele assentiu. — Eu sei dos seus horários. Sei dos seus problemas com Ísis, os problemas com Aiko... Sei dos seus progressos rápidos nas aulas, em ambas as disciplinas, e de como suas mestras estão satisfeitas; apesar da saudade que sente de Arthus, como gosta de Selene. Sua estranha confiança em Reno. Eu sei tudo sobre você. A pedido da Rainha, é claro — terminou com o mesmo sorriso irritante, então se levantou e andou em direção à porta.

— Queira abrir para mim, por favor? — disse, em tom extremamente irritante, como se ordenasse um subordinado.

— Queira abrir o senhor mesmo — respondeu, desafiando-o. Seria paciente com todos, mas não se rebaixaria a ponto de obedecer a uma ordem tão simples, ainda mais de um mago que a tratava como subordinada sendo que ela era, na hierarquia, maior que ele.

Com um sorriso sem graça, Martin assentiu. Nirina percebeu que ele era alguém que claramente estava acostumado a ter todas as suas ordens cumpridas. Sem querer ser muito ríspida, no entanto, a aprendiz se aproximou da porta aberta para fechá-la enquanto Martin se despedia estendendo a mão. Nirina a apertou sem vontade.

— Obrigado pela agradável recepção, cara Nirina — sorriu, sem abandonar o tom sarcástico e espinhoso da voz. — Voltarei para novas conversas e para saber como está a pedido da Rainha.

— Pois não, senhor Martin — ela disse. Olhando através dele, para longe, uma pessoa captou seu olhar: Reno. Ele andava sozinho através do pátio e parecia compenetrado, com uma expressão diferente. Desejou que fosse como no primeiro dia, que Reno viesse lhe ver e conversasse, livrando-a de Martin. O líder dos soldados, no entanto, nem mesmo virou seu rosto em direção ao quarto de Nirina e andou em direção à saída do castelo. Nirina o encarou com um olhar triste.

Martin estava falando algo que ela não entendeu direito, captando apenas o final.

— Reno não veio salvá-la dessa vez, o que é uma pena. Sabe, ele tem uma implicância natural comigo... Se eu fosse classificar, diria que ele poderia ser um mago de fogo. Mas nós dois temos tudo para nos dar bem, certo, Nirina? É uma pena que eu não possa ser seu mestre.

— De fato, uma pena — assentiu Nirina, fingindo pesar em sua voz. — Mas Selene é ótima mestra. Em breve estarei com Zahra, comandando os magos do Rei.

— Em breve — sorriu Martin, com desagrado. — Você é ambiciosa — ele acrescentou.

— Assim como você — ela sorriu, reparando no desprezo que ele sentia ao imaginá-la como superior. — Trabalharemos muito bem juntos, não é mesmo, senhor Martin? Claro, como sua líder que serei, e você como meu subordinado.

Martin se limitou a afinar os olhos de modo cruel e deu as costas à Nirina.

— Você e Reno tem isso em comum: a língua afiada — disse ele por fim, sem se virar.

A aprendiz não respondeu. Satisfeita com a expressão que havia visto no rosto do mago, fechou a porta e riu sozinha. Levou a mão ao peito e tentou acalmar o coração, que batia feito louco. Apenas a ideia de dizer algo que desafiasse Martin a deixava nervosa, mas tinha conseguido. Se Martin queria incomodá-la, não deixaria por menos.

Inquieta, deitou na cama novamente e esperou. Logo Zahra estaria ali para as aulas, mas não conseguia parar de pensar no que Martin havia dito. Estendeu as pernas na cama e se olhou. De fato, seu corpo estava mudando. Logo seria mais parecida com uma mulher que com uma criança, e já era quase da mesma altura de Zahra. Afinou os olhos com desprezo ao se lembrar dos elogios e das brincadeiras de Martin, fazendo-a acreditar e desacreditar no que ele dizia.

Agora, a história sobre sua mãe fazia sentido. Talvez por isso Arthus nunca dissesse nada sobre seu passado e tivesse dito que não podia revelar nada sobre seus pais. Já que sabia de uma possível versão para o passado, questionaria Arthus no dia seguinte, que era uma pessoa confiável. Muito mais confiável que Martin.

Abraçou a carta do antigo mestre com tristeza, sentindo o peito pesar e doer. As palavras de Martin giravam em sua cabeça sem parar, deixando-a inquieta, como se pegassem seu coração e o apertassem levemente, constantemente. Temeu por sua concentração nas aulas; sua mente estaria distraída, incapaz de focar e abandonar as cruéis expressões de Martin e suas brincadeiras de mau gosto.

Ouviu novas batidas à porta e pensou em Zahra. Provavelmente ela estava chegando para as aulas, já era hora. Levantou-se da cama mais uma vez, agora totalmente desperta, e atendeu. Ao ver que era mesmo sua mestra, sorriu aliviada. Com um sorriso sincero, pediu à professora que entrasse e respirou fundo. Não era hora para pensar em sua mãe, seu pai, no Rei, Rainha ou em Martin. Era hora de se concentrar para ser uma excelente maga e, futuramente, fazer Martin obedecer às suas ordens.


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