A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 11
Capítulo 11




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            Hazael e Ian saíram da casa de Selene à tarde, como haviam combinado no dia anterior, para encontrar Riana na casa da floresta. A maga havia deixado comida pronta para que pudessem almoçar. Ian não parava de reclamar sobre como não havia nada para fazer naquela cidade.

            Hazael havia conhecido o mago de ar enquanto precisou ficar fora de Sira. O primeiro país em que o mago foragido se escondeu foi Verena, logo a sudeste de Sira. Sabendo que o Rei havia mandado guardas ao país para perseguir o mago, Hazael foi um pouco mais longe: viajou para Nali, onde conheceu o amigo em uma situação peculiar. Salvou-o de magos negros que o perseguiam e pretendiam matá-lo.

            Hazael sabia que Ian era um mago negro também, mas o amigo apenas fugiu junto de si e nunca explicou toda a sua história; não até o momento, pelo menos. Ian foi responsável por ensinar a magia negra a Hazael na época, pouco antes de decidirem voltar para Sira.

            O mago de fogo havia explicado ao amigo que Martin nutria um interesse especial pelos magos clarividentes. O líder dos magos do Rei já havia viajado para Earine, Sesira, Nali e Verena atrás de magos clarividentes, não se sabe ao certo para quê. Esse era um dos motivos pelos quais Hazael queria monitorar Nirina: Martin podia ter um interesse especial por ela, se é que ele ainda ocupava o cargo de líder dos magos do exército do Rei Nasser.

            Quando os dois chegaram à casa da floresta, estava vazia, como haviam deixado um dia antes. Não havia nada de diferente na casa e Ian se jogou em uma das cadeiras, amaldiçoando o caminho não tão longo que precisavam percorrer até ali. Hazael tirou o capuz da túnica com um sorriso, encarando o outro mago.

            — Viu — começou Hazael —, eu disse que é ruim ter que andar tudo isso.

            — Você é preguiçoso pra essas coisas, Hazael, sempre foi.

            — Ah, falou o mago que pode levitar, certo, senhor Ian?

            — Dá um tempo — riu o amigo, fechando os olhos.

            — Quem será que a Selene vai ensinar dessa vez? E por que chamaram ela de volta tão repentinamente?

            — Sei lá — Ian abanou a mão, displicente. Sabia das histórias com os exércitos do Rei por Hazael, mas não conhecia metade das personagens. Apenas Selene. — Será que ela ainda nutre os mesmos sentimentos por você que naquela época?

            — Sei lá — disse Hazael, imitando o amigo. — Ela nunca chegou a dizer isso diretamente para mim, mas eu suspeitava. Hoje, já não sei dizer se é o mesmo.

            Riana chegou correndo, abrindo inesperadamente a porta. Hazael e Ian olharam em sua direção com espanto, assustados.

            — Riana — disse Ian, olhando-a carinhosamente. — O que foi?

            — Nirina — falou, recuperando o fôlego.

            — Acalme-se. Aconteceu algo de ruim?

            — Não, só quis chegar rápido — riu, deixando-se ser guiada por Ian pela mão até uma cadeira. — Nirina foi levada para a Corte hoje cedo para começar seus estudos como maga clarividente.

            — Espera — Hazael estendeu uma mão, rindo. — Quer dizer que a nova aprendiz de magia de água de Selene é Nirina?

            — O quê? — disse Riana, olhando em volta. — É mesmo, onde está Selene?

            — Recebeu uma carta do Rei ontem, dizendo que teriam uma nova aprendiz de magia de água e queriam que ela fosse sua mestra. Deve estar na Corte uma hora dessas.

            — Então com certeza! — exclamou a aprendiz de magia negra, sorrindo. — Nirina era aprendiz de magia de água, e hoje cedo chegaria à Corte. Teremos alguém ainda melhor que eu para repassar informações.

            Hazael ergueu uma sobrancelha e não conseguiu ficar em silêncio.

            — Riana, o que você pensa de nós? Por que tem nos ajudado e confiado tanto em pessoas que nunca viu antes e fala como se nos conhecêssemos há anos?

            — É... — ela começou, depois parou por alguns segundos, surpresa com a pergunta. — Eu nunca gostei de ter uma vida comum. Sabe, acordar, estudar, ajudar com os afazeres de casa, conversar com amigos, ir dormir... Quando conheci Ian e ele disse que poderia me ensinar magia, eu percebi que podia ser uma boa chance de mudar minha vida.

            — Um tanto ingênua, para falar a verdade — disse Hazael, sincero como sempre. — Imaginou o que dois homens poderiam querer chamando uma garota pra uma casa na floresta, certo?

            — Isso passou pela minha cabeça diversas vezes — admitiu. — Mas eu não tive medo. Minha curiosidade e vontade de ver se Ian dizia a verdade foi maior.

            — Bom — disse Ian, aproximando-se e colocando uma das mãos sobre o ombro de Riana — é ótimo que você confiou nas pessoas certas, nesse caso. Como disse, eu e Hazael não queremos lhe forçar a nada.

            — Muito obrigada, vocês dois — disse ela, surpreendendo aos dois. — Eu espero poder continuar vendo-os, e quero poder ajudá-los também.

            — Riana, isso é complicado — começou Hazael.

            — Eu sei que posso não ser de serventia agora, mas eu vou me empenhar e serei uma maga tão habilidosa quanto vocês!

            — Não é esse o problema — disse o mago de fogo, pela primeira vez com um sorriso comovido. — É perigoso, Riana. Eu sou uma pessoa perigosa. Ian é perdido nesse mundo — riu —, então ele não tem com o que se importar. Mas você tem uma família, não pode se arriscar desse modo.

            — Eles têm a própria vida — retrucou ela, chateada. — Sabem se cuidar.

            — Eu não devia estar nesse país, Riana — confessou Hazael. — Se os guardas do Rei descobrirem que estou aqui irão me perseguir. Não gostaria que você estivesse junto se isso acontecesse.

            — O que aconteceu? — perguntou Riana, erguendo uma sobrancelha. — Você é um criminoso ou algo do gênero?

            — Não — riu. — Pode confiar em mim? Quando chegar a hora certa, vou te contar.

            — Eu acho que já estou fazendo isso — assentiu.

            — Riana — disse Ian, distraindo os dois. — Por que não me mostra como está sua magia negra?

            A aprendiz fez que sim com a cabeça e estendeu a mão, pedindo pela faca. Ian entregou o objeto à garota, que cortou a palma da mão esquerda sem hesitar. Quando seu sangue começou a escorrer, ela juntou as mãos e concentrou seus pensamentos. Sem muita demora ali estava o espectro invocado pela jovem maga negra.

            Com um pouco de dificuldade, começou a movimentar seu invocado pela sala, fazendo-o voar pelo cômodo. Ian havia dito que ainda não a ensinaria a fazê-lo lutar pelos altos níveis de concentração que isso exigia.

            — Você pode fazer um espectro lutar por você com quase todos os movimentos que imaginar — disse o mestre — mas isso requer bastante prática. Como eu disse, a magia negra é mais difícil do que parece.

            Riana apenas assentiu com a cabeça, concentrando-se em manter o espectro se movimentado pela sala.

            — Tente fazê-lo mover um de seus braços com força, como se fosse bater em alguém.

            A aprendiz fechou os olhos por um momento e ordenou seu invocado, em pensamento, para que movesse um de seus braços em um movimento rápido, como se fosse bater em alguém que estivesse à sua frente. Tudo o que o espectro fez foi erguer o braço de leve, e nada mais.

            — Está vendo? — disse Ian, sorrindo. — Não é fácil. Batalhar através de espectros requer muita prática e é arriscado. Há tempos esse tipo de magia negra tem caído em desuso por ser difícil de melhorar e com um alto preço. É inviável.

            Ian pegou a faca e fez um corte em sua mão esquerda. Invocou um espectro com rapidez e se sentou em uma cadeira perto de Riana. Ordenou que seu espectro ficasse em frente do espectro de Riana e o deixou parado.

            Com um movimento súbito, o espectro de Ian agarrou o espectro que Riana havia invocado pelo pescoço. Riana se assustou e imediatamente levou a mão à própria garganta, olhando em volta ainda surpresa.

            Devagar, o espírito que Ian invocou começou a apertar mais o pescoço do adversário. Riana estreitou os olhos, observando os dois espectros e o que acontecia em seu corpo. Foi ficando um pouco sem ar e, quando seu mestre percebeu que seus olhos se enchiam de lágrimas, parou.

            — Sentiu? — sorriu Ian, ordenando que seu espectro se distanciasse.

            — É horrível — admitiu a aprendiz, ainda passando a mão pelo pescoço. — Muito horrível.

            — Não é mesmo? — disse o mestre enquanto Hazael os observava. — Se eu continuasse apertando desse jeito, deve imaginar o que aconteceria.

            — Imagino.

            Hazael levantou e ficou olhando para a faca. Estava extremamente entediado.

            — Eu tenho uma pergunta — disse Riana, fazendo Ian olhar para si. — Se os magos negros geralmente ficam em lugares isolados enquanto lutam, como sabem o que está acontecendo ao redor dos espectros?

            — Pela visão dos espectros — respondeu. — Um mago negro consegue ver tudo o que está no campo de visão de um de seus invocados, que se assemelha bastante à de um humano. Não é como se ele pudesse ver tudo o que está à sua volta.

            — Entendi — disse a aprendiz, observando Hazael se aproximar da faca com o canto dos olhos. — E estar longe dos espectros interfere na concentração?

            — Ah, sim — sorriu o mestre. — Quanto mais longe do seu invocado, mais concentração você deve ter ao controlá-lo. Ver o que acontece através do espectro também não é nada fácil. Exige bastante treinamento.

            Ambos, mestre e aprendiz, olharam para Hazael quando ele finalmente fez um corte na mão esquerda e juntou as duas mãos. Ian sorriu e Riana manteve uma expressão surpresa no rosto ao ver o mago de fogo invocar um espectro.

            — Vamos — ele disse, sentando próximo aos outros dois acompanhantes. — Riana adora uma demonstração, não é mesmo? Então vamos mostrar a ela como dois magos experientes lutam com espectros.

            — Por mim, desde que não envolva sangue — riu Ian, retesando-se na cadeira.

            Não demorou muito até que os dois espectros se juntassem. Eles estavam com os braços um contra o outro, como se disputassem a força. Curiosa, Riana percebeu que os espectros não emitiam nenhum som: eram extremamente silenciosos. As duas criaturas invocadas se distanciaram de repente, então, e Riana sentiu uma corrente de ar leve pela casa. Constatou, franzindo a testa, que a maioria das janelas estavam fechadas e que o ar provavelmente vinha da magia de Ian. Quando olhou para o espectro de Hazael, no entanto, viu que este tinha uma de suas mãos levantadas e uma pequena chama aparecia acima dela.

            Para o alívio de Riana, logo o ar dentro da sala parou e o fogo que o espectro de Hazael tinha na mão também sumiu. Provavelmente era só mais uma das demonstrações: então os espectros podiam usar magias relacionadas com os elementos, desde que seu invocador pudesse controlar os elementos também.

            Os espectros travavam uma luta feroz, de ataque e contra-ataque, que parecia interminável. Dessa vez eles não usavam nenhuma magia: lutavam como se tivessem as mãos sem arma alguma. Sentiu um arrepio pelo corpo ao olhar para Ian e Hazael enquanto os espectros se movimentavam: ambos tinham o olhar parado e aparentemente vazio, como se, de fato, olhassem para dentro de suas próprias mentes.

            De repente, os dois deram ordem para que seus espectros ficassem quietos e recobraram a atenção, balançando a cabeça. Hazael apertou os olhos e Ian se espreguiçou, olhando para Riana.

            — Se o invocador não desejar que seu espectro vá embora, isso só será conseguido através de sua morte — contou, olhando para o espectro de Hazael. — Se eu quisesse realmente derrotar Hazael nessa luta, poderia fazer isso o matando através de seu espectro, ou matando a ele. Mas como eu também controlava um espírito, seria impossível para eu matar o próprio Hazael. Seria mais “fácil” matá-lo através do espectro. E, como viu, quando o mago negro é também um mago que controla um dos elementos, seu espectro pode usar as magias.

            — Exatamente tudo o que acontecer no meu espectro, eu sentirei?

            — Não exatamente tudo — respondeu Ian. — Só o que lhe causaria dor.

            — Ainda é magia negra — disse Hazael, encolhendo os ombros e ordenando que seu espectro fosse embora. — Alguém aí está com fome? Porque eu pretendia ir à cidade comprar algo para comer.

            Os dois assentiram, e Hazael pegou sua capa e a pequena bolsa onde guardava seu dinheiro e se preparou para sair. Antes de abrir a porta, virou-se para Ian.

            — Não vai tentar me impedir, Ian? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.

            — Não — disse, levantando-se junto com Riana. — Nós vamos junto.

            Mestre e aprendiz ordenaram que seus espectros sumissem e pegaram suas roupas.

            — Podemos passar nas vendas, comprar algo e comer na casa de Selene. Fica mais fácil para Riana ir para casa e nós podemos esperar ela voltar para contar as novidades — sugeriu Ian, animado.

            — Pode ser uma boa ideia — admitiu Hazael, sorrindo novamente. — A casa de Selene é muito mais agradável do que essa, afinal.

            — Pois é — assentiu o amigo, deixando a casa. — Devíamos mesmo seguir o conselho de Riana — acrescentou. — Devíamos sair desse lugar de uma vez por todas.

            — E ficar morando na casa de Selene? Acha que ela vai aprovar isso?

            — Pode ser que aprove — riu Ian, andando em direção à porta. — Nem mesmo sabemos se essa casa tem um dono.

            — Talvez seu dono tenha morrido — sugeriu Riana, seguindo os dois homens.

            — É uma possibilidade.

            Quando chegaram às vendas, Riana se ofereceu para cozinhar algo. Ian e Hazael aceitaram e ela começou a comprar os ingredientes e se distraiu. Hazael puxou o amigo para longe da garota e disse, em tom confidente:

            — Até quando pretende dizer à Riana que esse é o único modo de praticar magia negra? — questionou o mago de fogo, mantendo um olho na aprendiz. — Sabe, logo vamos ter que contar essa outra parte a ela, ou ela vai descobrir por outro alguém e achar que estávamos escondendo, ou pior: mentindo.

            — Eu vou contar — disse Ian, fazendo sinal para que Hazael fizesse silêncio, pois Riana se aproximava. — Eu vou contar.

            A garota voltou quando terminou de escolher os ingredientes e sorriu. Os dois andaram a seu lado e se dirigiram para a casa de Selene. Hazael tinha sempre o cuidado de não retirar o capuz da cabeça, afinal, já se arriscava demais pisando em Ima.

            Riana precisou da ajuda de Hazael e Ian para cozinhar na casa da maga de água. Ela riu quando o mago usou a magia para acender o fogão e às vezes Ian fazia seus cabelos voarem com um pouco de ar, fazendo-a sorrir. Eles eram boa companhia. Os dois tinham personalidades bem diferentes, mas, aos poucos, Hazael estava começando a se abrir também.

            Ian tinha uma naturalidade incrível para conversar com outras pessoas e era simpático, além de bonito. Já Hazael não era assim tão atraente, e tinha a expressão fechada como um aviso: cuidado ao se aproximar. Não tinha medo de falar o que pensava, era ríspido; não ficava calado apenas por conveniência. Sua personalidade atraiu diversos inimigos enquanto servia no exército do Rei, por não ter medo de discordar de quem fosse. Não importava se tinha um cargo superior ou inferior ao seu. Também atraiu muitos admiradores: Selene admirava a coragem e o jeito de ser de Hazael, provavelmente porque tinha vontade de ser como ele, mas não conseguia. Ela era sempre afável e fácil de conviver. Era fácil ficar em silêncio e obedecer ordens. Tinha a expressão amena e um sorriso convidativo, completamente o oposto perfeito de Hazael, motivo pelo qual seus elementos também eram opostos.

            Riana estava perdendo o medo da magia negra aos poucos. Não sabia que ela era mais usada para invocações e sempre a havia visto como algo maléfico. Algo que traria o mal para todas as pessoas que se envolvessem com ela. Mas não era bem assim.

            A aprendiz terminou o jantar com um sorriso e Hazael e Ian a ajudaram a arrumar a mesa.

            — Será que a Selene vai chegar a tempo de jantar? — questionou Riana, querendo puxar assunto.

            — Pode ser — disse Hazael. — Aquelas pessoas da Corte são todos uns chatos, cheios dos rituais de apresentação. Não duvido que ela vá se atrasar e chegar tarde.

            Pouco tempo depois que Hazael terminou de falar, os três magos ouviram um ruído da porta. Selene andou apressada até a cozinha, assustando um pouco ao encontrá-los todos ali. A maga de água sorriu e se aproximou, sentando-se à mesa com eles.

            — Ei, adivinhem — começou ela, sem abandonar o sorriso. — A minha nova aprendiz é a...

            — Nirina — interrompeu Hazael, com um sorriso. — Riana nos contou que conversou com a amiga ontem e ela disse que estava indo para a Corte ter aulas com Zahra. Imaginamos mesmo que fosse ela.

            — Tenho algumas notícias para você, Hazael — acrescentou a anfitriã, séria. — Mas, antes, quem fez esse jantar? Aposto que Hazael e Ian que não foram.

            — Eu fiz — sorriu Riana, sentindo o rosto esquentar levemente. — Espero que esteja bom.

            Os quatro começaram a jantar juntos, mas Selene não conseguiu esperar até o fim para que começasse a contar.

            — Martin ainda está no comando dos magos do exército — disse Selene, tomando um pouco de água. — E não mudou nada. Me encara com o mesmo desdém de sempre, mas não ousou falar seu nome — acrescentou. — Não ligo. Fiquei sabendo depois por Zahra que ele tentou ser o novo mestre de Nirina. Graças a ela, que me indicou, conseguiram livrá-la disso.

            — Que ótimo — disse o mago de fogo, sorrindo. — Espero que a garota fique longe desse homem.

            — Eu também. Parece que Martin ainda tem o incomum interesse em magos clarividentes.

            — Ele tem é inveja — riu Hazael, apoiando no encosto da cadeira e se espreguiçando. — Queria mais do que tudo fazer parte dos magos mais importantes dos países, mas não pode. É um pesar que ele terá que carregar a vida toda. Já que ele não pode ser um deles, quer estar perto dos que são.

            — Temo que não seja só isso — disse Selene. — Eu tenho um estranho sentimento de que ele está sempre tramando algo.

            — Não deve ser nada, Selene — respondeu, fechando os olhos por um instante. — Sabe que cão que ladra não morde. Antes eu desconfiaria de Reno, mas não de Martin.

            — Por que essa desconfiança toda com Reno, Hazael? — indagou Selene, erguendo uma sobrancelha. — O soldado é um bom homem. Fiel, responsável, simpático.

            — Uma ótima fachada.

            Selene afinou os olhos. Havia conversado o suficiente com Reno para não conseguir pensar em nada que sugerisse uma possível traição.

            — O seu problema é que você não consegue acreditar que pessoas boas ainda existem.

            — E existem?

            Riana e Ian ficaram em silêncio.

            — Nirina queria te conhecer.

            — Quem? Ian?

            — Você, Hazael — disse Selene, ainda afinando os olhos. — Arthus contou sua história a ela, contou que havia te ajudado a fugir. Ela disse que você devia ser uma boa pessoa e me perguntou se eu sabia como você estava. Disse que desejava com todas as forças que você estivesse vivo, mas não só isso. Que estivesse bem.

            O mago de fogo ficou em silêncio. Nirina sabia de sua história? Ela queria conhecê-lo?

            — Por que ela queria me conhecer?

            — Arthus disse a ela que você havia se recusado a matar um mago inimigo que estava à beira da morte. Sabemos que isso aconteceu e que parte dos motivos que te obrigaram a fugir foi Martin, mas ela ficou encantada por esse fato. Não sei dizer direito o por quê.

            Os quatro ficaram em silêncio por um tempo. Hazael então levantou, do nada, em direção à sala.

            — Muito obrigado pelo jantar, Riana — sorriu. — Estava ótimo.

            Hazael saiu e Selene o seguiu. Riana ficou com Ian à mesa em silêncio por mais algum tempo. A aprendiz não sabia o que dizer, e Ian não estava certo se devia tentar algo. Quando viu Riana olhar para baixo com um olhar triste, levantou e pôs a mão em seu ombro.

            — Hazael sempre foi assim — sorriu, tentando tranquilizá-la. — Ele passou por algumas situações desagradáveis em sua vida, por isso tem dificuldade em superar alguns episódios — manteve o sorriso. — Eu espero que algum dia algo possa mudar essa visão que ele tem do mundo e das pessoas.

            — Eu também espero — disse Riana.

            — Riana... — disse Ian, depois fechou e apertou os olhos. Não era a melhor hora para falar sobre aquilo.

            — Pois não, Ian? — ela sorriu, olhando-o.

            — Nada — falou, rápido. — Eu ia dizer algo relacionado à nossa próxima aula, mas acho que essa não é a melhor hora. Vamos esperar até lá, tudo bem? Não se preocupe.

            — Ah, se é isso, tudo bem — disse a aprendiz, sentindo que seu coração batia rápido. Suspirou e levantou, começando a juntar os pratos e levá-los à pia. — Acha que se eu falar com Hazael ele pode se sentir melhor?

            — Melhor? — riu Ian, fazendo-a erguer uma sobrancelha. — Hazael não está mal. É preciso mais do que isso para deixá-lo mal. Quem está chateada agora provavelmente é Selene.

            — Quem é Reno? — perguntou Riana, esquecendo por um instante que Ian não era originalmente de Sira.

            — Eu não o conheci, mas pelo que fiquei sabendo ele é líder dos soldados do exército do Rei. Ocupa a mesma posição hierárquica de Martin, o homem com quem Hazael já teve alguns desentendimentos. Martin é líder dos magos do exército do Rei. Reno parece não gostar de Martin também, pelo que Hazael me disse. Aquelas pessoas trabalham juntas faz tempo, e sabe o que acontece quando há um grupo assim. Intrigas e desentendimentos surgem. É algo comum entre os humanos, deve saber.

            — Você sabe a história de Hazael e Selene? — perguntou Riana.

            — Sei — disse Ian. — Eles me contaram.

            — E eles, sabem a sua?

            Ian mordeu o lábio inferior por um instante. Os dois pararam em frente à pia enquanto conversavam. Riana percebeu a apreensão de Ian quanto à pergunta.

            — Lembro que no primeiro dia você disse... “Eu sou muito grato a ele”. O que ele fez?

            — Hazael salvou minha vida — admitiu Ian. — Existem algumas coisas sobre as quais eu não gosto de falar — acrescentou, com um sorriso triste —, mas quando nos encontramos pela primeira vez, eu estava fugindo de magos negros. Eu morava em Nali. Como ele precisou fugir de Sira, encontramos casualmente.

            — É um jeito peculiar de se conhecer — sorriu Riana, curiosa.

            — Pois é — riu ele. — Hazael me ajudou a escapar de meus perseguidores.

            — Por que eles estavam te perseguindo?

            — Ah, cara Riana — disse o mestre, apoiando a mão sobre o ombro da aprendiz. — Essa história fica para uma próxima vez. Já está escuro — observou ele, olhando pelas janelas. Na verdade, uma desculpa para mudar de assunto. — Devo levá-la até sua casa?

            — Ah, é mesmo! — disse ela, apressando-se em se arrumar para voltar. — Preciso ir, ou minha mãe ficará preocupada. Não precisa, Ian, não se preocupe — sorriu. — Minha casa não é tão longe daqui e eu conheço bem o caminho.

            — Tudo bem. Amanhã venha aqui para as aulas. Acho melhor que fazer você andar até a floresta.

            — Está preocupado?

            Ian sentiu o rosto esquentar. Olhou para o lado e se deu um tapa na cara mentalmente, dizendo para parar de agir como uma adolescente insegura.

            — Claro que estou preocupado. Você é uma moça nova e bonita, não pode ficar andando sozinha por essas estradas.

            Riana virou-se imediatamente ao ouvir suas palavras. Ian ergueu uma sobrancelha, achando que não havia falado nada de mais. A garota, no entanto, estava com o coração disparado.

            — Sou muito grata por sua preocupação, mestre — ela disse, em tom de brincadeira. — Voltarei amanhã para as aulas. E vou querer saber o que você disse que falaria na próxima aula!

            — Eu vou me lembrar disso.

            Ian acompanhou Riana até a porta. Quando passou por ali, Hazael estava jogado no sofá – aparentemente – dormindo e Selene não estava à vista. Virou-se para Ian, pediu que mandasse uma boa noite a Selene e a Hazael e deixou a casa. O mago de ar suspirou ao ver o amigo dormindo e pensou em como a maga de água estaria. Resolveu, no entanto, que arrumaria a cozinha para a dona da casa antes que ficasse tarde e pôs-se a trabalhar.


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Notas finais do capítulo

Aí vai mais um capítulo.
Vou tentar deixar as atualizações para toda sexta-feira, e vou me esforçar ao máximo para não deixar de postar nenhuma semana enquanto retomo minha escrita e escrevo novos capítulos (já que acabei de postar a página 81 das 160 que já escrevi, e ainda tem muita coisa pra ser resolvida!)
Abraços a todos que leem e um abraço mais forte ainda a quem dedica seu tempo escrevendo reviews para me ajudar a melhorar.
Ótimo fim de semana! =D