Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 30
Livro 1 :: Destino - Ato 16


Notas iniciais do capítulo

Um novo personagem surge em cena e dois outros ganham destaque nesse capítulo. As apresentações são mornas, mas buscarão trilhar histórias que revelem mais cada um deles.



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O sol desapontou no horizonte depois de uma chuva torrencial que se abateu sobre o Santuário desde o fim da tarde e seguindo pelo resto da noite. A chuva não concedeu um instante de trégua, causando inundações nos pontos mais baixos do Santuário e até mesmo de Rodório, nas ruas mais próximas ao rio que cortava o vilarejo. Muitos soldados, Cavaleiros e os aspirantes mais experientes trabalharam ao longo da noite salvando pessoas presas em pontos isolados, assim como na remoção dos feridos pela queda de barragens.

Saga e Selene ainda estavam na câmara do templo, apenas namorando após se amarem tão intensamente, quando ouviram o movimento mais acima mesmo sob a forte chuva. Ouviram os soldados gritarem sobre a cheia do rio e que avançava em direção de Rodório. Os dois amantes trocaram olhares conciliadores, com Selene vestindo seu uniforme ainda úmido e Saga invocando sua indumentária dourada, com cada um seguindo para um ponto distinto do vilarejo.

A tragédia da chuva somente não foi maior devido uma ajuda inesperada.

Embora Shura ajudasse abrindo caminhos profundos com seu corte no chão para mudar o curso do rio não estavam sendo suficiente para conter o avanço das águas. Era preciso criar uma barragem de contenção para que pudessem desviar para o canal que ele havia criado. Foi nesse momento que surgiu um ‘Gigante’, derrubando um monte e obrigando as águas seguirem o curso criado pelo espanhol e impedindo que a cidade ficasse embaixo d’água.

Após o trabalho de toda uma noite, a chuva perdia sua força gradativamente até restar uma garoa fina pouco antes do amanhecer. As pesadas nuvens que caiam sobre o Santuário se dissiparam e o sol, coberto desde a tarde anterior, despontava no horizonte. Muitos se encontravam molhados, sujos de lama, cansados com a correria, mas felizes por evitar uma tragédia e sem mortos naquele incidente. Alguns desabrigados, mas que seria facilmente contornado com ajuda de todos.

— A sua ajuda foi crucial. Yo no teria conseguido fazer isso sozinho. — comentou Shura jogando os cabelos molhados para trás, olhando a barreira que havia criado, observando o rio ainda correr violentamente pelo canal. — Acho que até metade del dia lo rio perde a força, mas devemos ficar alertas. Todos foram removidos? — Indagava o espanhol se voltando para o gigante homem de pele bem morena.

Estavam de volta ao Santuário, num monte com a visão privilegiada para onde criaram a barragem. Ambos se surpreenderam com a presença de Selene teleportando-se próxima a eles junto com Mu. Ambos, por sua técnica de teleporte e habilidades peculiares de telecinese foram de grande ajuda no resgate de feridos e daqueles em difíceis pontos de acesso.

— Todos a salvo! — comentou Selene que chegou a tempo de ouvir o questionamento do espanhol. — Mu e eu levamos os últimos feridos para receberem os devidos cuidados. Resta agora limpar a bagunça da chuva.

— Ese es el menor de los problemas... — comentou Shura olhando os dois e dando espaço, voltando depois seu olhar para o longe, respirando fundo. Sentia o corpo cansado, mas sabia que aquilo estava longe de terminar. — Apenas vigiar se a barragem aguenta.

— Ah, aguenta sim. — comentou o gigante ainda sentado. — Quanto a isso, não tem pelo que se preocupar. Com o sulco que abriu no chão com seu corte, a água vai fluir sem problema. Tenha fé que tudo caminha.

Todos se voltaram para o gigante curiosos, incluindo Selene que, mesmo sob a máscara, trocou olhar com Mu. O jovem lemuriano olhou para aquele ser estranho e suas feições se tornaram mais suaves e amistosas.

— O trabalho em equipe de vocês dois foi muito bom. — elogiou Mu com os olhos indo do homem grande ao espanhol. — Acho que não teríamos sido tão bem-sucedidos se você não tivesse sido rápido em desviar o curso das águas.

— É ‘nóis’! — disse ele com o indicador em riste e os outros dedos encolhidos, um O.k.

Todos o olharam franzindo ou arqueando o semblante com aquelas palavras tão singulares jamais ouvidas ali, mas o gigante nem pareceu notar em primeira instância. Apenas tinha um largo sorriso de satisfação no rosto, olhando o vilarejo mais abaixo. Quando percebeu o olhar de todos, gargalhou de tal modo que surpreendeu a todos com sua espontaneidade, levando o braço acima da cabeça e coçando-a com certo embaraço.

Devido ao seu tamanho, aquele homem poderia ser assustador. Tinha um corpo grande e bronzeado, com braços fortes e bem musculosos. O rosto era de traços sisudos e quadrados, olhar profundo e sobrancelhas grossas bem unidas num castanho tão escuro quanto dos cabelos curtos que ele bagunçava em seu embaraço. Quando desceu o braço, apoiou nas pernas. Sentado, era praticamente na altura de Selene e Mu de pé quase ao seu lado.

— Desculpe! É um vício meu, de minha terra natal para além do mar. — dizia tentando explicar o termo. — Algo como somos todos um, coisa assim.

Shura apenas arqueou o semblante e sorriu de canto, mantendo os braços cruzados. Havia entendido a mensagem, assim como outros dois ali presentes. Porém, quando fez menção de terras além-mar, pareceu aguçar silenciosamente a curiosidade de todos.

— Desculpe se eu estiver sendo impertinente, mas eu nunca o vi aqui antes...  — disse a jovem Amazona ao lado do lemuriano e dirigindo-se ao estranho. — Ao acaso seria algum aspirante da nova leva de aprendizes?

— Bom, quase isso. — confessou aquele estranho com um sorriso grande e um pouco desajeitado. — Venho de um país chamado Brasil, mas cheguei aqui como um aventureiro, muito bem guiado... — disse olhando para o céu como tentasse ver algo. — E passei alguns anos num terreno não muito distante onde o velho mestre me recomendou para treinar...

— Quer dizer o Grande Mestre Shion, não? — Mu o corrigiu, meio que acidentalmente, desculpando-se em seguida.

— Isso! Isso mesmo! — e o gigante riu um pouco envergonhado. — Desculpem. Ainda estou me adaptando ao grego. Espero não ter ofendido ninguém.

— No, no. Pode ficar tranqüilo quanto a isso. — Shura meneou com as mãos. Usted no es o único estrangeiro aqui.

— Ah, que bom! — Riu alto, e de uma forma bem descontraída e peculiar, atípica dos povos europeus. — Fiquei com medo de fazer besteira nos meus primeiros dias aqui.

— Ah, imagina! — disse Selene levando os braços para trás e cruzando as pernas. — Diria que sua chegada não poderia ter acontecido melhor momento. Poderia ter acontecido uma tragédia se não fosse sua ajuda. — dizia, voltando-se para Shura. — Não desmerecendo o seu trabalho, claro.

E todos concordaram. Aquilo pareceu deixar o gigante envergonhado pelo lisonjeio de Selene que riu contidamente por baixo da máscara.

Para um homem de seu tamanho e seu porte, a última imagem a imaginar seria alguém corando com aquelas palavras. Um indagava sobre seu nome, e quando o estranho abriu a boca para responder, ouviu-se apenas alguém gritando pela Amazona. Todos se voltaram em sua direção, curiosos e um pouco alarmados por seu chamado esperando o pior.

Era Aelia surgindo correndo, arfando por baixo da máscara. Selene foi ao seu encontro indagando se tinha acontecido algo, mas a amiga apenas acenava, sem dizer nada com aquilo. Recuperando o fôlego, se deu conta de outros atrás da Amazona e se desculpou, mas parecia demasiadamente afoita.

— Selene, você precisa vir comigo! — Aelia falou com uma estranha euforia. — Precisa ver no anfiteatro... que houve... Venha comigo! — dizia atropelando nas palavras, tomando a amiga pelas mãos, puxando-a consigo ignorando seus protestos.

O gigante, Shura e Mu se entreolharam e seguiram as duas movidos mais pela curiosidade que pela preocupação. Selene, por outro lado, ficava a perguntar para Aelia o que estava acontecendo, e aquele suspense estava se tornando insuportável. Chegou arrastada por ela e vendo-a apontar em direção do anfiteatro. Sentiu vontade de remover a máscara para ver melhor aquilo, mas a brisa que sentia já deixava evidente que não se tratava de qualquer alucinação.

Pensou dizer algo, mas apenas ouvia uma discussão pouco mais à frente de dois aspirantes que estava sempre a ver um acompanhado do outro. Eram dois adolescentes, não mais que catorze anos, mas já sendo belos rapazes.

O mais agitado tinha as madeixas rebeldes em brilhantes fios dourados que caiam sobre o rosto e ombros em camadas. O segundo, mais sério, tinha os cabelos mais avermelhados em cortes retos descendo pelos ombros e costas, repicados no alto e com uma mecha caindo para sua esquerda.

— Não acredito que foi capaz de fazer isso. — dizia o mais agitado com as mãos na altura dos quadris e meneando negativamente. Tinha uma expressão perplexa. — Eu não vou assumir isso, Camus.

— Ora! Desafiastes a moi e agorra non acredita no que vê? Mon Dieu!  — dizia outro com forte sotaque francês e mantendo a seriedade e os braços cruzando. — Assumir que estava errado, Milo?

— Assumir isso! — dizia Milo, o rapaz de madeixas alouradas. — Quando um superior vir o que você fez...

— Ah, non venha tirrar seu corpo forra. Apenas fiz aquilo que duvidou que eu erra capaz. — replicou Camus já mostrando impaciência com aquilo.

— Não mesmo! Eu disse que não ousaria fazer, nunca disse que era para fazer da piscina que estava o anfiteatro uma pista de gelo. — exclamou Milo levantando as duas mãos.

Selene e Aelia olharam para os dois discutindo, mas passando por eles para ver a pista de gelo criada no anfiteatro como foi dito por Milo.

Soldados e aspirantes observavam das arquibancadas do espaço, sem saber o que fazer — embora alguns arriscavam deslizando pelo gelo alaranjado devido ao tom barrento que a água tinha. Pela quantidade de chuva ao longo da noite e o anfiteatro localizado numa área tão baixa, não era difícil imaginar o bolsão d’água que se formou ali.

Os dois estavam a discutir e as duas prontas para intervir quando a sombra de asas com uma grande envergadura recaia sobre eles. Os quatro apenas viram uma indumentária dourada reluzir com o sol daquela manhã. Era Aiolos de Sagitário, recolhendo as asas de sua armadura e dando alguns passos para observar o mesmo que as duas aspirantes a Amazonas estavam a olhar surpresas e admiradas enquanto cruzava os braços.

— O que exatamente aconteceu aqui? — indagou Aiolos mantendo os braços cruzados. Não havia severidade em sua voz, mas um ar mais curioso quando seus olhos recaíram aos dois garotos. — Quem foi o responsável por isso?

 “FOI ELE!”, gritaram os dois, apontando um para o outro. Aiolos arqueou o semblante quando os dois começaram a trocar acusações novamente.

Aelia e Selene riam silenciosamente por baixo da máscara, uma vantagem que aquele acessório oferecia em momentos como aquele.

— Por que eu? Quem aqui domina a técnica do frio, hein? — disse Milo com um sorriso cínico nos lábios e cerrando os olhos para o francês ruivo à sua frente. — Não sou eu...

Camus tentou protestar erguendo a mão, mas como poderia dizer qualquer coisa sendo ele o único dos dois a dominar aquela técnica?

Pensando nisso, lançou um olhar fulminante em Milo que cruzava os braços com um ar vitorioso. O que lhe restou foi tentar explicar sobre a razão de ter feito aquilo intencionando transformar em blocos de gelo para serem mais rápido e facilmente removidos e abrir o anfiteatro para treino, uma vez que por estar nível muito baixo a água demoraria escoar. Quanto a Milo, caberia a ele cortar o gelo com suas unhas, um trabalho que não demoraria mais que 1h até a total remoção.

Shura, Mu chegaram pouco depois, e o gigante soltou um grande assovio pela imagem que assistia, e pelo que escutaram da explicação do ruivo, ofereceu-se para ajudar a carregar os blocos maiores, o que garantia ainda um trabalho ainda mais rápido. Até mesmo Shura também se manifestou, assim como Mu avisando que ajudaria usando sua telecinese e que junto com Selene poderiam agilizar ainda mais a remoção. Percebendo a agitação de todos, Aiolos apenas levantou o braço para ganhar voz naquele momento.

— Esperem um momento! Não é tão simples assim. — disse Aiolos num tom sério. — Não posso ignorar que enquanto todos trabalhavam em Rodório, os dois estavam aqui discutindo sobre esse agravante. — dizia se voltando para os dois sérios. — Por mais que tivessem boas intenções para com a situação no anfiteatro, espero que tenham avaliado o risco do que fizeram e pretendiam fazer.

Não havia agressividade nas palavras de Aiolos, falava até de maneira paternal para os dois que baixaram levemente a cabeça. Milo tentou mais uma vez argumentar, mas foi imediatamente impedido pelo Sagitariano afirmando que não tinha acabado de falar. Os dois certamente esperavam ser punido por aquilo.

— Porém, acho que podemos aproveitar melhor essa situação e oferecer um treinamento... alternativo. — e sorriu de maneira contida. Aquelas palavras chamaram a atenção de todos ali. — Alguns estão bem acostumados com o frio... — disse olhando para Camus, alternando para Selene e Mu, estes dois moradores nas montanhas de Jamir onde o frio era intenso em sua estação mais baixa. — Outros podem testar suas agilidades, digamos, em situações mais exigentes como essa proporcionada por Camus.

Shura foi o primeiro a manifestar apoio, pois seria bastante pertinente testar o fio de seu punho, enquanto Camus mostrou-se realmente interessado em testar se o seu frio podia alcançar níveis mais baixos em regiões quentes como a Grécia — embora Milo resmungou sobre o modo metódico do amigo. De alguma forma, a ideia soou bastante interessante.

— Quem diria que teríamos uma pista de gelo em pleno Santuário grego. — comentou o gigante que acabou despertando risos e olhares de todos por sua descontração.

— Ah, sim. Este é o tal 'Gigante' da qual ouvi tantos falarem. — comentou Aiolos se voltando para o estrangeiro que se voltou ao Dourado, ainda mantendo o ar risonho. — Desculpe se ofendo falando assim, mas foi a maneira que ouvi sobre o que fez em Rodório. Obrigado!

— Ah, que nada. Não ofendeu. Estou acostumado. — e riu, levando a mão a cabeça. — E desculpem pela minha falta. Podem me chamar de Debas. — disse dando os ombros.

— Debas...? — indagou Mu olhando-o curioso. — O que isso significa?

— Uma abreviação de Aldebaran. — disse orgulhoso.

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Por ser uma aspirante avançada, Selene ficou para ajudar a coordenar os grupos, junto com Shura que aproveitaria o espaço para um treino mais restrito, o que em parte o faria treinar junto com Camus com ambos testando as resistências de suas técnicas.

Milo resmungou de início, mas assim como todos achou conveniente testar sua agilidade sobre o gelo e sobre o frio, surpreendendo na velocidade. Outros aspirantes usaram o espaço para treinos, sob a supervisão de alguns Prata e Bronze para conter os mais entusiasmados.

Até o fim da manhã, restaram poucos a treinar, o que incluía Shura e Camus. Milo treinava em igual testando suas agulhas primeiramente contra o gelo, vendo efeitos satisfatórios, e ouvindo sobre a Muralha de Cristal dos lemurianos, chamaria Mu para testar se esse já não tivesse deixado o anfiteatro para voltar para seus ensaios diretamente com o Grande Mestre. Sabendo que Selene tinha a mesma técnica, ambos começaram a treinar em dupla. Tanto Selene testava a resistência de sua muralha como Milo buscava agilidade em esquivar-se dos golpes refletidos... e sobre o gelo. Dos dez golpes lançados, foi atacado somente por duas delas, de raspão.

— Você é bem rápido. — disse Selene desfazendo a barreira, olhando o ferimento em seu braço. — Soube que sua técnica envolve veneno. O quão letal ele seria?

— O bastante... — respondeu confiante. — ... mas ainda preciso aprimorá-lo um pouco mais. Num todo, foi interessante! — dizia Milo prendendo os cabelos e se voltando para Camus, ainda com Shura. — Sempre treino com Camus, e nós dois conseguimos nos igualar. Ele consegue resistir meus golpes enquanto eu consego resistir ao seu frio e certo... — Milo ri pensando naquilo. — Bloqueio congelante.

— Eu já os vi treinando... — comentou Selene levando as duas mãos à cintura. — Embora sempre os vejo discutir como hoje, estão sempre juntos.

— Camus é metódico demais, leva tudo muito a sério. — comentou Milo com um sorriso sacana enquanto bebericava um pouco da água que trazia num cantil, oferecendo á aspirante à Amazona, mas recusado. Para isso, precisaria remover a máscara. — Chega ser chato na maioria das vezes, mas é um bom amigo. Chegamos aqui praticamente juntos e treinamos desde o primeiro dia. Estamos sempre nos desentendendo, mas um consegue entender o outro de uma maneira incomum. Ele sabe como penso, como ajo... Sou do tipo previsível, eu acho. Já ele não. Ele consegue surpreender quando quer, como hoje.

Havia um ar de admiração de Milo para com o francês, e Selene percebia isso com um sorriso por baixo da máscara. Era como ela com Aelia, da qual as duas conseguiam se relacionar de maneira harmoniosa. Não se desentendiam como viu os dois, mas não percebeu qualquer algo ofensivo deles, mas mais uma divergência de ideias da qual, de uma maneira ou de outra, acabavam por chegar num consenso.

— Apenas o acho sério demais para alguém jovem como ele. — comentou Selene, conseguindo a atenção de Milo que sentou-se ao seu lado. — E você parece ser alguém que consegue quebrar isso, caso contrário ele seria bem isolado.

— Camus é sério. — afirmou  Milo com seriedade, sem o seu sorriso de há pouco. — Ele não gosta de falar muito sobre isso nem mesmo comigo. Ele colocou na cabeça que para ser um Cavaleiro, não se deve ater a sentimentalismos baratos, mas desligar-se de tudo. — e olhou para Selene que se voltava para Milo com certa surpresa. Mesmo sob debaixo da máscara, era perceptível pela sua reação quando se sentou mais ereta. — É, eu também reagi assim. Ele disse que quanto menos laços criarmos, menos agiremos de maneira passional e seremos racionais num combate.

— E você concorda com isso? — indagou Selene curiosa.

Milo respirou fundo, olhando em direção de Camus que cumprimentava Shura e caminha em direção deles. Pareciam combinar algo, e o francês jamais parecia sorrir, sempre com uma expressão séria e centrada.

— Às vezes acho que ele não está assim tão errado. — respondeu Milo por fim, relaxando os ombros, removendo as ataduras. — Mas realmente, não sei.

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— Parece que os treinamentos no 'anfiteatro de gelo' deram bons resultados. — comentou Arles entrando na sala com alguns livros nos braços. — Estive conversando com Aiolos e muitos puderam perceber dificuldades em extremas temperaturas... Embora não estivesse necessariamente frio.

— Eu soube. Foi sábio Aiolos aproveitar a situação e fazer disso uma maneira de aprimorar a tecnicidade dos aspirantes em climas adversos. — comentou o Grande Mestre, Shion, com o seu elmo sobre a mesa e escrevendo algo nos pergaminhos. Descansou a pena no tinteiro e se voltou apara o 'irmão' que organizava os livros na estante. — E quanto a Rodório, tem informação? Parece que o viajante que chegou há algumas semanas foi de grande ajuda... — brincou o Patriarca provocando risos no amigo. — ... e que não houve fatalidades, o que por si já é algo muito bom.

— Sim, estive conversando com Saga sobre isso. — dizia Arles se voltando brevemente para Shion. — Ele e Mephisto, o aprendiz de Nazar, trabalharam mais no outro lado de Rodório ajudando a coordenar o resgate e levarem para serem tratados. Todos foram devidamente cuidados. E sim, Aldebaran ajudou Shura na contenção do rio antes que tomasse o vilarejo.

Arles parou de mexer em alguns livros e se voltou novamente para Shion, um homem esguio de cabelos bem cheios já esbranquiçados pela avançada idade. Assumiu muito jovem o Patriarcado do Santuário e sendo o Grande Mestre de gerações de Cavaleiros ao longo dos mais de 230 anos. Os seus olhos denotavam experiência com erros e acertos, e a menção do estrangeiro, o 'Gigante' como todos se referiam, era curioso, principalmente quando ele fez referência ao 'velho mestre'. Ao comentar isso, sobre de onde o conhecia, Shion apenas riu.

— Achei que ele não lembraria. Aconteceu há alguns anos quando visitei um antigo vilarejo e eu o encontrei. Senti um grande cosmo desperto nele. — Shion riu contidamente, chamando a atenção de Arles que se voltou para ele. — Algo que as estrelas me guiaram. Ele não poderia chegar num momento mais oportuno.

— Sim, é verdade. O próprio Mu me disse que sentiu um poderoso cosmo emanar dele enquanto trabalhava junto de Shura, o espanhol em Capricórnio. Não seria uma coincidência, não é mesmo? — indagou Arles sabendo já a resposta. — Como ele disse que chamava mesmo...? Ah, sim... Aldebaran!

Shion apenas sorriu ao ouvir aquele nome, deixando os pensamentos ganharem voz ao pronunciar 'A Gigante Estrela de Touro' ao ouvir o nome Aldebaran. Olhou para o irmão, entrelaçando os dedos sobre a mesa.

— Ele somente estava onde deveria estar no momento oportuno. Nem antes, nem depois, Arles. Lembra quando se mostrou preocupado com Athena? — comentou Shion olhando para o irmão que assentiu. — O mesmo acontecerá com ela, surgindo quando a ameaça se revelar.

— Então podemos acreditar que estamos em momento de paz? — indagou Arles.

— Não diria paz, mas que não temos evidência de uma ameaça nesse momento. Não estamos isentos dela, mas devemos ficar alertas. — disse, olhando incisivamente para Arles que compreendeu aquelas palavras.

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Embora o restante da manhã teve grande concentração dos aprendizes se divertindo no anfiteatro transformado numa grande pista de gelo, houve um árduo treinamento que provou certa dificuldade dos aspirantes em lidar com a diferença de um ambiente arenoso e seco para o frio. Isso exigiu elevar mais o cosmo e trabalhar mais com suas habilidades e técnicas, o que foi bem proveitoso como Aiolos esperava ser.

Camus, o jovem responsável por aquele artífice, foi o mais promissor, e seu duelo com o amigo Milo, tornando o encerramento do dia digno como de uma prova pela armadura. O resultado foi o francês com perfurações no tronco e nos braços e o seu amigo com um lado do corpo congelado, ambos levados para tratamento em discussão sobre quem derrotou quem.

Com sol ganhando força no início da tarde, a pista de gelo se desfez e a água secou até o fim do dia, além de escoar sem problema. O mesmo aconteceu em Rodório nas áreas alagadas onde as águas recuaram e um mutirão ajudou na remoção das propriedades condenadas. O gigante de nome Aldebaran foi quem mais ajudou, e com Mu o trabalho acabou mais cedo do que se imaginava.

Antes do anoitecer, um banquete foi servido na praça de Rodório com música e dança local, mas o cansaço de um longo dia de treino e trabalho fez tudo acabar tão logo anoiteceu e o Santuário pareceu adormecer mais cedo naquele dia.

— Todos adoraram ele. Gentil e atencioso, parece que nada o alarmava. Desajeitado, mas ainda muito simpático com todos. — dizia Mu sentando-se na escadaria que levava ao nível acima, dentro do Templo de Áries. Estava junto de Selene, ambos comendo um pedaço de pão que trouxeram com outros mais num cesto de Rodório com frutas, doces e leite. — Mesmo após uma noite toda trabalhando, ainda parecia acordado e forte como Touro! Incrível!

— Debas ganhou um fã! — brincou Selene, sendo empurrada por Mu e ambos rindo. — Mas, realmente, devo concordar contigo. Ele tem uma alma boa. Alguém de... bom coração. Ele disse que foi o mestre Shion a chamá-lo pra cá?

— Foi o que ele disse, mas há muito tempo. Ele tem treinado para além dessas montanhas. Disse que sua técnica exigia espaço e não queria ferir ningém. — disse Mu dando os ombros. — Comentei com ele que Shura também treina isolado... — e ele franze o cenho. — Percebe que tem surgido muitos destinados a Cavaleiros? Foi como disse em Jamir uma vez...

Selene se voltou para Mu franzindo o cenho, estranhando aquelas palavras com um 'Quê?', e foi quando ele comentou sobre sua primeira vez do estudo das estrelas e o brilho das constelações, da intensidade em cada uma delas. Aquilo fez a aspirante a Amazona rir. Havia esquecido disso.

— O Mestre Arles disse que as estrelas podem dizer muitas coisas... e vi as doze da abóboda celeste brilharem intensamente... — dizia Selene com o olhar perdido num ponto qualquer. — E vi esse brilho em Debas nessa noite enquanto salvava aquelas pessoas. Ele... Ele foi guiado até aqui no momento certo, para provar à sua Gigante o seu valor.

— E você? — dizia Mu olhando para a amiga e irmã, fazendo ela se voltar para ele. — Está preparada para sua provação, Selene? A sua prova será em duas semanas. O que você acha disso?

Selene engoliu a seco. Talvez devesse demonstrar surpresa em ver que Mu revelava que sua prova para se tornar uma Amazona de Athena havia chegado, mas apenas mostrou-se temerosa. Com Saga ficara animada, feliz, mas após àquela noite e nos treinamentos ao longo do dia, mesmo sabendo que estava a treinar arduamente há anos, percebia o medo que a tomava.

— Eu posso ver de todos, Mu... Não a minha. — respondeu, mordiscando os lábios por baixo da máscara, e embora o lemuriano não pudesse ver, percebia pela inquietação dos seus dedos que se entrelaçavam. — Se a minha estrela, a minha constelação guardiã está me testando para saber se sou digna de representá-la, eu vou encará-la sem questionamentos. Espero apenas não a decepcionar.

— Você? Decepcionar? — Mu sorriu, rindo em seguida, se levantando. — Eu tenho pena quem for confrontá-la no teste, Selene. Nós dois sabemos que não irá decepcionar, muito pelo contrário.

— Não acha que está me superestimando? — disse ela brincando com os cabelos dele até ele se levantar buscando fugir. Aproximou-se para beijá-la no alto da cabeça da irmã e subindo as escadas para se retirar em seu descanso.

Selene ainda se manteve sentada nas escadarias, com seus olhos brilhando intensamente por baixo da máscara e respirando pesado enquanto pensava no que a aguardava. Olhou por cima dos ombros como se pudesse ver Mu subindo para o andar acima, e sabia bem ler nas entrelinhas daquelas suas palavras, em sua ansiedade tão crescente.

Quando voltou, finalmente, à sua casa no Campo das Amazonas naquela noite, demorou a pegar no sono, rolando de um lado para o outro pensativa. Pensava em sua prova, em todos em que assistiu... Não deveria ter medo, mas havia uma inquietação de fato sobre com quem disputaria a armadura sagrada e sobre as palavras de Mu e do quanto confiava nela.

Aquilo a fez se levantar, mas ainda ficando sentada na cama e tomando o caderno onde se colocou a escrever.

Ao abrir o diário, encontrou a flor de íris seca, presente de Saga da qual guardava desde então como um marcador de página. Aquilo a fez sorrir e lembrar da última noite juntos naquela câmara, onde se amararam mais uma vez. Sentiu o rosto corar ao pensar naquilo e riu sozinha.

Entretanto, o seu sorriso logo desapareceu porque lembrar de Saga remetia a Kanon, desaparecido desde seu teste que era contra Saga, e nas palavras duras e tomadas de raiva da qual vomitou sobre ela.

Aquilo, de certa forma, a consumia de culpa.


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Notas finais do capítulo

Nos próximos capítulos:
Chega o dia da prova de Selene, e mais que pela conquista da armadura guiada por sua estrela, são das revelações que começam a criar um grande quebra-cabeça.



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