Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 64
Livro 2 :: Dualidade - Ato 20


Notas iniciais do capítulo

Nota importante: As falas de Saga ganharão uma formatação especial. Quando estiver em Itálico simples, serão falas do Saga, mas quando em Itálico Negrito, será a segunda voz. A ideia é causar, exatamente, certa confusão, a Dualidade proposta nesse ciclo. As falas do Camus tem erros propositais de modo a emular sotaque, como palavras com fonética R sendo bem acentuadas.
A conversa entre Aiolos com Saga para ser Grande Mestre acontece no capítulo 48 (Dualidade, Ato 8)



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A noite que antecedia a viagem para Atenas talvez tenha sido a mais bela que Selene já tivesse visto. Muitas estrelas brilhavam no céu negro e a lua prateada parecia sorrir para todos.

“Ártemis deve estar muito feliz em seu Santuário...”, imaginou a Amazona, enquanto trançava o cabelo recém-penteado. Estava sentada próxima à janela, relaxando enquanto sentia o perfume das rosas ali deixadas por Afrodite. Pensar no jovem a fez suspirar com um pesar.

Após o incidente na arena, Aiolos ordenou que os dois ficassem restritos aos alojamentos por todo o resto do dia. Mas ao pôr-do-sol, foram levados até as antigas torres, que atualmente funcionavam como prisões para desertores a espera de punição e transgressores repensarem suas atitudes.

As leis do Santuário eram claras quanto a questão da indisciplina, indo da suspensão das atividades, à clausura. A tortura há muito havia sido abolida de suas páginas. Já para aqueles que viravam as costas para a deusa e seus treinamentos, apenas a morte os aguardava.

Era de conhecimento geral que aquelas celas eram especiais, providas de algum material ou selo capaz de inibir completamente a manifestação do cosmo dentro ou fora de suas paredes. Desse modo, era praticamente impossível para um prisioneiro fugir.

Uma estadia de três dias e duas noites aqui deve ser o suficiente para fazer vocês dois refletirem um pouco sobre o que fizeram lá na arena! — disse Aiolos, surpreendendo a todos com sua seriedade. —  Espero que tenham aprendido a não realizarem mais esses treinamentos com veneno sem autorização e sem supervisão. —, completou, ordenando aos guardas que trancassem as grades.

Mesmo Camus terminou sendo punido por sua conivência com aquilo. Estava suspenso dos treinamentos nas arenas e seu acesso à biblioteca principal fora vetado por três dias. Algo bem mais brando, se comparado com os outros dois rapazes.

Selene suspirou profundamente, repassando aquela tarde. Mesmo que quisesse, não tinha como interceder por eles. Sua travessura inconsequente poderia ter custado duas vidas, se algo desse errado. Ela se levantou e guardou sua escova junto ao espelho de prata polida, olhando para seu reflexo por alguns minutos. O dia seguinte seria cheio e repetiu isso para si até finalmente ir se deitar.

Uma vez na cama, agradeceu aos deuses por se sentir sonolenta tão rápido, após tantos dias de sonhos ruins.

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As Saintias chegaram pouco antes do amanhecer de modo a guiar as Amazonas para Atenas. Foram recebidos pelos dois únicos Cavaleiros de Ouro no Santuário que as acompanharam até à Sala do Grande Mestre e receber as duas jovens cedidas. Somente após as formalidades seguiram a viagem com destino à capital.

Telepaticamente Saga recebeu mensagem de Selene, sorrindo contidamente ainda que Aiolos percebesse o pesar do amigo, este dando às costas seguindo em direção ao Monte Zodiacal.

— Bom, dentro de duas semanas elas retornarão para darem início à Panatenaia. Tão logo não seremos mais os únicos Cavaleiros de Ouro por aqui. — comentou Aiolos recolhendo as asas da armadura e liberando o manto até então guardado.

— Adora se exibir com isso, não é? — comentou o Geminiano disfarçando o leve mau-humor.

— Fala isso porque sua armadura não tem asas que te prendem a cada porta. Tem seu charme, mas... — olha por cima dos ombros. — É mais prático.

— Eu realmente espero que novos Cavaleiros venham nesse torneio. — suspirou Saga, recostando numa das pilastras no pátio que levava ao terceiro templo. — Sinto o semblante do Grande Mestre muito pesado nos últimos dias. Nem bem tem saído de seu templo para ir a Rodório como antes.

— Ele tem estado muito cansado, segundo o próprio Arles. — comentou Aiolos baixando o olhar, se voltando para o amigo. — Creio que não vá demorar ele indicar seu sucessor. Talvez depois dos torneios e quando outros Cavaleiros forem nomeados. Quem sabe assim ele não renuncie ao Patriarcado?

— Talvez, mas não acho que ele venha abdicar de sua posição. — respondeu Saga fitando o amigo. — Ainda há muito ser feito no Santuário. Se minhas contas estiverem certas, ainda há alguns anos até Hades desperte de seu sono. O selo ainda é forte, você mesmo disse.

— Sim. Eu visitei os Cinco Picos Antigos, em Rozan. Conheci o lendário Cavaleiro de Libra que lutou ao lado do Grande Mestre na última Guerra Santa. — o sagitariano respirou fundo, sorrindo. — Saga, a presença dele é única! Já li em documentos antigos de Cavaleiros agraciados pelo Ikhor de Athena, da capacidade de transcender o tempo, mas ele...

— Gostaria de tê-lo conhecido, mas é dito que não pode deixar os Cinco Picos, somente em razão extraordinária. — comentou o Geminiano com certa admiração. — Ao longo de todo esse tempo, ele jamais voltou ao Santuário. Imagine quão triste deve ser dois velhos amigos, os únicos a sobreviverem, serem destinados a cumprir missão de tamanha importância.

— Bom, quem sabe não seja esse seu destino? — dizia Aiolos tocando o ombro do amigo, vendo-o respirar fundo. — O quê? Falo sério quando digo que um dia será o Grande Mestre desse Santuário.

— Digamos que eu aceite. — E o Geminiano cruza os braços. — Qual seria seu papel em tudo isso? Assumir o posto que hoje é ocupado pelo velho cavaleiro de Libra?

Aiolos abriu a boca para falar, rindo daquilo em seguida.

— Antes de responder, falta algo muito importante para continuarmos essa nossa conversa.

Saga compreendeu bem aonde ele queria chegar e riu, acompanhando-o até ao templo onde trabalhavam com os assuntos mais burocráticos do Santuário. Removeram parte de suas indumentárias e serviram-se de um bom e velho vinho tinto produzido em Rodório. Era um ritual de ambos que há muito não compartilhavam e estava sendo cobrado ainda naquelas primeiras horas da manhã.

— Enfim, respondendo à sua pergunta... não sei. — disse Aiolos rindo em seguida e respondendo a Saga quanto seu papel naquele cenário. — Jamais imaginei um dia ser quem sou agora. Cheguei aqui com Aiolia e apenas pensei em protegê-lo desde a perda de nossos pais. Nunca pensei além disso.

— E por isso joga para mim a responsabilidade de assumir tudo isso? — disse Saga abrindo os braços como se mostrasse todo o Santuário.

— Você tem um forte espírito de liderança, Saga. Isso é inegável! Os aspirantes respeitam sua presença...

— Assim como também respeitam a sua, Aiolos. — interrompeu Saga fitando o amigo.

— Sim, mas você consegue manter uma posição mais fria comparado a mim. — e riu em seguida.

— Você foi bastante incisivo com Afrodite e com Milo na penalidade dos dois. — pontuou Saga enquanto sorvia de seu vinho.

— Não foi uma decisão lógica, mas pela raiva do momento que precisei me conter antes de decidir o que fazer com eles. — Aiolos suspirou, olhando para a caneca de vinho. — E para alguém como Grande Mestre nenhuma decisão deve ser tomada no calor da emoção, precisa ser racional. — e ele ri daquilo. — E eu me deixo levar pelas emoções... Diferente de você.

Saga apenas fica a observá-lo, alternando para sua caneca de vinho pela metade e suspirando. Manteve-se calado por longos instantes antes de se levantar, deixando a bebida sobre a mesa e passando a mão no rosto, pensativo. Aiolos apenas o observava, percebendo o conflito da qual o amigo estava lutando.

— Essa hesitação sua tem a ver com Selene? — indagou ele, vendo o Geminiano parar de costas para ele. — Olha... — respira fundo. — Eu já percebi que há um sentimento muito forte entre vocês dois. Vi o quanto ela ficou preocupada com você quando partiu em missão por algo que aconteceu, não sei... E da maneira que a olha, Saga. É por isso que está se negando a aceitar esse destino para você?

— Você fala como se fosse uma certeza, Aiolos. — Saga se voltou para o amigo. — Tão logo não seremos os únicos Cavaleiros de Ouro a guardar esses doze templos e qualquer um deles poderá assumir àquela posição... — apontou para o alto como que indicando o Templo do Grande Mestre. — ... acima de todos os 88 Cavaleiros... — e ri daquilo. — ... da qual metade das armaduras ou além nem bem sabemos onde se encontram. Poucas foram recuperadas em mais de 200 anos desde a última Guerra Santa!

— Não tenho a certeza de que será você o escolhido, Saga... — Aiolos se levantava, caminhando até ele. — ... mas uma coisa é certa: eu estarei ao seu lado. Posso ser seu Conselheiro, tal como Mestre Arles.

— Eu como Grande Mestre... — apontou o Geminiano para si mesmo. — ... liderando os 88 Cavaleiros...?

— E eu como o Conselheiro do Patriarca do Santuário de Athena! — sorriu orgulhoso, retomando a garrafa de vinho e enchendo novamente as canecas e entregando ao amigo. — Por que não? Não há escolha melhor, meu amigo. Juramos, juntos defender esse mundo e lutaremos, lado a lado, e triunfaremos!

— Você realmente está me superestimando, Aiolos... — e brinda com o amigo.

— Porque sei que aqui... — o sagitariano tocou no peito do amigo. — Há um bom coração. Um coração puro! — sorriu. — Selene é uma mulher de muita sorte.

Saga nada diz, senão brindar novamente e sorverem um longo gole. Riram daquilo tudo, com o Geminiano pensativo.


───────.∰.───────

Uma onda de ansiedade tomava conta dos aspirantes para os torneios que se aproximavam, reforçando em seus treinamentos que se iniciavam antes do amanhecer e seguiam até pouco depois do anoitecer. Eram dias se tornando mais longos e exaustivos, exigindo mais de cada um a cada dia que se aproximava para aqueles que buscavam alcançar a sua maior glória — tornar-se um dos lendários Cavaleiros a servir à deusa Athena.

Kanon assistia a tudo bem distante acolhido entre os galhos das árvores ou mesmo nas torres mais altas dos edifícios que cercavam o anfiteatro em que tantas vezes treinou com seu irmão e outros aspirantes. Sorria ao lembrar de quantos se recusavam a desafiá-lo e daqueles que foram derrotados. Agora, tudo ficou no passado.

A última vez que pisou naquela arena era para o grande dia que ansiava, tanto quanto os aspirantes que assistiu esgotar-se sob o sol escaldante daquele dia, para conquistar sua posição na fileira dos Cavaleiros.

No entanto, uma ação favoreceu ao seu irmão tornando-o o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos. “Enquanto eu sou apenas uma sombra esquecida dele!”, pensou, referindo-se ao irmão com desprezo e desagrado, fazendo-o se voltar para o Monte Zodiacal e vendo-o junto a Aiolos, outro com quem havia treinado algumas poucas vezes.

Acompanhou-os até um prédio nas proximidades da arena, acolhendo-se entre os arbustos ao fundo do prédio, tomando cuidado para não cair numa ribanceira próxima que dava para um córrego com uma pequena queda d’água. Gostava de ficar naquele local porque abafava qualquer som dele sobre as folhas das árvores próximas dali ou mesmo de soldados que sempre transitavam pelos corredores próximos.

De onde estava, conseguia ouvir muito da conversação dos dois, até ouvir sobre o irmão vir assumir a posição do Grande Mestre, incentivado por Aiolos. Tamanha surpresa e curiosidade que tentou uma maior aproximação, quebrando um galho e temeu ser descoberto, mas ambos pareciam entretidos demais para perceber qualquer coisa.

“Saga... como Grande Mestre...?”, pensou Kanon piscando aturdido, rindo contidamente daquela possibilidade até lembrar-se das palavras de Selene sobre, um dia, ele vir se tornar um Cavaleiro de Gêmeos. Estaria ela a saber de algo e por isso dizer-lhe aquilo?

Respirou fundo e estava se preparando para sair quando ouviu a indagação de Aiolos sobre a hesitação do Geminiano envolver a Amazona, fazendo o gêmeo mais novo cerrar os punhos e olhar em direção da janela. Não ouviu o irmão responder, somente esquivar-se. No entanto, era perceptível em seu tom e já havia visto os dois juntos. Lembrar aquilo, o irritava profundamente, deixando aquele lugar.

Após àquela conversação, Kanon seguiu para um antigo espaço onde tantas vezes treinou com o irmão e Selene, desferindo golpes contra uma parede rochosa. A cada golpe, mais força. Naquele instante, lembranças das palavras de seu último encontro com Saga ecoavam em sua mente.

“Essa armadura de ouro escolheu a mim e não a um fraco como você”, soou claramente como se alguém o sussurrasse em seu ouvido, fazendo-o concentrar mais força em seu punho.

“Sempre parasitou às minhas custas”, ecoou novamente, fazendo Kanon respirar fundo e pesado, fechando a mão com tamanha força que fez seus ossos estalarem antes de seu punho se chocar contra a pedra.

“Um vadio tem mais honra que um covarde...”, que mentalmente, sem perceber, o caçula completou como sendo a ele a quem o irmão se referia, deixando seus olhos faiscarem após ascender seu Cosmo inconscientemente. Os punhos sangravam a cada golpe cada vez mais violento contra a parede.

“Reze para Athena... acredito que nem mesmo ela teria piedade de uma alma tão infeliz...”, e fechou os olhos, gerando mais concentração de sua energia. Esta encaminhou-se para o punho. “... ou mesmo medíocre como a sua!”, e se viu empurrado pelo irmão, no mesmo instante que seu punho cruzou o corpo imaginário do mais velho e golpeando a parede de tal forma que a fez explodir em pedaços, criando uma cratera.

Kanon arfava, transpirava. Percebeu as mãos sujas de sangue e caiu ajoelhado enquanto fechava a mesma.

“EU NÃO ESTAVA SALVANDO O SAGA, ESTAVA SALVANDO VOCÊ!”, gritou Selene quando a reencontrou após seu desaparecimento de semanas após ser teleportado por ela. Era a ele quem agora gritava meio àquela clareira, enraivecido, jogando o corpo para frente, com a testa no chão, a mão sobre o punhado de pedras. Levantou-se devagar, com algumas delas em mão e as esmagou, vendo-as se tornar poeiras levadas ao vento.

— E-Eu... odeio você... Saga...— dizia com a voz trêmula, com olhos embargados. — Odeio você... Selene... Odeio vocês dois... ODEIO!

E ouviu-se burburinhos, passos sobre as folhas secas e cascalhos. Eram dois soldados patrulhando as redondezas e se surpreendendo com o estrago na parede de pedra e cascalhos espalhados próximo ao chão, além do pouco de sangue que havia ali.

— Que diabos aconteceu aqui? — indagou um dos guardas.

— Algum aspirante qualquer deveria treinando aqui. — disse outro com descaso. — Estão todos se matando por conta dos torneios. Tsc!

E chutaram algumas pedras, voltando para a estrada mais abaixo sem encontrarem vestígio de Kanon que havia desaparecido usando a Outra Dimensão.

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Com cair da noite, o Santuário mergulhava no silêncio após um longo e exaustivo dia de treinos e calor sufocante que seria apenas amenizado ao anoitecer. Uma chuva suave, embora tenha durado pouco mais de duas horas, ajudou a dissipar o ar quente que havia se instalado por todo aquele dia. Ainda que alguns aspirantes tenham sofrido desidratação ou mesmo desmaios em seus treinamentos, não foi suficiente para desanimar outros.

Kanon esgueirou-se por entre corredores e templos. Atravessar as Casas Zodiacais naquele momento não seria um grande problema uma vez que não tinham seus guardiões, além de conhecer bem os caminhos de modo de contorná-los. Solon, seu mestre, por diversas vezes alertou a ele e seu irmão que as Casas Zodiacais, ainda que não tivessem seus devidos cavaleiros, guardavam defesas. Portanto, todo cuidado era pouco, sobretudo de acalmar seu Cosmo, ou mesmo sua aura, que estava bem agressiva, e isso acabar despertando a proteção das Casas.

Quando chegou ao pátio de Gêmeos, ainda sob a chuva bem fina, ficou a observá-la por longos instantes e depois para os templos abaixo e acima. Riu da hipótese de, um dia, se tornar cavaleiro, e quando um leve vento soprou sobre ele foi como ouvir alguém dizer como assumir aquele manto, fazendo-o estremecer e abrigar-se logo no terceiro templo.

“Por que diabos vim aqui? Nem deveria estar aqui para começar. Ah, sim, claro. Conversar com seu irmão ‘perfeito’ acreditando que ele vá se desculpar”, pensava Kanon encolhendo-se com frio, com as roupas molhadas e faminto. Conforme caminhava, ouvia seus passos ecoando abafados pelo templo entregue à penumbra da noite e mais fria do que costumava se lembrar.

Paralisou quando ouviu passos metálicos se aproximando, ecoando mais firmes e mais pesados. Escondeu-se por trás de algumas pilastras e aguardou por Saga, a quem o surpreenderia com sua presença. No entanto, a maneira como estava, com as vestes rasgadas e sujas, apenas daria razão às palavras da última vez que conversaram.

“Mas veja só quanta ‘bondade’ do seu ‘amigo’ em dizer que você seria um bom Grande Mestre... Quanta ‘confiança’ ele tem em você, não é mesmo?”

— Por que não me deixa em paz...? POR QUÊ?! — exclamou Saga, caminhando de um lado para o outro. Levava a mão a cabeça, sem necessariamente tocá-lo, fechando os punhos e descendo os braços. — O que você quer de mim?

Kanon franziu o cenho ao ouvir o irmão. Era tarde demais para os padrões do Santuário e todos já deveriam estar descansando. No entanto, o tom agressivo do irmão denotava discutir com alguém a quem o gêmeo mais novo não conseguia ver já que se mantinha cauteloso enquanto encoberto nas sombras do templo.

“Eu? Por que não pergunta ao seu ‘amigo’ o que é que ele quer? Além da sua mulher, claro... Muito embora me pareça que ela não esteja assim tão... como dizer...? Discordante dele...”

Saga riu daquilo, levando a mão altura da boca. Ouvia aquilo ecoando em sua mente, percebendo o seu tom de sarcasmo, a ironia, a escolha de palavras.

— Aiolos é meu amigo. Um grande amigo que tenho como irmão. — respondeu sem hesitar. — Eu o tenho como um irmão!

Kanon ouviu aquilo, sentindo um aperto no peito e baixando o olhar por um instante. Recolheu-se novamente atrás da pilastra e para a saída de Gêmeos. A chuva novamente aumentara sua intensidade e relâmpagos clareava o céu.

— Está querendo que duvide dele... — e o Geminiano riu. — ... mas não vai conseguir. Confio nele e sei que Selene me ama! — respondeu com convicção.

“Com quem Saga está falando?”, perguntou-se Kanon olhando para o outro da pilastra onde observava Saga, não vendo ninguém senão o próprio irmão com sua voz ecoando solitária pelo templo. Não era a primeira vez que assistia aquela cena, mas desta vez parecia agressivo, realmente a falar com uma segunda pessoa.

“Você pode amá-lo como a um irmão, mas será que ele o tem na mesma conta? Ama-o tanto quanto aquele que nasceu do mesmo ventre que você? E aquela mulher? Como pode ter certeza de que é devota a você? Apenas a você...”

— O que espera com esses joguinhos? — indagou Saga ganhando um passo à frente visando encará-lo. Era perceptível o sorriso em seus lábios e aquele olhar de cinismo sobre ele, a expressão de prazer em provocá-lo. Aquilo era realmente irritante! — Eu a conheço. Eu a sinto. E-EU SEI... QUE ELA ME AMA! — respondeu aumentando seu tom, mas vacilando naquelas últimas palavras. — Ele... Aiolos... apenas a admira... tanto quanto eu a admiro.

“Oh! Sabe mesmo? E por que a hesitação? Vamos, você não é um tolo, eu sei que percebeu, assim como eu... Aqueles dois... Você não é o único daquela mulher...”

Saga riu, mas era perceptível o quanto aquilo estava mexendo com ele, inquieto, andando de um lado para o outro como uma fera enjaulada e com olhar sobre aquele que o irritava.

Kanon não compreendia o que acontecia ali, buscando a todo instante alguém que se revelasse. “Seria um diálogo psíquico? Para quem Saga olha tão enraivecido, dirigindo palavras tão duras?”, indagava-se Kanon desnorteado.

— Diga-me quem você é.... — Saga fechava os olhos, buscando controlar-se, mas a maneira como estava a abrir e fechar as mãos denotava sua impaciência. — ... do porquê me escolher... Covarde! Por que se esconde?!

“Esconder? Mas eu não estou escondido, rapaz... É inteligente o bastante para saber disso... Ou eu estou enganado?”

— Não... Eu não estou ficando louco... Não...! — repetia-se Saga ouvindo-o, quase como se sussurrasse a ele com uma malícia perturbadora.  — Você... Quem é você... E o que quer comigo, maldito...?!

Kanon já nem mais fazia questão de se esconder atrás das colunas, mas ainda se acolhia nas sombras do templo. Buscava se aproximar de onde estava o irmão, tentando ver a quem Saga falava.

Num clarão de raio, recolheu-se a uma das pilastras do lado contrário onde inicialmente se escondeu, e dali, já alguns metros mais próximos, podia ver a quem o seu gêmeo mais velho parecia implorar. No entanto, para espanto de Kanon, apenas viu a própria sombra do irmão refletida na parede.

“O quê...?!”, surpreendeu-se Kanon piscando aturdido. Ainda assim, havia algo perturbador naquilo da qual fez o caçula arrepiar-se, mas não sentia frio. “O que é isso? Que presença sinistra é essa próxima de Saga?!”, questionou-se, recuando alguns passos.

“Parece que temos uma visita... Ou seria um intrometido?”

Saga levantou a cabeça e girou seu corpo naquele momento, levantando apenas uma das pernas para ajudar na mobilidade, mantendo a outra ainda ajoelhada, se voltando para direção de Kanon que o olhava assustado.

— O que faz aqui, Kanon? — indagou o mais velho se levantando, vagarosamente, sem tirar os olhos do seu gêmeo mais novo.

Kanon tentou balbuciar, mas algo parecia impedi-lo disso e ele mesmo não compreendia o porquê daquilo. Por alguma razão sentia-se intimidado, alternando seus olhos do irmão para sua sombra que se encolhia cada vez que o via se aproximar dele.

— E-Eu... Eu vim con... conversar... — gaguejou, engolindo a seco. — Sa-Saga... o que está havendo? Você... Você está diferente... O que... O que é isso que sinto emanando de você...?

“Oh, o seu irmão? Aquele mesmo que te culpou por ter roubado a armadura que ele ACHAVA que tinha o direito de vestir? O garotinho mimado no corpo de um homem, que acha que irá conseguir tudo o que quer sem se esforçar? O que será que ele veio mendigar aqui? Será que irá pedir para usar sua veste sagrada pelo menos uma vez? Veio parasitar os frutos de seu sangue e suor?”

— Vai embora! — interferiu Saga ao irmão, sendo bem incisivo em suas palavras. Esticou o braço com certa dificuldade em direção à saída de Gêmeos. — Saia já daqui, Kanon! —  e fechava os olhos com força na tentativa de calar aquela maldita voz.

— O quê...? — O mais novo olhou para a saída, e voltou-se para o irmão. — Não! — respondeu meneando negativamente. — Não vou sair até que coloquemos um ponto final nessa história.

"Kanon...", pensava o Dourado fechava os punhos. Em sua mente, o Geminiano ouvia uma risada baixa que crescia até tomar todo e qualquer pensamento que pudesse ter. Ensurdecedora, insana e contagiosa. Levou as mãos à cabeça e gritou o mais alto que conseguiu, na vã esperança de que a sua voz pudesse abafar aquela outra.

Kanon respirava ofegante sem compreender o que estava acontecendo ao irmão. Pela primeira vez sentia um misto de medo e aflição ao vê-lo encolher-se, gritando não necessariamente de dor, mas de uma agonia que ele parecia compartilhar naquele instante. Num impulso, foi de encontro ao irmão, acolhendo-o, buscando acalmá-lo, sentindo a sua respiração falha enquanto o mesmo ainda tentava afastá-lo.

— Não! Não posso deixá-lo assim, Saga. Eu preciso saber o que... — e se calou, tocando em seus cabelos e vendo-os reluzir. — O que é isso? O que está acontecend... — e sentiu o sangue vir à boca juntamente com um impacto na altura do estômago, fazendo-o se desvencilhar do irmão, sair cambaleante.

Kanon precisou apoiar-se na pilastra mais próxima para que não caísse, regurgitando o sangue preso à garganta. Estava pronto para se voltar para Saga quando, mais uma vez, surpreendia-se com aquela sua presença ainda mais intimidadora. Seus cabelos estavam entre o negro e o castanho, enquanto seus olhos ganhavam um tom vermelho como chamas.

— INSOLENTE! COMO OUSA ME TOCAR COM ESSAS MÃOS IMPURAS! — A voz do mais velho trovejou no salão, áspera como Kanon nunca tinha escutado antes. — COLOQUE-SE EM SEU LUGAR... — e abriu um sorriso de canto e levantando a cabeça, com um olhar irônico. — ... ou ajoelhe-se diante de mim, e então eu pensarei se devo poupar essa sua vida imprestável.

— Quem é você? O que fez ao meu irmão? — questionou Kanon perplexo com aquilo.

— Deveria preocupar-se com você, gêmeo! — e levantou seu punho, esticando em direção ao gêmeo.

Naquele instante, Kanon nada fez senão ser engolido por uma forte luz que o cegou.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo pensei postar há uma semana, mas coincidiria com ~Sob o Sangue do escorpião, da minha beta Draconnasti, e ~Lembranças de Outono, um original meu que não tem haver com Saint Seiya. Portanto, excepcionalmente hoje estou postando hoje e, de certo, todo dia 20 um novo capítulo de ~Memórias para seu encerramento até o fim desse ano. Claro que poderei vir jogar dois capítulos no mesmo mês, mas inicialmente será sempre dia 20.

Agradeço aos comentários, favoritos e acompanhamentos e paciência de vocês nesses cinco anos. ♥



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