Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 53
Livro 2 :: Dualidade - Ato 12


Notas iniciais do capítulo

O Júbilo de Athena se aproxima. Selene pressente o perigo, enquanto que Afrodite ganha coragem e revela mais sobre ele. O que esperar do futuro?



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Ela girava uma rosa entre seus dedos, pensando no quão perfeita era aquela flor com suas pétalas num vermelho vivo e de aparência tão sedosa ao leve toque. Imbuído com um perfume incomum, mais forte que de muitas outras que tivera em mãos, ajudava­a relaxar, inclusive, da tensão que estava a sentir naqueles últimos dias desde que fora ao Santuário entregar seu relatório ao Grande Mestre. No entanto, uma passagem antes em Gêmeos a deixara preocupada.

Aquele pulsar violento que sentiu em seu Cosmo naquela noite a deixara inquieta o bastante para interferir em seu sono. Não encontrava explicações para dizer o que foi aquilo que sentiu, somente de que foi como um golpe violento em seu peito e a deixando com falta de ar, somada à aflição e seguida de uma melancolia profunda não foi influenciada pela confissão do jovem adormecido ao seu lado, mas como se compartilhada com alguém.

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— E­Ele... viajou...? — indagou Selene a Aiolos que estava a trabalhar em sua sala, vendo-o confirmar com um aceno e deixando-a momentaneamente perdida.

A Amazona esperou o amanhecer para seguir ao Santuário já com um objetivo, mas após aquela terrível sensação na noite anterior, havia agora outro intento e esperava ser apenas uma mera cisma sua, por mais que soubesse que aquilo não seria algo ao acaso. Na subida pelas Casas Zodiacais, uma rápida passagem em Áries, onde cumprimentou rapidamente Mu, atravessando uma Touro ainda vazia, demorando­-se em Gêmeos.

Tão logo chegou ao terceiro templo percebeu uma atmosfera pesada pairando sobre o lugar, quase a sufocando, igualmente a sensação na última noite. Atravessou o templo com uma forte angústia apertando seu peito, buscando se recompor para quando se apresentaria ao Grande Mestre. Na volta, arriscou-­se ir aos aposentos de Saga, encontrando um cenário perturbador.

— E estava tudo bem com o Saga...? — perguntou Selene, já se arrependendo por aquilo.

— Sim, apenas impaciente com o atraso de alguns Prata que o acompanhariam. — respondeu Aiolos sentindo um tom preocupado, fazendo-o se virar para a Prata. — Por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa?

O Sagitariano percebia certa inquietude por parte da Amazona. Não podia ver seus olhos ou mesmo sua expressão por conta da máscara, mas sua leitura corporal mostrava que ela estava aflita com algo. Realmente, Selene estava aflita demais com o que viu.

Ao retornar do Templo do Patriarca e seguir aos aposentos do Geminiano, encontrou um cenário caótico que a fez ficar estática, surpresa. Na parede, a mancha do vinho como se algo tivesse explodido, encontrando os cacos de uma garrafa no chão. A mesa ao lado da cama estava virada e o cesto no chão, com frutas espalhadas com algumas pisoteadas. O espelho estava quebrado, como se alguém tivesse deferido um golpe como os próprios punhos.

— N-Não. Não é nada. — mentiu ela, embora Aiolos pudesse notar, que ela se mostrava nervosa com algo. — Apenas porque não o vi ainda, nem em Gêmeos ou aqui, disse que ele partiu em missão...

— Ah, foi uma missão de última hora. Uma missão diplomática. — dizia o cavaleiro a observando de modo curioso. — O Grande Mestre pediu para que Saga visitasse alguns templos da deusa e posicionar os Prata para o Júbilo de Athena. — e sorriu para ela, organizando a mesa. — Quanto a isso, Saga sabe ser bem mais diplomático. Preferi ficar para organizar os torneios durante a Panatenaia.

— Então, os torneios serão adiados para a Panatenaia...? — indagou ela, vendo Aiolos concordar com leve aceno de cabeça. — Será dentro de um mês, quase... — e levou a mão à altura dos lábios, sobre a máscara, abstendo um pouco daquela preocupação. — Será que ele poderia ser parte desse torneio até lá?

— Fala do garoto de Halfeti? — e foi a vez de Selene assentir respondendo com um ‘Sim’. — Bom, isso dependerá do quão preparado ele está. Além do mais, ele precisa ser apresentado ao Grande Mestre.

— Na verdade, venho agora do Templo do Patriarca falar exatamente do progresso dele. — respondeu ela, parecendo mais centrada de quando chegou ali. — Ele não é um simples aprendiz, Aiolos, muito pelo contrário. Ele tem o Cosmo não somente desperto como é ciente disso. — e suspirou, mantendo a atenção do Cavaleiro, intrigado, para ela. — Creio que ele seja plenamente capaz de disputar um torneio e sagrar-se como Cavaleiro com todos os outros... e conseguir.

A reação de Aiolos foi de franzir o cenho enquanto fitava a Amazona com uma curiosidade ainda maior e cruzando os braços sobre o peito.

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“Ele é forte, está bem seguro de si. Não é o garoto fechado que chegou ao Santuário, calado...”, pensava Selene ao observar o garoto mais adiante, agachado próximo às ruínas onde trepadeiras tomavam sua base com uma rede de rosas.

Parecia tranquilo, em paz, simplesmente livre de todo e qualquer grilhão que o aprisionava antes. Era o menor de suas preocupações naquele momento e estava certa de que, caso fosse permitido seu ingresso nos torneios, surpreenderia a todos apesar de sua aparência bela e frágil.

Por outro lado, após quase uma semana, Saga ainda a preocupava. Não havia retornado de sua missão diplomática e cada dia mais que passava, mais angustiada a Prata ficava. Nada parecia ter acontecido de anormal apesar daquele cenário. Como o próprio Aiolos havia garantido, não parecendo mentir, nada havia acontecido.

Nenhuma discussão foi presenciada ou informada envolvendo o Geminiano para justificar o que viu. Buscava extravasar aquela angústia em seus treinos com Afrodite, mas nunca parecia ser suficiente.

 “Saga, o que aconteceu...?!”, perguntava­-se, fechando os olhos e baixando a cabeça com uma das mãos no rosto.

Estava tão dispersa que não sentiu qualquer aproximação, somente algo sendo colocado cuidadosamente em sua cabeça. A reação dela foi de abrir os olhos no mesmo instante que sua mão, antes sobre sua face, elevou-se até uma coroa flores. No chão, viu a sombra do jovem e este se inclinando suficientemente de lado, com os braços para trás, para fitar a Prata com um sorriso travesso, conseguindo contagiá-la.

— Achei que gostaria. — disse ele se abaixando diante de Selene, dobrando as pernas, sem se sentar propriamente. — Um presente! — e ficou mais sério. — Tive a impressão de que... estava chorando.

E realmente se deixara chorar, ainda que silenciosamente e permitindo uma lágrima desenhar-se pela sua maçã do rosto. Corou por deixar o garoto perceber aquilo, limpando aquele fio de lágrima.

— S-Sim... Ahn... Está... está tudo bem. Apenas... — forçou um sorriso, removendo a coroa, vendo as flores que a adornava. Admirou-se com o que estava em mãos, olhando o trançado e como as pétalas tinham cores tão vibrantes. — Nossa! São... íris...?

O garoto apenas a observou, vendo-a um tanto desconfortável por aquilo, mas nada disse, senão sorrir ao perceber que seu presente fez nascer um sorriso mais espontâneo e o brilho de seus olhos eram, de fato, admirados com o que ele havia feito.

— É a sua preferida, não é mesmo? — comentou ele sentando-se de frente à ela, vendo-a assentir. — O meu pai fazia muitas dessas coroas de flores, fazendo sempre para os festejos do vilarejo. — ele riu de maneira gostosa, conseguindo a atenção da Prata. — São algumas das poucas coisas que ainda lembro... e da qual gosto de fazer.

— Adorei. Obrigada! — comentou Selene voltando seus olhos para a coroa de flores, colocando de volta à cabeça. — Percebi que gosta muito daqui e que tem ajudado você a sentir-se mais livre... Como se esse lugar e você fosse um...!

— Não vou mentir que gostei daqui. — comentou o menino olhando o lugar que antes era terra e pedras, agora ser um  grande  campo  verdejante  com  chuva de pétalas carregada pela brisa e  flores espalhadas, com ramos subindo as pilastras do antigo templo. — Agora entendo quando ele dizia que se sentia em paz aqui.

Selene franziu o cenho ao ouvir aquilo, mas não era difícil associar sobre a quem o garoto se referia. O estranhamento maior estava sobre, supostamente, o conhecimento daquele lugar, conseguindo atenção maior da amazona e de abster-se de sua preocupação com Saga.

— O 'ele' que disse estaria se referindo em Halfeti, não é mesmo? — comentou ela, conseguindo a atenção do garoto que assentiu um tanto tímido. — Ele falou desse vale para você?

— Não exatamente.  — ele fez uma careta, mas sorriu. — Dizia que gostava muito de um lugar, "esquecido pelo tempo", como ele mesmo dizia... — e tocou na relva com a mão aberta. — Enquanto me contava sobre o lugar naquele dia, lembrei que me disse uma vez. — e riu serenamente. — Ele não falava, mas declamava sobre esse lugar. Agora... aqui... Acredito que seja exatamente seu recanto de paz que tanto sentia saudade.

Ouvir aquilo fez Selene observar aquela paisagem bucólica que havia se transformado aquele vale, antes com imagem morta com apenas pedras e cascalhos nus de qualquer verde, com apenas algumas árvores apagadas que pareceram renascer ao longo daqueles dias. Nem mesmo ela acreditava na transformação daquele espaço, no encanto que aquele vale tinha ganho. "E é exatamente onde mora o perigo...", pensou a Prata.

Enquanto todos, inclusive ela, encantava-se com aquela paisagem tão bela e graciosa, pouco se preocuparia nos perigos que aquelas rosas representariam, do seu perfume que, quando exaladas, inibia os sentidos de qualquer ameaça enquanto naquele espaço sagrado, tal como aconteceu no templo. Tomar aquelas pétalas em mãos, tão delicadas, escondia a morte aos desavisados e silenciando seus Cosmos, tal como aconteceu a ela e Aiolos, envenenados sem que nem ao menos percebessem.

— Você... — dizia Selene, ainda com algumas pétalas em mãos e deixando-as voar numa corrente próxima. — Parece admirá-lo bastante.

— Sim! — ele fitou a Prata de volta. — Ele não era uma má pessoa. Foi bom comigo, como um pai até. — disse com ar saudoso, olhando para o alto, tentando pegar algumas pétalas que passavam num discreto redemoinho de vento. — Muitas vezes eu o ouvia se lamentar por algo... ou alguém... não saberia dizer. Dizia que jamais se perdoaria pelo que fez. — e baixou os braços, suspirando, ficando mais sério. — Aquilo o torturava!

"Então, ele realmente se arrependia do que fez ao amigo", concordou a amazona, lembrando-se de imediato das palavras de Aiolos sobre a relação entre Halfeti e Sólon, Cavaleiro de Gêmeos que foi mestre de Saga e Kanon. O próprio Sagitariano defendia a ideia de que Halfeti carregava culpa pelo que houve, mas impedido por seu orgulho ou mesmo vergonha.

A verdade era que Halfeti era admirado no Santuário. O próprio Aiolos demonstrou isso, mas se mostrou decepcionado ao ver seu mestre como um Cavaleiro Negro e alguém com quem tivera de lutar, percebendo, então, que seus reais valores não tinham sido completamente corrompidos. O próprio garoto diante dela parecia ser uma prova disso, salvando-o de mãos vis e protegendo-o de todos a partir de então.

Selene curvou seu corpo para frente, conseguindo tocar a sua pele alva e delicada, desprovida de qualquer malícia. Buscou os olhos do garoto, limpando uma lágrima furtiva que ele, naquele momento, deixou fugir.

— Halfeti pode ter cometido muitos erros. Todos estamos à mercê disso ainda que não seja necessariamente ruim, mas que nos ensina. — comentou ela fitando os olhos azulados do garoto. — As adversidades às vezes nos levam a caminhos tortuosos dos quais nem mesmo nos damos conta. Acreditamos que aquela decisão seja o melhor naquele momento, mas não percebemos o quanto isso machuca aqueles próximos de nós.

Ao fim daquelas palavras, apenas um nome veio à sua mente: Kanon. Ela havia interferido no duelo entre os dois irmãos temendo o que viu em suas estrelas guardiãs. Naquele momento, apenas pensou em salvá-lo, preservá-lo de algo trágico e, por muito pouco, o próprio Saga, também, não se voltara contra ela.

Essa sua experiência pessoal talvez ajudasse compreender as ações de Halfeti segundo as palavras de Aiolos quando acamado. Porém, as ações do renegado Cavaleiro de Peixes foram ainda mais drásticas e trilhando uma tragédia que culminou num amargo fim de remorso, como o jovem Afrodite confessara, e de libertação quando salvou o Sagitariano da morte. Infelizmente para Halfeti, sua ação era irreversível, mas não o seu caso com o mais novo dos gêmeos.

"Será... que algum dia... Kanon poderá me perdoar...?", suspirou ela, deixando a mente, mais uma vez, dispersar.

— Lembro que ele me disse... — riu Afrodite, esticando os braços entre suas pernas, encolhendo os ombros. Sua voz chamou novamente Selene àquela realidade. — Que um dia ele me apresentaria o seu santuário... — e relaxou os ombros, olhando para o vale. — Gostaria que ele estivesse aqui comigo.

— E ele está, Afrodite. — disse Selene, com os cabelos púrpuras esvoaçando, cobrindo parte de seu rosto. O garoto a fitou curioso e confuso, percebendo-a colocar a mão aberta sobre seu peito. — Ele está aqui... — e depois ela levou a mesma mão à sua cabeça. — E aqui, nas suas lembranças. Se quer honrá-lo, faça dos ensinamentos dele o que ele esperava de ti. Ele dedicou tudo aquilo que podia e entregou a você. Ele acreditou em você, Afrodite. — Selene sorriu, recolhendo a mão. — Ele o escolheu e o presenteou com aquilo que somente você seria capaz de herdar.

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As grandes portas duplas do salão principal do Grande Mestre foram abertas e dela entrou uma pequena comitiva de mulheres. A primeira era uma jovem com cabelo cor-de-palha ondulados caindo sobre os ombros protegidos por um cinto em prata e ouro que lembrava asas abertas sobre um vestido com saias sobrepostas compridas. Era uma Saintia, uma Guardiã dos Templos de Athena.

Atrás dela estava uma mulher de porte altivo, não tão jovem quanto àquelas que a acompanhava, mas de uma beleza clássica helenística apesar dos sinais da avançada idade. Tinha os cabelos castanho longos num trançado único e caindo sobre seu ombro direito, enquanto no alto da cabeça havia uma singela coroa de folhas de oliveiras dourada simulando uma tiara. Não usava uma indumentária, embora fossem notáveis braceletes dourados do pulso ao meio do braço. Um corselete em ouro, decorado com ramos de oliveira, cobria sua cintura e sustentava o busto. O vestido em seda cobria todo o busto com uma malha em camadas prateadas e deixando os ombros nus, mas uma falsa capa caia as costas. A saia era um conjunto sobreposto e tecido leve e sedoso, com adornos dourados de folhas de oliveira.

As últimas da pequena comitiva eram duas jovens, as mais novas, com vestimentas mais simples, cabelos presos para trás, vestidos longos e de mangas compridas, usando adornos mais simples como uma tiara trançada sobre a cabeça. Eram meras aprendizes, servas acompanhantes da velha mulher.

O Grande Mestre Shion, com suas vestes claras, levantou-se mediante a comitiva que se aproximava. Ao seu lado estava Arles, seu assistente e Sumo Sacerdote, além dos guardas presentes no salão. Quando diante do Grande Mestre, a Guardiã dera dois passos para o lado e se agachou com joelho no chão, acompanhada seguidamente pelas duas jovens sacerdotisas.

— Grande Mestre, uma honra nos encontrarmos novamente. — disse a mulher mais velha num tom mais brando, curvando-se para Patriarca do Santuário, não como suas acompanhantes.

— Alta-Sacerdotisa Berenike. Sinto-me igualmente honrado de, mais uma vez, recebê-la no Santuário. — respondeu o Grande Mestre inclinando sutilmente seu corpo. Arles, ao seu lado, também cumprimentava a mulher com leve inclinação. — Devo visitas à Acrópole. Perdoe-me por minha falta.

— Longe de mim cobrá-lo por isso, Grande Mestre. Compreendo bem seus deveres e seus impedimentos. — sorriu ela, voltando à sua postura ereta. — Não vou mentir que sinto falta de sua presença no Paládio, de nossas conversas...  — sorriu ela, serenamente.

— Digo o mesmo, Alta­Sacerdotisa. —  sorriu Shion, sinalizando para que suas sacerdotisas se levantassem. — Enviei um Cavaleiro para que iniciasse os preparativos para os eventos.

— E eu o recebi, mas preferi vir pessoalmente agradecer por seu presente, Grande Mestre. — respondeu ela, posicionando as mãos frente ao corpo. — E como deve saber, o Paládio precisa ser guardado durante a Plynteria para o cerimonial. Nossas duas guardiãs, após longos anos, encontraram seu descanso e venho pedir para que, dentre suas Amazonas. A escolha de novas guardiãs é um processo demorado e temo que não possamos ordená-las à tempo.

— Compreendo. — disse Shion assentindo. — Arles convocará a Mestre das Amazonas para que a seleção seja feita o quanto antes. — e lançou um olhar para Arles, que sinalizou em concordância, retirando-se em seguida. — Espero que não esteja retornando agora à Acrópole e possa prestigiar-me um pouco mais de sua companhia, Alta-Sacerdotisa. Como disse anteriormente, temos muito o que conversar.

— Será um prazer, Grande Mestre. As Saintias cuidarão do Paládio em minha ausência. Afinal... — sorriu ela, tomando a mão oferecida pelo Grande Mestre para acompanhá-lo. — Sempre precisamos de algum tempo para com nossos amigos.

Shion assentiu com um sorriso para a mulher diante dele.

 

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— Você disse... a Alta-Sacerdotisa aqui, no Santuário? — indagou Selene surpresa voltada para Aelia.

Ambas eram as únicas de máscara, com Afrodite mais ao fundo sentado na cama, silencioso, apenas ouvindo tudo aquilo enquanto descascava uma laranja. A Prata havia preparado um chá e servia alguns pães que trouxera de Rodório enquanto as duas amazonas conversavam sentadas à mesa, com a Bronze animada.

— Sim, eu a vi chegando com suas jovens sacerdotisas e uma Saintia que seguiram com ela até o Templo do Patriarca. — comentou Aelia soltando parte da máscara para beber do chá servido. — Eu nunca vi uma Alta Sacerdotisa em todos esses anos... Que postura imponente...!

— Bom, eu imagino... — sorriu Pyxis, vendo a impressão empolgante da amiga. — Ela é a sacerdotisa do mais antigo e sagrado templo onde está conservada a imagem mitológica de Athena, em Acrópole. — comentou Selene suspirando. — O que ela faria aqui?

— Foi o que perguntei à Illyra, mas ela me disse apenas para vir chamá­la. — comentou, bebendo do chá. — Será que tem a ver com a Plynteria?

— Possivelmente. Não existe outra razão para ela estar aqui no Santuário. — comentou Selene franzindo o cenho. — Até onde sei, existem duas grandes ordens no núcleo de Athena. O Patriarca do Santuário, regido pelo Grande Mestre, responsável pela ordem dos Cavaleiros de Athena, e a Alta Sacerdotisa, uma espécie de matriarca, digamos assim, a que todos os templos de Athena devem responder, além de ser ela a responsável pelas Saintias, as guardiãs da deusa desde os tempos imemoriais. Diferente de nós, Amazonas, não usam máscara.

Selene pausou para servir mais do chá à mesa, entregando a Aelia que agradeceu.

— Apenas me pergunto pelo que exatamente fez Alta Sacerdotisa vir ao Santuário. — Continuou a Prata. — Até onde sei, ela quase nunca deixa o Paládio. Somente em casos excepcionais e...

— O que é a Plynteria? E o que seria essa Para... Pata... — perguntava Afrodite, meio perdido naqueles termos.

— Panatenaia! — respondeu Selene se voltando para ele. — São os eventos de consagração à deusa Athena, celebrado anualmente aqui em Atenas. Começa com a Plynteria, na próxima lua nova, quando o templo sagrado da deusa na Acrópole é fechado para limpeza de seu manto enquanto sua imagem é coberta por um véu.

— Apenas mulheres podem entrar no templo nessa época. — pontuou Aelia, em concordância com a jovem de cabelos quase negros. — Existem as Guardiãs que cuidam para que ninguém entre no templo até o fim dos ritos e de todo o cerimonial.

— O rito faz referência ao nascimento da deusa Athena, banhada com as águas de sua própria fonte que nasce aqui, próximo ao Santuário, seguindo até seu templo, na Acrópole. — explicava Selene resumidamente. — O rito se encerra na troca da lua, quando ungida com óleo de oliveira e coroada com as folhas da mesma.

O garoto ouvia tudo com admiração e atenção, alternando entre as duas amazonas com as pernas para fora da cama, deixando a fruta de lado. Perguntou então sobre o outro evento, com alguma dificuldade ainda em acertar seu nome, mas conseguindo entre gaguejos.

— A Panatenaia só acontece após a Skiraphora, evento seguido da Plynteria. — explicava Aelia agora. — Após a deusa vestida e ungida pela Alta Sacerdotisa, ela segue em procissão pelas principais ruas da Acrópole. Sempre acompanhada de suas Guardiãs. — Pontuou novamente, olhando para a amiga que concordou. — Somente quando chega aqui, ao Santuário, tem início as Panatenaias. É quando tem início os jogos, ou melhor dizendo, as grandes provas dos aprendizes para ascender à ordem de Athena.

— A Panatenaia nada mais é que um selo que materializa um vínculo entre os humanos e à deusa. — completou Selene. — Porém, mesmo aqueles sagrados Cavaleiros, ou Amazonas, anterior à Panatenaia, recebem a bênção da Alta­Sacerdotisa que, tal como Grande Mestre, é representante da deusa.

— Então, haverá torneio... entre Cavaleiros? — indagou o menino, interessado quanto aquilo, notado por Selene que assentiu.

— Hum! Bom, eu preciso ir. Estou no patrulhamento de hoje. — comentou Aelia se levantando. Acenou para o jovem que acenou de volta. — Ele é lindo! Parece uma bonequinha! — sussurrou a Bronze para a Prata que riu contidamente.

Uma vez sozinhos, Selene se voltou para um Afrodite pensativo, mordiscando seus lábios rosados. A Prata removeu sua máscara e se aproximou com uma cadeira, sentando­se quase em frente ao mesmo.

— Impressão minha ou percebi seu interesse nos torneios? — questionou Selene arqueando o semblante.

— Acha que eu poderia participar? — perguntou ele com brilho nos olhos.

— Creio que sim, mas a Panatenaia é fechada unicamente para os Atenienses, ou melhor dizendo, para aspirantes reconhecidos no Santuário. — explicava ela enquanto o fitava. — Com exceção de Aiolos e do Grande Mestre, e de Aelia porque é minha amiga e confio nela, ninguém mais sabe sobre você, Dite.

— Entendo... — o sorriso dele se desfez. — Acha que... — mordiscava os lábios, fechando as mãos sobre a cama. — Se eu fosse para o Santuário...

— Isso depende apenas de você. — disse Selene interrompendo­o, mantendo a serenidade em seu tom. — Apenas o trouxe para cá para que se sentisse seguro o bastante antes de levá­lo a todos. Sentir-­se confiante! Não vou mentir que haja pessoas... insensíveis, digamos assim... aqui, no Santuário.

— Não poderei ficar aqui para sempre, escondido. — respondeu ele a encarando, não em desafio. — Sei que, cedo ou tarde, terei de seguir. Por que adiar mais?

— Tem certeza disso? — indagou ela, olhando­o nos olhos.

— O Senhor Halfeti confiou em mim. Ele acreditou em mim. — dizia, sem hesitação. — Se ele me escolheu, não tenho que temer a nada nem ninguém.

— Sim. Apenas me dê alguns dias. Uns dois dias, e seguiremos juntos ao Santuário! — disse levando a mão ao ombro dele, vendo-o assentir e sorrir com aquilo.

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A reunião havia sido marcada no Domo, o único templo presente no Campo das Amazonas. Era um espaço para realização de assembleias e outras reuniões restritas aos mestres e amazonas já sagradas. No paço que circundava o templo, servia de anfiteatro particular aos treinos das iniciantes ou aos cerimoniais de juramento à máscara.

“Foi há quase dois anos...”, pensou Selene ao lembrar quando prestou seu juramento à ordem das amazonas.

Illyra já a esperava no salão único, sentada numa das arquibancadas. Junto dela estava a Guardiã que acompanhava a Alta Sacerdotisa. Ao contrário das Amazonas de Athena, a sua ordem não aderia à Lei da Máscara, ainda que muitas delas poderiam vir se tornar Amazonas de Athena.

No entanto, aquela era apenas uma guardiã com uma indumentária padrão.

A sua armadura tinha um tom levemente dourado nos detalhes em uma placa prateada, com ombreiras simples que prendia mangas soltas caindo pelo braço protegido por braçadeiras que cobriam até as costas das mãos. O peitoral, uma placa simples com leve protuberância na altura dos seios, fechava até altura da barriga e completada com uma malha maleável. O cinto era como asas abertas prendendo uma saia sobrepostas a outras com abertura lateral, permitindo ver as pernas protegidas por perneiras metálicas até altura do joelho.

Selene cumprimentou ambas com leve inclinar do corpo. Ajoelhar-se era permitido somente ao Grande Mestre e à Alta Sacerdotisa, uma vez que eram representantes de Athena, além para a própria deusa.

— Selene de Pyxis se apresentando, Mestre. Sinto por meu atraso. — disse a jovem amazona de prata prontificando-se.

— Agradeço por sua vinda, Pyxis. — respondeu Illyra diante dela, com a jovem ao seu lado respondendo ao cumprimento da Prata. — Apenas aguardando a chegada de mais alguém, então...

— Não mais precisam esperar, Illyra. Já estou aqui. — disse alguém a passos pesados entrando na sala. — Jisty de Serpenttis se apresentando, Mestre.

"Jisty...?", pensou Selene sem se virar para fitá-la, apenas sentindo sua aproximação e de que ela parara ao seu lado para os cumprimentos exigidos. Nenhuma das duas trocou olhares naquele momento, mantendo apenas suas posições com as mãos para trás e esperando a razão daquela convocação.

— Ótimo! — disse Illyra ganhando alguns passos à frente. — Serei direta e objetiva. Como bem sabem, a Alta Sacerdotisa se encontra no Santuário, enviando-nos sua Santia, a Guardiã Aeglia, para convidar duas Amazonas de Athena para assumirem o posto de Guardiãs no Paládio.

"Somente Saintias podem se tornar Guardiãs. Elas são como damas de companhia de Athena até que ela desperte como deusa. Até lá, atuam unicamente como Guardiãs em seu templo sagrado", pensava Selene sobre o que foi dito por Mestre Arles, ainda em Jamir.

— As Saintias e as Amazonas possuem uma linha de atuação distinta na ordem de Athena... — continuou Illyra. — Mas no júbilo da deusa, os dois elos da corrente se tornam um, prestando toda a segurança durante a Skiraphora, quando a imagem da deusa deixa o templo com destino ao Santuário até o fim da Panatenaia. No entanto, esse caso se trata de uma exceção.

— Nenhuma de vocês será destituída de sua ordem. Como bem disse a Mestre das Amazonas, trata-se de uma exceção. — Dizia agora a Guardiã quebrando seu silêncio com uma voz doce e clara. — Bem recentemente perdemos as nossas mais antigas Guardiãs do templo sagrado, e até que outras possam sucedê-las após o cumprimento do luto, não assumirão a posição até a próxima lua nova, quando tem início os ritos da Plynteria.

— E a Alta Sacerdotisa veio, pessoalmente pedir ao Grande Mestre que duas Amazonas pudessem assumir essa posição, o que seria uma grande honra a uma Amazona que não pertence a Ordem. — dizia Illyra retomando a palavra. — Como a Mestre das Amazonas não posso assumir tal compromisso, mas sendo vocês as Amazonas de Prata, julguei serem a melhores escolhas.

Naquele momento, Selene e Jisty trocaram olhares, mas logo ambas se voltaram para frente. Illyra sabia o quão conflituoso era a relação das duas, sobretudo da competitividade da Prata de Serpenttis. No entanto, eram as duas Amazonas com maior patente na ordem naquele momento.

Permaneceram ali ouvindo a explicação da Guardiã sobre a partida que aconteceria no início da lua cheia para seguirem todos os ritos de purificação antes de assumirem os postos para o cerimonial.

Segundo os cálculos de Selene, a viagem aconteceria em duas semanas e o retorno em mais três — uma semana a preparação, outra para os ritos e outra mais para a peregrinação até chegarem ao Santuário para início da Panatenaia.

— Quero acreditar que possam honrar esse compromisso. — Pontuou Illyra olhando para as duas Amazonas que assentiram. Ambas compreenderam a subjetividade daquelas palavras.

— Honraremos com o dever incumbido, Mestre. — Garantiu Jisty fitando Illyra, inclinando seu corpo.

— Em nome de todas as Amazonas de Athena. — completou Selene, seguindo Jisty.

Illyra ficou a fitar as duas e esboçou um sorriso, voltando-se para a Guardiã que assentiu, agradecendo por aquilo.

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"Ao todo... serão cinco semanas. Um mês longe do Santuário...", pensava Selene em seu retorno para casa, já noite.

No anfiteatro do Domo, apenas uma Amazona em patrulha enquanto todas já haviam se retirado para o descanso. Certamente já deveriam saber sobre o torneio e todas estavam a se preparar para suas provas finais.

A ansiedade daquelas aspirantes era como de Selene naquele momento em assumir uma posição de honra, ainda que provisoriamente, remetendo-a à antiga lembrança.

Lembrava-se de sua chegada ao Santuário, quando exatamente acontecia a Skiraphora, assistindo as Guardiãs guiando amazonas que sustentavam a estátua de Athena numa procissão pelo vilarejo da Baixa Rodório onde guiara Saga e Kanon. Era uma imagem que ficara gravada em sua mente e que, agora, seria ela a guardar o cerimonial fechado a alguns poucos.

"Duas semanas...", repetiu ela olhando a lua, prestes a entrar na quarta crescente. Seria tempo suficiente para preparar Afrodite para sua apresentação ao Santuário e tentar ingressá-lo nos torneios da Panatenaia. Ele era a menor de suas preocupações àquela altura. A confiança que o garoto ganhara naquelas semanas foi uma surpresa para a Prata quando pensava no quão intimidado chegara ali. "De certo, aquele vale guarda muito de seu antigo santuário...", sorriu ela ao pensar na relação do garoto com o espaço.

Por outro lado, restava uma questão mais delicada e preocupante: Saga.

Com a presença da Alta Sacerdotisa, tinha esperança de que ele fosse responsável de sua escolta além da Guardiã, podendo reencontrá-lo na manhã seguinte. Verdadeiramente, odiaria partir sem não falar com ele e saber o que aconteceu embora aquela sensação terrível não mais foi sentida.

"Espero que possa vê-lo logo, Saga. Não quero partir sem antes saber que esteja bem...", repetia para si mesma como um mantra quando cessou seus passos devido uma leve impressão de estar sendo seguida ou mesmo observada.

Virou-se, analisando o espaço, garantindo estar ainda dentro do Campo das Amazonas apesar de sua distração meio à tantos fatos recentes. No entanto, ainda que houvesse uma linha divisória, isso jamais foi um problema para que violassem aquela linha tênue — e pagassem por isso quando descobertos.

Continuou a seguir seus passos, mantendo-se alerta quando ouviu um barulho vir por entre as árvores e arbustos, mas encontrando apenas algumas aves de rapina e morcegos brigando por abrigo nas copas fechadas de árvores.

Os seus sentidos a avisavam que não era somente isso, confirmando ao notar um estranho comportamento de uma coruja e fazendo-a se virar, mais uma vez, e perceber uma sombra suspeita.

Naquele mesmo instante Selene deferiu um golpe na direção da ameaça, sem intuito de feri-lo, mas revelar quem quer que fosse ali escondido. Afinal, poderia ser um aprendiz perdido, tanto das Amazonas ou mesmo do Santuário, e um susto seria mais que suficiente. No entanto, nada aconteceu.

"Não é um aprendiz. Sinto que se esquivou, mas que ainda me observa...", pensou Selene, deixando seu Cosmo emanar e espalhar-se pelo chão, quase como uma névoa. Intencionava sentir as variações naquela área, sobre a presença de quem quer que fosse que estivesse ali e, conforme fosse, prendê-lo pela força gravitacional que era capaz de transformar e impedindo-o de fugir.

"Achei você!", exclamou mentalmente ao perceber uma presença alguns metros à frente, próximo a uma antiga árvore tomada de cipós e encoberta de arbustos altos.

Porém, antes que pudesse executar qualquer ação, percebeu um forte clarão de luz crescer, fazendo Selene desfazer sua ação e iniciar uma postura defensiva para um eminente ataque. Contudo, nenhum ataque foi feito, somente uma explosão que foi engolida, levando com ela qualquer presença do qual a Prata sentia até aquele momento.

Selene ficara estática. por alguns instantes prendera a respiração, forçando-a a tirar a máscara e deixar seu cabelo encobrir seu rosto meio à penumbra daquela pequena estrada, novamente vazia. O seu ímpeto era correr até o local, mas era desnecessário ao poder sentido ali.

A verdade era que Selene havia reconhecido aquele poder.

Ela reconheceu aquele Cosmo e a técnica ali utilizada.

Ela conhecia aquela presença e foi capaz de ver, ainda que por alguns instantes, a sombra de tal pessoa. Ela reconhecia-o bem por sua postura que, mesmo sobre a penumbra, pôde ver seus olhos.

— K-Kanon...? — balbuciou Selene, caindo ajoelhada no chão com a mão na boca.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente quero me desculpar pelos atrasos nas atualizações da fic. Bloqueios movidos por problemas pessoas tem me impedido de entregar algo que meus leitores merecem. perfeccionismo é um problema nisso, pois ou entrego algo bom ou fico a revisar até estar como esperava e que gostariam.

Segundo que esse capítulo foi pouco maios que os convencionais porque há muitas explicações. O Júbilo de Athena existe. Plyntheria, Skiraphora e Panatenaias são realmente ovações à Athena que existe desde muito na Grécia. Não busquei fugir do real, apenas adaptando alguns conceitos para a história de Saint Seiya.

PS. Se houver algum erro, notifiquem-me porque, por alguma razão, entre as transferências de texto, deu um bug e algumas palavras podem ter hífen, travessão. Obrigada!

Nos próximos capítulos:
Kanon ressurge.
Saga retorna de sua viagem diplomática.
Afrodite chega ao Santuário.
Athena, finalmente, sinaliza seu retorno.



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