Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 46
Interlúdio :: Van Quine




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Dormir sentado não era algo inteligente a se fazer, mas sempre acabava adormecendo enquanto ficava a ler o diário em voz alta.

Zelava pela jovem Antares, que ainda não havia despertado, mesmo após semanas de seu misterioso incidente. Ao menos a febre cedera e os ferimentos cicatrizavam rápido sem deixar marcas visíveis.

Foi despertado com um sono perturbado dela nos primeiros dias, mas acalmando com o tempo até ressonar tranquilamente como ele havia deixado naquela manhã.

 "Você precisa treinar, aliviar essa tensão e espairecer um pouco", disse Kiki naquela manhã, e foi o que Qüine fez. Após um mergulho no rio com água fria com nados repetitivos, conseguiu despertar e era agora o momento de alongar o corpo há muito parado.

Pensou seguir para o anfiteatro, mas optou por um campo mais aberto e isolado onde poderia treinar mais suas técnicas de área sem o perigo de machucar qualquer um — e outras razões particulares. Apenas o som de uma queda d'água a alguns metros quebrava o silêncio.

 Embora já tivesse melhor controle da técnica, Qüine queria mais. Ele queria aprimorá-las baseado no que sua mãe mencionava no diário de lições.

Em seu treinamento com Saga e Kanon, ela explicava as diferentes técnicas de cada e como estas variavam, tanto em poder como em função. O rapaz queria usá-las unicamente para ataque ou defesa, raramente unindo as duas como ele tentava tantas vezes fazer.

 O mais complicado, ao seu ver, era 'Outra Dimensão', onde a viagem dimensional exigia sua concentração e agilidade em atravessar aquele mundo desconhecido. "Um caminho onde um erro poderá levá-lo aos confins do desconhecido e perder-se nos mais infinitos mundos até mesmo esquecidos pelos deuses", escreveu sua mãe no diário e deixando destacado no centro de uma página.

Escolhera um lugar tranquilo, onde sua companhia eram apenas árvores que deveriam datar séculos por conta do diâmetro de seus troncos e dos tantos cipós presos aos galhos. A vegetação era rasteira e lembrava um jardim malcuidado com algumas partes em terra batida. Apenas um casebre foi visto mais adiante, abandonado, coberto por folhas.

 Primeiro concentraria seu Cosmo, o suficiente para testar suas rajadas rápidas de golpe e o quão forte poderia chegar. Deixara pontos marcados à sua volta, atingindo-as e cronometrando o tempo de ataque do qual buscava superar a cada momento, o que exigia demasiadamente de si.

Parava a cada hora para beber da água fria de uma fonte próxima, enquanto descansava por alguns minutos sob a sombra de uma árvore. De tempos em tempos, se refrescava, molhando o pescoço e os braços, antes de retomar, até que decidiu por um banho, para renovar as forças.

 "Estranho, não lembro de ver isso aqui antes...", comentou quando deixou sua toalha sob uma pedra e olhando um arbusto de quase 1m próximo dali. Reiniciou seu treinamento, ascendendo mais uma vez seu Cosmo e dando início ao ataque quando pressentiu algo avançar contra ele, às suas costas.

Qüine precisou virar-se rápido e concentrar seu golpe contra o cipó de uma das árvores que foi pulverizada ainda no ar. No entanto, pouco tempo teve para entender o que foi aquilo quando outros vieram ao seu encalço, buscando atingi-lo de todas as direções, tal como estava há pouco a mirar nos alvos-mortos.

 De alguns foi preciso saltar e esquivar-se dos golpes de chicote daqueles cipós, atingindo a maioria deles que logo estavam a se multiplicar e cercando-o. Surgiam das árvores e dos arbustos que cresceram à sua volta, assim como do chão que, incrivelmente, tornou um grande tapete verdejante.

"Que merda...!!!", pensou o rapaz, percebendo que não estava sendo efetivamente ágil para conter tudo aquilo. Quando notou vários daqueles 'tentáculos' avançarem contra ele, Qüine arregalou os olhos, abaixando a cabeça e nublando sua face. Apenas um discreto sorriso nasceu em seu rosto.

 — Outra Dimensão...! — sussurrou ele pouco antes de ser coberto pelos cipós e ramos.

Um grande brilho dourado surgiu como se fosse o próprio Sol a nascer entre os ramos, mas imediatamente tragada de volta ao seu interior antes de novamente explodir como numa bola de fogo e pulverizando tudo à sua volta, deixando uma rasa cratera no local de impacto. Entretanto, quando a poeira e a fumaça se dispersaram, não havia sinal algum do rapaz.

 Qüine surgiria em outro ponto, com o punho emanando um forte Cosmo e seus olhos atentos à sua volta, respirando ofegante enquanto um portal se fechava às suas costas. Contudo, outros ramos e cipós surgiram, seguindo em sua direção. Ele estava pronto para atacá-las quando as viu parar e baterem entre si como se...

 "Palmas!? E-Eles estão... batendo palmas?! Mas que diabos...", pensava ele quando ouviu palmas e assovios às suas costas. Girou rápido seu corpo e observando uma figura feminina sentada, também batendo palmas com grande leveza.

Não era tão jovem como Antares, mas deveria ter pouco mais de 21 anos. Tinha um corpo curvilíneo demarcado por uma espécie de espartilho de couro. A saia nada mais era que parte da blusa sem mangas levemente rosada e descendo até altura da coxa. Usava calça escura e sandálias de tiras.

 O mais espantoso era sua feição que parecia uma boneca artesanal de tão perfeita simetria em sua pele alva. Os lábios eram pequenos e num rosado cintilante que sorria de canto, olhos amendoados e profundos como se fossem delineados, destacando um verde-musgo brilhante. Os cabelos tinham um tom loiro-platinado, eram desfiados lisos, mas que caiam em ondas-cacheadas sobre os ombros e costas.

— Nossa! Isso foi incrível, mas... — ela disse, com um sorriso no rosto. — Não acha que treinar sozinho é muito chato? — e faz uma careta arqueando o semblante.

— Engraçada... — respondeu Qüine com semblante sério. — Eu tive a ligeira impressão que queria ME MATAR!

Por fim, cedeu sua postura defensiva quando viu os ramos caírem sem forças, sendo apenas parte de uma paisagem que transformara aquele lugar 'morto' e tornando-o um belo jardim florido. No primeiro momento estranhou aquela transformação, levando-o a pensar rápido sobre aquele último acontecimento.

— Pela técnica... — falava para si mesmo, lembrando dos últimos capítulos lidos do diário, e voltando-se para a jovem. — Ao acaso tem algo a ver com Cavaleiro de Peixes?

Ela sorriu, mantendo arqueado seu semblante. Descruzou as pernas com elegância e saltou das ruínas de um antigo templo onde estava sentada espiando o jovem e caindo como uma pluma diante dele. Os seus passos eram sincronizados, lembrando modelos em uma passarela. Os cabelos esvoaçavam, sendo preciso ela prender atrás da orelha adornada com um brinco metalizado de uma rosa que cobria o lóbulo.

— Hum, perspicaz você. — e piscou para ele, cruzando as pernas enquanto de pé e depois os braços. —  Diria também que foi bem ágil em driblar os ataques, muito mais prático que esses bonequinhos mequetrefes que marcou de alvo.

— Ao menos eles não tentavam me matar! — disse Qüine injuriado, observando-a com aquela expressão cínica.

— Ah... mas eu não queria te matar não, lindinho! — a jovem mulher falou, rindo e dando alguns passos em sua direção. — Só queria ver como você se saia, já que nunca o vi nos treinamentos. — comentou, olhando-o de alto a baixo. — Não vejo suas proteções. Elas indicariam sua hierarquia aqui no Santuário, mas você não se movimenta como um aprendiz qualquer... você tem refinamento... e um cosmo bem fortinho!

“Lindinho...?”, estranhou Qüine, mas não deixando de mexer com seu ego e sorrindo de canto. No entanto, mantinha-se ainda desconfiado, buscando manter uma distância segura para uma eventual defesa.

— Seeeei... — respondeu ele com ceticismo. — Achei que era uma boa ideia seguir o conselho de Kiki e vim treinar, já que ele me expulsou de Áries. — comentou, sem deixar de admirar a mulher na sua frente. "Que gata...!!". — Ah, você não me disse seu nome. Sou Van Qüine!

— Van Qüine...? Disse que estava em Áries e expulso por Kiki...? — disse apontando para ele, ainda com os braços cruzados. Bateu de leve com o dedo sobre os lábios, pensativa. — Ah! Então é você é o novato que chegou há boas semanas?! — seu sorriso aumentou. — Uau! Então já é um Cavaleiro... — e inclinou-se pouco mais para frente. — Ou seria um 'aprendiz secreto do ruivinho'?

— Aprendiz... secreto? — indagou Qüine piscando aturdido. — Ahn, não... Não é isso. Quero dizer..."Por que ela está me deixando tão nervoso? Que diabos! Pareço um idiota perto dela". — Eu mantive meus treinamentos em Jamir, apenas isso. Fui ordenado vir para cá e... bom. Ajudar o Kiki com as armaduras também.

— Entendo... — dizia olhando para ele, sem piscar. — E se acha bom demais para treinar com os outros? — provocou.

— Não, não é isso. — respondeu de imediato, na defensiva. — Apenas queria treinar sozinho e não machucar ninguém e... Espere aí! — deu um basta, fazendo-a piscar para ele surpresa, mas sem tirar aquele sorriso de seu rosto. — O que você também faz aqui? Estava me vigiando por acaso? Não tenho que lhe dar satisfação e...

Ela sorriu, o que fez Qüine calar-se mediante uma expressão tão confiante.

— Ah, deve sim, lindinho. Caso não saiba, você colocou seus pés no meu jardim. — e piscou pra ele, rindo contidamente, fazendo um gesto amplo para ele. — Outros teria virado adubo para minhas rosas que devem estar famintas após eu passar um tempo longe em missão, mas... — umedeceu os lábios, olhando-o de cima abaixo. — Devo dizer que você tem um corpinho que... olha...! Deixa muito cavaleiro no chinelo!!! 

"S-Seu... jardim?!!", indagou o jovem aturdido, olhando novamente à sua volta e encontrando um belo jardim que floresceu naquele lugar em tão poucos instantes. Continuou a ouvi-la falar quando algo o fez estacar tamanha surpresa e ousadia nas palavras dela. Pela primeira vez sentiu o rosto corar.

— VOCÊ ME VIU TOMANDO BANHO?! — exclamou ele sem que nem percebesse.

— Ué? Qual o problema?! — ela questionou, com um sorriso cínico no rosto. — Você entrou aqui, eu vim olhar quem era, mas você já estava na água... Não iria te interromper... Parecia estar gostando da temperatura!

Qüine tentou dizer algo, mas não sabia o que dizer ou protestar diante daquilo. Cruzou os braços, descruzou levando-os à cintura e baixando a cabeça, deixando os cabelos úmidos nublá-los ao cair para frente e que ele jogou para trás enquanto caminhava em círculo. A jovem, por outro lado, ria com aquilo.

— M-Mas... como o jardim... Casa de Peixes... — tropeçava nas palavras, irritando-se por ser ele naquela situação. — Como pode ser aqui o seu jardim se a Casa de Peixes fica no topo do Monte Zodiacal? — dizia apontando pra cima. — Achei que era apenas uma área abandonada, um campo esquecido... sei lá! — dizia, olhando o jardim florido e se dando conta de um detalhe. — Essas rosas... elas são...

— Sem estresse! Lindinho, se isso aqui fosse um jardim de rosas venenosas, 'cê já tava morto, sabia? — disse ela descruzando agora os braços. — Elas não são venenosas... — e sorriu de canto. — Não essas. — e riu ao ver a expressão de susto dele. — Porém, seu Cosmo ajudou a florescer esse jardim, mas não pareceu ameaçador suficiente para torná-las nocivas, mesmo com ataque que parecia tão agressivo.

Ela passou por ele, tomando uma rosa em mãos. Em tempo real, Qüine a viu desabrochar de um pequeno botão para uma rosa perfeita e perfumada, do qual ela o presenteou. Ele tomou a rosa sem que nem percebesse.

— Esse jardim pertenceu a um Cavaleiro anterior a mim. Não sei de que tempo, apenas encontrei inscrições com seu nome naquele velho casebre...  — disse apontando para a casa abandonada ao longe. Escondido entre as trepadeiras. — E passei usar esse lugar, primeiro de fuga, depois como campo de treino... Ou você acha mesmo que eu deixaria um aprendiz chato subir aquelas escadarias todas e depois ficar aguentando ele reclamar que está cansado, enquanto tem que treinar comigo?!

— Acho válido...! — comentou ele, olhando pra cima e depois o grande espaço que havia ali. De repente, franziu o cenho voltando-se para ela interrogativo. — Você disse sobre pertencer um Cavaleiro anterior a você. — Ele soltou um suspiro ao ver a confirmação dela. — Desculpe, eu pensei que fosse apenas outra aprendiz, aspirante, nunca uma...

— Amazona de Ouro? — arqueou o semblante e mantendo o sorriso. Ela esticou o braço pra ele, mas recolhendo em seguida levando à altura do peito e curvando-se gentilmente. — Psychē , Amazona de Ouro de Peixes!

— Sinto muito, mas é que... — dizia levando a mão à nuca. — Bom, sempre ouço falar de homens assumindo a essa posição, as mulheres no nível Prata e Bronze.

— Não há por que se desculpar, lindinho. — Sorriu simpática. — Houve algumas raras ao longo do histórico do Santuário, mas é verdade que os homens são a maioria esmagadora. — e ela solta um suspiro, lamentando-se. — Uma pena que em pleno século XXI ainda nos vejam como 'princesas a serem protegidas', o que é irônico sendo que seguimos uma deusa, não acha?

Qüine assentiu, buscando por onde deixara seus pertences e pegando uma garrafa d'água. Lembrou-se do que sua mãe dizia no diário, do preconceito existente e do tom pejorativo que se voltavam para elas — 'mulher-cavaleiro' — e que ele mesmo havia se dirigido à Antares em seu momento de raiva.

— Sim, e espero que isso não influencie no comportamento assassino de vocês. — comentou espontaneamente, percebendo a expressão confusa da Amazona. — Ah, falo isso por experiência. É a segunda que conheço que tenta me matar. — sorri com escárnio.

— Segunda? — questionou a mulher, sem compreender. — Naila nem está aqui... A menos que... — e então pareceu ter compreendido. — Ah! Então foi você que entrou na Vila das Amazonas, durante a noite?!

— Ahn... — ele piscou surpreso por ela saber, mas por que não deveria? — Eu não sei o que disseram, mas... — parecia escolher as palavras. — Certamente não é como te contaram. Eu queria apenas chegar num lugar específico, mas apareceu uma psicopata mirim me querendo furar, então...

Psychē apenas riu daquilo.

— Tadinha! Não fala assim da Mascotinha! — ela falou. — Só porque ela achou que você foi lá roubar as roupas íntimas das meninas?  Teria sido bem mais seguro você ter pedido permissão para ir lá! — completou, levando uma mão à boca, tentando conter o riso.

Qüine bufou longamente, cruzando os braços. Aquele não era um bom dia para sair de Áries.

— Ótimo...! O herdeiro de Gêmeos levar a fama de ‘ladrão de calcinha’. — e levantou os braços.

Ela arregalou os olhos azuis e o sorriso em seu rosto se desfez. Já havia escutado falar sobre aquele que estava para assumir a Armadura que pertenceu ao homem que tinha dominado o Santuário por longos e negros anos. Mas nunca imaginou que o veria ali, pessoalmente.

— V-você? Cavaleiro... de Gêmeos? — Psychē piscou incrédula. — Espera... Você é o próximo Cavaleiro de Gêmeos?! Sério?!

Novamente Qüine a olhou com surpresa, mas mais sério que realmente desprevenido com a maneira com quem ela buscava uma confirmação e aquilo o deixou levemente desconfortável. Baixou o olhar e mordiscou os lábios, e ela pareceu notar aquilo.

— Então... você será o novo Cavaleiro de Gêmeos? — ela pontuou arregalando os olhos, e sorrindo em seguida. — Não imaginava que iria conhecê-lo antes de sua sagração! — levando um dedo ao queixo. — E então? Já sabe a sua data?!

— Não tem uma data. Na verdade... — ele tinha um tom mais sério e firme, bem diferente do rapaz de há pouco. — Eu já deveria ser o Cavaleiro de Gêmeos, mas ainda não estou preparado para assumir o legado que pertenceu ao meu pai. — e olhou para Psychē, forçando um sorriso. — Isso parece idiota, não é mesmo?

— Seu... pai? — Ela repetiu, e arregalou os olhos, tão surpresa quanto Antares ficou ao saber quem era a sua mãe. — Você é filho de... Saga... ou Kanon de Gêmeos?! — Perguntou, apontando para ele e depois abrindo um largo sorriso. — UAU! Um legado!

— Saga era o meu pai. — disse ele, esperando uma reação em especial.

Não sabia se diria sobre sua mãe ser uma Amazona. Afinal, ainda que àquela altura seria indiferente um conhecimento daquele, temia que a admiração por ela fosse quebrada por conta de uma infração no código das Amazonas — do qual ele estranhou dela não estar usando uma máscara como de quando conheceu Antares.

— Ahn... Sim, um legado, eu acho. — Sorriu discreto pra ela. — Ainda não me sinto à altura dele para herdar a armadura que um dia lhe pertenceu e depois ao seu irmão, Kanon.

— Ué?! Não acha por quê? — Psychē interrogou, curiosa. — Desde que eu te observo, você parece estar em um bom nível.  — Ela afirmou e apontou para o jardim. — Seu cosmo foi o suficiente para fazer com que as plantas florescessem sem que eu precisasse usar muito do meu! Ouso dizer que você está escondendo mais do que realmente mostrou aqui.

— O que sabe sobre meu pai? — questionou sem titubear, fitando-a. — O que sabe sobre quem foi Saga de Gêmeos?

O sorriso dela diminuiu ante aquela pergunta, até desaparecer e dar lugar a um semblante sério. Desviou os olhos para algum lugar qualquer, antes de tornar-se a olhar para ele.

— Sei o que dizem. — ela começou, baixando a cabeça. — Sei o que Kiki falou. E sei também do que li nos registros sobre a Guerra Primordial. Mas também sei que... o tempo dele já passou, e que agora, é o nosso tempo. — terminou simplesmente, voltando a sorrir. — Se quiser realmente saber sobre ele, terá que se tornar um Cavaleiro de Ouro, se não... não poderá ler os registros que falam daquilo que ninguém diz.

— Não quero conhecer meu pai através de registros oficiais. — respondeu ele a fitando, mas desviando o olhar para um ponto qualquer do jardim. — Quero saber quem ele era no seu dia-a-dia, sobre como alguém que era tão amado e adorado ter se... — calou-se, seguida de um suspiro e levando o dedo entre os olhos, pensativo. — Existe um meio, mas seria imoral fazer isso. — e forçou um sorriso. — Talvez eu esteja subestimando a mim ou superestimando meu pai, não sei ao certo. — suspirou. — Apenas não me sinto preparado ainda.

— Está com medo de quê? — ela perguntou prontamente, cruzando os braços. — De ser comparado ao seu pai? Ou de saberem que sua mãe violou uma regra das Amazonas?

Ele sorriu ao ouvir aquilo, quando esperava sentir-se surpreso. Quantos deveriam saber daquele 'segredo'? Voltou-se para Psychē, para a Amazona de Ouro diante dele. De uma conversa maliciosa estavam a conversar sobre conflitos, de decisões. Era curioso.

— Isso não incomoda vocês? — indagou ele franzindo o cenho. — Eu vi que muitas aspirantes a admiram, deixando flores onde ela viveu... E sim, eu não sei se devo temer o que aconteceu e se carrego a mácula de Gêmeos. Infelizmente o que dizem de meu pai não são bons e sei que muitos receiam sobre o próximo Cavaleiro da terceira Casa.

Aquilo o incomodava. O Ariano por muito o preparara para aquele momento, mas por mais que soubesse o quanto seu pai havia sido querido, não somente pelos relatos de sua mãe que poderiam soar exagerados por ser, segundo a própria, o grande amor de sua vida, ele tinha conhecimento do quanto todos também o temiam. 'Os anos sombrios', era o que ouvia dizer, o que acabou por fazê-lo evitar o anfiteatro e outros lugares públicos de treino.

— Você vive com a sombra deixada por seu pai. Uma sombra nunca será mais do que isso. — Ela explicou com alguma tristeza na voz.

"Ela tem razão. Não poderei fugir para sempre se tiver de assumir o legado de Gêmeos...", pensou no Qüine naquele momento enquanto a ouvia falar num tom bem diferente, também, ao de antes impregnado de malícia, mas sim como um desabafo.

— Os Cavaleiros de Peixes vivem algo que nenhum grande feito irá apagar. Mesmo sem ter feito nada, somos mal-vistos. Somos um mal necessário. — E então olhou diretamente para ele, mostrando algo diferente em seu semblante. — Mesmo sem ter feito nada. — continuou ela, encarando-o. — Nem mesmo eu fujo da sombra de meus antecessores, mas... se eu não assumir o manto, quem o fará? Sabe por quê? Não quer dizer que estamos fadados a cometer os mesmos erros, mas aprender com eles.

— Vejo que cada geração busca sua superação. — comentou ele engolindo a seco. — Não podemos apagar o passado como você mesmo disse, mas transformar o presente para fazermos diferente no futuro. — forçou um sorriso. — Eu vou assumir, não pretendo fugir dessa herança deixada pra mim, mas... — ele olhou em direção às Doze Casas, parando sobre o terceiro templo. —  Eu preciso entender o que houve, ou ao menos a parte dele.

— É bom. Alguns de nós tem fardos mais leves, outros mais pesados, mas... Podemos superá-los. — Ela disse, voltando a sorrir. — Assim como a Mascotinha vai sair de mais essa situação.

— Sim, ela vai. — disse confiante, fitando a Pisciana. — Sei que ela não vai desistir. Pelo pouco que a conheci, sei o quanto é teimosa e vai sair dessa situação. É o que todos queremos.

Psychè sorriu para ele, assentindo aquela confiança e batendo com seu punho fechado com de Qüine.

───────.∰.───────

Os passos firmes e pesados ecoavam no pátio do templo. Os cabelos negros dançavam com o vento que cortava o espaço aberto. Seguia em silêncio e imponente com sua armadura dourada reluzindo aquele fim de tarde. A capa bailava a cada passo do Cavaleiro.

O braço foi levantado diante do peito, fazendo o elmo recolher-se enquanto descia um pequeno lance de escadas até uma pequena sacada para um desfiladeiro. Metros abaixo, um jardim de rosas com pétalas e folhas voando, criando uma paisagem bucólica.

Próximo ao parapeito estava uma mulher de longos cabelos castanhos claros ondulados soltos caindo pelas costas até abaixo da cintura. Usava um vestido longo branco de seda leve e solto acompanhado com um corselete dourado. As mangas eram longas e largas, deixando os ombros nus. No pescoço pendia um colar até altura dos seios.

O seu semblante de belos traços estava sério, seus olhos azuis celestes eram incisivos. Em sua mão estava o báculo, personificação de Niké, acompanhando-a desde sempre, do qual segurava firme e deixando transparecer sua tensão.

— Lamento que tenha que ser ele a carregar tamanho fardo como esse. — comentou ela olhando em direção ao jardim, onde assistia duas pessoas conversando de maneira harmoniosa.

— Não podemos interferir em seu destino, senhorita Athena. — disse o cavaleiro em seu tom forte e sério, mas respeitoso com relação pá deusa após curvar-se para ela, ajoelhando-se ainda que às suas costas.

— Acredita que ele possa cumpri-la? — ela o olhou por cima dos ombros. — Nesse caso, não seria uma interferência, mas um reverso do destino, Klahan. — e voltou-se para o jardim onde via Qüine e Psyché. — Ele carrega uma grande responsabilidade, uma missão da qual muito fracassaram.

— Compreendo sua preocupação quanto a isso, senhorita Athena, mas mesmo sendo uma deusa, não pode interferir no destino que lhe foi incumbido. — alertou Klahan se levantando, aproximando-se da deusa.

O Cavaleiro era pouco mais alto, a pele levemente morena e cabelos escuros que nublavam parcialmente sua face, mas não a venda sobre seus olhos.

— Ele é jovem, mas vejo que carrega sua herança, um legado único que o torna forte e obstinado. — comentou Klahan de maneira analítica. — Ele tem medo, mas também a coragem de o encarar. Ao acaso está perdendo a sua fé nos humanos, Athena?

 A deusa sorriu, fechando momentaneamente os olhos e respirando fundo.

— Não, não perco a minha fé nos humanos. São criaturas falhas, mas sei reconhecer o quão forte são. — e reabriu os olhos, buscando no céu as primeiras estrelas a surgirem naquela transição do dia para a noite. — Apenas acho que ela não esperava que pudesse recair algo sobre ele uma missão tão única, tão... — suspirou, deixando uma lágrima ganhar sua face. — triste.

— Posso sentir o aperto em seu peito, senhorita Athena, na dor que a consome por isso. — comentou Klahan com imparcialidade em sua voz. — Sinto também seu conflito em resistir a findar isso, mas não pode. Não deve envolver-se. — calou-se ao perceber o silêncio de Athena, mas 'ouvir' suas lágrimas sobre sua face. — Está duvidando dos humanos dos quais sempre acreditou ser a esperança para o mundo que jurou defender?

— Não. Jamais duvidarei do potencial humano. — ela respondeu, voltando-se para o Cavaleiro de Virgem ao seu lado, ensaiando um sorriso. — Apenas quero que isso tenha finalmente um fim...! — disse, olhando para a constelação de Gêmeos que brilhava no céu.


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Notas finais do capítulo

Klahan de Virgem tem um Gaiden disponível aqui na minha rede. As crônicas de Saint Seiya aqui escritas, todas fazem parte do SSGen, um projeto releitura da série.

Nos próximos capítulos:
O retorno ao Santuário e a dualidade ganhando forma. Novos conflitos e revelações acontecerão.



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