Saint Seiya Memórias: História Oculta Do Santuário escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 10
Livro 1 :: Destino - Ato 2


Notas iniciais do capítulo

As habilidades sensoriais de Selene a avisam de um perigo eminente, a estrelas novos sinais.São muitas interpretações, mas também o início de muitos conflitos.



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— Ainda acho que deveria falar com ele sobre isso. — comentou Mu caminhando ao lado de Selene. Carregava com ele uma urna em suas costas que, pelas insígnias, deveria ser armadura de Escultor, enquanto em uma das mãos trazia um saquinho feito de pele e amarrado. — Não é a primeira vez que tem esse sonho e ele poderia ajudar interpretá-lo.

— Ah, não quero preocupar o mestre Arles com uma bobagem dessas. Contei apenas o que acreditei ser mais importante por hora que foi da estrela cortando o quadrante de Pegasus. — comentou Selene acompanhando-o com certa pressa. — Isso pode dizer que em breve Athena estará conosco não? Se isso é um sinal para o nascimento de Pegasus...

— Sim. Pegasus está sempre acompanhando Athena. Sempre foi assim, e é exatamente por essa sua habilidade de interpretar as estrelas que também foi trazida pra cá, Selene. — comentou o jovem lemuriano olhando pra ela. — E exatamente por ser uma das únicas que tem permissão de ir à Star Hill, uma permissão que nem mesmo eu tenho., que acho que deveria dizer o que viu ao Mestre Arles.

Sele pensou dizer algo, mas apenas suspirou e acompanhando-o.

Os dois avançaram até a primeira Casa Zodiacal, Áries, onde havia algumas armaduras montadas e por demais danificadas. Mu deixou a urna no chão e puxou as correntes, abrindo-a para recolher as ferramentas, tomando emprestado algo que lembrava um martelo. Despejou um pouco do pó de estrelas de maneira cuidadosa sobre as rachaduras e ambos ficaram a contemplar aquela mágica. Era como se os pequenos grãos recriassem o material criando ligamentos, como uma 'casca de ferida' na armadura. O martelo seria para corrigir essas pequenas falhas e deixá-las 'novas' outra vez. Era um espetáculo da qual ele e Selene sempre gostaram de apreciar.

As armaduras Cinzel e Escultor eram as únicas a oferecer essas ferramentas, sendo para casos de reparação mais corriqueiros e 'rápido'. O pó de estrelas era um material conhecido apenas pelos lemurianos, único compatível com a forja que originou as armaduras — o gamanion, capaz de oferecer resistência, e o oricalco, proporcionando a energia.

Embora as armaduras fossem capazes de se regenerar por si só, os violentos embates acabavam por retardar ou mesmo interromper esse processo, sendo necessário uma reparação auxiliada pelo pó de estrelas. Contudo, em casos mais extremos uma armadura poderia 'morrer', perdendo sua cor e brilho. Nesses casos, um percentual de sangue é necessário para revivê-las, para então dar início ao processo de reparação.

— Talvez tenha razão. Em outro momento direi, também senti que ele o mestre estava muito preocupado... — comentou Selene após algum tempo assistindo aquela 'mágica' nas armaduras junto de Mu. Sentou-se sobre uma das urnas fechadas, ao seu lado, observando-o trabalhar. — Acredito que seja devido esses conflitos no Santuário.

— Sim, eu tive conhecimento do que está acontecendo. — Mu a olhou por alguns instantes interrompendo sua ação, soltando um suspiro. — A xenofobia no Santuário tem crescido bastante e isso tem preocupado o mestre Shion. Isso jamais tinha acontecido antes. A diversidade sempre foi uma característica aqui. Não entendo o porquê tudo isso.

De fato, nada daquilo tinha qualquer justificativa. A hostilidade que se espalhava no Santuário estava a provocar muitos problemas. Tratava-se de uma mentalidade de uma Europa pós-guerra, recuperando-se sua autonomia e a própria economia de dividendos em proporções mundiais.

No Santuário, estava crescente a antipatia e aversão aos estrangeiros que chegavam ao Santuário, havendo perseguições por parte de alguns grupos, chegando a níveis alarmantes de humilhações. Alguns chegaram a ser presos ou banidos por crimes que infringiam as leis do Santuário, mas isso nada parecia intimidar. Tornava-se apenas velado.

Ela refletia sobre isso, assim como também o que havia conversado com Mu acerca de seu sonho naquela noite. Suas mãos ainda tremiam, e talvez ele estivesse certo de que devesse contar a Arles sobre aquilo. Poderia ser sinal de algo? Suspirou e deu mais alguns passos até ouvir gritos e sons vindo de um dos campos à frente. Sim, estava acontecendo de novo, e acelerou seus passos até se transformar numa corrida.

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No campo mais à frente, havia cerca de 10 garotas, das quais cinco estavam a cercar uma garota de cabelos curtos ruivos e já tinha a máscara quebrada na altura dos olhos, evidenciando ser uma oriental. Ela tentava lutar, mas era em vão naquele círculo covarde de cinco meninas avançando contra ela enquanto outra, essa de cabelos mais longos até altura dos ombros e uma máscara um tanto intimidadora com presas que lembravam de um vampiro, apenas ficava a assistir aquela cena de braços cruzados.

Outras três meninas apenas assistiam, intimidada, embora uma delas pedia pra parar. Cada vez que esta avançava era impedida por uma das garotas.

— Ela precisa aprender a ser forte. Ela não quer ser uma Amazona, então precisa entender como as coisas funcionam aqui.

A oriental foi ao chão com um golpe, fazendo sua máscara ficar em pedaço e abrir uma ferida na têmpora. Tentava se levantar, mas estava fraca, cambaleando e caindo ajoelhada. Ao levantar a cabeça, viu que seu algoz avançava mais uma vez, mas se surpreendeu com o vulto que surgiu na sua frente e impedindo o golpe. Selene havia se teleportado para sua frente, momento exato para segurar o punho da garota. Virou sua mão e a arremessou a metros de distância abrindo uma vala no chão. As outras se surpreenderam com sua chegada, mas não a intimidaram, avançando sobre ela.

A primeira tentou um golpe direto, facilmente esquivado por Selene que se moveu para o lado e, num giro de balé, golpeou suas costas com uma força que a fez cair sobre a outra que bloqueava a passagem da jovem que pedia o fim daquilo, permitindo que avançasse até a oriental. Outras duas recuaram para perto da 'vampira' que descruzou os braços, impedindo que as duas avançassem. As outras três se contorciam de dor.

— O que acha que está fazendo, garota? Não é a primeira vez que se intromete onde não foi chamada! — disse a 'vampira' num tom grave e incisivo, vendo a oriental ser socorrida pelas outras. Agora era Selene a servir de barreira. — Hunf! Não me admira que essa menina seja uma fraca, uma vergonha para as Amazonas.

— Está passando dos limites, Jisty. O que acha que estavam fazendo? — indagou Selene ignorando as risadinhas.  As outras meninas já estavam de pé, ao lado de suas colegas.

— O que acha que estávamos fazendo? Treinando. Isso aqui não é um campo de treino, não?

As palavras de Jisty eram de puro veneno e sarcasmo, com as risadas ganhando mais força daquelas que a acompanhava. Selene, por sua vez, apenas a observou de maneira lamentável por aquela atitude. Observou a garota que cobria o rosto, mesmo com as meninas dizendo não ser sua culpa. Respirou fundo e se voltou para Jisty e suas meninas.

— Treinamento? Chamam isso de treinamento? O que vejo foi um ataque covarde! Não sei porque ainda fico surpresa com isso. — as risadas cessaram por alguns instantes. — Precisa trazer suas meninas para esse campo temendo porque elas não aguentam aqueles mais acima, Jisty? Isso é realmente lamentável, até mesmo pra vocês.

Os punhos de Jisty se fecharam, dando dois passos à frente. Os risos foram silenciados e as garotas se entreolharam perdidas para a 'vampira', como ela era conhecida por conta de sua máscara com presa, como se esperassem para saber o que fazer.

— Ora essa, então acha que pode comigo, Selene? Acha que pode me derrotar aqui? Acha que está à minha altura, levando em consideração dos meus quatro anos no Santuário enquanto chegou aqui... o quê? Um ano? Não me faça rir! — as unhas de suas mãos cresceram naquele momento, como de um gato pronto para o ataque. As garotas recuaram, distanciando-se para abrir espaço para as duas. As meninas que socorreram a oriental também estava à distância assistindo aquele clima tenso criado pelas duas. — Vamos Selene, vamos colocar isso à prova.

Selene apenas baixou a cabeça e maneou negativamente, girando sobre o calcanhar e dando às costas a Jisty, indo de encontro das outras garotas. Aquilo gerou uma fúria na Vampira que avançou contra uma Selene tranquila e despreocupada. As garotas gritaram, mas Jisty nem mesmo chegara perto. Foi como se chocar contra uma parede invisível. Selene havia criado uma muralha naquele curto tempo, visando impedir das garotas de Jisty de se intrometerem no socorro da oriental.

— MALDITA! COVARDE! POR QUE NÃO LUTA COMIGO!? — esbravejou Jisty socando a muralha.

— A regra de Athena é simples e clara, Jisty... — Selene parou seus passos e a olhou de lado, por cima dos ombros — Nunca lutar por motivos pessoais, mas pela paz e pela justiça. Não vou ceder ao seu joguinho... — e continuou a acompanhar, ignorando-a por completo.

Aquelas palavras deixaram Jisty ainda mais enraivecida. Quando estavam longe suficiente, ela conseguiu quebrar a muralha e esse se desfazer em inúmeros cristais que voaram como poeira.

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Após deixar Jisty e suas meninas para trás, Selene e as outras levaram a garota para receber os devidos cuidados. Nada relatou sobre o acontecido, uma vez que a própria garota disse ter se excedido em seus treinamentos e reafirmando isso com medo de represálias. Ela não era a primeira. Poderia relatar aquele episódio a Arles, mas não queria fazer de sua condição de aprendiz do conselheiro do mestre um privilégio. Acreditava que cedo ou tarde ela receberia sua punição, e esperava que isso acontecesse em breve.

Voltou para o campo e treinou com as aprendizes novatas, estas ainda muito receosas. Com as ações de Jisty, era normal o receio pela maioria delas, sobretudo de origem estrangeira.

Pouco a pouco dois núcleos estavam sendo formados no Santuário, tanto dentro como fora do campo das Amazonas: o primeiro seria o Alfa, evidenciando certa soberania e hegemônico que defendia que os cavaleiros de Athena deveriam ser dos gregos, e tinha 'os outros', referindo-se aos estrangeiros. Mesmo alguns 'gregos' era, contra essa idéia, e ou mantinham-se neutros ou ajudando os novatos como a própria Selene, não deixando de sofrer certa hostilidade. Quando se encontrou com os dois irmãos naquela tarde, entre uma conversa e outra o assunto foi tocado e Selene relatando o acontecimento de mais cedo.

— E como está a garota? — perguntou Saga fazendo uma espécie de alongamento nos braços, cruzando o braço direito sobre o peito enquanto o esquerdo se fechava frente ao braço como uma chave.

— Ela está bem. Consegui convencê-la de não desistir por conta disso, que não tinha o que temer. Não vou deixar Jisty assustar as meninas com essa mentalidade tão idiota. — respondeu Selene um tanto injuriada, sentada num galho de árvore mais baixo e de pernas e braços cruzados. Voltou-se para Kanon, assim como Saga, que deu uma risadinha mais no canto.

— Talvez teria sido melhor para ela. Só acho! A Jisty não é do tipo que desiste fácil e está comprando uma briga que não é sua, Selene. Deixe isso pra lá.

— Deixar pra lá? Como posso ignorar isso Kanon? Eu nuca que poderia... — Selene respondia de imediato quando compreendeu a intenção de Kanon. Ele não poderia ver, mas o silêncio e a maneira como ela havia se voltado em sua direção evidenciava sua surpresa. Ela franziu o cenho e movia os lábios como se quisesse dizer algo, buscando as palavras, tudo ocultado por sua máscara. — Peraí! Não posso acreditar que possa pensar assim também, Kanon. Então compactua com isso, com essa hostilidade idiota e sem sentido? Isso não tem qualquer fundamento! Então nem eu deveria estar aqui.

— Opa, opa, não confunda as coisas! — ele levantou os braços como se rendesse ou interpelando as palavras de Selene. Saga apenas observava calado. — Você tem o sangue lemuriano, mas também é uma grega. Tem mais que direito de estar aqui e se mostra merecedora disso. Além do mais, vamos ser honestos aqui, não sou o único aqui a pensar assim.

As palavras de Kanon foram bem enfáticas, alternando seu olhar de Selene para em Saga que apenas o observava calado, de braços cruzados, a expressão fechada. Selene ficou a encarar os dois irmãos, incrédula.

— O Saga aqui pensa em igual. A presença de estrangeiros está demais no Santuário, recebendo mais privilégios que qualquer outro. Não entendo sua surpresa... — disse, rindo em seguida e acenando em positivo. — Ah sim, claro. Poderia esperar isso de mim, não de Saga.

— Já chega, Kanon! — cortou Saga olhando-o com firmeza.

— Estou mentindo? Hoje mesmo falávamos disso de manhã enquanto assistia os aprendizes no anfiteatro, comentando sobre a presença de emigrantes que a cada dia chega ao Santuário... Pff! Seja honesto consigo mesmo ao menos uma vez, Saga.

Os dois já estavam quase a iniciar uma nova discussão novamente, com Saga replicando as provocações do irmão quanto sua imaturidade e de estar distorcendo suas palavras enquanto Kanon apenas ria e fazendo suas insinuações sarcásticas de 'bondoso Saga', o 'perfeito Saga', irritando cada vez mais o irmão que o mandava calar a boca.

— PAREM COM ISSO! — exclamou Selene, fazendo os dois pararem e virarem cada um para o lado de birra um com o outro. — Não vão começar a discutir de novo. Tudo é motivo de desentendimento agora...? Ah, quer saber? Eu nem mesmo deveria ter comentado isso, não sabendo que vocês... — Selene desceu do galho injuriada com aquilo.

— Só tome cuidado com a Jisty, Selene.  — disse Kanon quando a viu que intencionava partir. Ao dizer aquilo, ele a viu parar e se voltar pra ele. — Ela não é do tipo que leva desaforo pra casa, muito menos se deixa ser ignorada. — e piscou pra ela.

Após Selene deixar aquela clareira, Kanon se voltou para o irmão com um sorriso malicioso cortando a face. Saga sentiu o desejo de avançar contra ele, mas se conteve, abrindo e fechando os punhos na tentativa de esvair sua raiva por aquela outra investida do irmão. Fingiu ignorar ou mesmo não ver o seu sorriso cínico.

— Até quando vai fingir aquilo que não é, Saga? Sempre querendo bancar o bonzinho, o correto... Hunf! Está querendo impressioná-la? — disse rindo, soltando uma gargalhada leve. — Quero ver até quando vai bancar o difícil.

— O que ganha com isso, Kanon? — Saga franziu o cenho enquanto observava o irmão, maneando negativamente. — De verdade, qual a sua satisfação em tudo isso?

— A satisfação que não vou levar sozinho o título de vilão. Sei que quer impressioná-la, mas não finja ser algo que não é, meu irmãozinho. Seja honesto com você, ao menos uma vez!

O sorriso que iluminava a face de Kanon se perdeu para uma seriedade como a de Saga. Passou pelo irmão chocando os ombros, em claro sinal de provocação, e deixando-o sozinho. O mais velho levou o punho fechado a boca e socou o tronco de uma árvore com tamanha força que criou um grande dano em seu casco. Manteve o braço esticado ainda por alguns instantes e retraiu, virando o corpo e caindo sentado, recostando-se na árvore.

Bate duas vezes a cabeça contra o tronco em sinal de raiva ou algo do tipo, massageando depois os nós dos dedos da mão que causaram um pequeno ferimento e sangrando. Entre as matas, bem próximo a ele, Saga teve a impressão de ter visto um vulto, virando a cabeça em procura, mas não havia ninguém. Estava sozinho.

Kanon desceu pela trilha, primeiro sorridente, rindo da situação do irmão, mas logo seus passos foram desacelerando como se algo o perturbasse. Parou pouco mais adiante e baixando a cabeça, levando a mão à cintura e se mantendo naquele estado pensativo.

O seu olhar era compenetrado, parecendo fixar-se sobre uma rocha de pouco mais de um metro. Ergueu os braços e os cruzou, levando a direita para trás com os punhos fechados e a esquerda esticada com as mãos abertas e fez seu ataque, chocando-se contra a rocha que criou inúmeras fissuras e esfarelou diante de seus olhos. Recolheu as mãos com certo orgulho e sorriso de canto, olhando para trás e rindo de maneira contida antes de continuar seguir a trilha monte abaixo de volta ao Santuário.

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Selene nem caminhou muito, teleportou-se para longe dali e se arrependeu antes mesmo de tocar o chão chamando-se de idiota por pelo menos três vezes seguidas num estado de raiva e desapontamento. Porém, pouco mais calma, soltou um suspiro.

Não somente havia sido uma tola, como também intransigente por ser comportar daquela maneira. Eles não estavam obrigados a pensar como ela e esperou demais isso deles. Recostou-se na árvore e ficou a observar o céu por alguns instantes até seus olhos recaírem sobre os campos de treinamentos das Amazonas.

Muitas garotas treinavam àquela hora. Seria um bom momento para extravasar seu descontentamento, até mesmo sua injúria e depois conversaria com os garotos. Naquele momento não sabia se tinha ficado com raiva da provocação de Kanon ou do que falou referindo-se ao Saga. Ela ficara muito confusa.

"Idiota! Isso é o que você é, Selene... Uma grande idiota!", pensava Selene em voz alto para si mesma enquanto avançava pelos pátios do Santuário, atravessando corredores passando frente a diversos prédios que serviam de abrigo para soldados, aspirantes e cavaleiros, a prisão e parando ao sopé de entrada das Doze Casas Zodiacais, respirando fundo olhando para os templos sem muita demora.

Conversaria melhor com eles mais tarde. Naquele momento havia de cumprir alguns deveres.

Em suas mãos havia alguns pergaminhos entregue pelo mestre Arles a ser feito na torre astronômica. O céu estava perfeito para os estudos, e após falar-lhe sobre o que viu na última noite, achava pertinentes alguns exercícios. A torre ficava pouco mais afastado do centro do Santuário, precisando cortar uma parte do vale para chegar ao Star Hill, localizado no alto de uma montanha.

Enquanto caminhava, passou próximo ao vale onde sempre acompanhava o treinamento dos garotos, e por um instante ficou a pensar em alguns acontecimentos isolados naquele fim de manhã, levando-a olhar suas mãos e fechá-las suavemente. 'Não!', pensou maneando a cabeça negativamente. Aquilo era uma besteira, algo de sua cabeça, nada mais que isso. Pensar aquilo era algo infantil, algo descabido. Continuou seus passos seguindo a trilha e tentando esquecer aquilo.

Não muito longe dali estava Saga, imerso até à cintura naquelas águas, molhando o rosto e os braços, as axilas. Seus olhos estavam baixos olhando seu reflexo nas águas do lago que foi formado pela pequena queda d'água que não tinha mais de dois metros.

Aquela lagoa era uma extensão de um próximo ao Santuário e aquele que alimentava o rio que cruzava Rodório até outro vilarejo mais adiante que permitia viagem até à Ilha dos Curandeiros, e ao longo de sua extensão ganhava profundidade e correntezas mais fortes — como aquela que passa abaixo do pequeno vilarejo da fatídica noite que separou Selene dos dois irmãos.

Saga parecia bem distraído, mergulhando por vezes na água, enxugando o rosto com as mãos e jogando os longos cabelos para trás. Olhou em direção ao céu limpo e estrelado daquela noite, deixando sua mente vagar para alguns anos atrás. Era aquele mesmo céu, as mesmas estrelas...

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— Santuário da Grécia! Ouviu falar da lenda dos Cavaleiros de Athena? — disse Saga apontando para um grande mural onde havia as ruínas do Santuário de Athena. Estavam num museu de artes, ao lado de Kanon que também observava muito sério aquela enorme fotografia. —  Eu quero ser um Cavaleiro de Athena!

— Eu também quero. Vestir uma bela armadura e lutar com todos! Serei o mais forte! — disse Kanon com os olhos arregalados pela empolgação, fechando as mãos e elevando a altura do peito. Ouviu o irmão 'corrigir' suas palavras de 'Nós dois seremos!', e aceitou, com largo sorriso no rosto.

Tinham apenas quatro anos, ou cinco, acompanhado de seus pais numa festa temática sobre Grécia, terra natal da família, mas que estavam bem distantes naquele tempo.

Lembrava-se daquela noite em pegarem mapas e traçarem planos de uma viagem futura no sonho de se tornarem cavaleiros contados por seu avô quando falava de 'bravos guerreiros que lutavam pela paz na terra', uma história também contada por seu pai, e pelo pai de seu pai e recontada por gerações.

O pai dos meninos dizia que tudo não passava de histórias, chegando a repreender o velho homem pela ilusão na cabeça dos gêmeos. Porém, aquilo havia ficado marcado em suas mentes e sendo um sonho que se concretizava agora. Estava no Santuário ao lado de Kanon, mas longe de ser aquilo que planejaram.

— Quando vai deixar de ser tão prepotente, Saga? — exclamou Kanon uma noite antes da chegada de Selene, na casa de Gêmeos. — Não percebe o quão irritante isso é?

— Prepotência? Por que não seja responsável ao menos uma única vez, Kanon, em admitir os seus erros? — respondeu Saga de imediato fitando o irmão.

A briga dos dois passavam ser mais intenso naqueles anos em treinamento no Santuário, sobretudo quando Sólon estava a treinar os dois e precisando separá-los posteriormente. Segundo o próprio Geminiano, os dois irmãos tinham formas muitos distintas de desenvolvimento.

Saga sempre se mostrou mais interessado e atencioso, enquanto Kanon era mais desleixado ainda que mostrasse bons resultados, sem contar de muitas brigas que provocava com outros aprendizes por sua confiança exagerada de si mesmo. E naquele dia não foi diferente, provocando brigas com outros aprendizes desnecessariamente.

— Ah sim, queira me desculpar, 'Sr. Perfeição'. Eu havia me esquecido no quanto é certinho, o queridinho do mestre. — As palavras de Kanon foi de puro sarcasmo, acompanhado de um olhar e expressões de ironia para com o irmão que continuava a olhá-lo sério, respirando fundo para se controlar. — Talvez eu admita qualquer coisa quando também admitir quem realmente é e não esse que todos pensam ser, Saga. Está sempre agradando a todos, pra quê? Pff! Por favor... Você nunca me enganou!

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Saga socou a água, fazendo seu reflexo sumir. Não queria lembrar de nada daquilo. Juntou pouco de águas nas palmas da mão e jogou no rosto antes de se levantar. A noite estava avançando rápido e ficando não somente tarde como já esfriando.

Conforme caminhava para a beira do rio, revelava a nudez de seu corpo, o físico definido pelos árduos treinamentos, o peitoral livre forte como os braços e uma barriga definida. Saga parecia bem à vontade ali, despreocupado com qualquer algo que pressentia rondá-lo nas proximidades.

Selene conhecia o som das águas ali próximas, da pequena queda d'água e do rio que, inclusive, ela já tomara banho ali. As águas frias era um bom relaxante após um dia de treinamento, e aquela noite pedia um momento desses. Porém, havia algo a ser feito e sua corrida ao rio seria apenas para encher um cantil para seguir a noite de estudos. Porém, conforme se aproximava percebia que havia alguém banhando-se no rio. Pensou seguir para o outro lado quando, pouco mais a favor da luz do luar, ser Saga a banhar-se, parecendo compenetrado na água. A garota parou seus passos e se abaixou lentamente, observando-o por longo tempo. Ela assistiu ele lavar seu rosto, jogar os cabelos para trás.

Selene nem percebeu, mas estava com sua máscara em mãos observando Saga distante, escondida entre os arbustos e da árvore. Ela sorriu discretamente, um tanto encantada com a beleza de Saga naquele momento, com ele movendo as águas, mergulhando um pouco mais e seguir em direção à beira do rio.

Estava tão distraída que somente se deu conta de sua nudez quando fora da água, sentindo seu rosto queimar e deixando os pergaminhos que carregava caírem sobre as folhas secas e gerando um eco — já que o local guardava um silêncio profundo e ambos ali sozinhos.

Selene se recolheu atrás do tronco, recolhendo os pergaminhos e vestindo a máscara quando desapareceu, teleportando-se para longe dali no instante que Saga se aproximou.

Ele maneou negativamente e voltou para recolher suas roupas e partir para seu descanso.

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Durante sua subida, a sua menete pregava peças com a imagem que viu de Saga banhando-se no rio. Jamais havia sentido o corpo reagir daquela maneira, muito menos a face queimar sobre a máscara. Nem mesmo os dias mais quentes sentiu-se tão sufocada.

Normalmente aquela subida não a cansava, mas sentia-se ofegante. Uma vez que chegou ao seu destino, rendeu-se ao  cansaço e sentando-se sobre as próprias pernas. Sentiu um aperto em seu peito, olhando em direção do templo. O que era aquilo que sentia? Levantou-se e avançou, olhando mais uma vez o céu limpo como se elas pudessem responder.

Aquela prometia ser a mais longa de todas as noites. Haveria de fazer anotações, mas a sua mente estava dispersa demais para isso.

A todo momento sua mente era traída por lembranças que envolviam o Saga, algo tão corriqueiro que não entendia do porquê estar pensando naquilo. Eram os treinamentos, quando se encontravam ao acaso no pátio ou quando levava o seu almoço e para Kanon, mas disso partindo para outros momentos quando era imobilizada por ele, em simples toques como daquela manhã e depois de seu banho no rio. Selene simplesmente largou o telescópio e se sentou recostada na parede.

Levou as duas mãos ao rosto e jogando os cabelos para trás, batendo os dois pés no chão impaciente. Precisava se concentrar, havia um relatório a ser feito. Buscou por seu cantil de água e se lembrou que, assustada, não o encheu. O que tinha eram algumas frutas, e somente aquilo para sua noite.

Tomando mais uma vez o telescópio, observava cada uma das constelações, vendo algumas bem mais brilhantes que de dias anteriores e escrevendo algo como suas posições e variações como de Cão Menor, de Órion, localizando a eclíptica que cruza a constelação de gêmeos conforme a matemática das constelações.

Selene reduziu pouco somente para englobar o quadrante quando viu as duas estrelas mais brilhantes. Porém, algo a assustou: ela não localizava a estrela de Castor. Era como se esta tivesse sido apagado, ao contrário de Pollux que parecia mais brilhante. A jovem afastou-se do telescópio e ficou a ver o céu a olho nu, sentindo o coração palpitar em estranhamento por aquilo.

Tomou o pergaminho para anotar, mas resolveu observar mais uma vez, observando as duas estrelas tão brilhante como de outrora. Ela engoliu a seco, sem compreender o que via. Há poucos instantes Castor parecia 'morta', apagada, e agora estava tão brilhante quanto a sua primeira.

Será que sua mente, por estar tão distante, atrapalhava sua concentração?

Repousou a cabeça no aparelho e deixou sua mente esvaziar, aliviar-se daquela tensão. Sentiu os lábios ressecarem naquele momento e seu corpo estremecer. De fato, aquela não seria uma noite e estudos. Os seus pensamentos estavam unicamente voltados para Saga.

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— E então, há algo pra mim? — indagou Arles mexendo em sua mesa com muitos rolos de pergaminhos abertos quando viu Selene atravessar a porta. O dia havia acabado de amanhecer, e assim como ela, havia pernoitado naquela sala. Pegou o rolo de pergaminho da garota e olhando suas anotações admirado. — A noite pareceu bem proveitosa.

— Ahh, sim. As constelações estavam bastante instáveis nesta noite. Mantive minha atenção no aglomerado Messier, onde tinha o melhor campo de visão, concentrando-se em Auriga, Leão Menor, Capella e...  — ela não continuou, apenas soltando um suspiro. Arles alternou seu olhar para ela, esperando que terminasse. — E só. Eram as mais brilhantes e... Lembro quando disse quando as estrelas se comportavam assim. Foi como de Pegasus, não?

Selene desviou do assunto. Como explicar de uma estrela se apagar e manter-se brilhante segundos depois? Ao longo da noite voltara sua atenção a Gemini, mas ela se mantinha estável, sem qualquer 'perturbação' como parecera ver naquele momento com Castor. Caso visse mais uma vez anotaria no pergaminho, mas nada houve e achou desnecessário comentar aquilo.

— Estive conversando com Mu e lembrei quando comentou que Pegasus estava sempre a acompanhar Athena... — Arles compreendia onde ela queria chegar e assentiu — Isso quer dizer que a deusa Athena em breve estará conosco, não é mesmo?

— Acreditamos que sim, Selene. Conversei com Shion sobre isso e ele disse que já é o tempo de Athena, e em breve seremos agraciados com sua presença. — ele sorriu de modo sereno, fechando os olhos por breves instantes enquanto enrolava o pergaminho. — Ele ficou muito feliz em receber essa revelação, principalmente vindo de você. Entende o porquê dos estudo em Star Hill?

Selene assentiu, orgulhosa de si mesma por seu feito. Estudaram pouco mais na Biblioteca do Santuário e depois dispensada pelo resto da manhã para descaso após uma noite em claro, com pensamentos divididos entre Saga e ao exercício. Quando se deitou na cama, adormeceu com sua mente mais uma vez pensando no mais velho dos irmãos e Selene sorriu, olhando para sua mão e tomada pelo sono.

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— Ela não virá, Kanon! — dizia Saga bebendo pouco de sua água e olhando o irmão olhar impaciente para o caminho sempre tomado por Selene — Espera mesmo que aquele seu espetáculo de ontem a faria aparecer aqui hoje? Ingenuidade a sua...

— Espetáculo? Não sei do que está falando. Disse alguma mentira? Você mesmo disse que havia estrangeiros demais no Santuário e isso estava ficando insuportável! — disse Kanon se voltando para o irmão que parou de beber a água e fitando-o pelo canto do olho.  — Mas não, preferia ficar quieto para que? Impressioná-la? Pff! — disse cruzando os braços e maneando negativamente até que refletiu sobre algo, olhando para Saga e rindo —  É isso, tá querendo impressioná-la, Saga? Hahahaaa! Agora tudo faz sentido... — Saga fechou o cantil e desviou o olhar de Kanon, mas voltando vez ou outra, olhando o caminho e agora torcendo para que Selene chegasse ali. — Incrível isso. É a mesma coisa como foi com papai e a mamãe...

O movimento foi rápido, e Kanon apenas sentiu Saga avançar contra ele com sua mão na jugular do irmão mais novo. Kanon só teve tempo de segurar o braço do irmão mais velho quando sentiu suas costas se chocarem contra a árvore, derrubando algumas folhas secas. Ao contrário de se sentir intimidado, Kanon apenas sorriu, deixando o riso fluir naturalmente pela ação inesperada do irmão.

— Isso, Saga... Continue! É bem assim que te conheço... — e ria. Saga respirava ofegante, soltando suas mãos lentamente da jugular do irmão.

— Por que, Kanon? Quando começou isso? Planejamos chegar aqui, de nos tornamos cavaleiros juntos quando criança... Por que isso? — os olhos de Saga eram brilhantes para o irmão. Kanon ficou a olhá-lo por alguns instantes, levantando os braços para desvencilhar-se de Saga e encarando-o por alguns instantes antes de se afastar, massageando o pescoço.

— Já muito tempo que pensava nisso. Acho que nossos treinamentos não estão ajudando em nada, Saga. — Kanon se voltou de frente para o irmão que ainda o olhava sério, mas que franzia o cenho com relação àquelas palavras. — Aqui será cada um por si e sabe muito bem do que estou falando. Vamos ser realistas ao menos uma vez e enterrar esse passado. As coisas ficaram bem diferentes aqui e isso será provado dentro de alguns dias. — concluiu, apontando em direção ao chão como se quisesse destacar algo, fazer um marco. Saga o chamou de maneira paciente, mas Kanon apenas deu as costas. — Adeus, Saga. Dentro de alguns dias não seremos irmãos. Aliás... quando realmente fomos um? — e partiu, deixando Saga sozinho naquele vale, levando a mão à fronte.

De fato, a visão do Santuário naquele lugar era realmente esplêndido, digno de um quadro. Era uma paisagem realmente impressionante, mas naqueles últimos três dias não tinha demonstrado tanto interesse como naquele fim de tarde. De braços cruzados, estava de frente para o Santuário, mas seus olhos perdidos num vazio. Voltou-se para a clareira, seus olhos buscando cada canto, mas não tinha a presença de qualquer um senão ele.

Kanon cumprira com sua palavra e não foi visto desde aquele dia, nem mesmo nas proximidades do Santuário ou treinando no anfiteatro. Estava mesmo obstinado. De pensar que ambos, por anos, havia alimentado o desejo de se tornarem cavaleiros, o sonho estava diante deles, mas não como haviam pensado. "Talvez devesse ter imaginado isso...", pegou-se pensando nisso e maneando a cabeça negativamente.

Bem mais que a ausência de Kanon, sentia mais a falta de Selene desde aquelas palavras ácidas do irmão para com ele diante dela, fazendo-a partir e não mais trocarem palavras desde então. Aquilo o irritou, havia o perturbado demais, mas acreditava que um dia seria o suficiente para que estivessem, ambos, relaxados suficientes para conversarem... mas não aconteceu. Não a viu, nem mesmo sua sombra ao longo daquele dia nem ao anoitecer.

Embora tivesse concentrado seu treinamento no anfiteatro, voltou à clareira esperando encontrá-la, mas em vão. Estaria tão irritada ou chateada a ponto de evitá-lo?

"Ah, ela não tem aparecido tanto. Ao que sei, tem recebido alguns trabalhos direto do Mestre", respondeu uma Amazona novata quando abordado por Saga, tomado por uma angústia que mesmo ele, não acreditou ser tão perturbador.

"Gostaria muito de falar-lhe, Selene. Não queria mentir ou mesmo esconder isso de você, mas...", pensava pra si mesmo, deixando aquelas palavras escaparem de sua boca num fio de voz e seguida de um suspiro.

Lançou um último olhar para o Santuário e deu às costas para pegar seus pertences quando observou uma flor roxa, a única em meio aqueles arbustos espinhosos. Recolheu a pequena flor, uma íris, com um tom que lembrava bem os olhos de Selene ao que ele bem recordava daquela noite quando ela o removeu pouco de sua máscara.

Saga sorriu, jogando a bolsa em seus ombros e descendo o caminho de volta ao Santuário. Entre os arbustos, no canto mais escuro da copa das árvores, uma sombra o espreitava, e desapareceu entre as sombras.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo...A tensão entre os irmãos crescem e deixa mai evidente a rivalidade por trás de algo escindido - esquecido - no passado. Um grande embate acontecerá pela conquista da glória e do ódio.Obrigado pelos comentários e indicações. Em breve, um novo capítulo já em desenvolvimento.



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