In Silence escrita por Juhhjulevisck


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Essa história foi escrita de presente de aniversário pra linda da Yasmin ♥.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/336737/chapter/1

O vento soprava forte e assobiava por onde passava. Os galhos das árvores balançavam terrivelmente para todos os lados e folhas caíam por todos os lugares. E, com o impiedoso vento, vinha o frio. Os primeiros sinais do Inverno estavam aparecendo aos poucos e Merlin não conseguiu evitar o pensamento de que aquele seria um bastante cruel.

Caminhava em uma ruazinha estreita de York que levava à sua discreta casa, nos arredores da cidade; após anos – séculos, para falar bem a verdade – vagando por toda Grã-Bretanha sem rumo, decidiu que talvez fosse hora de se estabelecer em algum lugar. York pareceu-lhe ótimo; não era uma cidade extremamente grande, confusa e movimentada como Londres, mas também não era isolada do resto do mundo. Era perto do campo – especialmente sua casa, que ficava nos arredores da cidade – e era confortável, e ele gostava das coisas deste jeito. Simples, da maneira que sempre fora em sua agora extinta, mas sempre amada, Camelot, onde sua jornada começou.

Apesar de sua busca, até então, ter sido completamente em vão, não havia desistido dela. Era o que preenchia o seu tempo; andar pelas cidades, especialmente por Londres, quando tinha oportunidade, e visitar hospitais à procura de qualquer paciente que pudesse ter sido encontrado em algum lugar próximo que se parecesse com Arthur. Foram séculos de procura em vão, porém. Ele sabia que devia ser paciente, porque na hora certa ele retornaria, mas era impossível. Ser devoto a Arthur era o motivo pelo qual vivia e ele não conseguia viver de nenhuma maneira diferente. Aquilo trazia uma tristeza enorme muitas vezes durante sua eterna jornada, geralmente prosseguida por uma inevitável vontade de simplesmente desistir de procura-lo, mas sabia que isso jamais aconteceria.

Chegou em casa se sentindo extremamente cansado. Havia acabado de voltar de Londres, e manter todo o tempo sua aparência idosa era deveras exaustivo, mesmo para alguém com o poder dele. Assim que chegou, fez questão de voltar para a sua aparência jovem, que conseguida, por algum motivo - que nem ele, o grande Emrys, conseguia entender –manter mesmo depois de todo aquele tempo. Tomou um banho rápido e trocou sua roupa por um jeans simples e um moletom azul marinho que parecia ser no mínimo o dobro de seu tamanho.

Notou que estava faminto. Procurou nos armários por alguma comida, mas eles estavam praticamente vazios; alguns temperos e comidas para lá de vencidas eram tudo o que tinha. Xingou-se mentalmente. Passara quase duas semanas em Londres e na sua volta não passara em lugar nenhum para comprar nada. E agora teria que enfrentar o vento e a provável chuva que vinha com ele para poder abastecer seus armários.

Quando saiu novamente de casa, foi atingido por uma estranha sensação que não sentia há séculos. Aquela sensação confortável que só sentia quando Arthur estava por perto, aquela sensação que o manteve lutando por tanto tempo e que fora cruelmente cortada quando o seu rei morrera em seus braços nas margens do Lago de Avalon.

Não sabia de onde aquela sensação tinha vindo, ou por que. Balançou a cabeça, tentando afastar quaisquer esperanças vãs que pudesse ter; era a última coisa de que precisava.

Caminhava de cabeça baixa contra o vento, um pouco mais fraco do que anteriormente. O que havia aumentado de intensidade, porém, foi o frio. Arrependeu-se profundamente de não ter pegado nenhuma blusa extra na saída de casa, mas já havia caminhado quase dois quilômetros e não voltaria por causa de um mísero friozinho. 

Aos poucos, ia se aproximando da cidade. Apesar de nenhum comércio ser visível ainda, as casas começaram a aumentar gradativamente em número. Não faltava muito mais do que um quilômetro e meio para Merlin chegar ao mercado onde geralmente fazia suas compras.

Sentiu algo vibrando no bolso da calça e pegou o celular, que anunciava que ele tinha uma ligação. Viu que esta era do York Hospital, o que estranhou. Comumente ia lá, e Jenny, a enfermeira-chefe, devido a um infeliz acontecimento, acabou descobrindo que ele tinha mágica e, também, que estava a procura de alguém que parecia não existir. Ela nunca o ligava.

— Hey — ele atendeu ao telefonema, confuso.

Merlin? — uma familiar e alegre voz disse no outro lado da linha. Era a voz de Jenny, Merlin percebeu, devido ao seu leve sotaque Irlandês.

— Hey, Jenny, o que aconteceu? — Tentou se segurar para não perguntar repentinamente o que a levara ligar para ele, mas não conseguiu.

Eu estou bem também, muito obrigada — apesar de tentar parecer, não parecia nem um pouco ofendida; ela até deu uma risada no final. — Enfim, como você já deve imaginar, eu não estou te ligando sem motivo nenhum, Homem da Mágica. — Merlin odiava quando ela o chamava assim, e apesar de já ter dito isso a Jenny, nada a fizera parar.

— O que aconteceu? — ele repetiu a pergunta, não conseguindo evitar um pouco de ansiedade ao fazê-la.

Então... — ela parecia hesitante. Merlin nunca a vira assim; ela era sempre o mais direta possível, era raro que hesitasse em qualquer coisa que fosse falar. — Eu acho que encontramos o seu garoto. Ele foi encontrado no campo, a uns bons quilômetros da cidade, completamente encharcado, vestido em roupas bizarras, como se tivesse acabado de sair de uma festa medieval. Estava completamente confuso e dizendo coisas sem sentido nenhum. Além disso, ele se encaixa nas suas descrições. Loiro, olhos azuis e um dos sotaques mais britânicos que eu já vi. Eu não sei se é o cara que você está procurando, mas vale a pena checar.

A conversa silenciou-se. Merlin não conseguia falar. Era como se todas as palavras tivessem subitamente sumido de sua mente. Seus dedos tremiam terrivelmente de forma que quase deixou o celular cair no chão. Passara tanto tempo procurando, esperando por Arthur e jamais imaginara como seria quando ele voltasse. E quando finalmente confrontado com a mera possibilidade de ele não só estar vivo, mas também tão incrivelmente perto o deixava sem ar. Sabia que não deveria alimentar esperanças vãs; o rapaz que aparecera no campo podia ser apenas um lunático que havia de fato saído de uma festa a fantasia medieval. Mas algo dentro dele gritava que quem estava no hospital era Arthur. Ele podia sentir isso, mais forte do que qualquer outra coisa que ele já sentira na vida.

Merlin? Você está aí? — Ouviu a voz de Jenny, distante e quase inaudível. Merlin voltou, muito lentamente, à realidade.

— Sim, sim, estou aqui. Sinto muito. — Sua voz saiu num sussurro sufocado e a força para responder a garota, ele não sabia de onde veio. — Estou no caminho para a cidade agora, daqui a pouco chego aí.

— Tudo bem. — A voz de Jenny parecia tentar dar-lhe confiança. Se ela estivesse falando cara a cara com ele, Merlin tinha certeza que ela terminaria a sentença com um sorriso encorajador no rosto, que lhe era característico. Não era surpresa ela ter se tornado enfermeira-chefe de um dos hospitais mais importantes de York; ela era deveras gentil e transparecia confiança para todos ao seu redor.

Merlin desligou o telefone, sentindo-se tonto, mal conseguindo se manter em pé. Seu corpo inteiro tremia e andar era difícil. Sabia que precisava andar um pouco mais cidade adentro, para poder chamar um táxi, mas estava quase incapacitado de fazê-lo. Sua vontade era de sair correndo, apesar do frio, do vento, de qualquer coisa, correndo ao encontro de Arthur. Era frustrante mal conseguir pensar direito.

Foi necessária muita calma para caminhar o suficiente até encontrar um táxi. Apenas entrou e disse o destino numa voz trêmula. Conseguiu dizer também que precisava chegar ao hospital com urgência, mas aquilo foi tudo o que falou. Para a sua sorte, o taxista captou parte da sua ansiedade, e dirigia rápido pelas ruas da cidade. Não foram mais do que quinze minutos para o York Hospital entrar no campo de vista de Merlin, mas para ele pareceram muito mais do que apenas alguns minutinhos. Jogou uma nota de cinquenta libras para o taxista e saiu correndo, sem esperar troco.

Toda a força que lhe faltara quando recebera a ligação pareceu ser magicamente restaurada. Andava rapidamente em direção ao hospital, os olhos correndo de um lado para o outro procurando por Jenny. A sensação que sentira mais cedo estava ainda mais forte ali. Era como se Arthur estivesse ali do seu lado.

Encontrou Jenny um tempo depois, que lhe recebeu com um sorriso gentil.

— Essa sua forma é muito mais bonita. O cabelo preto realça os seus olhos azuis — ela comentou com um tom de voz bem humorado. Merlin normalmente teria retrucado com outro comentário em qualquer outra situação, mas estava muito ansioso naquele momento.

— Onde ele está, Jen? — Não queria parecer rude, e sentiu-se mal ao pensar que provavelmente o fez. Ela não mostrou estar ofendida, porém.

— Segundo andar, sob o efeito de alguns calmantes. É provável que já tenha acordado a uma hora dessas — ela mal olhou para Merlin, apenas anotava algumas coisas em sua prancheta. Quando terminou, fez um gesto indicando que ele a acompanhasse, o que Merlin fez sem hesitar.

Nunca andar por aquele hospital foi pior. Tudo parecia exageradamente grande e distante. Após um longo tempo eles pararam em frente a uma porta, idêntica a todas as outras, marcada com o número 210. O coração de Merlin martelava no peito e era quase impossível manter a ansiedade dentro dele. Jenny lançou um olhar encorajador a ele e abriu a porta lentamente. Merlin se atravessou na frente dela impaciente e sentiu repentinamente como se todo o ar tivesse sido sugado de dentro dele.

Uma pessoa, usando as características roupas esquisitas dos pacientes, estava sentada no parapeito da janela, observando o exterior do hospital. Podia ser qualquer um, mas Merlin sabia que era Arthur ali. O reconheceria em qualquer lugar; se ele estivesse perdido em uma multidão de milhões de pessoas, Merlin o encontraria. A figura de Arthur não só lhe era reconhecível em qualquer lugar do mundo, ela estava estampada dentro do coração e da mente de Merlin; o corpo dele lhe era tão familiar quanto o seu.

— É ele? — Jenny perguntou numa voz muito baixa, que apenas Merlin ouviu. Ele apenas aquiesceu em silêncio, incapaz de dizer qualquer palavra. — Eu vou deixa-los a sós, então. Merlin, se você precisar de qualquer coisa...

— Eu vou ficar bem, Jenny. Obrigado — ele conseguiu falar, de alguma forma. Ela sorriu gentilmente e deixou o quarto, fechando a porta em seguida.

Arthur continuava estático sentado na janela. Parecia estar alheio ao que acabara de acontecer. Merlin compreendia, porém; ele acabara de aparecer em um mundo completamente diferente do que aquele que conhecia. Ao invés de cavalos, as pessoas usavam estranhas máquinas que faziam barulho e existiam estranhas casas que tocavam o céu.

Aproximou-se da janela com passos silenciosos. O quarto era largo, mais largo do que em outros hospitais da região.

— Arthur? — ele chamou tão baixo que esperou que não fosse ter resposta. Porém, diante de uma voz familiar, provavelmente a única desde quando saíra do Lago, Arthur virou-se imediatamente. A expressão no rosto dele quando viu Merlin era indescritível. Era um misto de tristeza, confusão, felicidade, paz e medo. Seu rosto tinha características marcas de lágrimas e seus olhos estavam vermelhos. Ele provavelmente estivera assustado, e Merlin não o culpava.

— Merlin, é você? — ele perguntou com cautela. O feiticeiro sorriu como não sorria há eras, quando ouviu a voz dele. Parecia que era a coisa mais bela que já ouvira em toda a sua vida. — Não, não precisa falar. Eu sei que é você.

Se possível, o sorriso de Merlin aumentou ainda mais. Repentinamente, toda a ansiedade que sentira no caminho, toda a tristeza de anos e anos procurando em vão por ele desapareceu, sendo substituída por uma paz que dominava todo o seu ser.

Arthur, pelo contrário, não parecia tão feliz; apesar de estar alegre por ter Merlin de volta, o que era visível no seu olhar, ele parecia extremamente confuso. O sorriso que tinha no rosto desapareceu assim que percebeu a vestimenta de Merlin, tão incomum daquilo que ele conhecia.

— Merlin, o que está acontecendo? Quem são essas pessoas? Onde nós estamos? — ele perguntou numa voz trêmula e assustada que Merlin jamais tinha ouvido, o que partiu seu coração. Se estivera se contendo todo aquele tempo, todo a hesitação que sentia sumiu e ele se aproximou de Arthur e o puxou para perto de si, envolvendo-o em um abraço.

Arthur parecia confuso no começo, seu corpo tenso nos braços de Merlin. Aos poucos foi relaxando e acabou por também passar os braços em volta do corpo do feiticeiro, numa forma desesperada, como se quisesse garantir que ele não o deixasse mais uma vez. Ele afundara o rosto na curva do pescoço de Merlin, e este podia sentir as lágrimas escorrendo novamente pelo rosto de Arthur, que molhavam o seu moletom.

Merlin acariciava os macios cabelos loiros do outro, tentando consolá-lo. O segurava também com força, toda a saudade que sentira por todo aquele tempo se esvaindo aos poucos, enquanto sentia o corpo de Arthur pressionado contra o seu.

Podia sentir a respiração pesada dele contra o seu ombro, o calor de sua pele, aquele calor que o mantivera vivo por tanto tempo. Seu coração batia tão forte que ele tinha certeza que Arthur podia ouvir suas batidas através do moletom. Sentiu sua garganta apertar e logo lágrimas também lhe escorriam dos olhos. Mas dessa vez eram lágrimas de felicidade, felicidade por encontrar alguém amado que há tanto tempo estava fora de seu alcance. Inconscientemente, depositou um beijo na testa de Arthur.

Quando este parecia finalmente aliviado, afastou-se de Merlin apenas o suficiente para poder olhá-lo. Nenhum dos dois parecia disposto a soltar o outro. Era como se ambos estivessem vivendo um sonho, e estavam se segurando nele o mais forte que podiam, com medo de acordarem se não o fizessem.

— Merlin... — Arthur começou, mas o feiticeiro o interrompeu.

— Shh — ele disse com um sorriso confiante, e secou as últimas lágrimas que escorriam do rosto de Arthur. — Está tudo bem agora. Estamos aqui, não estamos? É real, Arthur. Você não precisa se preocupar. É real.

— Mas eu morri, Merlin. Como qualquer coisa dessas pode ser real?

— Sim, você morreu, mas voltou à vida. Como deveria ser. Você é a alma de Albion, Arthur, e está aqui para dar continuidade ao que um dia construiu, há muito tempo atrás.

— Mas... Se tanto tempo se passou, como você...

— Arthur, você se lembra do dia que morreu? — Foi com muita relutância que Merlin disse aquilo. Odiava lembrar aquele dia.

— Cada segundo.

— Eu disse que minha vida era te servir. Nada mudou desde então. Minha alma pertence a você, Arthur, e não há tempo suficiente que possa mudar isso.

Finalmente, Arthur pareceu se acalmar. Ele olhava intensamente dentro dos olhos de Merlin, sem dizer uma só palavra; não era como se precisassem delas. Todas as palavras que precisavam dizer eram ditas ali, naquele olhar silencioso que compartilhavam.

Uma das mãos de Arthur, que segurava o braço de Merlin, subiu para o seu pescoço, o que lhe causou arrepios por todo o seu corpo. Ele não sabia o que estava acontecendo, mas imaginou o que talvez fosse acontecer em seguida, e apenas fechou os olhos. A próxima sensação que teve foi a dos lábios de Arthur sobre os seus, causando sensações que Merlin jamais conseguiria explicar.

Era como se o mundo estivesse se dissolvendo ao redor de si, e apenas ele e Arthur existiam. Suas mãos estavam ligeiramente trêmulas quando ele desceu suas mãos para a cintura de Arthur e o puxou para mais perto de si, como se estivesse tentando cortar qualquer tipo de distância que ainda pudesse existir entre eles.

Era incrível como seus lábios se encaixavam perfeitamente, como o corpo de um parecia ter sido feito apenas para o outro. Era incrível como eles pareciam não estar apenas compartilhando um beijo, mas junto com ele suas almas era compartilhadas. Era incrível como eles simplesmente pertenciam um ao outro sem, muitas vezes, nem sequer saberem disso. Era incrível como eles se amavam profunda e inteiramente, e era também incrível como aquilo se perpetuara por séculos e perpetuaria por muitos séculos mais. Mas o mais incrível de tudo era como eles conseguiam dizer “eu te amo”, sem dizer nada.

— Merlin... — Arthur começou, quando finalmente se separaram, mas mais uma vez foi interrompido pelo outro.

— Sh. Não diga nada. Pois as melhores coisas que dizemos, são ditas no silêncio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que gostem!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "In Silence" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.