Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 35
Livro 1 :: Destino - Ato 20


Notas iniciais do capítulo

Selene retorna às atividade, mas recebe o selo amarelo que a levará fechar um ciclo e dar início ao próximo para seu primeiro dever como Saintia de Atena.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/335604/chapter/35

O céu estava limpo naquela noite, algo da qual há muito Selene não a via sem uma única nuvem no céu. Aquilo acabava por animá-la ainda mais em puxar Saga pelas mãos e rindo meio aos questionamentos sobre o que ela intencionava fazer levando-o para fora dos limites do Santuário.

Havia marcado com ele ao anoitecer, quando todos adormeciam para seu descanso e ela pudesse fazer a surpresa para aquela noite antes de sua partida para missão na tarde seguinte da qual ele ainda não havia aceito de bom grado. Ambos estavam apenas com roupas civis, carregando somente uma mochila para pernoitarem como haviam combinado.

— Selene...? Selene! — chamava Saga em vão, percebendo que cada vez mais se afastavam e adentrando naquele bosque. — Você deveria estar descansando. Fazemos isso quando voltar... Aonde estamos indo, afinal?

— Se eu contar perde a surpresa. — comentou virando-se brevemente para fitá-lo, trocando a mão e olhando para o céu meio às copas das árvores. — Tenho certeza de que vai gostar.

E atravessaram um arbusto, chegando próximo uma clareira onde Saga imediatamente reconheceria o lago onde frequentemente se banhava, mas também onde lembrava ser onde se amaram pela primeira vez, onde aquela mulher que o puxava pelas mãos se entregara unicamente a ele. Aquilo o fez parar para pensar por alguns instantes. Começava a compreender o que ela pensava em fazer, acabando por puxá-la.

— Selene, não me diga que... — indagou o Geminiano a fitando, vendo-a esboçar um sutil sorriso para ele. — Não. Não está pensando em... Sabe que não podemos! — disse ele sério, mas sem tom de censura.

Não muito distante dali, embora escondida pela copa das árvores e das brumas da noite, era visível a montanha de Star Hill, devendo estar não mais que 500m à frente. Saga a segurou forte, sendo ele a puxá-la desta vez e meneando negativamente. Como alguém que estava a cuidar dos documentos legislativos, sabia bem das restrições ao lugar da qual Selene queria levá-lo.

— Selene, você pode ter a concessão do Grande Mestre a entrar em Star Hill, mas eu não... — comentava ele quando a ouviu suspirar, aproximando-se dele.

— Saga... Star Hill não é um único templo, mas alguns templos espalhados na colina e quero levá-lo a um deles somente. — dizia ela soltando um suspiro. — Além do mais, não faremos nada demais. Apenas quero... quero fazer uma surpresa.

— E não pode ser feito aqui? — disse apontando para o lago. — Olhe onde estamos, Selene... onde nos amamos pela primeira vez. Por que precisa ser em...

— Confia em mim? — disse ela olhando-o nos olhos. — Acha que faria algo que pudesse comprometê-lo? — e o puxou sutilmente. — Saga...

O Geminiano apenas respirou fundo e assentiu, acompanhando-a pela clareira e seguindo um caminho de arcos com os galhos das árvores, criando a ilusão de um túnel. Saga admitiu jamais ter percebido algo num lugar como aquele.

Selene o puxou até uma ravina onde havia alguns ramos densos de hera descendo pela encosta, como se formassem uma cortina no paredão rochoso. Ali a Amazona levou a mão e as puxou, revelando uma passagem antiga, composta por algumas colunas em ruínas e uma escadaria de pedra.

— A escada só fica ‘exposta’ na lua cheia, quando sua posição consegue melhor mover as sombras e revelá-la. — explicava ela subindo pelas escadarias. — E é preciso um momento certo, ou ela se perde facilmente. Não pra mim, que sempre consigo achá-la.

Saga franziu o cenho, olhando para trás e impressionar-se com a invisibilidade da escadaria mesmo enquanto estava a subir por ela. Fora, o que viu foi apenas as rochas e a relva, mesmo com Selene o puxando e ele acreditando que atravessariam uma parede ou ela o teleportaria ambos dali.

— Não posso usar teleporte aqui, é arriscado. Porém, incrivelmente, essas escadas não cansam como parece. — dizia ela olhando-o por cima dos ombros. — Star Hill possui templos escondidos nessa colina. Eu nunca encontrei, mas... — ela parou alguns degraus acima. — Aqui existe o Túmulo das Estrelas, onde descansam os antigos Cavaleiros, mas... deve ser do outro lado da colina.

Saga a ouvia comentar e já tinha ouvido falar do túmulo onde descansavam os ditos ‘cavaleiros mitológicos’, mas não imaginava que poderia estar entre os templos escondidos de Star Hill como dizia Selene.

No entanto, ele estava mais curioso em saber sobre o que ela pretendia. Por mais que perguntasse, apenas a ouvia dizer que ‘estavam chegando’ até que a viu parar e chamá-lo para entrarem numa gruta.

Somente então Saga percebeu o quão alto estavam, bem acima da copa das árvores da floresta, mais parecendo um grande gramado em campo aberto acolhidos pelas sombras da colina, enquanto no céu um manto estrelado da qual ele jamais lembrava ter visto tamanha beleza. Selene percebeu sua expressão de surpresa, tomando sua mão para que ele continuasse a acompanhá-la até alcançarem um templo mais acima, parando no pátio deste.

— Não tem o que se preocupar. Aqui é o Observatório, onde o mestre Arles me incumbia de estudar as estrelas. — dizia Selene largando a mochila no chão e se voltando para um Saga admirado com o céu. — Pouco mais acima é onde o Grande Mestre se exila para estudar as constelações, onde até mesmo eu sou proibida. — disse apontando para cima. — Então, o que achou?

— Sua louca! — falou Saga, sem saber ao certo se ficava lisonjeado ou preocupado com aquilo. — A vista aqui... é linda!

Saga comentava isso enquanto deixava a mochila que trazia com ele ir ao chão, caminhando a passos calmos e olhando aquele céu estrelado encantado. Jamais havia presenciado tamanha beleza mesmo quando visitou o planetário com seus pais quando criança, ao lado de Kanon e seu avô, contando o mito de muitas delas.

Sorriu bobo para aquilo, despertando somente quando sentiu a mão de Selene segurar seu braço e rindo de sua distração, parando ao seu lado.

— Isso é... fantástico! — disse ele sem piscar temendo perder algum detalhe.

— Que bom que gostou. — comentou Selene animada. — Desde criança sempre gostei de ver as estrelas, e fiquei igualmente encantada quando estive aqui pela primeira vez. É como se... se eu perdesse... perdesse toda a noção de tempo e espaço enquanto ficava aqui.

— Quando criança, meu avô levou Kanon e eu a um planetário e contava muitas histórias sobre as estrelas, constelações... seus mitos, sabe? — dizia Saga com ar nostálgico, abrindo um discreto sorriso. — Mas essa imagem... Nada se compara a isso! — disse abrindo os braços para apresentar aquela paisagem.

Selene apenas o ouviu e sorriu, percebendo que sua surpresa tinha valido à pena. Beijou-o no rosto e se afastou somente um pouco para servir-se de água que tomaram numa fonte a caminho dali. Saga demorou alguns instantes em ir ao seu encontro, abraçando-a e levantando-a para girar, roubando um demorado beijo e agradecendo por aquilo.

— Você disse... seu avô. — disse ela ainda em seu colo, apoiando-se em seus ombros. — Você nunca fala muito de... sua família.

Saga a colocou no chão, um tanto pensativo enquanto ela mordiscava os lábios pensando se não havia falado o que não devia a já pronta para se desculpar quando o ouviu falar, pouco depois de soltar um riso descontraído e ao mesmo tempo tímido.

— Sabe por que Kanon e eu viemos para o Santuário? — questionou ele se voltando para Selene. — O meu avô contava muitas histórias sobre a ‘lenda dos Cavaleiros de Athena’, e tudo começou após uma visita ao Planetário... Já foi em um? — e viu Selene manear negativamente, sorrindo sem-graça.

— Eu cresci num orfanato, Saga. — disse ela engolindo a seco. — Não conheci esses lugares... — dizia e vendo Saga perceber sua gafe e já se desculpando, mas ela interveio. — Mas diga. Disse que tudo começou após irem a esse... Planetário...

— Ahn, sim. — Retomava o raciocínio de antes. — Ele falava sobre as estrelas, a origem de seus nomes... e falou dos mitos que deram origens à algumas constelações, principalmente de Gêmeos. — e a tomou pelas mãos, puxando-a para se sentar no chão. — Ele sempre falou com uma paixão fora do comum, dizendo que ouviu de seu pai que, por sua vez, ouvia de sua mãe sobre o ‘homem que seu pai foi um dia’.

— Uma história contada por geração? — indagou Selene curiosa.

— Quase isso. O meu avô dizia que descendíamos de um Cavaleiro que teria se exilado na Ilha de Canon... — comentava Saga vendo a expressão de Selene sobre o nome e ele rir, assentindo como se lesse seus pensamentos. — Exatamente daí que Kanon recebeu seu nome, escolhido por meu avô. E foi quando ele começou a contar a história de guerreiros que lutavam contra deuses ao lado de Athena... Ele narrava de uma maneira que deixava nós dois fascinados!

— O seu avô parecia conhecer, mas não como uma lenda. — questionou Selene estranhando aquilo. — Como seu avô sabia de tudo isso?

— Como disse, ele dizia que descendíamos de um Cavaleiro. Daquele Cavaleiro exilado na Ilha de Canon... Chamavam ele de ‘Demônio da Ilha Canon’. — Saga riu daquilo, acompanhado de Selene, mas logo voltando a ficar mais sério. — Mas nosso pai sempre recriminava dizendo não passar de histórias, por mais que meu avô dissesse que não, que era verdade e que nós dois poderíamos nos tornar cavaleiros. Meu pai sempre dizia que nada disso existia, que era invenção do meu avô e tudo mais e que não estávamos ‘destinados a ser Cavaleiros de uma epopeia grega’.

— Por um instante o nome fez todo sentido ao Kanon... — pensou Selene, olhando para Saga de lado que entendeu o que ela disse, referenciando-se ao ‘demônio da ilha’ e rindo.

— É uma quase verdade. Kanon sempre foi mais provocador. Nosso avô mesmo dizia isso para o desespero de nossa mãe, uma cristã fervorosa! — comentou Saga continuando a rir, mas ficando novamente sério. — E quando nos demos conta, estávamos seguindo em direção às lendas contadas por nosso avô. — e parou para fitá-la, tocando com a ponta de seu dedo no rosto dela. — E foi quando encontramos você.

Selene sorriu, tomando a mão dele e beijando, segurando forte entre suas mãos e respirando fundo. Ela pareceu levemente perturbada, voltando-se para o céu e olhando as estrelas.

— Disse que seu avô falava da mitologia por trás das estrelas e das constelações, não é mesmo? — comentou Selene olhando ainda as estrelas e chamando a atenção de Saga ao apontar para um grupo mais acima. — Sabe que estrelas são aquelas?

Saga entendeu o que ela fazia, e respeitaria sua condição de não falar sobre seu passado ainda que soubesse fragmentos dele — de crescer num orfanato e depois viver roubando nas ruas acuada por outros garotos como aqueles da qual ele e Kanon a salvaram naquele dia. Como tantas outras vezes, ela se esquivava do assunto e ele não insistiria até o momento que ela quisesse comentar sobre.

Olhou para onde ela apontava e localizando as duas estrelas brilhantes e sorrindo. Claro que ele reconhecia a constelação que seu avô tanto falava.

Como não reconheceria minha estrela guardiã? As duas estrelas brilhantes... — comentou Saga contemplando-as, até ouvir Selene chamá-lo. — O meu avô contava muito sobre a lenda dos dois irmãos.

— Pollux, o filho de um deus, e Castor, filho de um humano. — completou Selene chamando-o para deitar em seu colo, prontamente atendido pelo Geminiano. — Dizem que os dois eram muito unidos, e que nem mesmo a morte foi capaz de separá-los. Triste pela perda de seu irmão mortal, o semideus implorou a seu pai para que dividisse a imortalidade, e então os irmãos passaram a alternar os dias entre si, até que os deuses finalmente se compadeceram deles e os colocaram juntos, entre as estrelas.

— Era o que nosso avô narrava. Ele adorava a história dos dois irmãos. Às vezes em Gêmeos fico a observá-los por longas horas... — comentou Saga mantendo seus olhos verdes sobre as duas estrelas que brilhavam intensamente naquela noite.

— No orfanato... — disse vacilante, e Saga percebeu que ela estremeceu naquele momento. Reunia coragem para falar, e ele apenas apertou forte sua mão oferecendo o apoio que ela precisava. — Eu... E-Eu sempre fugia para olhar as estrelas da janela. Eu tinha uma que... que chamava de amiguinha... — e riu daquilo, um tanto corada. — Incentivada por uma freira, muito bondosa que tinha lá, disse que ela nos protegia contra o escuro da noite... e minha cama ficava bem próxima da janela. E isso porque... — Selene engolia a seco, parecendo conter as lágrimas. — Porque uma vez ela me viu chorando por não... não ter conhecido meus pais... e ela disse que... que eles poderiam estar ali... entre as estrelas... olhando por mim.

— E qual era a estrela? Reconheceria ela hoje? — indagou saga a olhando. — Talvez fosse Pyxis. — disse ele arqueando o semblante. — Não é ela sua estrela guardiã?

E Selene olhou para o céu, vendo uma pequena, mas brilhante estrela, ao longe, e seu brilho era peculiar, fazendo Selene lembrar-se de quando uma criança sentada à janela encolhida e buscando sempre aquela mais brilhante e visível de sua janela. Não lembrava do nome, mas havia marcado aquela pequena estrela pelo seu brilho singular entre o branco e lilás, diferente das outras estrelas... e ela estava lá, brilhando naquele momento.

— Pyxis... — comentou Selene deixando o pensamento ganhar voz. — Talvez. Apenas lembro que sentia uma paz quando a avistava, e muitas vezes adormeci na janela. — e os dois riram. — É um nome bonito. Pyxis!

— Seria um bom nome para uma garotinha. — ele riu, mas parou quando percebeu o que disse.  — Ah... claro, se você fosse adotada! Acho que ficaria bonito em uma menina.

— Pyxis...? Hum. — ficou pensativa. — Acho que alguém não daria o nome de ‘Pyxis’ a uma criança. — e riu com aquilo. — Mais fácil usarem Castor e Pollux ao nome Pyxis.

— Se eu tivesse um filho chamado Castor, acho que eu não conseguiria imaginá-lo como uma criança, mas como o bicho. — E riu, colocando os dentes para fora. — Mas acho que Pollux... É, Pollux daria um bom nome, apesar de romano... Pollydeukes seria meio... er... estranho.

— Teria pena de seu filho com o pai dele brincando de mostrar os dentinhos como fez agora... — disse Selene rindo, bagunçando seus cabelos, e vendo-o mostrar novamente os dentes, fazendo-a gargalhar com aquilo enquanto bagunçava seus cabelos.

Saga tentou, em vão, segurar suas mãos, conseguindo após algum tempo e virando-a a ponto de tombar para o lado. Isso permitiu que ele se levantasse, jogando os cabelos já longos para trás e vendo-a tentar fugir, mas segurando-a pela perna e a puxando, entre risos.

Ela virou-se de frente para ele, ficando ambos a trocarem olhares antes de seus lábios se encontrarem, primeiro em suaves selos até serem levados para algo mais fugaz, com Saga a puxando para seu colo quando se levantou.

— Tem certeza de que quer ir... — dizia Saga interrompendo aquele beijo, mas sentindo o dedo de Selene sobre seus lábios, enquanto seus olhos recaíam sobre os dele.

— Não vamos falar sobre isso... Vamos esquecer o amanhã... só por um instante... e sermos só você e eu... — e olhou para o céu. — E as estrelas como testemunhas de nosso crime aqui.

Ele a fitou por alguns instantes, esboçando um sorriso e tocando em seu rosto, concordando com aquilo e recebendo mais um beijo furtivo.

— Apenas me promete que vai voltar em segurança. — comentou ele com o rosto bem próximo ao dela. — Que vai voltar pra mim, ok?

— Eu vou voltar. — ela sorriu para ele. — Eu preciso voltar porque quero estar novamente em seus braços... como estou agora. — disse fechando os olhos, beijando a testa de Saga, enquanto sente as mãos dele ganharem suas costas, e isso a fez rir, contidamente. — Pensei que alguém disse que o que estávamos fazendo era errado.

— Um crime a mais... ou a menos... Quem seria capaz de nos delatar? — disse ele com as mãos subindo aos seus ombros e puxando as alças do seu vestido com seus dedos. — As estrelas? Acho que elas não se importariam com esses dois amantes numa noite de despedida...

Selene sorriu, segurando seu rosto e roubando mais um beijo, este mais demorado, enquanto sentia a alça escorregar por seu braço. Entre beijos, a jovem contém por um instante, buscando os olhos do Geminiano, com os seus reluzindo intensamente naquele momento.

— Saga, não importa o que acontecer... — dizia acariciando a face dele coma as costas da mão. — Eu voltarei sempre para estar ao seu lado... — ela prometeu selando com um beijo, sob o olhar terno e surpreso do Cavaleiro. — Sempre... Sempre!

Saga a olhou por alguns instantes, assimilando aquelas palavras e esboçando um sorriso antes de buscar novamente seus lábios, com as mãos em seus cabelos, segurando sua nuca para deitá-la novamente no chão.

.

.

.

Tudo havia sido feito às pressas. Colocaram em suas mochilas aquilo que acreditavam ser essencial para o que pretendiam: casacos, biscoitos, um saco de pão e uma pequena garrafa com água, além de seus bonés e um saco de dormir de acampamento do último verão.

Aguardaram à noite para descer as escadas onde, horas antes, ouviram toda a discussão e tomando o máximo de cuidado em descer as escadas. O último maior obstáculo era porta da qual ofereceria a passagem para trilharem um novo caminho.

No entanto, o que viram ao colocar os pés fora da porta estava longe de ser o quintal gramado e o caminho de pedra que tão bem conheciam. O chão estava tingindo de vermelho e uma chuva acontecia naquele momento.

Saga, em seus 10 anos, parara junto à porta levando a mão ao rosto ao sentir aquele líquido quente e viscoso ganhar seu rosto, e ao olhar para Kanon, o via sujo de sangue e seus olhos paralisados e assustados.

Acompanhando os olhos do irmão, o que viu à sua frente foi uma vala com inúmeros corpos. E ao recuar, não havia mais sua casa, mas um grande vale de sangue.

Um grito de horror ecoou, fazendo Saga arregalar os olhos verdes e despertar daquele pesadelo da qual demorou assimilar até mesmo onde havia adormecido. Respirava ofegante, percebendo que transpirava e fios colavam em sua face. Até mesmo levou a mão ao rosto para ver se não era o sangue que vira no pesadelo. Ao olhar para o lado, apenas viu Selene, ainda adormecida, com apenas sua blusa e coberta nas pernas pelo manto que haviam trazido.

Buscou pela garrafa de água, mas não era o suficiente. Pela viagem e subida haviam consumido o bastante. Nem mesmo a dela estava cheio. Queria lavar o rosto e sentia a garganta seca.

“Existe uma fonte mais acima, de uma nascente que há na montanha...”, ela havia dito durante o trajeto para que não se preocupassem com aquilo. Levantou-se com cuidado para não despertá-la, percebendo-a se mexer, mas mantendo-se adormecida. Respirou fundo e buscou se localizar por onde entraram. Apenas teria que subir, e faria isso o mais rápido possível. Não queria que ela acordasse e não o encontrasse ali.

“O que foi isso...?”, pensou Saga ao chegar na escadaria oculta e percebendo a subida. Apenas deixou um lenço demarcando a entrada para o retorno e subiu, pesado, ainda assustado com aquele pesadelo. A noite de sua fuga junto de Kanon não era de chuva, longe de ser aquela imagem de campo de guerra como viu. Por outro lado, as razões que levaram os dois a fazerem aquilo ainda eram bem frescas em sua memória.

Foi despertado de seu devaneio ao ouvir um barulho, fazendo-o procurar no corredor onde estava, mas encontrando nada senão somente ele. Certamente pensou se tratar de um morcego ou uma ave de rapina. Seguiu seu trajeto e não precisou ir muito longe para ouvir o som de água. Deveria ser a tal fonte da qual Selene comentou e apenas seguiu o som até sair num pátio de pedras. Certamente aquele era o último espaço antes do templo principal permitido somente ao Grande Mestre.

Saga jogou os cabelos para trás e seguiu até a fonte, onde lavou o rosto e bebeu um pouco da água colhendo-a com a mão. Era gelada e límpida, e pôs-se a encher as garrafas. Mais uma vez, ouviu aquele ruído soar tão próximo dele, mas nada que se comparasse ao som do bater de asas ou de um canto do vento, e sim um sussurro como se algo ou alguém o chamasse.

Saga se levantou olhando para os lados, mas nada via, nem mesmo sentia a presença de qualquer um. Por um impulso chamou por Selene, mas não ouviu resposta.

— Ah! Deixa disso, Saga... Aquele pesadelo mexeu com você...? — pensou alto, fechando os olhos por alguns instantes quando ouviu, novamente aquele som, mas desta vez bem mais próximo e nítido.

 “Gêmeos...!”, ecoou em seu ouvido, e virou-se para tentar apanhar o autor daquilo, mas o que viu foi apenas uma sombra esgueirar-se numa escadaria de pedra presente naquele pátio, pouco mais à frente. Saga chamou, chegando avançar alguns passos, mas quem quer que fosse, tinha desaparecido. Ficou entre segui-lo ou simplesmente descer e chamar Selene para irem embora. Ou será que ainda estava mergulhado em seu sonho?

Balançou a cabeça e deu meia volta, caminhando de volta à fonte quando percebeu uma crescente sombra sobre seus pés, ganhando a parede onde estava a fonte.

Alguém o chamava, novamente como 'Gêmeos', fazendo-o se virar novamente e ver nada mais que a lua, livre no céu estrelado, parcialmente sombreada pela Terra. Olhando de volta na fonte, havia apenas sua sombra, fazendo-o levantar o braço e confirmar seu reflexo. Entretanto...

Seus passos ecoaram naquele corredor espiral. Nem mesmo precisou subir demais, certamente fez meio círculo subindo até chegar a uma sala oval. Não parecia estar no templo superior, mas era bem adornada e havia uma mesa rústica ao centro, aparentando datar da antiguidade como aquela em sua sala e ao de Aiolos. Sobre ela, apenas um castiçal de bronze simples para vela única. Outras eram presas à parede, ajudando a iluminar pouco mais o ambiente.

Saga se demorou naquela sala, e percebendo isso, deu meia volta para sair dali quando percebeu uma reluzente borboleta de asas azuis voando pela sala, em sua direção. Ela tinha uma beleza única, além de um brilho singular que fez Saga ficar estranhamente encantado, a ponto de acompanhá-la após rodeá-lo e vê-la parar numa das poucas prateleiras ali existentes.

O bater de suas asas pareciam emanar um singelo cosmo, mas nem tanto foi isso que atraiu Saga, mas uma câmara meio às pilastras e acolhida nas sombras que propiciava uma ilusão de ótica perfeita que a ocultava, e esta concedendo a uma sala repleta de arquivos que datavam da Era Mitológica.

Os seus dedos tocavam levemente as prateleiras com rolos de pergaminhos e papiros que se acumulavam em pequenas médias caixas ornamentadas, outras lisas. Ao centro, uma mesa circular que desenhava a abóboda celeste, com todas as constelações conhecidas e extintas.

Saga pensou em quanto Aiolos apreciaria aquilo em sua pesquisa pela localização das armaduras. Porém, não podia dizer que esteve ali. Nem mesmo deveria estar ali, e pensar nisso o fez lembrar que deveria voltar. Já havia se demorado mais que deveria.

Recuou para voltar pelo mesmo caminho quando, novamente, percebeu aquela mesma borboleta diante dele, causando estranhamento ao Geminiano que levantou a mão para tocá-lo e percebeu algo sob os pés, a mesma sombra do pátio acompanhado de névoas que mergulhou Saga em plena escuridão.

───────.∰.───────

"Saga...", ouvia alguém chamá-lo meio ao escuro, com a penumbra se dissipando e uma imagem surgindo desfocada, pouco a pouco ganhando maior nitidez.  Ao abrir os olhos, viu apenas Selene sobre ele, com a mão em seu peito chamando-o insistentemente. Levantou-se num súbito, os olhos arregalados, olhando à sua volta. Estava no pátio junto à amazona que o olhava de maneira interrogativo.

— O quê... O que houve...? — indagava ele desorientado, levando a mão à cabeça.

— Saga! Tá tudo bem. — dizia ela sentando-se sobre as pernas, buscando o rosto dele. — Você estava resmungando algo enquanto dormia... Fiquei te chamando, mas não acordava...

— Quando foi que voltei? — questionou ele, vendo Selene franzir o cenho enquanto perguntava sobre voltar de onde. — E-Eu... Eu fui buscar água... aqui em cima e... entrei numa sala...

— Água? — ela mostrou as garrafas vazias. — Você não saiu daqui, Saga. De que sala está falando?

.

.

.

Não seria suficiente explicar por mais que tentasse, e Saga levou Selene até o pátio acima onde havia a fonte, da qual a própria Selene havia mencionado, e encontraram a escada em espiral que levava à sala da qual Selene reconhecia ficar às vezes, mas vasculharam o lugar e não havia câmara alguma ali. Saga tinha certeza seguir os passos, mas nem mesmo ele encontrava a entrada da câmara para uma sala de arquivos.

— Eu não estou louco... Havia uma câmara aqui, com acesso... acesso a uma sala... — e suas mãos foram seguradas por Selene, abaixando as mesmas enquanto ela lhe roubava um singelo beijo.

— Saga, você não está louco, ok? Que tal irmos embora? — dizia Selene acariciando seu rosto, abrindo um sorriso. — Logo vai amanhecer e... — e se calou, deixando subentendido. Ele assentiu e ela o puxou pela mão, deixando aquela sala sob o olhar intrigado de Saga.

Apenas uma borboleta sumia na única janela existente ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nos próximos capítulos:
Mais um ciclo chega ao fim com dois grandes mistérios que não estará escrito nas estrelas, mas que registram antigas lembranças e despertando pesadelos.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.