Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 14
Livro 1 :: Destino - Ato 5


Notas iniciais do capítulo

Perdida em lembranças, mergulhada no medo e no receio de seu regresso, Selene certamente jamais poderia esperar por aquele dia.



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Atravessando a cidade, Selene percebeu algumas poças d'água, indicando que chovera ao longo da noite ou mesmo naquela manhã, tão como quanto partiu dali. Era como seus sentimentos tivessem influenciado no tempo naquela ocasião, pois choveu por toda a madrugada acompanhado de relâmpagos que iluminavam sua casa e abafando seu choro.

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Foi a noite mais longa de sua vida desde então. Ainda ficou naquela clareira esperando que ele voltasse, mas isso não aconteceu. Caiu ali em prantos, pois não podia voltar ao Santuário naquelas condições, muito menos levantar perguntas sobre a razão daquilo. Como explicar que era responsável do que houve? Naquele momento não pensou no perigo de sua habilidade oferecer efeito inverso ou mesmo que pudesse colocar Kanon numa situação tão delicada a ponto de ser acusado de desertor.

Foi mergulhada nesses pensamentos e confusões que chegou em sua pequena casa, sem que nem ao menos percebesse, e caiu na cama, onde ficou a chorar o resto da noite e vendo o sol nascer, pronta para partir. Ainda chegou a seguir até à clareira, aguardou, mas não o viu, nem mesmo sentiu sua presença. Partiu do Santuário naquela manhã com uma forte dor no peito, um semblante triste escondido por trás da máscara que só a removeu a caminho de outro vilarejo, já bem distante dali.

Quando deixava o Santuário e este tornando-se uma figura minúscula no horizonte, cogitou a ideia de não mais voltar pela culpa de ser a responsável pelo ódio que criou entre os dois irmãos. Talvez tenha sido o que o mestre Shion quis dizer com 'arcar as consequências', e não seria sua ausência que isso seria resolvido.

Essa concepção seria esquecida em Jamir, embora tivesse alimentado ainda nos primeiros dias. Pensou na possibilidade  de consertar tudo, procurá-lo para conversar e, quem sabe, resolver tudo.

Selene estivera tão compenetrada naquilo na primeira semana que 'esquecera' o motivo de estar ali, do porquê ser enviada para Jamir, e lembrando-se numa noite quando ouviu barulhos na oficina e encontrar Mu junto às armaduras, invadindo suas memórias.

Não comentou nada, nem mesmo deixou que ele a percebesse ali até que naquela manhã assumiria o dever para qual foi incumbida quando enviada para Jamir.

— Por que não posso ajudá-la? Selene... — insistia Mu ao lado de Selene que alinhava as armaduras, parando frente a uma em especial que tinha 'feridas' bem abertas na altura dos ombros e peitos. — Deixe que cuido des...

— NÃO! — o tom de voz de Selene foi enfático, calando Mu que se recolheu e os braços esticados, surpresos pela ação daquela que sempre considerou sua amiga, uma irmã mais velha. — O Mestre Shion disse veemente para que cuidasse de você. — ela se virou para ele, fitando-o, percebendo sua expressão de surpresa. — Mu, eu vi o que estava fazendo.

Aquilo pegou-o de surpresa, percebendo-o corar naquele momento. Mu engoliu a seco, os olhos olhando aos arredores enquanto se levantava, abrindo e fechando as mãos. Selene olhava aquilo até um tanto assustada. Era como pegá-lo cometendo algo criminoso, e realmente era imoral.

A primeira regra que aprendeu com Arles quando este lhe ensinou a arte da restauração foi sobre as armaduras serem organismos vivos que guardavam memórias de seus cavaleiros. Mu estava a violar essas lembranças por mais que tentasse dizer se tratar de algo banal, com a desculpa de 'conhecer seus últimos guardiões'.

— Não Mu. Isso seria como invadir a mente das pessoas e saber o que pensam e o que querem, invadir sua intimidade. Não temos direitos de fazer isso! Como se sentiria se alguém tomasse conhecimento de seus sonhos e desejos e brincassem com eles como se fossem meros brinquedos ao seu bel-prazer? — dizia Selene para o garoto que deixava as lágrimas ganhar sua face. Fosse pela vergonha ou pela raiva, ela apenas o viu correr e deixá-la ali, pensando nas palavras que havia dito.

Por tantas vezes sentiu-se seduzida em invadir a mente dos dois irmãos e descobrir o que escondiam, sobretudo naquelas últimas semanas quando ambos brigavam pelas razões mais estapafúrdias.

Olhando para as armaduras e para a porta da qual Mu correu, sentiu-se uma hipócrita em dizer aquilo a ele, pois tanto quanto ele, estaria invadindo a privacidade dos dois e, pior, quebrando a confiança que tinham com ela.

Quando tocou na ferida da armadura, não pensou em espioná-la, mas perceber o quão grande a ferida havia provocado no orgulho de Kanon e na confiança de Saga com ela.

Selene não subiu aquela noite para seu quarto, mantendo-se na oficina até tarde acabando por restaurar algumas armaduras e percebendo, invariavelmente, a presença de Mu, levando-a a pernoitar por quase duas noites de modo a não permitir que ele se aproximasse. No terceiro dia ele a procurara, se desculpando e pedindo ajuda quanto, de ao menos assisti-la trabalhar.

Era uma ajuda para ambas as partes, pois assim como ela o vigiava também ajudava com que ela não ficasse pensando nos dois irmãos. Diversas vezes percebeu Mu tentado ajudá-lo, mas ele mesmo conseguia conter seus impulsos. O fato de ajudá-lo nas semanas que se seguiram a deixaram animada o suficiente para acreditar que poderia corrigir-se com Saga.

Com a notícia que regressaria ao Santuário, o receio e a preocupação tomaram conta de Selene de assalto, levando-a passar a última noite na oficina. As lágrimas eram mais pela culpa, pois mostrava-se mais temerosa de uma rejeição de Saga que saber que Kanon havia sido punido por sua deserção, deixando-a ainda pior.

Tão como na noite em que ela surpreendeu Mu junto as armaduras, agora era a vez dele perceber seu choro silencioso sem que ela o percebesse. Nada comentou no outro dia, exceto de 'Tudo vai ficar bem!”, presenteando Selene com uma coragem da qual tanto precisava.

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A máscara estava em seu colo. Como estava ali sozinha, preferiu tirá-la e vislumbrar aquela paisagem, mas não parecia em nada como nas outras vezes, sempre tão quente e colorida. Naquele fim de tarde ela era fria, sem vida.

Adoraria que aquela voz que ouvira mais cedo fosse de outro alguém senão de sua amiga, o desapontamento seria menor. E ficar assistindo o embate no anfiteatro era ainda pior, pois remetia às lembranças daquela tarde e preferindo isolar-se. Pensou até mesmo seguir para sua casa, mas alimentou a esperança de que pudesse encontrá-lo ali, mais uma vez.

Não queria alimentar qualquer esperança, mas sua ansiedade falava mais alto, queria se enganar e encontrá-lo ali esperando por ela, mas o que encontrou foi uma clareira vazia e um tanto 'abandonada'. A grama estava pouco mais alta, deixando evidente que ninguém mais esteve ali desde aquele dia. Ninguém mais conhecia aquele lugar senão os três.

Deixou que o corpo pesasse e sentasse próximo às pedras de frente para o Santuário, deixando as lágrimas ganharem, mais uma vez, sua face

Nem bem sabia quanto tempo ficou ali, mas tempo suficiente de ver o sol já quase sumir e a noite evidenciar com seu horizonte tornando-se púrpura. Selene tinha em mãos apenas a máscara, que devolveu ao rosto, e a flor que guardava de volta ao envelope.

Levantou-se sem pressa, distraída e dando as costas ao Santuário quando viu ali, encostado junto à árvore com os braços e pernas cruzadas trajando aquela armadura dourada brilhando com os últimos raios de sol.

Os cabelos caindo sobre a face, ombros e peito, pareciam maiores que da última vez que o viu. Mesmo sua expressão tinha ganho um ar mais maduro, e seus olhos verdes bem mais brilhantes. Estava calado, o olhar fixo na direção da jovem que sentiu sua respiração falhar e o coração mais forte — fosse pelo susto ou de vê-lo ali somente. Umedeceu os lábios por baixo da máscara, aproximando a passos cautelosos.

— Saga...? Há quanto tempo está aqui? E-eu... Eu não o vi... — Selene tropeçava nas palavras, mostrando estar aturdida, a voz embargada primeiro pela emoção de encontrá-lo ali, depois tomada por um medo dele dar às costas e partir sem falar nada.

— Não muito. — respondeu ele se maneira misteriosa, sem desviar os olhos de Selene, mantendo ainda os braços e pernas cruzados. — Mas o suficiente para contemplar esse fim de tarde. — disse secamente, e aquilo foi um tanto dolorido em Selene. — Quando chegou?

— Ahn... Ah, hoje de manhã...— disse sem muita emoção na voz, segurando o pequeno envelope em mãos que dançava entre seus dedos. — No fim da manhã.

— Hun, sei. Coincidência. — disse Saga baixando brevemente o olhar, mas desviando de volta para ela quando a ouviu perguntar sobre a ‘coincidência’ — Sim, porque voltei hoje também de uma missão a pedido do Grande Mestre.

— Uma missão...? Nossa! — ela engolia a seco, buscando as palavras, forçando um riso. Cada vez que ela o olhava, percebia o olhar dele fixo sobre ela, deixando-a ainda mais nervosa. — E para onde foi enviado?

— Itália. — respondeu a fitá-la, e antes que ela perguntasse qualquer algo mais e continuou. — Parti dois dias depois de você.

Selene voltou-se para ele, cruzando seus olhares, fazendo-a desviar. Então ele também estivera fora naquele período, razão pela qual o lugar estava tão abandonado desde então. Pensou em perguntar sobre Kanon, mas precisaria ter cuidado em como abordar aquilo já que era um assunto tão delicado e pensava em como fazer aquilo.

Mil pensamentos passavam em sua mente e se sentiu impelida a fazer como Mu junto as armaduras e invadir as lembranças de Saga para saber o que ele pensava naquele momento, mas nem mesmo foi preciso. O que ele disse simplesmente deixou Selene sem ação.

— Eu não estava suportando ficar aqui pensando em você, no que conversamos aqui naquela tarde. Eu precisava espairecer... pensar em tudo.

Ela o chamou, mas ele fez menção para que ela o ouvisse, que nada dissesse, que o deixasse falar. Viu-o descruzar os braços e as pernas e se colocando melhor de pé, mostrando-se mais alto do que ela lembrava. Ele parecia bem mais imponente do que na última vez, e lembrou-se daquela noite em que o viu no lago. Por sorte usava aquela máscara, pois sentiu sua face arder por pensar aquilo naquele momento.

— Eu queria estar aqui quando partiu, mas ainda estava com muito desapontado, Selene... — ela sentiu um forte aperto no peito.

Não gostava o rumo que aquela conversa tomava, fazendo-a baixar a cabeça e desviar seus olhos dele para um ponto qualquer.

 — Desapontado demais a ponto de pensar e perceber que parte de tudo que aconteceu também era nossa culpa, minha e de Kanon. — disse ele, vendo-a levantar cabeça, fitando-o. — Não deveríamos ter escondido aquilo de você. Assim como você, quisemos protegê-la de se preocupar conosco e... fazer algo. Mesmo assim o fez, mesmo sem termos lhe contado a verdade.

Saga a observava com pesar nos olhos. Pausou em suas palavras e era ele agora engolir a seco, parecendo escolher bem as palavras e deixando Selene ainda mais apreensiva porque queria entender onde ele queria chegar com aquilo. Fez menção de dizer algo, mas mais uma vez Saga a impediu.

— Não, deixe-me terminar, tudo bem? — ela assentiu, quase amassando o envelope em suas mãos. — Foi quando me lembrei de um detalhe que não deixei que falasse naquele dia. Você sabe interpretar as estrelas. Você me contou uma vez quando ficamos aqui até o anoitecer quase... como agora. Você viu algo na constelação de Gêmeos, não foi?

Selene respirou fundo, assentindo. Umedeceu os lábios, invisível ao Saga, e baixou as mãos.

— Sim, e-eu vi algo na constelação... mas estava perturbada com outra coisa... e pensei que... que não fosse nada. Eu meio que ignorei o sinal, Saga. — confidenciou ela de uma vez.

Como dizer que o motivo de sua perturbação foi o próprio quando o viu se banhar no rio naquela noite? Ela sentiu o rosto corar ao se lembrar daquilo novamente em tão poucos minutos.

— Vocês não tinham obrigação nenhuma de me contar e fui impulsiva, egoísta em não falar sobre isso. Uma irresponsável! — condenou-se ela, quase em prantos.

— Não diria que foi egoísta... — corrigiu ele. — Mas eu posso afirmar que fui.

A voz de Saga era tranquila, não indiferente como parecia há poucos instantes. Talvez não quisesse ter notado, mas ela percebia agora seu semblante sereno, o seu olhar compenetrado e tão angustiante como ela parecia ver-se no espelho d'água naquela manhã. O seu olhar se tornava mais intenso, parecendo coordenar as batidas de seu coração.

— Fui egoísta suficiente para que naquele dia não se importasse com que aconteceu a Kanon, de sua eminente deserção. Nada disso! — confidenciava, controlando a respiração. — Eu fui tomado de... de uma raiva... não pelo que fez, mas para quem o fez, Selene.

— N-Não estou entendendo aonde quer chegar... — ela estava confusa, parecendo hipnotizada com seu olhar a ponto de se sentir impedida de desviar, e quando menos percebeu, viu-o se aproximar, tocar em sua face sobre aquela máscara fria e sem emoção. Selene teve a sensação de que seu coração fosse sair pela boca naquele momento. — Saga, está falando de...?

— Ciúmes? Sim, estou. Estou falando que não suportava a ideia de vê-lo abraçando-a, das investidas que ele fazia sobre você porque era eu quem gostaria de fazer isso, e quando disse que quis protegê-lo aquilo me... me desesperou! — ele a tocava sobre a face com a ponta dos dedos.

Selene fechava os olhos e não mais continha a respiração por baixo da máscara. Sentiu a outra mão dele tocar sua mão que segurava o envelope. A voz dele estava levemente embargada, tocando sua face sobre a máscara suavemente, já próximo o bastante dela.

— A última coisa que queria era perder você, e pensei que a tinha quando cheguei aqui e soube que tinha partido. Fui mandado para a Itália e implorava para que quando voltasse a encontrasse aqui... e minha prece foi atendida! — Selene soluçou e não fez questão de esconder isso. — E fiquei ali... em silêncio... apenas a observando de longe... Você a guardou contigo, não é?

A outra mão de Saga desceu até o de Selene, aquela da qual ela segurava a flor, até então guardada no envelope que se rasgara de tanto que havia amassado. Saga segurou esta sua mão e voltou a observá-la. Percebeu que ela removia a máscara com todo o cuidado, deixando a franja cair sobre seu rosto.

Saga prendeu a respiração por aqueles breves minutos até então poder tocar naquele rosto, sentir a sua pele quente e macia e seus dedos tocarem seus lábios rosados e levemente carnudos.

Ela mantinha ainda os olhos fechados, mas as lágrimas em seu rosto eram evidentes. Quando abriu os olhos amendoados, viu-se o brilho de sua íris violetas tal como a flor que presenteara naquela tarde.

— Eu me lembro desses olhos... E fiquei encantado desde a primeira vez que os vi, sabia? — dizia ele, deixando os olhos lacrimejantes. — Mais que isso... eu invejava Kanon de ter a coragem de dizer para remover a máscara, porque queria tocá-la como agora...

— E eu de conhecer seu toque. — ela disse, uma voz mais suave e aveludada da qual o cavaleiro jamais achou capaz de ouvir, sempre abafada um pouco pela máscara. — Tive medo de voltar, Saga. Medo de que... que nunca mais quisesse falar comigo pelo que fiz...

— Eu fui um idiota! — disse ele de imediato, levando as mãos para sua nuca e puxando-a suavemente para junto dele, colando seus rostos. Ambos respiravam ofegantes, com os lábios quase se tocando naquele momento. — Mas confesso que compartilhei desse mesmo medo. — sussurrou ele, colando seus lábios junto ao dela num beijo suave. — Mas prometo... que não vou mais deixá-la pensar assim.

Selene tocava com a ponta dos dedos em seu rosto, assentindo o que ele dizia e abrindo um sorriso, compartilhado por ele que a puxou para mais perto e colando novamente seus lábios, e desta vez num beijo mais demorado o bastante para perceberem que foram engolidos pela noite.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:Uma 'dualidade' com pouco mais de foco em Saga e a entrada de alguém que começará a dar embasamento nas trasnformações para um novo ciclo.



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