Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 39
Livro II :: Dualidade - Ato 1


Notas iniciais do capítulo

Selene e Aiolos estão em missão fora do Santuário, chegando na Alemanha e com destino à Suécia guiados por um misterioso cosmo. Quem seria capaz disso?



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Os seus olhos observavam as gotas de chuvas que se chocavam contra o vidro. Isso estava impedindo a visualização da paisagem coberta pela cortina de água que caia sobre os campos verdejantes que se estendia por quilômetros. Porém, não era isso que estava a chamar a atenção de Selene. A sua mente estava distante naquele momento, com olhos perdidos no vazio.

Há pouco mais de duas semanas havia deixado o Santuário para acompanhar Aiolos numa missão, atravessando o centro da Europa seguindo em direção ao norte até o local onde ele perdeu definitivamente a pista dos Cavaleiros Negros. Encontraram ainda os sinais de batalhas, com valas e crateras indicando uma luta da qual o Cavaleiro de Sagitário afirmava ter destruído dois deles, com réplicas de Cerberus e Cão Maior, mas que era liderado por um com réplica dourada de Peixes.

O rastro simplesmente havia desaparecido para o Sagitariano, mas não para Selene. Essas continuavam bem intensas, permitindo que encontrassem outros esconderijos e alguns poucos Cavaleiros Negros menores pelo caminho da qual a Prata deu conta sem muito esforço, mas que não passavam de peões.

Do suposto Peixe Negro, não havia qualquer pista, senão quando chegaram a Berlim, onde uma antiga igreja serviu de esconderijo e não parecia ter sido abandonada há muito tempo.

O mais estranho no lugar era a presença forte de rosas negras da qual foram armadas para um ataque aos dois Cavaleiros. Embora sua técnica de cristal não fosse das mais eficientes, conseguiu bloqueá-las a tempo suficiente para se teleportar e Aiolos executar seu ataque destruindo as restantes. Era esperado que, após os confrontos a caminho dali, sobre a presença deles e sobre o lugar ter sido abandonado há poucos dias.

Entretanto, algo chamou a atenção de Selene, e para sua surpresa, estava em suas mãos e percebendo uma faísca de cosmo. Era um botão de rosa negra de bordas avermelhadas, da qual estava a dizer, silenciosamente o que fazer e para onde deveriam seguir. Porém, aquele pequeno cosmo era mais que uma orientação, mas algo que deixou a Prata levemente perturbada nos dias que se seguiram.

As noites de sono eram inquietantes, fazendo-a dormir pouco nos dias que antecediam a viagem, desta vez de trem, após confirmar a possível localização. Usar suas habilidades apenas indicariam suas presenças e era preciso serem discretos. Daquele momento em diante estavam a ocultar o máximo de seu cosmo.

Outra tarefa seria o não uso da máscara, o que foi facilmente providenciado e não levantaria qualquer suspeita com uso do niqab, um tipo de véu usada pelas muçulmanas da qual deixava apenas os olhos visíveis, mas que os cabelos de Selene sombreavam de maneira natural e mantendo seu rosto oculto para seu companheiro de missão. A máscara, mantinha-se guardada nas vestimentas típicas dos adeptos islâmicos para no caso de imprevisto.

Quando o trem partiu com destino a Malmö, na Suécia, Selene se manteve integralmente na sua cabine, com o olhar perdido no horizonte e mantendo a rosa negra em mãos enquanto se questionava quem e por que teria deixado aquilo. Era um cosmo diferente de todos os outros Cavaleiros Negros, emanando angústia e apreensão, o que deixou a Prata um tanto ansiosa desde então

— Trouxe nosso jantar, aproveitei para fazer uma inspeção nos vagões. Não encontrei nada suspeito, por hora. — comentou Aiolos ao vê-la de costas, fechando a porta atrás de si. — Ainda intrigada com a rosa negra?

Ela fechou a mão, apertando a rosa negra que carregava e baixando a cabeça envolvida pelo lenço, cobrindo até altura do nariz e deixando seus cabelos sombrear o rosto.

— Um pouco. Nada me tira da cabeça que exista alguém com eles, alguém que nos pede socorro...! — e soltou um longo suspiro.

— Isso tem tirado seu sono. Percebi que tem estado inquieta, ansiosa. — disse Aiolos olhando-a de lado, vendo-a se mexer, cruzando e descruzando os braços. — Mas não é isso que a tem incomodado, não é mesmo? — supôs ele, evitando olhá-la diretamente em respeito por estar sem sua máscara. Olhou apenas de modo que pudesse entregar seu jantar.

Aqueles sonhos estavam sendo realmente perturbadores. Ela não podia ver quem era, senão uma silhueta escondida e encolhida nas sombras, segurando aquela rosa negra em mãos com tanto afinco que certamente empregou um fio de cosmo em resultado de seu desespero silencioso. Não havia contado sobre isso ao Aiolos, mas o Sagitariano percebeu isso quando a viu despertar assustada na noite que antecedia a viagem.

— Penso que podemos estar seguindo para uma armadilha. — disse ela recebendo a refeição, mesmo sem estar com forme alguma naquele momento. Sentia o estômago embrulhado. — Ainda assim, não escondo a minha preocupação de que existe alguém que não deveria estar com eles.

Aiolos tinha os talheres em mão, mas não podia ignorar aquela brecha para conversarem. Deixou sua refeição também de lado, sentando-se numa cadeira, voltando-se para a amazona diante dele. Havia algumas horas até o destino. Chamou pela Prata que parecia hesitante. Não havia autoritarismo em seu tom, somente buscava sua atenção.

— Quer conversar sobre isso? — disse ele a fitando. — Por que não me diz o que exatamente está sentindo?

Selene mostrou-se hesitante, deixando a refeição de lado e se levantando, cruzando os braços e parando próxima à janela. Não sabia como explicar o que estava acontecendo desde o dia que tomara aquela rosa em mãos, explicar os sentimentos que impregnavam aquela rosa e contida naquela minúscula energia.

— Desespero. — disse ela se voltando para ele de lado. — O que sinto vindo dessa rosa é medo e desespero emanando nesse fio de cosmo, Aiolos. Quem quer que seja, está implorando por ajuda. Não acredito que deixou isso de maneira intencional. — e voltou olhar pela janela, tocando com a ponta do dedo como se quisesse pegar a gota de chuva que escorria do lado de fora. — Incrivelmente esse pequeno cosmo está me guiando, e cada vez fica mais intenso, e com ele sua agonia, sua dor... Eu não o vi, mas eu o ouvi chorando. Está com medo, muito medo... e machucado também. — ela fazia uma careta, não visto pelo Sagitariano, mas perceptível por suas ações.

A Prata se abraçava, com suas mãos apertando seus braços não por algum frio repentino, mas como uma dor inexistente, infligida por um receio ou mesmo medo. Selene ansiava que aquela viagem somente chegasse ao seu fim.

Aiolos fez intenção de se levantar, mas ela afirmava estar bem, respirando fundo. Ele assentiu, com alguma hesitação. Baixou a cabeça pensativa, mordiscando os lábios e juntando as mãos em forma de prece diante dos lábios.

Estava hesitante em chamá-la para acompanhá-la após o que lhe aconteceu, mas de todos, Selene era a mais indicada, e apesar de toda aquela 'pressão' que a atormentava, ele não poderia estar mais que certo. As peças começavam a se encaixar e aos poucos parecia fazer sentido.

— Quando conversei com mestre Arles, ele ficou incerto se estaria pronta após o que houve há alguns meses quando Mephisto a encontrou... inconsciente. — dizia Aiolos jogando o corpo para frente e apoiando-se nas pernas, o que não o permitiu ver quando Selene sentiu um leve arrepio com a menção daquele nome naquele momento. — O Grande Mestre acreditou que seria uma boa oportunidade para saber se teria superado aquilo. Porém, temo por você, Selene.

— Não há razões para se preocupar, Aiolos. — disse ela buscando tranquilizá-lo, olhando-o de soslaio e assentindo para mostrar que estava confiante e bem. — Isso não é nada comparado ao daquele dia.

Aiolos franziu o cenho e levantando a cabeça. Piscou aturdido, questionando-se de algo e colocando mais reto na cadeira, cruzando a perna em quatro.

— Você tem sangue lemuriano, segundo sei. Dizem que eles são incrivelmente sensitivos, capazes de perceberem detalhes que passam despercebidos aos olhos de pessoas comuns. — comenta Aiolos dando os ombros.  — Talvez tenha herdado isso deles e por isso esteja sentindo isso com mais intensidade.

— O mestre Arles garante que meu pai era um lemuriano, e foi dele que herdei os genes que me concederam certas habilidades. — comentou Selene apoiando a cabeça no vidro da janela, ainda se abraçando. Ensaiou um leve sorriso ao lembrar-se de quando o mestre falara sobre isso.

Não havia conhecido seus pais. Tudo que se lembra era de crescer num orfanato ao lado de outras crianças e ao cuidado de freiras, até muito bondosas. Quanto maior fosse, mais difícil era para ser adotada e ela não ajudava muito por sempre fugir por um medo irracional.

Quando chegou em Jamir e soube que descendia de um povo antigo e dado como 'extinto' por viverem de modo tão isolado, foi quando passou a realmente construir uma verdadeira identidade e compreender mais sobre as 'coisas esquisitas' que era capaz de fazer e controlá-los, mas conhecia seus limites como explicava para Aiolos.

— É verdade que os lemurianos possuem dons incomuns ao de humanos comuns como nós dois, embora eu seja uma rara exceção por conta do gene de meu pai. — e riu contidamente, acompanhada de Aiolos que também esboçou um sorriso. — Eles são extraordinários, capazes de manter sua cultura e seus costumes após séculos enquanto se mantém isolados do resto do mundo, mas ao mesmo tempo com sólido conhecimento de tudo. No entanto...

Ela pausou naquelas palavras, mostrando um comportamento pensativo e levando a mão que trazia a rosa, fechada, e batendo levemente contra o peito. Aiolos observava aquilo com atenção.

— Embora eu não seja de uma linhagem pura deles, eu herdei fortemente o lado sensitivo dos lemurianos. — e riu um tanto forçado. Mordiscava os lábios por baixo do véu que cobria seu rosto. — Posso me teleportar, mas não a grandes distâncias como Mu é capaz de fazer como de viajar de Jamir e Santuário sem se cansar como eu numa única viagem e espaços bem mais curtos. — e suspira. — Agora, essas sensações, essa precognição... ela parece... cada vez mais intensa!

— Eu soube que alguém a estava ajudando com isso. — comentou Aiolos a fitando. — Um jovem que reside no sexto templo.

— O Shaka tem me ajudado bastante através da meditação e no controle das minhas emoções, mas... — confidenciou ela virando um pouco somente a cabeça para olhar o Sagitariano de canto. — Ainda não entendo de o porquê ser eu.

— Ser você...? Como assim? — questionou o Sagitariano, ajeitando-se na cadeira. Não queria ser invasivo e precisava de cuidado no rumo daquela conversa. — Selene, o que exatamente aconteceu naquele dia?

Ele a percebeu ficar inquieta, a sua respiração ficar mais pesada. Imaginava o quão difícil deveria ser falar sobre aquilo. Porém, como a conversa fluía de modo natural, o Sagitariano acreditava que podia ir um pouco além, mas percebendo a hesitação de Selene, e foi ele a sentir-se incomodado por sua intromissão num assunto tão delicado fazendo-o se desculpar e justificando que queria apenas ajudá-la, embora não soubesse como.

— Se eu te disser que não sei, acreditaria em mim? — ela se virou para ele, e Aiolos pudera ver o brilho lilás de seus olhos por alguns instantes antes que ela virasse novamente o rosto. — Um momento olhava o Monte Zodiacal e de repente tudo escureceu, como se uma sombra nublasse meus olhos. — dizia ela, engolindo a seco ao lembrar daquilo e como se pudesse assistir àquela cena diante dela novamente, fazendo-a se arrepiar. — O que senti naquele momento, a sensação de horror que tomou conta de mim foi insano! Aqueles olhos vermelhos olhando na minha direção...

Selene não percebeu de imediato, somente quando sentiu a mão de Aiolos tocá-la em seus ombros e descerem para segurar sua mão da qual ela intencionava ferir-se com suas unhas em sua pele. Ele apenas pedia calma e desculpas por fazê-la lembrar daquilo, buscando acalmá-la e afastando-se somente para entregar-lhe um copo d'água e afastando-se, ficando de costas para que ela pudesse remover o véu.

— Desculpe fazê-la lembrar disso, não era minha intenção. — disse envergonhado, desculpando-se mais uma vez. — Apenas tenho andado preocupado e prometi ao mestre Arles que nada aconteceria a você.

— Tudo bem. — disse ela após beber uns goles de água, forçando-se a sorrir. — Eu que te devo desculpas por preocupá-lo com isso. — disse ela olhando-o. — Eu apenas me sinto perdida, uma estranha por conta desses meus... surtos.

Aiolos sorriu, olhando por cima dos ombros e buscando mudar a conversa convidando-a a jantar antes que a comida esfriasse. Após um breve silêncio, ele a ouviu aceitar e buscaram conversar amenidades de modo a confortá-la.

Jantaram strogonoff acompanhado de molho madeira e batatas gratinadas, enquanto a sobremesa era um molho de frutas vermelhas e pães crocantes — knäckebröd.

Não demorou para Selene conseguisse adormecer, tendo o corpo coberto por uma manta e sob o olhar preocupado de Aiolos. O que ela havia dito era algo que preocupava o Mestre Arles que praticamente suplicou ao Dourado que ficasse atento ao seu comportamento e manifestações psíquicas.

O Sagitariano, desde o dia do teste da Prata, desconfiava de algo quando a viu desencadear aquele poder e começava a entender a preocupação do Grande Mestre.

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Um corpo caiu pesado no chão. As mãos seguravam o pescoço em vão na tentativa de conter o sangue que esguichava e tomava sua boca, engasgando-o. Debatia-se freneticamente meio a grunhidos.

Vendo uma silhueta se encolher num canto, respirando pesado com os pés descalços e sujos, aquele que agonizava já tinha os olhos esbugalhados e avermelhados pelos vasos sanguíneos que dilatavam pela falta de oxigênio.

Ainda assim, tateou às cegas na busca de sua pistola que caíra no momento do ataque, voando de suas mãos. Surpreendeu-se quando viu pequenos ramos envolver a arma e este envolver-se em seu corpo, sentindo os espinhos perfurando sua carne e pressionando-o com força sem que ele pudesse gritar.

Estava sendo devorado aos olhos daquela figura que levantou a cabeça, exibindo expressivos olhos amendoados e de belas íris azuis que brilhou intensamente numa explosão de luz.

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Selene abriu os olhos e jogou o corpo para frente, despertando assustada a ponto de nem perceber, ao menos de imediato, a sua máscara ir ao chão.  Respirou fundo e buscava normalizar sua respiração e orientando-se sobre onde estava até recordar-se que estava ainda em viagem no trem com destino a Malmö ao ouvir o anúncio no interfone.

"Atenção aos passageiros, uma ceia será servida em alguns instantes. O tempo de chegada ao destino é de...4h..."

Buscou pela garrafa d'água, bebeu um longo gole e olhou pela janela espelhada por conta da iluminação da cabine em contraste com a escuridão da noite do cenário externo.

Puxou um pouco somente o lenço do rosto e percebendo seus olhos mais brilhantes que o normal. Tocaria o rosto quando percebeu uma falha na iluminação, desviando sua atenção.

A luz da cabine sofreu algumas variações como de umas lâmpadas prestes a queimar. Selene franziu o cenho estranhando aquilo, fazendo-a jogar o manto que a cobria de lado. Não demorou a mergulhar o quarto no escuro por algumas vezes, ainda que tivesse sido por alguns segundos.

Porém, em uma destas vezes, um vulto surgiu na janela como se abrisse longas asas e seus olhos fosse um vermelho vivo, chamando a atenção da Prata. Pouco pôde ver por conta do retorno da energia e porque vidro refletia a imagem do interior da cabine. Num rápido reflexo, apagou a luz esperando ver aquela imagem, mas somente observou o campo aberto com as montanhas ao fundo.

— Aconteceu alguma coisa...? — questionou Aiolos ao ver a cabine escura, mas não apenas isso. Sentiu um leve tremor enquanto fechava a porta.

Selene acendeu as luzes e se voltou para Aiolos vestindo sua máscara e enrolando o lenço em seu pescoço avisando que deveriam partir naquele momento.

Contudo, nem mesmo pôde responder devido um forte solavanco acompanhada de explosão que fez ambos perderem o equilíbrio com seus corpos sendo jogados contra a parede da cabine. Gritos começavam ecoar. A luz novamente vacilou mergulhando-os no escuro e percebendo apenas um borrão pela janela.

— Mas o que é isso? — disse Aiolos tentando se colocar de pé. — O trem de repente ficou mais rápido... — e outro solavanco. — Ele vai descarrilar se continuar nessa velocidade.

Uma luminescência prata e rubra surgiu na cabine, com Aiolos percebendo vir de Selene que se colocava de pé. Os cabelos esvoaçavam, mas mesmo sob a máscara o Sagitariano podia ver o brilho na altura dos olhos.

— Um abismo...! — disse ela com os olhos fixos para frente como se olhasse além das paredes da cabine. — Há um abismo mais à frente. Se não fizermos algo essas pessoas irão morrer! Eu posso ajudar na redução da velocidade, mas não poderei evitar até o abismo, Aiolos...

— Selene...! — Aiolos diria algo, mas apenas viu ela tocá-lo em seu peito e ele ser tomado por uma luz cegante que o fez fechar os olhos.

Quando menos percebeu, Aiolos estava do lado de fora do trem, trajando sua armadura de Ouro de Sagitário. Sentiu somente um formigamento percorrer seu corpo, compreendendo que Selene o havia teleportado para fora do vagão. Precisou apenas ganhar mais altitude para ver o abismo dito pela companheira e o grande vão, e ele teria apenas alguns minutos apenas para evitar que a locomotiva mergulhasse no vazio.

Aiolos voou com maestria em direção do abismo, mas surpreendeu-se ao ver os vagões serem envolvidos, um a um, pelo cosmo da amazona de Prata. Selene tentaria reduzir a força cinética de modo a ajudar a parar o trem, mas não o suficiente de cair, mas evitar uma tragédia igualmente maior de um descarrilamento.

— Ela está tentando conter a velocidade... — dizia ele ultrapassando o trem e chegando onde os trilhos foram destruídos, constatando suas suspeitas. — Quem foi capaz de... — pensava em voz alta quando precisou se esquivar de uma rajada de luz negra em sua direção, sentindo algo bem próximo passar em seu rosto.

Ao virar-se para a origem do golpe, viu grandes asas negras serem abertas e nela revelar-se um Cavaleiro Negro — um homem de pele morena e cabelos escuros desgrenhados, olhos amendoados e de contornos escuros e com um largo sorriso de canto exibindo dentes pontiagudos.

— Um Cavaleiro de Athena, quem diria...! — disse com sarcasmo e coçando uma leve barbicha que ali nascia. — E não é um Cavaleirinho qualquer, mas um cavaleiro de Ouro como desconfiou o mestre... — e riu contidamente entre dentes.

— Foi você responsável por isso? — disse Aiolos sério e olhar duro para aquele Cavaleiro Negro que apenas fazia uma careta. — Como ousa...

— Fico feliz que tenha conseguido sua atenção. Permita que eu me apresente... — dizia recolhendo as asas por alguns instantes, mas Aiolos pressentiu algo que o fez ficar ainda mais alerta. — Sou Cleeves de Corvo Negro!  — e abriu suas asas, revelando um bando de corvos surgirem e voarem em sua direção.

Aiolos conseguiu desviar de algumas, precisando ziguezaguear para esquivar-se daquelas aves muito incomuns. Elas tinham olhos vermelhos como se estivessem chamas e seus bicos pareciam soltar uma fumaça que desenhava suas asas, isso além de se mostrarem tão ágeis ele.

— VOEM, MEUS CORVOS INFERNAIS! DEVOREM O SAGITÁRIO! — gritava o Corvo Negro rindo da fuga de Aiolos.

Num segundo de distração, uma delas conseguiu alcançá-lo e explodindo, fazendo o Dourado perder momentaneamente o equilíbrio e cortar os lábios. Somente não recebeu um dano maior devido a proteção do elmo que cobriu seu rosto. "Então foi isso que causou a explosão? Esses corvos explodiram os trilhos...?", pensou Aiolos vendo o trem se aproximar. Ele não tinha muito tempo.

— Não adianta fugir, passarinho de Athena. As minhas aves são atraídas por seu cosmo. — disse ele rindo. — Quanto mais cosmo elas absorvem, mais fortes elas ficam! — e moveu as asas, fazendo mais aves atacarem Aiolos.

"Aquelas asas...Preciso destruir aquelas asas!", pensou Aiolos cerrando os olhos e sabendo exatamente o que era preciso fazer, e precisava ser rápido.

Voltou a ziguezaguear no alto, ainda mais rápido que antes, conseguindo criar dois grupos do bando voando com direções distintas, o que estava deixando Cleeves perdido sem entender os planos do Cavaleiro de Ouro.

Num dado momento, ele havia desaparecido ao alcançar o alto, e quando menos percebeu, o cavaleiro mergulhava em sua direção e desviando no último segundo, fazendo as aves mergulharem contra o Corvo Negro e explodirem sobre ele.

Aiolos nem mesmo olhou para trás senão para certificar de que não mais havia os corvos em seu encalço. Ele precisava impedir da locomotiva cair no abismo.

Por mais arriscado que seria, esperava apenas que Selene estabilizasse o trem suficiente para o que ele estava prestes a fazer. Posicionou-se entre os trilhos, elevando suas asas e sobrando-as ao nível daquelas danificadas. Ascendeu seu cosmo de modo a somar estabilidade no restante da ferrovia para que a mesma suportasse a passagem da locomotiva sobre suas asas e o restante do trajeto, possivelmente danificado pela explosão, aguentasse o peso.

Foram alguns segundos até que o trem atravessasse em segurança sobre ele, restando agora que ele parasse, o que aconteceu a alguns quilômetros à frente quando o cosmo que envolvia a locomotiva tornou-se ainda mais intensa e parando. Aiolos assistiu de longe, voando até onde o cosmo se retraía e parando sob a cabine.

Selene surgia teleportando-se ali, trajando sua armadura de Prata de Pyxis. Havia conseguido estabilizar e reduzir a velocidade, o que exigiu demasiadamente de seu cosmo. Ainda assim, foi capaz de criar uma barreira de luz contra uma forte rajada negra que foi ao seu encontro. Fraca pela força que havia empregado no trem, a barreira se quebrou e arremessando-a longe, sendo segurada por Aiolos no ar.

— Está tudo bem? — perguntou Aiolos vendo-a confirmar quando a colocou no chão. — Fez um belo trabalho ali. Parabéns!

— Obrigada, mas ainda não terminados. — agradeceu ela, apontando na direção do inimigo que se aproximava.

Sobre eles, puderam ver o Corvo Negro, muito ferido pelo ataque de seus corvos infernais que explodiram ao irem ao seu encontro pelo truque do Sagitariano.

Tinha boa parte de seu corpo queimado, sobretudo o rosto, que acabou por cegá-lo de um lado, e chamuscar seus cabelos. Houve sérios danos também em sua armadura, trincada nas ombreiras e braçadeiras. A sua expressão de sarcasmo e ironia de outrora dera lugar à completa ira.

— Não pense que vou deixá-los sair impune pelo que fizeram a mim... — dizia ele ascendendo seu cosmo enegrecido. Aiolos tomara a frente de Selene, ainda enfraquecida, abrindo suas asas. — Malditos... MALDITOS CAVALEIROS DE ATHENA! ASAS PERFURANTES!!!

E seu cosmo explodiu naquele momento, fazendo com que Aiolos elevasse o braço frente aos olhos. O Dourado, ao perceber seu algoz concentrar o seu cosmo em seus punhos, se colocou em posição de defesa ascendendo seu cosmo igualmente.

Percebeu a Prata mover-se com intenção de fazer algo, mas ele interveio dizendo que seria ele a concluir aquela luta. Contudo, ela pôde ver além da rajada de luz que o Corvo Negro lançava sobre eles.

— São penas de corvos...? Não. São lâminas! As penas são lâminas! — disse ela com seus olhos brilhantes mesmo escondidos sob a máscara.

De fato, Aiolos pudera ver o fio daquelas penas lançadas contra ele e Selene, e o que fez foi bater as asas da armadura de modo a criar um turbilhão de vento dourado.

— IMPULSO LUMINOSO DE QUÍRON! — exclamou Aiolos executando um movimento com as mãos, concentrou o golpe contra à rajada do Corvo Negro.

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— O que é aquele brilho dourado? — disse o maquinista de sua cabine ao perceber uma intensa luz distante dali.

— Seja o que for, espero que seja o mesmo anjo que nos salvou de cair no abismo há poucos instantes. — disse o companheiro olhando para o outro e ambos olhando para o céu fazendo o sinal da Santíssima Trindade.

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A rajada negra foi sobrepujada pela luz dourada, com algumas de suas penas sendo desintegradas pelo golpe de Sagitário enquanto outras foram levadas pela tempestade de vento se voltando contra o Cavaleiro Negro, surpreendido com o contra-ataque.

O Corvo Negro foi envolvido pela tempestade de Sagitário, com suas penas destruindo sua armadura já trincada pelo ataque anterior. Acabou sendo pulverizada pelo seu próprio golpe, o que provocou profundos danos em seu corpo promovidos pelas penas cortantes. Quando caiu no chão, estava lavado em sangue, sem mais forças para falar e agonizando diante dos dois.

Selene chamou a atenção de Aiolos para inúmeros corvos sobre eles com seus olhos vermelhos como fogo. Estes logo avançaram, mas a Prata teleportou os dois de imediato dali poupados de ver o massacre das aves sobre o corpo de Cleeves, o Cavaleiro Negro de Corvo.

Os dois surgiram num monte mais acima, com Selene caindo de joelhos, amparada por Aiolos que recolhia suas asas e olhando para a mesma direção da Prata.

— Não acredito que alguém seria capaz de matar centenas de pessoas somente para chamar a nossa atenção. — dizia ela, com a voz ainda cansada. — Ainda bem que ninguém se feriu.

— Sim, mas... e você? — questionou Aiolos se voltando para ela. — Esforçou-se muito além, Selene.

— Ou faria aquilo ou a tragédia seria muito maior. — respondeu enquanto olhava as estrelas. Sempre encontrava paz junto a elas. — Eu vou ficar bem, não se preocupe. Apenas precisei empregar mais poder para manter o trem estável até passar pelo abismo e reduzir sua força. — e bateu de leve nas mãos dele em seu ombro. — Eu vou ficar bem, só preciso de alguns minutos.

— Descanse! Farei uma busca na área para ver se não existe outros Cavaleiros Negros nas proximidades até a chegada do resgate. — disse Aiolos se levantando. — Embora não sinto nenhum cosmo próximo.

Havia um, mas da qual apenas Selene era capaz de sentir. Uma fagulha que continuava a chamá-la silenciosamente. Ela se levantou e caminhou alguns passos, como se pudesse ouvir um chamado. Os seus olhos novamente voltaram a brilhar, não tão intenso a ponto de sobressair em sua máscara.

Naqueles campos ela podia enxergar um rastro luminoso, seguindo para um vale. Aiolos percebeu que ela estava a ver algo, já imaginando o que seria.

— Precisamos ir. — disse ela num tom sério, mas também preocupado. — Quem quer que esteja nos guiando, está ficando muito fraco e pode ser tarde demais.

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— Então Cleevos de Corvo Negro foi derrotado? — disse alguém bebericando seu vinho, com os dedos que segurava a taça cheia de anéis com joia negra. — Acha que pode lidar com eles?

O elmo cobria toda a extensão de sua cabeça com sulcos que deixava espaço para os cabelos longos trançados caindo sobre ombros e costas. Uma máscara parcial cobria seu rosto, com destaque às duas orbes douradas sobre os olhos que lembravam ao de um inseto.

A indumentária negra reluzia coma pouca luz, exibindo longas cerdas nas costas e nas braçadeiras que se mostravam afiadas. Bateu com o punho fechado no peito e sorriu.

— Vou terminar o trabalho de Cleevos, Sr. Halfeti. Prometo não o decepcionar. Eu, Chade de Mosca, presentearei seu campo com o mais doce e precioso néctar do sangue dos Cavaleiros de Athena.


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Notas finais do capítulo

Nos próximos capítulos
Um confronto com Chade de Mosca Negro, enquanto que no Santuário Saga sofre intermináveis assombros em sua alma.



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