Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 52
Livro 2 :: Dualidade - Ato 11


Notas iniciais do capítulo

Selene chega ao vale 'proibido' com o jovem rapaz onde busca testar seus limites, enquanto que cada vez Saga se entrega à sua dualidade.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/335604/chapter/52

O garoto estendeu a mão, recebendo uma pétala do mais puro vermelho, brilhante, e não era a única. Diversas outras, das mais variadas cores de rosas, voavam levado pela brisa que despenteava seus cabelos ondulados alourados. Inclusive, o lugar estava sendo impregnado com um perfume único das outras outras que floresciam.

— Mas... Como isso aconteceu...?! — sussurrou ele, sentindo-se sufocar. — Esse lugar... era... era um vazio e agora... está lindo!

Até onde seus olhos podiam alcançar, o espaço de pedras e terra batida e cascalhos deram lugar a um campo verde belo onde já se formava um tapete de flores. Nos poucos arbustos rasos existentes ali, ganharam não somente forma como também denotava alguns pequenos botões de rosas amarelas. Mesmo as árvores tão robustas e de folhas verdes e carregadas de frutos pareciam atender a algo divino e florescer. E quando seus olhos ganharam o boneco anteriormente atingido por sua rosa, viu ramos tomando-o com belas flores pretas, tal como aquela que o acertou.

Observando tudo aquilo, fez o garoto engolir seco, confuso e aturdido com toda aquela transformação. Abaixou-se para tocar a grama verde e até mesmo tomar uma pequena flor em mãos. Era igualmente bela como há muito tempo vira ser cultivada em sua terra natal. Aquilo o fez perder o ar, até sentir um toque em seu ombro, ajudando a soltar o ar preso em sinal da perplexidade do que via.

— Você foi responsável por isso. — respondeu Selene com naturalidade, vendo-o se voltar para ela, piscando aturdido e olhar interrogativo. — Sim, o seu Cosmo, enquanto crescia, ajudou esse vale florescer novamente, e suas rosas espalharam-se de modo a fazer com que ele vale recobrasse sua vida.

 “E-Eu... fiz isso...?!”, pensou ele voltando a olhar o lugar, a rosa em sua mão. Nada aquilo parecia fazer sentido. Como poderia ele ser capaz de tamanha proeza?

— Que lugar é esse? — indagou ele novamente se voltando para ela. — Por que me trouxe aqui?

A Amazona suspirou, ganhando alguns passos à frente dele. A paisagem, antes ‘morta’, tornou-se bucólica, digna das poesias que idealizavam cenários de paz e sossego tomado pelas ninfas na dourada Era Mitológica. Nem mesmo o Campo das Amazonas, sendo mais campal que o espaço do anfiteatro era capaz de apresentar tamanha beleza e paz de espírito.

O perfume das rosas parecia ajudar relaxar após aquela primeira hora que exigiu demasiadamente dos dois. Nem mesmo ela imaginou ver aquele lugar daquela maneira, e abriu um sorriso antes de se voltar para o garoto que ansiava por respostas.

— Esse lugar é chamado de Vale das Rosas, e olhando ao redor deve imaginar o porquê. — disse apresentando o lugar. — Quando cheguei aqui, ouvi muitas histórias... Vê aquelas ruínas mais adiante...?

Ela apontou na direção de algumas colunas tombadas metros adiante. Passaram por entre as ruínas, alguns metros afastados do esqueleto que foi um templo e que, naquele momento, restava apenas duas paredes de pé e uma coluna caindo a 90°. Foi preciso atravessar o corredor para chegar à clareira onde realizaram aquelas primeiras horas de treinamento, o que possivelmente foi, um dia, o pátio ou anfiteatro parte do antigo templo.

— Dizem que aqui havia um imponente templo, na Era Mitológica, mas que foi abandonado ou destruído em meio as guerras humanas. — explicou Selene, voltando-se para o garoto que ouvia tudo atentamente, curioso. — Havia um imenso jardim de rosas, criado e presenteado pelos próprios deuses, à Athena, que o ofertou a outra divindade. No entanto, ele ficou esquecido por muito e muito tempo...

“Como um lugar como esse pode ser esquecido...?”, perguntava-se ao garoto, mas olhando em direção ao Monte Zodiacal, dos templos a ficarem de costas para aquele vale, não era difícil imaginar.

 Todo o Santuário ficava do outro lado e eles dois saíram de casa para chegar ali pouco antes do amanhecer. Logo, estava a um caminho pouco ou mesmo nada conhecido pelos aspirantes. Sem contar que seguiram um caminho mais longo entre as gargantas de montanhas para evitar escalagens. Não que seria difícil, mas evitaria um esgotamento que, a viagem por si só, poderia oferecer.

— Além do mais, alguns poucos que conheceram o caminho até esse vale temiam aproximar-se por conta de algumas lendas antigas. — continuou a Amazona, conseguindo novamente sua atenção. — Conta-se que quem quer que arriscasse se aproximar daqui estava sujeito à morte!

O garoto ouviu aquilo com ceticismo, voltando-se a observar o lugar, sobre onde estava e ver rosas florescerem bem junto aos seus pés.  Contudo, aquela história poderia soar fantástica para qualquer um, não para ele ou quaisquer outros mais que conheciam as lendas mitológicas. Elas poderiam ser mais reais que muitos poderiam imaginar. Afinal, não foi esse o efeito criado por Halfeti naquela câmara contra os dois Cavaleiros enviados pelo Santuário? E pensando naquilo, pensou que aquele jardim poderia exalar um mesmo perfume mortal apesar de toda sua beleza. Entretanto...

— Venha comigo! — ela o chamou com a mão. — Quero te mostrar algo. — e o puxou quando mais se aproximou dela. — Venha!!!

Cruzaram parte daquele vale para até próximo das ruínas. Todo o local parecia reviver, e a surpresa deu lugar à admiração. Aproximaram-se exatamente do templo pelo qual passaram sem qualquer atenção quando chegaram, mas era visível que parte de sua estrutura interna parecia conservada. Olhando o chão coberto de musgo e plantas, era perceptível, apesar de muitos cascalhos, que ali foi um pátio e aquela área tombada uma parte aberta do templo. A Amazona pediu cuidado e apontou na direção de algo, sendo o único objeto realmente de pé.

Era uma estátua com o semblante belo e majestoso, com os cabelos ondulados caindo sobre ombros e seios, e descendo pelas costas. Trajava uma túnica e estava de pé sobre o que parecia ser uma concha, infelizmente quebrada assim como alguns dedos de seus pés. Muito da estátua, escurecida pelo tempo, encontrava-se rachada e partes faltantes, mas ainda se mostrava bela. Seus olhos eram para baixo, com um sorriso sereno e as mãos abertas com as palmas para cima esperando receber algo. Certamente, as rosas em sua oferenda.

— Essa é Afrodite, a deusa do amor. — comentou a Prata, vendo a admiração com a qual ele contemplava a estátua. — O templo que havia aqui pertencia a ela, e esse vale era um imenso jardim de rosas dedicado unicamente à deusa. Talvez por isso todos chamam esse vale de “O Grande Jardim de Rosas”.

Enquanto ouvia, tentava se aproximar o máximo que podia, mas foi contido quando ouviu um ranger e sendo chamado de volta pela Amazona, pedindo cuidado com uma pesada pilastra que parecia sustentar a parede atrás da estátua. Retornou com cuidado, ainda admirado com a escultura da deusa.

— Mas... Por que me trouxe aqui? — indagou o menino se voltando para ela. — Nesse lugar... Por que nesse vale?

— Precisava conhecer seus limites, e aqui seria um espaço perfeito para medir o poder de seu Cosmo que foi capaz de alimentar esse campo a ponto de fazê-lo ganhar vida novamente. — explicou Selene paciente e didaticamente. — Eu jamais seria capaz de algo assim.

— Mas disse que quem quer que se arriscasse se aproximar, encontraria a morte. — comentou ele, tendo parcialmente seu rosto coberto pelas longas mechas de seus cabelos por conta da brisa. — E se essas rosas...

— As rosas reagiriam caso estivéssemos aqui para profanar esse pequeno santuário perdido, mas... — respondeu ela sem qualquer receio, tocando uma das rosas próximas sem tirá-la do ramo. —... não foi esse o nosso intento aqui.

Naquele momento o garoto lembrou de quando Halfeti disse que as rosas reconhecem qualquer ameaça próxima. Foi como aqueles ramos naquela noite que pareciam atender sua dor, seus medos, vir a socorrê-lo.

— Este templo, hoje apenas ruínas, não é o único. — e ela olhou em direção a uma montanha bem mais distante, azulada pela distância. — Conta-se que, há muito tempo, os deuses vagaram pela Terra. Muitos desses templos se perderam... ou, quem sabe, estejam escondidos? — jogou a dúvida enquanto observava o garoto voltando a caminhar pelo campo, mais à vontade, parecendo revigorado com o jardim. — Todos guardam suas histórias, suas lendas...

“Eu sei.”, foi o que ele simplesmente disse, fazendo Selene voltar-se para ele, tomando a mecha que dançava diante de seu rosto e prendendo-o atrás da orelha. 

Ele não apenas estava a ouvir, mas parecendo comparar contos que outro alguém havia dito. Ainda que curioso, não parecia surpreso com nada que disse. Ela sorriu, compreendendo.

— O que Halfeti lhe contou? — foi a Amazona quem agora questionou, chamando sua atenção. — Você sabia desse vale, não é mesmo?

— N-Não... Não exatamente. — respondeu ele com uma expressão levemente triste. — O Sr. Halfeti me contou uma história sobre quando uma deusa, fugindo do ataque de um Giga, caiu sobre um vale e deixou sua coroa de flores cair na fuga com seu filho. — contou, continuando a caminhar pelo lugar sem se afastar demais. — Essa coroa fez nascer um belo jardim que tomou todo um vale de modo a garantir que qualquer aquele que a seguisse, jamais a alcançasse. — e sorriu. — Ele sempre dizia que adorava ‘aquele jardim de rosas do vale esquecido’, e quando começou a contar...

A mulher sorriu para ele, assentindo sobre o que ele contou e olhando para o templo onde tinha a estátua, explicando que a deusa em fuga seria a própria Afrodite que, junto com seu filho, fugiam da ira de Tiphon. O templo teria sido erguido tempos depois dedicado à deusa e aquele vale protegido contra aqueles que ousassem macular o Santuário, dentre eles, Cavaleiros da própria deusa Athena.

— E por que Cavaleiros de Athena? — O menino questionou, curioso e intrigado.

— Dizem que um dos primeiros Cavaleiros de Athena, na Era Mitológica, foi o sacerdote desse templo. Ele seria o guardião do local e o protegeu até o fim...! — narrou Selene olhando para ele, vendo-o sentar-se sobre a própria perna naquele jardim, ouvindo atentamente aquela parte da história. — Ele jurou lutar ao lado de Athena, desde que esse lugar jamais fosse tocado senão por aqueles que fossem seu herdeiro, e para isso deixou seu presente nessas rosas... — e tocou sua face, vendo-o encantado e aturdido com aquilo, sem razão do porquê. — ... como seu legado.

O garoto engoliu a seco ao ouvir aquilo, sentindo novamente a brisa tocar soprar naquele vale, levantando centenas de pétalas perfumadas. Viu a Amazona se afastar enquanto ele continuava ali, ajoelhado sobre a relva e olhando aquele jardim imaginando a imponência de outrora. O uivo do vento ecoou em seu ouvido — “Afrodite...!” — até que ouviu ser chamado.

— Que tal comermos algo e depois treinarmos um pouco mais? Vejo que está bem mais disposto... — propôs ela, vendo-o sorrir. — Vamos aprimorar essa sua habilidade!

───────.∰.───────

O sol já desaparecia no horizonte, deixando o céu alaranjado após aquele longo dia quente. Em sua caminhada de volta ao Monte Zodiacal, os olhos de Saga ganharam todos os caminhos possíveis, buscando até mesmo atrasar seus passos. Esperava encontrá-la no anfiteatro, nos arredores, ou mesmo nos corredores de ruínas do Santuário. Nenhum sinal de Selene nem mesmo no intervalo do almoço.

Quando chegou ao seu templo, apenas pediu que fosse preparado seu banho e uma refeição. Ao menos, àquela noite, teria um descanso. “Se ao menos pudesse vê-la...”, pensou ele, mas sabia que seria arriscado e todo o trabalho que ela estava a ter com aquele garoto seria perdido com sua presença inesperada.

O último encontro deles havia sido no início da tarde anterior antes de sair para um patrulhamento fora dos limites do Santuário que o fez demorar bem mais que o planejado. No entanto, foi Aiolos quem a viu liberando o espaço para o treino daquele dia. Desde a missão a aproximação dos dois se tornou constante.

“Preocupado com a aproximação do amigo com sua mulher...? Talvez devesse realmente se preocupar”

O Geminiano virou-se buscando o autor daquela voz, mas era a mesma de sempre que o atormentava, ecoando em sua mente. Olhou entre as penumbras daspilastras que seguravam o templo, mas nada via senão suas próprias sombras. No entanto, a voz era clara suficiente para ecoar como se alguém estivesse bem próximo a ele.

“Ora, não finja ignorar isso... Foram algumas semanas sozinhos...”, disse a voz, em um sussurro claramente maldoso. “Ele é um homem, ela é jovem e está se tornando uma bela mulher... Não acha mesmo que nada aconteceu enquanto os dois estavam em missão, não é?”

Saga controlava a respiração, mas era em vão. Parecia ter dificuldade em absorver o ar quando aquelas palavras ecoavam em sua mente e, involuntariamente, uma imagem de Selene nos braços de Aiolos ganhou forma de modo que seus rostos ficaram bem próximos. Balançou a cabeça de modo a dissipar aquilo, pedindo que parasse.

“Os dois... sozinhos... por dias e... noites. O tempo esfriou enquanto eles estavam fora... ou teria esquentado...?”

“CHEGA!!!”, gritou mentalmente, e uma rajada de luz rasgou a penumbra entre as colunas que sustentavam o templo visando qualquer um escondido nas sombras, mas nada. Nada havia encoberto ali.

A rajada se dissipou mais adiante enquanto o Geminiano levava a mão à cabeça, fechando os olhos. Agora eram risos a ecoar em sua mente como se falasse num grande vazio.

“Mwuahahahaha! Hihihihehehehahahahaha!!! Isso o perturba, não é mesmo...? Isso o preocupa, admita...!”

— Cala essa boca...! — murmurou Saga abrindo os olhos, levemente avermelhados pela raiva que sentia naquele momento. — MALDITO...! — e virou-se para um novo golpe e seu Cosmo concentrado em seu punho fechado.

“SAGA!”, gritou alguém segurando-o com a palma da mão aberta, enquanto a outra segurava o restante do braço.  O Dourado voltou à sua razão, vendo ninguém menos que seu gêmeo mais novo diante dele, olhando-o assustado e ao mesmo tempo confuso. Soltou sua mão e Saga se desvencilhou, recuperando a respiração ofegante.

— O que... O que você está fazendo aqui...? — questionou ele. — Alguém o viu....

— Não, ninguém me viu. Relaxe que não vou te comprometer... irmãozinho. — disse fazendo uma careta cínica ao chamá-lo daquele jeito. — Eu apenas vim pegar alguns pertences meus que ainda tenho aqui quando vi um clarão e vim ver o que era e você... — Kanon ficou gesticulando algo com as mãos, fazendo círculos. — Sei lá! Estava resmungando algo, eu te chamei e não me ouvia... O que diabos está acontecendo com você?

— Kanon... — o Cavaleiro caminhou às cegas, com a mão ainda na testa, fazendo uma careta de dor. — Não agora... Depois... depois conversamos...

Kanon ficou a olhá-lo, franzindo o cenho e buscando interpretar o seu gêmeo mais velho diante dele. Não era a primeira vez que o via naquele estado, e a verdade é que fora ali preocupado com ele, apesar dos sérios desentendimentos nas últimas vezes.

— Saga... Qual é? Sou seu irmão, pode confiar em mim. O que está acontecendo com você?! — insistiu, buscando uma aproximação.

— Kanon... Vai embora! — disse Saga de modo incisivo, entredentes, ainda de costas, baixando o braço. —  Se já pegou suas tralhas... — olhou-o brevemente sobre os ombros, com o cabelo nublando sua face. — Por que não me deixa em paz e some daqui?!

Kanon engoliu a seco, recuando dois passos ao ouvir aquelas palavras ríspidas ditas por seu irmão. Aquilo fez com que fechasse os punhos, assentindo enquanto levava a mão a altura dos lábios e removesse uma saliva invisível de raiva ao dar às costas. Somente alguns poucos passos foram dados antes que parasse, rindo contidamente e se voltando para o irmão.

—  Realmente... — dizia ele levando as duas mãos à cintura, curvando levemente o corpo para frente. — Você realmente se acha o melhor somente porque usa essa... ‘Armadura de Ouro’... — disse com desprezo. — E agora me enxota daqui como um vadio...?! Olha aqui, Saga. Escute bem o que vou dizer...

— NÃO, KANON! É VOCÊ QUEM VAI ME OUVIR! — exclamou Saga num tom forte, virando-se para Kanon com uma expressão transformada.

“O que... O que é isso que sinto? Que presença é essa que sinto vir de Saga...?!”, pensou Kanon sentindo o corpo paralisar, ficando, pela primeira vez, realmente intimidado pelo irmão, com seus olhos presos aos dele como que hipnotizado.

— Essa Armadura de Ouro escolheu a mim e não a um fraco como você, que sempre parasitou às minhas custas, esperando receber a grandeza que jamais conseguiu alcançar por méritos próprios. — e sorriu de canto, olhando-o com indiferença da cabeça aos pés. — Talvez até mesmo um vadio tenha mais honras que um covarde que teme assumir suas responsabilidades. — e riu de canto, puxando o irmão bem próximo a ele, olhando-o nos olhos. — Por que não vai rezar para Athena, em busca de alguma coragem? — disse com escárnio. — Porém, acredito que nem mesmo ela teria piedade de uma alma tão infeliz... ou mesmo medíocre como a sua... — e empurrou para longe, quase derrubando-o no chão.

O mais novo estremeceu a cada palavra proferida por Saga diante dele.  Recuara, aos tropeços, com os olhos perdidos e arfando, sendo guiado para fora do templo pelo seu próprio instinto enquanto deixava o mais velho sozinho, respirando pesado após aquelas duras palavras.

— Faça um favor a si mesmo... — cuspiu Saga ficando de costas, rindo contidamente. — Mantenha-se acolhido nas sombras que é o lugar que merece!

Apenas passos apressados foram ouvidos, enquanto Saga caminhava em direção contrária em passadas marcadas. Nem bem viu quando o irmão desapareceu engolido pela escuridão. Quando se fez o silêncio, o Dourado de Gêmeos voltou-se para suas costas.

“Kanon?”, pensou ele, buscando a presença do irmão mais novo. Umedeceu os lábios, buscando sua presença, sua sombra, gritando por ele.

Nada foi ouvido.

Estava entregue ao completo silêncio... e sozinho.

.

.

.

Kanon saiu do templo atordoado e sentindo-se anestesiado. Por sorte, a noite já havia caído sobre o Santuário. “Se mantenha acolhido nas sombras que é o lugar que merece!”, ainda ecoava em sua mente e era onde exatamente estava encolhido quando finalmente parou ao descer o Monte Zodiacal.

Seguiu pelos corredores menores e mais desertos do Santuário até encontrar um beco, onde se deixou cair, ofegante. Os lábios estavam lívidos e até mesmo respirar era um martírio. No peito, era como se seu coração não batesse, até que o susto passasse. E ele teria preferido continuar assim, pois a dor que se seguiu foi algo do qual o rapaz nunca sentiu antes. Era uma dor pungente que parecia rasgar tudo em seu interior, queimando e anestesiando tudo pouco depois. Um golpe para cada palpitar em seu peito, roubando suas forças e nublando seus pensamentos.

As lágrimas ganhavam sua face enquanto aquelas palavras continuavam a martelar em sua mente. O mais novo dos gêmeos soluçava, como há muito não fazia. Encolheu-se, abraçando as pernas e escondendo a cabeça entre elas, apoiado pelos braços fortes de modo a conter um grito desesperador que ecoou na noite.

 ───────.∰.───────

O seu corpo reagiu em imediato, como se pulsasse em resposta a apreensão e agonia dos gêmeos. A tigela de frutas que carregava foi ao chão e se fazendo em pedaços. A mão que segurava o recipiente foi ao peito, sentindo-o bater forte como de quem assombrado por algo, acompanhado de uma falta de ar que a fez apoiar-se na bancada e um frio na espinha.

“O que foi isso que senti...?”, questionou-se Selene umedecendo os lábios e olhando pela janela. A noite estava igualmente calma como vira há poucos instantes.

O menino apanhou a laranja que correu até próximo a ele, vendo a garota amparada pela bancada perguntando o que havia acontecido. Mostrou-se assustado, mas também preocupado a ponto de deixar o fruto sobre a mesa e encher um copo com água, entregando a Amazona que se sentou ainda aturdida com aquela horrível sensação que a acometeu. Bebeu metade do copo num só gole, sendo suficiente para recuperar-se daquele susto momentâneo.

— N-Não... Não foi nada. — comentou ela, bebendo mais da água, olhando pela janela. — Cansaço... talvez. — e voltou-se para ele, forçando um sorriso. — Acho que exigi muito de mim hoje e comemos bem mal para tudo que realizamos hoje.

— Será que não foi pelo meu ataque que... — dizia ele tocando em seu ombro, vendo apenas o levemente arroxeado por conta do golpe, tocado e visto pela Amazona.

— Já disse que não foi nada...! — sorriu mais animada. — Fui descuidada e confiante demais para não tomar atenção que havia lhe dado. No fim, também paguei por um erro que poderia, num campo de batalha, decidir minha vida. Não se preocupe com isso. — e levantou-se, recolhendo os cacos da tigela quebrada com sua telecinese. — Por outro lado, seus ataques melhoraram muito mais tarde comparado ao de manhã. Estava mais centrado e pareceu se cansar bem menos. Diria que estava mais revigorado!

De fato, o garoto teve de admitir que o cansaço que sentiu nas três primeiras ondas de ataque da Amazona foi inexistentes após o florescer daquele jardim. Em compensação, a sua mestra mostrou-se bem mais fatigada ao fim do dia. Era como se suas energias tivessem sido drenadas, e ele imaginou se não tinha sido responsável por isso, principalmente ao encontrá-la naquele estado há pouco.

Aquele treino também soou nostálgico, pois remeteu-o quando estava, raras vezes junto de Halfeti, fazendo-lhe companhia. Foi quando treinou o aprimoramento de seu Cosmo e sua conexão com as rosas desde o incidente. Foi ele quem o ensinou a ouvir as plantas, tal como seu pai tantas vezes dizia enquanto estava a cuidar do jardim. Pensar naquilo o fez se perguntar há quanto tempo não pensava em sua família.

— Quando chegou aqui? — perguntou ele, chamando a atenção de Selene que colocava dois pratos sobre a mesa. — Há quanto tempo está aqui, no Santuário?

— Uns dois anos, quase... — dizia entregando-lhe um prato e deixando outro sobre a mesa, voltando à bancada para cortar dois pedaços de pão. — Passei uns cinco anos em Jamir, uma região nas montanhas do Tibete, norte da China, onde fiz grande parte do meu treinamento.

O garoto recebeu o pão e molhando no caldo do assado de pato que caçaram durante o treino, acompanhado de lentilhas, cenoura com uma salada de folhas, cebola e alho-poró, além de uma porção de arroz para acompanhar.

Notou o estranhamento dele sobre a menção da região ainda desconhecida por muitos, adorando ainda mais vendo-o questionar sobre, o que era ótimo.

Após tantas semanas entregue ao silêncio, quando somente tinha que interpretá-lo por suas ações e expressões, ela estava agora a instigá-lo a falar ao longo daquele jantar. Falou sobre os lemurianos e de quando levada pelo mestre Arles, o mesmo que permitiu treiná-lo no vale, e de como descobriu sua descendência junto a eles.

— Então, não conheceu seus pais?! — questionou ele, fitando-a.

— Não. — respondeu ela sem rodeios, naturalmente. — Cresci num orfanato bem longe daqui. Fui deixada lá quando ainda era bebê. — e ficou pensativa, como se quisesse lembrar de algo. — Ao menos era o que dizia as freiras do lugar. — e comeu mais um pedaço de carne. — Mas, confesso que adoraria tê-los conhecido...

O garoto ficou a olhá-la por mais alguns instantes, mas baixou a cabeça, meio que deixando os talheres sobre o prato. Ao perceber aquela reação, Selene se preocupou. O assunto tomou um caminho delicado que nem mesmo ela havia se dado conta, e temeu que aquilo o fizesse se fechar novamente após grande avanço ao longo daquele dia. Tocou a mão dele sobre a mesa buscando sua atenção, já pronta para dizer algo quando ele falou.

— Eu pouco lembro dos meus pais. — dizia ele, ainda com o olhar baixo. — Na verdade, tenho mais lembranças do meu pai porque era com quem mais passava meu tempo. Ele era floricultor. — e levantou a cabeça com um sorriso discreto. Selene quebrou a cabeça um pouco para o lado e cruzou os braços sobre a mesa, ouvindo-o. — Ele conversava muito com as plantas, dizia que era bom para que crescessem fortes e saudáveis... E era verdade! Ninguém em nossa vila tinha flores mais belas que aquelas vendidas por meu pai. O Sr. Halfeti fazia o mesmo, e acho que isso ajudou a guardar essa lembrança dele. Os dois eram muito parecidos quanto a isso.

— E como era Halfeti? — perguntou Selene parecendo desinteressada, mas mantendo cuidado em não o intimidar com perguntas demasiadas. — Noto que fala dele com admiração, tanto hoje mais cedo no jardim como agora a ponto de assemelhá-lo ao seu pai.

— Ele era uma pessoa boa. — respondeu o garoto sem titubear, comendo um pedaço de legume, mastigando sem pressa. — Ele quem cuidava de mim. Ele quem me ensinou muito o que sei, explicando sobre o Cosmo, sobre as rosas... Ajudou-me a lidar com meus medos...

 “Seus medos...?”, pensou Selene, ligando um alerta quando ao caminho que aquela conversa estava seguindo.  Gostaria de encerrar ali, mas tal como aprendeu, as suas reações, naquele momento, era de alguém que queria falar após tanto tempo reprimindo aquilo.  Não queria inibi-lo daquilo que parecia sufocá-lo.

— E como chegou naquele lugar? — indagou Selene com um tom confortante, fitando-o.

— Estava de noite quando chegaram ao vilarejo. — Contava ele, os olhos azulados brilhando enquanto olhava um jarro de flores posto sobre a mesa. — Estava dormindo quando ouvi batidas e gritos... Então eu pulei da cama assustado, abrindo a porta do quarto quando viu aquelas armaduras enegrecidas e meu reflexo diante dele.

 “Cavaleiros Negros invadiram seu vilarejo”, concluía Selene enquanto ouvia-o detalhar as armaduras negras. Pela descrição, identificara com um deles sendo de Mosca, a mesma com quem lutou, mas outros não sabia reconhecer de precisão. Conforme ele falava, era capaz de compartilhar de sua aflição, do seu terror, da sua confusão diante daquilo, mas não pensava impedi-lo de falar, apenas ouvi-lo por hora.

— Puxaram a mim e minhas irmãs pelos cabelos até a rua. Todos estavam na rua... amarrados. Muitas casas pegavam fogo, inclusive o jardim de meu pai. Eu nada mais ouvia naquele momento. — e olhou para a janela, como se pudesse ver um campo de flores ao longe. — Era como se ouvisse as flores gritarem, chorarem. Somente elas, ninguém mais. Não vi quando meus pais foram levados, somente que eu era puxado, mas me puxaram para outro lado. Depois disso, nunca mais vi meus pais ou minhas irmãs.

A Prata o observou atentamente enquanto o menino contava sua história, ao mesmo tempo em que fazia pequenas correlações. Mosca Negra, um de seus algozes, já havia pago por seu crime.

Se fez a todos o que viu naquele vilarejo, certamente os pais dele e suas irmãos estariam mortos, mas mantiveram ele. Aquilo a fez lembrar das marcas em seu corpo e aquilo a fez pensar nas barbáries que sofreu, sentindo-se nauseada.

— Não sei quanto tempo passou. Estava sempre preso, sozinho até eles aparecerem. Sempre me traziam presentes, mas também sempre me machucavam. — dizia com um olhar triste, mas sem resquício de uma lágrima. — Foi quando, um dia, aconteceu... Foi quando conheci o Sr. Halfeti e nunca mais me machucaram, nunca mais tocaram em mim... Até há algumas semanas quando tudo se apagou.

Selene engolia a seco ouvindo aquilo. Não queria demonstrar sua repulsa com o que ouviu, mas era quase impossível ser indiferente.

Halfeti, seja o que for o que tinha acontecido a ele, e até mesmo aquele garoto quando o encontrou a ponto de quase matá-la, nada era lembrado, senão aquele intervalo de tortura que poderia ter sido semanas ou mesmo anos. Como saber?

— Ainda não me disse seu nome. — perguntou Selene fitando-o.

— Não lembro. — ele a fitou. — Não lembro meu real nome. Sempre me davam um nome cada vez que saia daquele quarto, às vezes dois ou mesmo três...! — e fez uma careta. — Odeio aqueles nomes. — e franziu o cenho. — Mas existe um que gostei... e acho que o Sr. Halfeti adoraria.

— E qual seria? — perguntou Selene ainda fitá-lo.

— Afrodite. — respondeu ele a fitando. — Foi como as rosas do vale me chamaram. "Afrodite!"


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Consegui mais um capítulo da fic e estou buscando cumprir cada novo a cada 15 dias. o/
Agradecendo os comentários, dando boas-vindas aos meus novos leitores. ^^
.
Nos próximos capítulos:
Afrodite é apresentado oficialmente ao Santuário e novos Cavaleiros de Ouro são sagrados. A geração dourada se completa!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.